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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09551/16
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
SUBSÍDIOS JURISPRUDENCIAIS RELATIVOS À APLICAÇÃO DO ARTº.23, DO C.I.R.C.
ENCARGOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS. ARTº.41, Nº.1, AL.H), DO C.I.R.C.
DESPESAS DE DESLOCAÇÕES E ESTADAS. CONCEITO. INSERÇÃO CONTABILÍSTICA.
Sumário:1. A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
2. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
3. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
4. Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
a-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;
b-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;
c-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.
5. Estipulava o artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C., que não era permitida a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação. Nesse aspecto, se pode defender que o preceito em análise (artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C.) constituía um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não podia ser dispensada (cfr.artºs.364 e 393, do C.Civil; artº.607, nº.5, do C.P.Civil).
6. As despesas de deslocações e estadas são as suportadas pelos sujeitos passivos de I.R.C., quando estivermos perante encargos com transporte, estadias e refeições comportadas com trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes para fora do local de trabalho e mediante a apresentação de um documento comprovativo, mais devendo tais custos ser inscritos na conta 62 - Fornecimentos e serviços externos, face ao anterior regime do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11 (regime aplicável ao caso "sub judice" - cfr.artº.12, do C.Civil). Pelo contrário, se tais encargos fossem suportados através de ajudas de custo (sem apresentação do respectivo documento comprovativo da despesa), deviam ser inscritos na conta 64 - Custos com o pessoal.
7.O tratamento contabilístico de tais despesas de deslocações e estadas também pode basear-se em deslocações ao serviço da empresa efectuadas pelos seus sócios-gerentes.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.363 a 374 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida, “E…, L.da.”, intentada, visando acto de liquidação de I.R.C., relativo ao ano de 1992 e no montante total de € 28.470,35 (5.707.793$00).
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.419 a 430 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa a decisão proferida no processo em referência, que julgou parcialmente procedente a presente impugnação judicial apresentada pela impugnante “E…, Lda” (doravante designada por recorrida), e como tal, decidiu pela anulação parcial do acto de liquidação adicional de IRC n.° …, referente ao exercício de 1992, a qual foi apurada pelos serviços de fiscalização tributária através do preenchimento do Mapa de Apuramento de IRC Mod. DC-22;
2-Importa, todavia, salientar, desde já, que o presente recurso recai nas seguintes correcções:
a) Correcção concretizada no âmbito das despesas qualificadas como “subcontratos”;
b) Correcção respeitante a deslocações e estadas inseridas no quadro 20, campo 230, conta 62227;
3-Constata-se, relativamente às correcções respeitantes aos subcontratos e às deslocações e estada dos sócios gerentes, constantes do aludido mapa de apuramento que, ainda que sucintamente, evidenciam os fundamentos de facto e de direito que determinam a efectivação das preditas correcções;
4-Da correcção relativa aos subcontratos foi constatado, tal como resulta do mapa de apuramento Mod. DC-22, que o valor objecto de correcção se refere a documentos que a empresa contabilizou na rubrica em causa, ainda que os mesmos tenham sido emitidos a favor de outras empresas, razão pela qual tais despesas só poderão ser consideradas não devidamente documentadas, facto que, tendo em vista o disposto no art.° 23°, n.° 1 do CIRC, bem como o art.° 41°, n. 1, al. h) do mesmo código, obsta a que as mesmas sejam aceites como custos dedutíveis para efeitos fiscais;
5-No que concerne à deslocação dos sócios gerentes ao estrangeiro, não se prova nem a sua indispensabilidade, como regra imposta pelo art.° 23° do CIRC, nem que tenham sido efectuadas tais deslocações, conforme pretende provar a recorrida com base em cópias de simples missivas de parceiros comerciais europeus que pretendem confirmar a sua presença nas suas empresas, desprovidas de idoneidade para o efeito, quando seria mais justificável a juncão de documentos de despesas ocorridas nessas datas e países;
6-Atentemos, pois ao seguinte: é consabido que todos os lançamentos devem estar apoiados nos correspondentes documentos justificativos, sendo que, no caso das despesas em causa, tais documentos devem necessariamente ter origem externa à própria empresa, por ser esse o único requisito que lhes confere presunção de autenticidade;
7-De facto, para suportar o requisito da efectiva existência do gasto e para que dos mesmos se possa aferir em sede de IRC é preciso que estejam suficientemente documentados/comprovados, dando-se cumprimento ao disposto no n.° 1 do art.° 23.°, do CIRC;
8-Efectivamente os documentos existentes não revelam no seu conteúdo os elementos mínimos de informação sobre diversos aspectos relevantes para a ulterior e indispensável aferição e conferência da efectiva concretização dos custos indicados, nomeadamente, as deslocações e estadas;
9-Daí, o entendimento aceitável no caso sub judice, de que perante a deficiência e carência documental apresentada, os custos relevados na Mod. 22 não poderem ser aceites e, em consequência, reveste-se de adequação o considerar estas despesas como não devidamente documentadas;
10-Na verdade, estando em causa custos não comprovados, encargos não devidamente documentados, por força do disposto nos arts. 23.° n.° 1 e 41.° n.° 1 al. h) CIRC, convivemos com perdas que não são dedutíveis para efeitos de apuramento, determinação, do lucro tributável do exercício em que foram incorridas, não relevando a circunstância da sua contabilização haver sido rotulada e tratada na condição de custos;
11-Foi, portanto, acertada e conforme com estes ditames legais, as correcções efectuadas que consistiram no acréscimo ao lucro tributável, declarado no exercício de 1992, do que decorre, necessariamente, na parte correspondente, a legalidade da liquidação adicional na sua plenitude;
12-Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cfr.fls.440 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.367 a 370 dos autos - numeração nossa):
1-Em 9/08/1996, os serviços de fiscalização tributária preencheram Mapa de Apuramento de IRC Mod. DC-22, relativo ao exercício de 1992 da sociedade impugnante, onde são evidenciadas as correcções efetuadas, e do qual consta, designadamente, o seguinte:
"(...)
Quadro 20 Campo 207: corrige-se o montante de Esc.706.109$00 referente ao valor das provisões constituídas no exercício por percentagens superiores às estabelecidas legalmente de acordo com o disposto no n.° 2 do art.° 34 e art.° 18 do CIRC.
Quadro 20 Campo 220: corrige-se o montante de Esc.128.824$00 referente a importâncias devidas pelo aluguer dos veículos de matrícula e , sem condutor, nos termos do art.° 41.°, n.° 1, al. i) do CIRC.
Quadro 20 Campo 230: corrige-se o montante de Esc.7.474.589$00, que se desdobra nas seguintes rubricas e contas:
62.1 - Subcontratos - 2.992.736$00, referente a documentos que a empresa contabiliza nesta rubrica, mas emitidos a favor de outras empresas, considerando-se despesas não devidamente documentadas, tendo-se constatado que uma das facturas foi mesmo contabilizada em duplicado.

62232 - Conservação e reparação - 1.851.512$00 - A empresa contabiliza nesta rubrica bens que serão de considerar bens do imobilizado, razão por que se corrige este montante, que corresponde à diferença entre o contabilizado e o valor resultante da aplicação da taxa de amortização relativamente a esses bens, conforme cálculos que se seguem:

Móveis - 517.241$00 -12,5% - 64.655$00
Inst. Eléctricas - 250.000$00 -10% - 25.000$00
Inst. Metálicos - 1.280.600$00 - 8,33% -106.674$00
Total: 2.047.841$00 196.329$00

Valor a corrigir: 2.047.841$00 -196.329$00 = 1.851.512$00

62227 - Deslocações e estadas - 12.630.341$00 - referente ao pagamento de kilómetros a pessoas que não pertencem ao quadro da empresa - 660.191$00 - bem como dos Sócios gerentes na deslocação ao estrangeiro, contabilizado num único documento em 31/12/91, e, segundo declaração da pessoa responsável pela contabilidade, não existir documentos comprovativos de estadia dessas pessoas nesses mesmos países estrangeiros, para além do documento interno, relativamente ao pagamento dos quilómetros - 1.970.150$00.
(...)
(cfr.documento junto a fls.19 e 20 dos presentes autos);
2-Em 08/11/1996, como concretização do DC 22 mencionado no nº.1, foi emitida pela A.T. a liquidação adicional de IRC a que respeita o documento de cobrança nº. …, em nome da impugnante, relativa ao exercício de 1992, no montante de 5.707.793$00 (cfr.documento junto a fls.18 dos presentes autos);
3-A impugnante contabilizou na conta 62101 a fatura n°.6568 de 14/04/1992, emitida por "A…, Lda” em nome de “J…, Lda”, no montante de 495.632$00, e na conta 7211 a sua fatura nº.3045 de 16/03/1992, emitida em nome da mesma entidade e pelo mesmo montante (cfr.documentos juntos a fls.29 a 32 dos presentes autos);
4-A impugnante realizou o mesmo procedimento contabilístico relativamente às faturas constantes de fls.33, 34, 37 e 38 dos presentes autos, totalizando estas o montante de 1.409.782$00, contabilizado em simultâneo nas contas 62101 e 7211 (cfr.documentos juntos a fls.33 a 40 dos presentes autos);
5-A impugnante contabilizou no exercício de 1992, na conta 62227 - Deslocações e Estadas - o montante total de 660.191$00 referente ao pagamento de Kms a pessoas que não pertencem ao quadro da empresa (cfr.documento junto a fls.19 e 20 dos presentes autos; acordo das partes);
6-A impugnante contabilizou nove documentos intitulados “Recibo de Deslocação”, assinados pelos seus sócios-gerentes, no montante total de 1.970.150$00, nos quais consta a indicação de Kms efetuados a diversas cidades europeias com a indicação da matrícula do veículo pessoal e no seu verso, o teor sintético do objetivo das viagens (cfr. documentos juntos a fIs.41 a 58 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
7-A impugnante possui nos seus registos documentos remetidos pelas entidades visitadas pelos seus sócios-gerentes atestando a visita destes às suas instalações /escritórios (cfr.documentos juntos a fls.42, 44, 46, 48, 50, 52, 54, 56 e 58, traduzidos a fls.302 a 334 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…1-Não foi provado que o pagamento mencionado no nº.5 da matéria de facto tenha sido feito por trabalho prestado ao abrigo de contrato, ainda que verbal, de aquisição de serviços sob a autoridade e direção da Impugnante.
Não se provaram outros factos, com interesse para a presente decisão…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório. Em concreto o facto dado como não provado resulta da circunstância da Impugnante não ter logrado produzir qualquer prova quanto ao facto alegado…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
8-A sociedade impugnante, “E…, L.da.”, com o n.i.p.c. …, tem como actividade principal a prestação de serviços de navegação, trânsitos nacionais e internacionais, e seus afins (cfr.certidão permanente da sociedade junta a fls.224 a 226 dos presentes autos);
9-A factura nº.6568 de 14/04/1992, emitida por "A…, Lda” em nome de “J…, Lda”, identificada no nº.3 do probatório, foi paga pela sociedade impugnante, em nome e por conta da sua cliente “J…, Lda”, em virtude do que emitiu a factura nº.3045, tudo no âmbito de serviços subcontratados pela mesma (cfr. documentos juntos a fls.29 e 30 dos presentes autos);
10-O mesmo género de procedimento contabilístico se verificou no que diz respeito às facturas mencionadas no nº.4 do probatório supra (cfr.documentos juntos a fls.33, 34, 37 e 38 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese:
1-Julgar parcialmente procedente a impugnação quanto à correcção ao nível dos custos com “subcontratos”, relativamente ao montante de 1.905.414$00;
2-Julgar procedente quanto à correcção de “despesas de deslocação e estada dos sócios gerentes”;
3-Em consequência, determinar a anulação parcial da liquidação de I.R.C. nº. …, datada de 8/11/1996, por forma a ser considerada uma matéria colectável no montante de 6.296.329$00/€ 31.405,96, com a correspondente anulação dos juros compensatórios proporcionais.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em primeiro lugar, que a correcção respeitante a despesas com "subcontratos" se encontra devidamente fundamentada. Que o valor objecto da correcção se refere a documentos que a empresa contabilizou na rúbrica em causa, ainda que os mesmos tenham sido emitidos a favor de outras empresas, razão pela qual tais despesas só poderão ser consideradas não devidamente documentadas, facto que, tendo em vista o disposto nos artºs.23, nº.1, e 41, nº.1, al.h), do C.I.R.C., obsta a que as mesmas sejam aceites como custos dedutíveis para efeitos fiscais (cfr.conclusões 3 e 4 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1992; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve apelar-se a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
1-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);
2-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que, nem por isso, deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);
3-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Revertendo ao caso dos autos, defende, em resumo, a Fazenda Pública que não podem ser admitidos os custos com "subcontratos", visto que baseados em documentos contabilísticos emitidos a favor de outras empresas, razão pela qual tais despesas só poderão ser consideradas não devidamente documentadas, facto que, tendo em vista o disposto nos artºs.23, nº.1, e 41, nº.1, al.h), do C.I.R.C., obsta a que as mesmas sejam aceites para efeitos fiscais.
Por seu lado, a decisão recorrida concluiu que, atenta a factualidade provada constante dos nºs.3 e 4 do probatório, deve relevar-se como custos o montante parcial de 1.905.414$00/€ 9.504,16, visto que resulta da factualidade provada, sendo assumido pelo impugnante, que a mesma laborou em manifesto erro de contabilização, ao considerar aqueles valores como custos e proveitos efectivos do exercício (contas 62101 e 7211), quando deveria tê-lo contabilizado numa conta de terceiros apropriada. Que, não obstante o erro de contabilização daquele valor, tal engano não teve qualquer repercussão ao nível do apuramento da matéria colectável em sede de I.R.C. Ao invés, a A. Fiscal ao actuar como actuou, corrigindo aquele valor apenas ao nível dos custos, provocou uma evidente e ilegal distorção na matéria colectável do exercício de 1992, porquanto, ao abrigo do princípio da tributação pelo lucro real e efectivo, encontrava-se obrigada a proceder à mesma correcção ao nível dos proveitos, pelo que não deve tal correcção manter-se na ordem jurídica, nesta parte.
Vejamos quem tem razão.
O imperativo constitucional da tributação dos sujeitos passivos de I.R.C. segundo o seu lucro real produz distintas consequências, num equilíbrio dos direitos das empresas na opção pela tributação de acordo com a sua contabilidade, estruturada segundo princípios de balanço comercial, e das limitações especificamente previstas para a passagem daquele balanço para o balanço fiscal, enquanto base da determinação do lucro tributável.
Abordando, agora, os encargos não devidamente documentados, estipulava o artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C., que não era permitida a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, ob.cit., pag.347). Nesse aspecto, se pode defender que o preceito em análise (artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C.) constituía um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não podia ser dispensada (cfr.artºs.364 e 393, do C.Civil; artº.607, nº.5, do C.P.Civil; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/99, rec.23817; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/9/2015, proc. 8225/14).
Revertendo ao caso dos autos, tais custos estão devidamente documentados (documentos externos - cfr.nºs.3, 4, 9 e 10 do probatório), e revelam-se enquadráveis no artº.23, do C.I.R.C., até levando em consideração a actividade desenvolvida pela sociedade impugnante (cfr.nº.8 do probatório).
Por outro lado, e conforme realça a decisão recorrida, o tratamento contabilístico efectuado em relação a tais facturas, embora não se possa considerar o correcto (deveria ter contabilizado tais documentos contabilísticos numa conta de terceiros), tal engano não teve qualquer repercussão ao nível do apuramento da matéria colectável em sede de I.R.C., visto que o sujeito passivo contabilizou os montantes em causa como custos e proveitos efectivos do exercício (contas 62101 - Custos e perdas/subcontratos - e 7211 - proveitos e ganhos/prestações de serviços).
Ao invés, a A. Fiscal ao actuar como actuou, corrigindo aquele valor apenas ao nível dos custos, provocou uma evidente e ilegal distorção na matéria colectável do exercício de 1992, porquanto, ao abrigo do princípio da tributação pelo lucro real e efectivo, encontrava-se obrigada a proceder à mesma correcção ao nível dos proveitos, pelo que não deve tal correcção manter-se na ordem jurídica, nesta parte.
Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso, em consequência se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”, neste segmento.
Mais aduz o recorrente que relativamente à deslocação dos sócios gerentes ao estrangeiro, não se prova nem a sua indispensabilidade, como regra imposta pelo artº.23, do C.I.R.C., nem que tenham sido efectuadas tais deslocações, conforme pretende provar a recorrida com base em cópias de simples missivas de parceiros comerciais europeus que pretendem confirmar a sua presença nas suas empresas, desprovidas de idoneidade para o efeito, quando seria mais justificável a juncão de documentos de despesas ocorridas nessas datas e países. Que os documentos existentes não revelam, no seu conteúdo, os elementos mínimos de informação sobre diversos aspectos relevantes para a ulterior e indispensável aferição e conferência da efectiva concretização dos custos indicados, nomeadamente, as deslocações e estadas (cfr.conclusões 5 a 8 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
Especificamente, no que se refere às despesas de deslocações e estadas, são as mesmas suportadas pelos sujeitos passivos de I.R.C. quando estivermos perante encargos com transporte, estadias e refeições comportadas com trabalhadores dependentes da empresa/sócios-gerentes actuando ao serviço da empresa, por motivos de deslocação destes para fora do local de trabalho e mediante a apresentação de um documento comprovativo, mais devendo tais custos ser inscritos na conta 62 - Fornecimentos e serviços externos, face ao anterior regime do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11 (regime aplicável ao caso "sub judice" - cfr.artº.12, do C.Civil). Pelo contrário, se tais encargos fossem suportados através de ajudas de custo (sem apresentação do respectivo documento comprovativo da despesa), deviam ser inscritos na conta 64 - Custos com o pessoal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/05/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/9/2015, proc.8225/14; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.277).
"In casu", a A. Fiscal baseia a correcção em causa (cfr.nº.1 do probatório) na respectiva contabilização formal do mesmo valor (1.970.150$00), não questionando os recibos de deslocação/boletins itinerários preenchidos pelos sócios-gerentes (não é o facto de se tratar de sócios-gerentes da sociedade que impede o seu tratamento fiscal como um qualquer colaborador ou trabalhador da sociedade, desde que actuem ao serviço da sociedade e em seu benefício), mais não colocando em causa a efectivação daqueles custos através do real pagamento dos valores/existência de custos contabilizados referentes às mesmas deslocações (cfr.nºs.6 e 7 do probatório).
Por outras palavras, a A. Fiscal não demonstrou com fundamentação bastante que a sociedade impugnante/recorrida não incorreu naqueles custos e, por sua vez, esta apresentou elementos documentais de que os suportou.
E recorde-se, conforme se alude supra, que a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.), pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do artº.23, do C.I.R.C., normativo agora chamado à colação pelo recorrente.
Face ao exposto, também este alicerce do recurso deve improceder.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 9 de Junho de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)