Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2965/12.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
FALTA DE NOTIFICAÇÃO LIQUIDAÇÃO.
Sumário:I. A oposição judicial à execução é meio próprio para a exequente fazer valer o seu direito à extinção desta com fundamento na inexigibilidade do pagamento da quantia exequenda por falta de notificação da decisão final do procedimento contra-ordenacional.

II. Sendo a notificação efectuada por carta registada estabelece a lei que a mesma se presume efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (n.º 1 do artigo 39.º).

III. Mas esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou parcialmente procedente a oposição que J............. deduziu à execução fiscal nº ……………. e aps. que lhe foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Moura, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas e encargos de processos de contra-ordenação fiscal, dos anos de 2000, 2003 e 2004, IRS do ano de 1999 e ainda de IVA dos anos de 1999, 2001 e 2002, vem dela interpor recurso para este Tribunal Central.

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. A douta sentença ora recorrida padece de erro de julgamento, porquanto considerou como notificações da liquidação dos tributos e coimas exequendos, os avisos/citação e citações efectuados no âmbito dos processos executivos e não teve em devida consideração o disposto no artigo 19°, n°s 2 e 3, da Lei Geral Tributária.

B. Sendo devolvidas as notificações da liquidação dos tributos e coimas, remetidas via postal para o seu domicílio fiscal, e o oponente alegue ali já não residir, deveria o mesmo ter comunicado a mudança do domicílio fiscal, face ao determinado no artigo 19°, n°2, da LGT.

C. A falta de comunicação da mudança de domicílio, nos termos do disposto no artigo 19°, n° 3, da Lei Geral Tributária é ineficaz perante a administração Tributária, o que se verifica no caso presente.

D. A entrega da declaração de início de actividade pelo oponente, declarando outra morada, não constitui o meio idóneo para se considerar comunicada eficazmente a alteração do seu domicílio fiscal.

E. A mudança do domicílio fiscal deverá ser comunicada no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no artigo 8°, n°2, do Decreto-Lei n° 463/79, de 30/11.

F. A douta sentença "a quo" enferma ainda do vício de excesso de pronúncia já que veio tomar conhecimento em quantidade superior ao que o oponente vem pedir, o que é causa de nulidade - artigo 668°,n°1,al. e), do Código de Processo Civil.

Pelas razões acima expendidas

A representação da Fazenda Pública requer seja revogada a sentença recorrida,

E substituída por decisão que julgue a oposição improcedente.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.


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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de considerar; verificada a nulidade da sentença por excesso de pronúncia; insuficiência dos factos provados, considerando improcedente o recurso quanto ao IVA de 2001 e 2002, devendo «anular-se a sentença recorrida, nos termos do artigo 715º/4 do CPC, por défice instrutório, tendo em vista a continuação da instrução dos autos a fim de se determinar a data da notificação (ou não) da liquidação do IRS de 1999 à oponente.(…)».


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Colhidos que se mostram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas as questões a decidir são as seguintes:

- Nulidade da sentença por excesso de pronúncia;

- Erro de julgamento de facto e de direito.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A. DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

A) O processo de execução fiscal n°………………. , foi autuado em 2000.03.30, no serviço de Finanças de Moura, por dívidas de coimas fiscais;

a. Tem por base:

i. Certidão emitida em 2000.03.21, que atesta que o executado, é devedor de PTE 39.000$00 dos quais PTE 32.000$00 de coima, fixada no processo de contra-ordenação n°………… e ainda nas custas no montante de PTE 7.000,00, que foram liquidadas no mesmo processo, cujo prazo de pagamento terminou em 2000.03.07; mais atesta que são devidos juros de mora sobre o montante de PTE 7.000$00, contados desde 2000.03.09;

b. Nestes autos, em 2000.03.30 foi expedido aviso-citação para Rua……… , 46 r/c, Moura;

c. E, em 2003.05.05 foi efectuada a penhora do direito e acção que o executado detém na herança de J............. (...);

d. A penhora foi comunicada por carta registada com aviso de recepção assinado em 2006.05.09;

B) O processo de execução fiscal n°……….. , foi autuado no Serviço de Finanças de Moura em 2000.11.08;

a. Tem por base:

i. Certidão de dívida n°000110680, emitida em 2000.11.23, que atesta que o executado é devedor de PTE 129.990$00, de IRS do ano de 1999, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 2000.09.27; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de Setembro de 2000;

b. Nestes autos em 2000.12.05, foi expedido aviso-citação datado de 2000.12.05, e enviado para Praceta………….. , 1, Moura;

C) O processo de execução fiscal n°…………….., foi autuado no Serviço de Finanças de Moura em 2001.09.12;

a. Tem por base:

i. Certidão de dívida n°10165731, emitida em 2001.08.28, que atesta que o executado é devedor de PTE 75.000$00, de IVA (LO) do ano de 1999, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 2001.04.27; mais atesta que são devidos juros de mora contados desde o dia seguinte ao termo do prazo de cobrança voluntária;

b. Nestes autos, em 2001.09.13, foi emitido aviso-citação, enviado para Rua…………, 46, r/c, Moura;

D) O processo de execução fiscal n°………… , foi autuado no Serviço de Finanças de Moura em 2004.02.04;

a. Tem por base:

i. Certidão de dívida n°2003/276286, que atesta que o executado é devedor de € 1.122,30, de IVA do período de 2001/01 a 2001/12, com pagamento voluntário até 2003.11.28, acrescido de juros de mora contados a partir de 2003.11.29;

b. Nestes autos, em 2004.02.13, foi enviada carta registada para a Praceta……….. , 1, Moura, devolvida com a indicação de não atendeu;

E) Com efeito, a liquidação n° …………, emitida em 2003.06.01, no montante de € 1.122,30, de IVA (LO) dos períodos de 0103t, 0106t, 0109t e 0112t, com data limite de pagamento de 2003.11.28, foi enviada por carta registada com aviso de recepção para Pç…………, 1, Moura, devolvida com a indicação de não reclamado;

F) O processo de execução fiscal n°………………, foi autuado no Serviço de Finanças de Moura em 2004.02.16;

a. Tem por base:

i. Certidão emitida em 2004.02.09, que atesta que o executado é devedor de € 600,00 de coima aplicada no processo de contra-ordenação n°……….., e das custas no montante de €73,63, cujo prazo de pagamento terminou em 2003.12,26; mais atesta que são devidos juros de mora sobre € 73,63, contados desde 2003.12.27;

b. Nestes autos foi enviado aviso postal simples para a Praceta…………, 1, Moura;

G) O processo de execução fiscal n°…………., foi autuado no Serviço de Finanças de Moura em 2004.10.20;

a. Tem por base:

i. Certidão emitida em 2004.10.19, que atesta que o executado é devedor de € 853,33 de coima aplicada no processo de contra-ordenação n° ……………, e das custas no montante de €79,55, cujo prazo de pagamento terminou em 2004.10.18; mais atesta que são devidos juros de mora sobre € 79,55, contados desde 2004.10.19;

b. Nestes autos foi enviado aviso postal registado para a Praceta ………….. ,1, Moura, devolvido com a indicação mudou-se;

H) O processo de execução fiscal n°……….., foi autuado no Serviço de Finanças de Moura em 2004.12,29;

a. Tem por base:

i. Certidão de dívida n°2004/334343, emitida em 2004.12.27, que atesta que o executado e devedor de €1 496,40, de IVA do ano 2002, com pagamento voluntário até 2004.11.25; mais atesta que são devidos juros de mora contados a partir de 2004.11.26;

b. Nestes autos, em 2004.12.29, foi enviada carta registada para a Praceta ………., 1, Moura;

I) Com efeito, em 2004.02.09, foi enviada carta registada enviada para a Praceta………………. , 1, Moura, para audição prévia do contribuinte, informando que os serviços iriam proceder à liquidação oficiosa de IVA relativo ao ano de 2002, no montante de €1. 496,40;

J) Esta carta foi devolvida em 2004.03.19, com a indicação de não reclamada;

K) O processo de execução fiscal n°…………. , foi autuado no Serviço de Finanças de Moura em 2005.09.15;

a. Tem por base:

i. Certidão de dívida n°2005/152664, emitida em 2005.09.13, que atesta que o executado é devedor de €1.496,40, de IVA do ano 2003, com pagamento voluntário até 2005.08.12; mais atesta que são devidos juros de mora sobre a quantia em dívida contados a partir de 2005.08.13;

b. Nestes autos, em 2005.09.15, foi enviada carta registada para a Praceta…………. , 1, Moura, devolvida com a indicação de não reclamado;

c. E, em 2006.05.31 foi efectuada a penhora do direito e acção que o executado detém na herança de J............. (...);

d. A penhora foi comunicada por carta registada com aviso de recepção assinado em 2006.05.31;

L) Com efeito, a liquidação n°………….. , emitida em 2005.02.14, de IVA dos períodos de 0303t, 0306t, 0309t e 0312t, e com data limite de pagamento de 2005.08.12, foi enviada por ofício registado com aviso de recepção, para Praceta………….., 1, Moura, e devolvido com a indicação não reclamado;

M) Na declaração de início de actividade, o Oponente indicou como domicílio fiscal Rua………….., n° 46, r/c, Moura.


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A título de factos não provados lê-se na sentença recorrida:

«Dos demais factos constantes da oposição, nenhuns mais têm interesse para a boa decisão da causa.».

E, em sede de fundamentação da decisão de facto, exarou-se na Sentença recorrida:

«A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.»


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Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto

Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, ao probatório, a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº.1, do CPC, a seguinte factualidade:

O) O acto de liquidação de IVA n.º……….., relativo ao ano de 1999, foi remetido mediante carta registada com aviso de recepção ao Oponente, para a Rua ………….. 46, r/c, ………. Moura. (fls. 92 e 93 do processo de execução fiscal)

P) O aviso de recpção a que alude a O) do probatório foi assinado em 17.11.2000, por R............., sem que tivessem sido anotados o respectivo BI ou outro documento oficial. (fls. 93 do processo de execução fiscal)

Q) O acto de liquidação de IVA n.º……….. , relativo ao ano de 2001, foi remetido ao Oponente endereçado para a Praça …………..1, ……..Moura, mediante registo n.º RY…………… . (fls. 80 do processo de execução fiscal)

R) A correspondência a que alude a alínea Q) do probatório foi devolvida, em 13.10.2010, ao Serviço de Finanças de Moura com a seguinte «não reclamada». (fls. 81 do processo de execução fiscal)

S) O Serviço de Finanças de Moura informou os autos de que a documentação relativa à notificação da liquidação de IRS relativa ao exercício de 1999, foi destruída com base na Gestão Documental em vigor na Autoridade Tributária. (fls. 146 dos autos)


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B. DO DIREITO

DA PRETENSA NULIDADE DA SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA

Como é sabido, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia vem prevista no artigo 615.º, n.º 1, d), do CPC e, no âmbito do processo tributário, no artigo 125.º do CPPT.

Como é igualmente sabido, o excesso de pronúncia é corolário do princípio do dispositivo, segundo o qual, proíbe o juiz de ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lho permita ou imponha por conhecimento oficioso. Se o juiz conhece de questão, que o autor e réu não lhe submeteram, a sentença enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua actividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum).

Ou seja, limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode deles extravasar, não podendo a sentença pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida - o objecto da sentença coincide, assim, com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido (José Lebre de Freitas, "Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, 2001, pág.648).

Com efeito, « [t]rata-se de um mero corolário do princípio dispositivo, numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio. Os tribunais são órgãos incumbidos de dirimir os conflitos reais formulados pelas partes, mas não constituem, no foro da jurisdição cível contencioso, instrumentos de tutela ou curatela de nenhum dos litigantes.» (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª ed., 1985, pág. 675).

Por respeito ao princípio dispositivo, a decisão tem de conter-se, em substância e quantidade, dentro do pedido formulado (Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC", vol. III, pág.231).

Posto isto, e revertendo ao caso concreto, temos que, resulta da motivação de recurso e respetivas conclusões que a recorrente entende que a sentença sob recurso está ferida de nulidade, por excesso de pronúncia, já que a dívida tributária exequenda relativa a IVA de 2003, não foi objecto da presente oposição fiscal.

Concorda-se, inteiramente com esta posição. De facto, basta a mera leitura da petição inicial, concretamente os seus artigos 24.º e 25.º, compaginada com os pedidos formulados para se concluir que o Oponente (doravante recorrido) não se opôs ao processo de execução fiscal referente à dívida de IVA de 2003.

Deste modo, é de reiterar a conclusão a que se chegou nas alegações de recurso, no sentido de que excedeu o Tribunal «a quo» a sua pronúncia em relação ao objecto e pedido da presente oposição fiscal.

Ocorre, portanto, a invocada nulidade da sentença quanto ao segmento que conheceu da dívida exequenda que subjaz ao acto de liquidação de IVA do ano de 2003.

Em consequência, cumpre declarar nula a sentença recorrida nos termos supra apontados.

DO MÉRITO DO RECURSO

A Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja por aplicação do artigo 45.º, n.º 4, da LGT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2003), concluiu pela falta de notificação quer das liquidações de imposto (IVA dos anos de 1999, 2000, 2001 e IRS de 1999) quer das decisões condenatórias de coimas subjacentes às respectivas dívidas exequendas.

A recorrente insurge-se contra o assim decidido por entender que o Tribunal «a quo» não podia ter julgado procedente a invocada caducidade do direito de liquidar porquanto « considerou como notificações da liquidação dos tributos e coimas exequendas, os avisos/ citação e citações efectuadas no âmbito dos processos executivos, e não teve em devida consideração o disposto no artigo 19.º, n.ºs 2 e 3, da LGT».

Vejamos por partes.

Importa, desde logo, fazer notar que a recorrente embora não o diga expressamente, depreende-se das suas conclusões que se insurge contra a posição pugnada pelo Tribunal «a quo» ao fazer corresponder o acto de citação ao acto de notificação quer do tributo quer da decisão administrativa de aplicação de coima.

E, tem razão a recorrente uma vez que os conceitos de «acto de citação» e «acto de notificação» são distintos e não se confundem. Enquanto que o citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artigos artigos 35.º, nº.2, e 189.º, do CPPT) a notificação do acto de liquidação visa dar a conhecer ao destinatário o an e quantum da obrigação, para poder produzir efeitos jurídicos em relação ao seu destinatário e a sua falta dentro ou fora do prazo de caducidade, torna a dívida inexigível e constitui um válido fundamento de oposição à execução fiscal.

Clarificado este ponto, vejamos agora a questão da notificação das liquidações das dívidas exequendas.

Para melhor compreensão desta questão, importa, antes de mais, ter em consideração que se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artigo 204.º, do CPPT, invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível.

Na verdade, se a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação (regular) do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (artigos 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT), não podendo com base nele exigir-se coercivamente o pagamento da dívida em causa.

E não pode esquecer-se que, sobre a Administração Tributária recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr. artigo 342.º, nº.1, do C.Civil e artigo 74.º, nº.1, da LGT), designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, na dúvida tem de se valorar processualmente a favor do destinatário da notificação, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição, Vol. I., nota 5 ao artigo 39.º pág. 384).

No caso, independentemente de se apurar se a liquidação de IRS do ano de 1999, deveria ter sido notificada por carta registada com aviso de recepção, ou apenas por carta registada, o certo é que a recorrente não efectou a prova de que o recorrido foi notificado da liquidação em apreço por qualquer de uma dessas formas.

De resto, em resposta ao despacho-convite endereçado à recorrente (pela aqui relatora) no sentido de juntar aos autos comprovativo da notificação da liquidação de IRS do ano de 1999 (fls.144), veio responder que o comprovativo da notificação fora destruído com base na «Gestão Documental» da Autoridade Tributária.

Perante este cenário, não tendo a recorrente efectuado a prova de que foi expedida a liquidação em apreço, cujo ónus lhe competia, torna-se desnecessário apreciar a alegação em torno artigo 19.º, n.ºs 2 e 3, da LGT.

O recurso não deverá, pois, ser provido nesta parte.

Nos termos do disposto no artigo 39.º, n.º3 do CPPT, havendo aviso de recepção a notificação considera-se efectuada na data em que o aviso for assinado e tem-se como efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção é assinado por um terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

Todavia, para que a notificação se considere efectuada na data da assinatura do aviso de recepção, quando intervém terceiro, necessário se torna, em princípio, que esse terceiro seja devidamente identificado por anotação do BI/CC ou outro documento oficial.

Na verdade, essa formalidade não for cumprida, a notificação é irregular e inválida, salvo se se demonstrar, por qualquer outro meio, que a carta chegou, efectivamente, ao seu destinatário nessa data (ou noutra).

Com efeito, as formalidades procedimentais previstas na lei consideram-se essenciais, apenas se degradando em não essenciais se foi possível atingir o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição, apesar de não terem sido cumpridas (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição 2011, I volume, página 384, e Acórdãos do STA, de 2010.09.08 e de 2012.04.19, proferidos respectivamente nos processos n.ºs 0437/10 e P. 0852/11, ambos disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).

Deve ter-se em conta, por outro lado, que: «Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando, que apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a administração tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (art. 342º, nº 1, do CC), designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir aos destinatários o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor dos destinatários da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido». (() Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição 2011, Vol. I, anotação 5 ao art. 39º, p. 384.Cfr., igualmente, o acórdão fundamento, bem como o ac. do STA, de 19/4/2012, proc. 852/11.),» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 20.04.2016, proferido no processo n.º 01476/15, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Portanto, no caso sub judice não se mostrando cumprido o formalismo determinado pelo n.º 4, do artigo 39.º do CPPT, por se não se conhecer a identidade da pessoa que assinou o aviso de recepção e, dos autos não resulta provado que aquela notificação chegou efectivamente ao conhecimento de qualquer do recorrido não pode funcionar a presunção estabelecida no n.º 3 do referido preceito legal.

E, (repita-se) era sobre a Administração Tributária que recaía o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr. artigo 342º, n.º 1 do Código Civil). E porque assim é, na situação dos autos ter-se-á como não efectuada a notificação ao recorrido, da liquidação de IVA de 1999, o que constitui fundamento de oposição nos termos da alínea i), do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Improcede, pois, também nesta parte, o recurso.

Resulta assente que a liquidação de IVA, relativa ao ano de 2001, foi remetida ao recorrido para a Praça ……………, ……… Moura, a qual veio devolvida com a menção de « não reclamada» [alíneas Q) e R) do probatório]

Sendo a notificação efectuada por carta registada (como aqui), estabelece a lei que a mesma se presume efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (n.º 1 do artigo 39.º).

Mas esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.

Este tem sido um entendimento pacífico na jurisprudência – por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.01.12, proferido no processo n.º 017/12, onde se lê: que «(…) a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil (cfr. nº 1 do art. 39º do CPPT e nº 6 do art. 45º da LGT).

O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.

A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite porém inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo. Como tal forma de notificação não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário, o nº 2 do artigo 39º permite que o notificado possa ilidir tal presunção “quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida”, solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção». Esta norma põe em luz o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributário do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente.

Mas se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicílio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias, como a ausência temporária do domicílio (vg. trabalho, férias, doença, etc.), podem impedir o acesso à carta. Daí que a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando. A consequência lógica que a lei deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida. Certamente por isso, o nº 2 do art. 39º apenas prevê a possibilidade da prova em contrário na situação em que a notificação ocorre em data posterior à presumida, sem aludir à situação em que não há notificação. Desde há muito, e pelo menos no que se refere aos particulares, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a defender que «a presunção do nº 2 do artigo 39º do CPPT, não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida», quer na situação de carta registada (cfr. acs. de 18/2/87, rec nº 004015, de 2/6/99, rec. 022529, e mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 0270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 21/5/2008, rec nº 01031/07 e de 8/7/2009, rec nº 0460/09).».

E, assim, não funcionando a presunção de notificação, então também não recai sobre o contribuinte qualquer ónus no que toca à sua ilisão. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 05.06.2019, proferido no processo n.º 1487/11.1BELRS, disponível em texto integral em www.dgsi.pt.

Perante o acabado de dizer, impõe-se pois e sem mais, concluir que ter-se-á como não efectuada a notificação ao recorrido da liquidação de IVA do ano de 2000, sendo que essa falta de notificação, provocando a ineficácia do acto tributário de liquidação, torna tal dívida inexigível.

Por conseguinte, não se demonstrando que houve uma notificação validamente efectuada, improcedente se mostra o recurso nesta parte.

No que respeita às notificações relativas às liquidações de IVA dos anos 2000 e 2002, afirmando o recorrido que não foi notificado das mesmas, e não constando dos autos qualquer elemento capaz de infirmar tal afirmação (e repetimos), sendo que a prova da remessa de tais cartas ao contribuinte cabe à Administração Tributária, carece de sentido afirmar, como faz a recorrente a matéria da sua conclusão B.

Por último, da leitura da sentença, verifica-se que o Tribunal «a quo» sustentou a procedência da oposição quanto às dívidas exequendas que tiveram origem em decisões condenatórias proferidas em processo de contra-ordenação por considerar que a citação postal ocorrida nos processos de execução fiscal configura uma verdadeira notificação da decisão de aplicação de coima.

Entendimento que aqui não se acolhe.

Como é sabido, a oposição judicial à execução é meio próprio para a exequente fazer valer o seu direito à extinção desta com fundamento na inexigibilidade do pagamento da quantia exequenda por falta de notificação da decisão final do procedimento contra-ordenacional. (artigos 65.º, n.º 1, 79.º, n.º 2, do RGIT, 88.º e 89.º, do RGCO e 204.º, n.º 1, alínea i) do CPPT).

Sob a epígrafe «Notificação do arguido», determina artigo 70.º, n.º 2 do RGIT, que «Às notificações no processo de contra-ordenação aplicam-se as disposições correspondentes do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Como se exarou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3.12.2014, proferido no processo n.º 0426/14, não é o processo de execução «… o processo próprio para se notificar a decisão que aplicou uma coima, nem se pode conceber que se entenda que a citação, em processo de execução fiscal, para pagar um montante referido a uma coima fiscal possa, em caso algum, ser um meio que assegure os meios de defesa contra tal decisão. Tal citação é uma interpelação bastante para que o executado saiba que contra ele pende uma execução, o que é completamente diferente de ter conhecimento do teor da decisão que a entidade exequente pretende executar, em termos de conhecer o seu conteúdo e a respectiva fundamentação.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Mas se assim deve ser, não resultando provado que as decisões que aplicaram as coimas foram notificadas ao recorrido o que o impediu de as conhecer, de a cumprir ou de dela interpor recurso a extracção das certidões de dívida foi prematura, ilegal, pelo que não confere a força executiva de que tinha aparência.

Sendo assim, estamos perante a inexigibilidade das dívidas por falta de notificação da decisão de aplicação de coima, subsumível à alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

IV.CONCLUSÕES

I. A oposição judicial à execução é meio próprio para a exequente fazer valer o seu direito à extinção desta com fundamento na inexigibilidade do pagamento da quantia exequenda por falta de notificação da decisão final do procedimento contra-ordenacional.

II. Sendo a notificação efectuada por carta registada estabelece a lei que a mesma se presume efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (n.º 1 do artigo 39.º).

III. Mas esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento parcial ao recurso:

- declarar nula a sentença quanto ao segmento que conheceu da dívida exequenda que subjaz ao acto de liquidação de IVA do ano de 2003;

- manter a sentença recorrida quanto ao demais, embora com a presente fundamentação.

Custas a cargo da recorrente na parte em que decaiu.


Lisboa, 30 de Setembro de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Benjamim Barbosa]