Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2922/04.0BELSB (11166/14)
Secção:CA
Data do Acordão:06/28/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:LEGALIDADE URBANÍSTICA; AUTO DE VISTORIA; PRESERVAÇÃO DE ELEMENTOS DE VALOR HISTÓRICO DE RELEVO;
IMPUGNAÇÃO DO JULGAMENTO DE FACTO;
DESPACHOS QUE NÃO SÃO DE MERO EXPEDIENTE;
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário:I. O despacho que concede mais um dia de prazo para interpor recurso e o despacho de admissão de recurso não são despachos de mero expediente, nos termos do n.º 4 do artigo 152.º do CPC, por não se limitarem a proceder ao mero andamento do processo, sem interferir no litígio que opõe as partes.
II. Ao processo administrativo, antes da versão actual do CPTA, aplicava-se o n.º 7 do artigo 638.º do CPC, segundo o qual, se o recurso tiver por fundamento a impugnação do julgamento de facto, ao prazo leal para recorrer, acresce mais 10 dias.
III. Constitui uma situação de justo impedimento, a avaria técnica na gravação de prova, que impede que o CD de gravação de prova seja imediatamente entregue à parte que pretende impugnar o julgamento de facto.
IV. Ao Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artigos 662.º do CPC e 149.º do CPTA, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
V. O Tribunal pode socorrer-se oficiosamente de elementos de prova que são públicos, fazendo constar e indicando expressamente a sua fonte, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 264.º do CPC, na redacção à data aplicável.
VI. Não obstante a selecção da matéria de facto tenha sido fixada em momento antecedente ao actual Código de Processo Civil, em que o despacho-saneador assumia a finalidade de proceder ao julgamento da matéria de facto assente e a matéria de facto controvertida objeto de instrução, constante da base instrutória, não estava o Tribunal impedido de posteriormente ao despacho-saneador vir a considerar outros factos, que viessem a resultar da instrução e da discussão da causa.
VII. O Auto de Vistoria emitido por uma equipa técnica não impede que essa mesma equipa altere ou modifique o seu entendimento sobre o projecto, promovendo a introdução de outras soluções técnicas ao projecto, que foram acolhidas pelo interessado na alteração ao projeto apresentada.
VIII. Releva a solução de conjunto e não apenas a meramente parcelar do projecto, visto estar em causa a articulação e harmonização de um conjunto diversificado de interesses com relevo, em nome da defesa firme e intransigente do interesse público, mas sem que se possa dizer que o interesse público se satisfaça apenas com uma única solução ou proposta edificativa.
IX. Não resulta do disposto da alínea a), do n.º 1 do artigo 32.º do RPDM de Lisboa a interpretação que imponha a conservação de todos os elementos arquitectónicos e construtivos existentes, mas apenas os considerados de valor cultural ou a preservação dos que constituam contributo para a caracterização do conjunto em que se inserem, ou seja, exigindo-se que se mantenham ou exista a preservação dos valores históricos-patrimoniais de relevo.
X. Estão em causa conceitos vagos e indeterminados, que têm de ser preenchidos casuisticamente, em função das características do caso concreto.
XI. Não se encontra vedada a possibilidade de construção ou impermeabilização no logradouro, se ocorre uma das situações em que existe essa permissão, como no caso de existir a possibilidade de insalubridade, prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 33.º do RPDM de Lisboa, por remissão da alínea d), do n.º 2 do artigo 18.º do RPDM.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

Os Autores Populares, ...... e ....., devidamente identificados nos autos, vieram interpor recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo de Círculo de ......., datado de 24/10/2013, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada contra o Município de Lisboa e a Contrainteressada, ……., SA., julgou a acção improcedente, em que é impugnado o despacho de 06/05/2004, proferido pela Vereadora……, de licenciamento do projecto de edificação a levar a efeito no antigo Colégio de ……(Convento dos…..) e nos prédios sitos na……, e os atos entretanto emitidos pela Câmara Municipal de Lisboa.


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Formulam os aqui Recorrentes, ...... e ..... nas respetivas alegações as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem (cfr. fls. 1655 e segs. do processo físico, assim como todas as demais referências posteriores):
“A. O âmbito do presente recurso é delimitado às seguintes questões:
· Impugnação da matéria de facto em relação a alguns segmentos fácticos considerados provados;
· A falta de conservação de elementos arquitectónicos e construtivos de valor cultural, com as consequências jurídicas daí decorrentes;
· A falta de preservação de uma parte do logradouro com solo vivo e coberto vegetal, com as consequências jurídicas daí decorrentes.
B. O recurso sobre a matéria de facto incide sobre os seguintes pontos que se consideram incorrectamente julgados:
· Resposta ao quesito 11º da B. I., reflectido na alínea MM) da fundamentação de facto da sentença recorrida, por se entender que as modificações introduzidas no muro em causa – o muro do ......., sito na Rua ......., comummente atribuído a ....... – não são apenas a alteração do interior dos vãos (que deixaram de ser cegos) e a abertura de um vão para acesso dos automóveis ao estacionamento, mas também a circunstância de tal muro deixar de ter “a sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro”, tal como se encontra referido no Auto de Vistoria a que se reporta a alínea P) da fundamentação de facto da sentença, a qual consta de fls. 416 e ss. da p.c. 2430/04; ora, tal inciso não consta da factualidade provada, devendo-o ser;
· Resposta ao quesito 22º da B. I., reflectido na alínea WW) da fundamentação de facto da sentença recorrida, onde se refere que a área do logradouro existente era de 2636 m2, sendo a área do logradouro proposta pelo projecto licenciado de 2697 m2, quando, na verdade, deveria ter sido considerado provado que a área do logradouro, resultante da execução do projecto em apreço, é de 2610 m2 (como, de resto, consta do voto de vencido à decisão da matéria de facto efectuado pela Juíza Dra. .......);
· Factos dados como provados sob as alíneas III) e JJJ) da fundamentação de facto da sentença recorrida, uma vez que tais segmentos de facto não constavam dos factos assentes nem de quesitos da B. I. e sobre eles não foi exercido qualquer contraditório.
C. Relativamente à questão do quesito 22º da B. I., é verdade que o quadro sinóptico a que se refere a sentença reportava uma área do logradouro de 2636 m2, inscrevendo no projecto uma área de logradouro de 2697 m2 (cfr. fls. 162 da p.c. 2430/04).
Porém, dos autos consta uma certidão da Conservatória do Registo Predial de ....... junta pela própria Contra-Interessada – cfr. 707 dos autos principais -, onde está claro que a área do logradouro (área descoberta do imóvel) é de 2610 m2, pelo que, constando tal elemento de um documento autêntico junto pela própria Contra-Interessada, tem que se dar como assente que a área não coberta (logradouro) resultante da execução do projecto licenciado é de 2610 m2, como justamente é referido no voto de vencido da Juíza Dra. ....... quando o Tribunal proferiu a sua decisão sobre a matéria de facto.
Pelo exposto, o facto provado na sentença recorrida sob o número WW) deve passar a ter a seguinte formulação: “a área do logradouro existente inscrita no quadro sinóptico foi de 2636 m2, sendo a área não coberta (logradouro) do imóvel, tal como resultou do projecto licenciado, de 2610 m2, como se encontra inscrito no respectivo registo predial”.
D. Relativamente aos factos dados como provados sob as alíneas III) e JJJ) da sentença recorrida, é absolutamente inaceitável que tenham sido aditados à matéria de facto provada, porque se trata de matéria sobre a qual não versavam nem os factos assentes nem a B. I., tendo sido aditados após a decisão da matéria de facto, por iniciativa do Tribunal e sem qualquer contraditório, desrespeitando o regime do art. 91º do C.P.T.A..
Se relativamente ao facto assente sob a alínea III), os AA. aceitam que o inciso em apreço decorre de uma proposta de alteração do Regulamento do PUNHBAB, já, com referência ao alegado prémio do “.......” nos “Óscares do Imobiliário”, é absolutamente inexplicável a sua inclusão, a não ser em nome do deslumbramento do Tribunal perante aquilo que – ressalvado o devido respeito – o devia horrorizar.
E. Resta a questão da resposta insuficiente dada ao quesito 11º da B. I., que ignora que foi também introduzida uma outra alteração de vulto no muro em causa, porque ele perdeu “a sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro”, que estava previsto que fosse salvaguardada pelo Auto de Vistoria a que se reporta a alínea P) da fundamentação de facto da sentença, o qual consta de fls. 416 e ss. da p.c. 2430/04; ora, tal inciso não consta da factualidade provada, devendo-o ser.
F. Os meios probatórios que implicam tal aditamento são os seguintes: i) o auto de vistoria de fls. 416 da p.c. 2430/04; ii) as fotos de fls. 81 a 86, 1230 a 1241 e 1654 da p.c. 2430/04, devidamente conjugadas com a maquete de fls. 80 da mesma p.c. e com a foto de fls. 882 do processo principal; iii) os depoimentos das testemunhas: Arq. ….., ouvido na sessão de A. J. de 31/01/2012; Arq. ......., ouvido na mesma sessão de A. J.; Arq……., ouvido na A. J. de 26/04/2012; Eng….., ouvido na sessão de 31/05/2012; Ar….., ouvido na A. J. de 20/06/2012.
G. Conjugando o Auto de Vistoria, as fotos indicadas – algumas delas acima reproduzidas, sendo certo que a que consta de fls. 7 destas alegações foi tirada já depois do arranque do coberto vegetal efectuado pela Contra-Interessada – e os excertos dos depoimentos das testemunhas acima transcritos, não pode restar qualquer dúvida quanto ao facto de que, no muro a que se reporta o art. 11º da B. I., se introduziram alterações não só na abertura dos vãos cegos e de um outro vão para acesso de automóveis, mas também na sua “a sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro”, a qual ficou irremediavelmente perdida.
H. É absolutamente irrelevante que, à data da intervenção da Contra-Interessada, tal “imagem de muro de suporte de um jardim suspenso” estivesse degradada pela deterioração do coberto vegetal que ocupava essa parte do logradouro, como foi enfaticamente sublinhado pelas testemunhas das RR. (… e …)
É que, abandonado como estava tal logradouro, é evidente que disso se haveria de ressentir o respectivo coberto vegetal, o qual, contudo, à data do licenciamento continuava a existir, podendo obviamente ser recuperado no sentido de se manter a imagem que o Auto de Vistoria preconizava que fosse salvaguardada.
I. Pelo exposto, deve ser deferida a impugnação deste segmento da matéria de facto, pelo que, na alínea MM) da fundamentação de facto da sentença recorrida, deve passar a constar o seguinte: “as modificações introduzidas no muro em causa traduzem-se na alteração do interior dos vãos – os quais deixaram de ser cegos – e na abertura de um vão para acesso dos automóveis ao estacionamento, bem como no desaparecimento da sua ´imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro´”.
J. Concatenando a factualidade apurada com o Auto de Vistoria, que define os elementos arquitectónicos e construtivos de valor cultural a preservar, nos termos do art. 32º nº 1-a) do PDM, verificam-se as seguintes discrepâncias:
· A não preservação das águas dos telhados do corpo sul do edifício do antigo Convento (cfr. facto provado BB);
· A construção de um novo piso na fachada do alçado sul (cfr. factos provados P e CC, devidamente conjugados com os documentos dos autos, designadamente com a memória descritiva que, a fls. 482 da p.c. 2430/04, se reporta expressamente ao “acrescento de um piso na zona sul”;
· A não preservação integral do muro atribuído a ......., com os seus vãos cegos com molduras em cantaria, como decorre do rompimento desses vãos cegos e da abertura de um vão para acesso dos automóveis ao estacionamento (cfr. facto provado MM);
· A não preservação, em relação ao muro sobre a Rua ......., da sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro (cfr. facto provado MM, depois de deferida a impugnação de facto, sendo certo que, mesmo que assim não seja, isso decorre dos factos provados sob as alíneas UU, XX e AAA).
K. Relativamente à alteração das águas dos telhados do corpo sul, os AA. ainda concedem em admitir a modificação, tendo em conta a factualidade assente sob a alínea BB e considerando o regime especial que a tal propósito está consagrado no art. 32º nº 1-d) do PDM.
L. Mas já não o admitem relativamente o aumento de um piso no alçado sul, o que obviamente altera a composição da fachada, que o auto de vistoria estipulou como elemento arquitectónico e construtivo de valor cultural que devia ser preservado.
Mesmo tendo em conta a factualidade da alínea CC, donde decorre que a construção desse novo piso mereceu o acordo dos técnicos da UPBAB, a verdade é que tal autorização é irrelevante e insusceptível de produzir quaisquer efeitos, a não ser que tivesse ocorrido uma alteração do auto de vistoria quanto a esse item, o que não ocorreu.
M. Finalmente, não merece qualquer contestação que foi ostensivamente violado o Auto de Vistoria no que diz respeito à composição do muro sobre a Rua ....... e à manutenção da sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, o que foi irremediavelmente comprometido com a construção de um novo edifício nessa zona do logradouro (a que corresponde o “mamarracho” de fls. 882 do processo principal, o qual obviamente eliminou a imagem que transparece das fotos de fls. 81 a 86 da p.c. 2430/04).
N. Na sentença recorrida, desvaloriza-se o Auto de Vistoria, com o argumento de que o PDM apenas imporia a realização da vistoria, mas não a vinculação do projecto àquilo que a mesma determina.
O. Ora, ressalvado o devido respeito, não é assim, já que tal Auto de Vistoria – ao identificar os elementos de valor histórico-patrimonial a salvaguardar – consubstancia, por parte da CML, uma auto-vinculação relativamente à matéria por ele abrangida, pelo que a decisão recorrida faz uma errónea interpretação do art. 32º, n.º 1, a) do PDM, o qual estabelece os termos em que a reabilitação dos edifícios das áreas históricas habitacionais deve conservar os elementos de valor histórico-patrimonial, os quais são definidos por tal vistoria.
P. É evidente que tal Auto de Vistoria pode ser modificado, mas pela mesma Comissão de Vistorias ou por outra constituída para o efeito, o que não aconteceu.
A mera intervenção avulsa de alguns dos técnicos que integram a Comissão de Vistorias no procedimento de aprovação do licenciamento é igualmente irrelevante, sendo certo que, in casu, e ao contrário do que consta na sentença recorrida, não é verdade que pelo menos o Arquitecto ....... (membro de tal Comissão de Vistorias) nele tenha participado. Para além de que, nessas intervenções avulsas, não foi abordada a questão do valor histórico-patrimonial dos elementos em apreço, tal como decorria da avaliação efectuada pelo Auto de Vistoria.
Q. Pelo exposto, o licenciamento em apreço – tendo em conta a autorização conferida para a construção de mais um piso na fachada do alçado sul e a destruição dos elementos relevantes do muro sobre a Rua ....... – padece igualmente de nulidade, por violação do art. 32º nº 1-a) do PDM.
R. Em relação à questão do logradouro, da conjugação da factualidade assente com as normas legais aplicáveis, é manifesto que a construção de um novo edifício na zona de solo vivo e coberto vegetal existente junto ao muro da Rua ....... viola, ostensivamente, quer as regras dos arts. 18º nº 1 e 2-d) e 33º nº 1 do PDM, quer as regras do art. 14º nº 1 do Regulamento do PUNHBAB.
S. Avaliando a questão apenas em termos da aplicação das regras do art. 33º nº 1 do PDM, a verdade é que a ocupação com construções de uma área verde permeável do logradouro – como aqui ocorreu – é ilegal, a não ser nas situações excepcionadas nesse mesmo preceito legal, que não se verificam.
Sendo evidente que não ocorrem as situações das alíneas a) e c), deve igualmente concluir-se que não se verifica a situação da alínea b), uma vez que não ficou provado que a manutenção da área verde em pauta pudesse gerar insalubridade. Aquilo que ficou provado – e corresponde à verdade – é que a manutenção do logradouro naquela zona – tal como a mesma se encontrava – podia gerar tal insalubridade.
T. Não foram apuradas quaisquer circunstâncias que gerassem qualquer dificuldade ou insusceptibilidade de eliminar tal foco de insalubridade através dessa limpeza e arranjo dessa área verde, razão pela qual a manutenção do logradouro – exercendo a sua função em termos adequados – não geraria qualquer insalubridade (pelo menos, não ficou provado que isso acontecesse).
U. É por isso que a interpretação que a tal propósito é feita na sentença recorrida – no sentido de que ocorreria a excepção prevista no art. 31º, n.º 1, b) do Regulamento do PDM, porque tal como estava, a manutenção da área verde em apreço podia gerar insalubridade – não é admissível e, ressalvado o devido respeito, nem sequer é intelectualmente séria. Se vingasse, estava descoberta um expediente perverso para construir nos espaços verdes dos logradouros, bastando aos proprietários deixarem de cuidar deles até criarem um foco de insalubridade!
V. A Contra-Interessada também esgrimiu o argumento – aparentemente também perfilhado pela sentença recorrida - de que o ligeiro aumento do logradouro – alegadamente previsto pelo projecto - permitiria ultrapassar a dificuldade em apreço, uma vez que aquilo que teria ocorrido seria uma alteração da localização do logradouro.
W. Contudo, tal argumento é manifestamente insubsistente, por três ordens de razão. Primeiro, porque o art. 33º do PDM não admite permutas de “áreas verdes permeáveis”, antes de limita a proibir a construção nas áreas verdes permeáveis existentes. Segundo, porque – de acordo com a factualidade apurada pela própria sentença - não ficou provado que o aumento do logradouro se tenha traduzido num aumento de área verde permeável (já que no logradouro há zonas verdes permeáveis e outras com pavimentos impermeáveis), não estando provado que a eliminação da área verde em apreço tenha sido compensada com qualquer outra área verde equivalente. Terceiro, porque, como decorre da impugnação da matéria de facto supra referida no ponto 5 destas alegações, nem sequer é verdade que tenha havido um aumento da área de logradouro, mas uma diminuição.
Acresce que a excepção prevista no art. 33º, n.º 1, c) do Regulamento do PDM visa apenas a construção de estacionamento, não permitindo que, “à sua boleia”, se levante um edifício como aquele que estava previsto na memória descritiva e se encontra retratado a fls. 882 dos autos principais.
X. Em qualquer caso, a questão fica definitivamente encerrada com a ponderação da regra do art. 14º nº1-b) do Regulamento do PUNHBAB, que pura e simplesmente proíbe a “destruição do solo vivo e do coberto vegetal” nos logradouros do núcleo histórico do ……. (cfr. fls. 49 a 56 dos autos principais).
Isto é, nesses logradouros, vigora a regra do art. 33º nº 1 do PDM quanto à execução de novas construções nas partes dos logradouros que não sejam constituídas por solo vivo e coberto vegetal. Porém, nas áreas onde exista solo vivo e coberto vegetal, existe uma proibição absoluta de destruição de tais elementos.
Ora, in casu, ocorreu tal destruição de solo vivo e coberto vegetal, como, inapelavelmente, decorre da fundamentação de facto da sentença recorrida sob as alíneas XX e AAA.
Tal proibição – absolutamente taxativa, com uma ratio evidente, destinada a proteger as áreas verdes do …. – é incontornável, tendo sido completamente ignorada pela sentença recorrida, que se lhe refere, mas sem a interpretar e aplicar ao caso dos autos, numa ostensiva – e intolerável – violação do art. 14º, n.º 1 do PUNHBAB.
Y. Pelo exposto, o licenciamento em apreço – cujo projecto teria e teve como consequência a eliminação do solo vivo e coberto vegetal, bem como de algumas das árvores, na zona situada junto ao muro sobre a Rua ......., onde foi construído um novo edifício, que está retratado a fls. 882 dos autos principais – está ferido de nulidade, por violação dos arts. 18º nº 1 e nº 2-d) e 33º nº 1 do PDM de ....... e do art. 14º do Regulamento do PUNHBAB.
Z. As nulidades suscitadas decorrem da violação de regras imperativas dos instrumentos de ordenamento do território supra citadas (quer do Regulamento do PDM, quer do Regulamento do PUNHBAB), como decorre das regras legais aplicáveis, já citadas na p.i., designadamente dos arts. 11 e 14º, n.º 1 da Lei nº 48/98, de 11 de Agosto, dos arts. 24º, n.º 1, a), 31º, n.º 1 e 68º do D.L. nº 555/99, de 16 de Dezembro, e dos arts. 3º, n.º 2, 101º, n.º 2 e 103º do D.L. nº 380/99, de 22 de Setembro, bem como das demais disposições legais entretanto igualmente aplicáveis.”.

Termina, pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, ser declarado nulo o ato de licenciamento e demais atos com ele conexos.


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A ora Recorrida, …. –…, SA, notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 1764 e segs. do processo físico):
A. “O despacho de admissão do presente recurso proferido a 18.12.2013 deverá ser revogado por V. Exas., com a consequente não admissão do presente recurso, na medida em que o requerimento de recurso apresentado pelos AA., ora Recorrentes, deveria ter sido indeferido, nos termos previstos no art. 641º, nº 2, al. a) do novo CPC, pois o recurso foi interposto fora de prazo;
B. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o disposto no art. 638º, nº 7 do novo CPC não se aplica ao contencioso administrativo e ao recurso de decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos, atento em particular o disposto nos arts. 140º e 144º, nº 1 do CPTA;
C. Nos termos previstos no art. 144º, nº 1 do CPTA, o prazo para a interposição de recurso jurisdicional das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos é de 30 dias, prazo esse que se conta a partir da notificação da decisão recorrida;
D. Este prazo de 30 dias é um prazo peremptório fixo (e único) para a interposição de quaisquer recursos jurisdicionais de decisões proferidas pelos tribunais administrativos em processos não urgentes, uma vez que nestes o prazo é, como se sabe, de 15 dias (art. 147º, nº 1 do CPTA);
E. Atendendo à especialidade e especificidade da regulação da lei processual administrativa e ao previsto, em particular, no art. 144º, nº 1 do CPTA, de acordo com o estabelecido no art. 140º do CPTA não é de aplicar o disposto no CPC em matéria de prazos de recurso;
F. E não é de aplicar uma vez que, decorre do art. 140º do CPTA, a prevalência do especialmente disposto no CPTA relativamente a todos os recursos ordinários de decisões jurisdicionais – em processos não urgentes o prazo de recurso é um prazo fixo e único de 30 dias, qualquer que seja o objecto do recurso -;
G. Em matéria de prazos de recurso não existe, assim, na lei processual administrativa, nenhuma lacuna que necessite de ser colmatada com o recurso à lei processual civil, dado que o CPTA fornece uma resposta normativa completa neste domínio;
H. Todos os elementos literal, histórico, sistemático e teleológico de interpretação das normas do CPTA em matéria de recursos jurisdicionais apontam para a existência de um prazo de interposição de recurso das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos em processos não urgentes que é único e fixo – 30 dias -, independentemente de os recursos terem ou não por objecto a reapreciação da prova gravada.
I. Os amplos poderes que são conferidos ao tribunal de recurso nos termos previstos no art. 149º do CPTA demonstram que o legislador, quando fixou o prazo de interposição do recurso em 30 dias, tomou em consideração a possibilidade de ser impugnada a matéria de facto e, nessa medida, reapreciada a prova produzida, seja a prova gravada ou não gravada;
J. Errou, assim, no seu julgamento o Tribunal a quo ao ter considerado ser aplicável aos autos o disposto no art. 638º, nº 7 do novo CPC;
K. Nesta medida, tendo o presente recurso sido interposto no quadragésimo terceiro dia após as partes terem sido notificadas do Acórdão proferido nos autos a 24.10.2013, foi o mesmo interposto fora do prazo, pelo que não deverá ser admitido;
L. Por mera cautela de patrocínio e embora sem conceder, ainda que o art. 638º, nº 7 do CPC fosse aplicável aos autos, ainda assim resulta claro (pelo menos para a ora Recorrida) do recurso apresentado pelos Recorrentes que o pedido de reapreciação da prova gravada constitui um mero expediente ou pretexto para os Recorrentes tentarem beneficiar da referida dilação dos 10 dias, pelo que, também por esta razão, não deveria ser aceite pelo Tribunal;
M. Por outro lado, ainda que a dilação dos 10 dias prevista no art. 638º, nº 7 do CPC fosse aplicável aos autos - o que mais uma vez não se concede e só por cautela de patrocínio se equaciona -, ainda assim decidiu mal o Tribunal a quo, no referido despacho, ao ter considerado que os Autores beneficiavam da dita dilação dos 10 dias, pois só perante o recurso efectivamente apresentado é que seria possível saber se o mesmo tinha ou não por objecto a reapreciação da prova gravada, uma vez que, se não tivesse, não seria aplicável a referida dilação;
N. Assim sendo, o Meritíssimo Juiz a quo nunca poderia, no despacho de 12.12.2013, ter concluído pela aplicação do disposto no art. 638º, nº 7 do novo CPC ao recurso a apresentar pelos Autores, com base tão somente naquilo que foi dito pelo respectivo mandatário, sob pena de violar a própria norma considerada (ainda que erradamente) aplicável;
O. Acresce que, ao contrário do que também erradamente entendeu e decidiu o Tribunal a quo, no despacho proferido a 12.12.2013, não se verificou, nos autos, uma situação de justo impedimento nos termos previstos no art. 140º do novo CPC, pelo que não deveria ter sido concedido mais um dia (para além da dilação dos 10 dias) para os AA. recorrerem;
P. Atenta a factualidade ocorrida nos autos, é forçoso concluir-se que o mandatário dos Autores não cumpriu com o especial dever de cuidado, diligência e de organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas, tendo a sua conduta concorrido para a produção do evento – atraso de um dia na entrega de uma das gravações - e sendo a sua conduta censurável;
Q. Uma vez que o despacho de admissão do presente recurso foi proferido tendo também em conta a concessão de mais um dia para os AA. recorrerem, concedida pelo despacho de 12.12.2013, também este último despacho deverá ser revogado por V. Exas.;
R. Incorreu o Tribunal a quo, nos referidos despachos, em dois graves erros de julgamento que acarretam a sua nulidade nos termos previstos no art. 195º, nº 1 do novo CPC, por terem dado origem a um acto que a lei não admite, ou que acarretam, pelo menos, a sua anulabilidade;
S. Em face de todo o exposto, não deverá o presente recurso ser admitido por este Venerando Tribunal, atenta a sua manifesta extemporaneidade;
T. Deverá ser julgada improcedente, por não provada, toda a impugnação da matéria de facto;
U. Em função do que foi apreciado e decidido no Acórdão recorrido, apenas está em causa, nos presentes autos, o acto de licenciamento praticado a 06.04.2004;
V. Apesar de, na delimitação do presente recurso, os Recorrentes terem deixado de fora a questão do “projecto urbano”, considera a Recorrida a sua análise é importante para o correcto enquadramento e a cabal compreensão do licenciamento em causa nos presentes autos e, assim, das outras duas questões que os Recorrentes mantiveram no presente recurso, uma vez que a qualificação do projecto do ....... como um «projecto urbano» é e foi determinante dos termos concretos do respectivo licenciamento;
W. O projecto relativo à obra de reabilitação do conjunto arquitectónico ao ....... consubstancia um projecto urbano, nos termos definidos no regulamento do PDM de Lisboa e para os efeitos previstos no PUNHBAB (Plano de Urbanização do Núcleo Histórico do….);
X. E consubstancia um projecto urbano na medida em que é um documento que dispõe sobre as condições de uso e ocupação de uma área situada em tecido urbano consolidado, que foi instruído com a memória descritiva, plantas e peças desenhadas referidas do Anexo nº 3 do PDM para a totalidade da área da intervenção urbanística, e que tem por objecto a integração de uma ou mais novas construções no tecido edificado existente, envolvendo a realização de novas construções e a alteração, ampliação ou demolição de construções existentes, numa área que se pretende revitalizar, reestruturar, reconverter ou reordenar em termos urbanos, do seu uso e tipologias construtivas, formando um todo urbanisticamente harmonioso, incluindo com o espaço público envolvente;
Y. O projecto de reabilitação do ....... prevê um reordenamento e reorganização do espaço urbano do ......., com a demolição de várias edificações – nomeadamente as existentes ao longo da ….., para além daquelas que tiveram de ser demolidas e que existiam junto ao Muro da ….) - e a construção de uma nova edificação, por compensação das edificações demolidas, e acrescendo parte das áreas das edificações demolidas à área do logradouro;
Z. Como decorre dos valores constantes do Quadro sinóptico que integra a Memória descritiva do projecto, para uma área total da intervenção de 5486 m2, o projecto prevê, face aos valores existentes (i) uma redução da superfície de implantação (2789 m2 em vez de 2850 m2); (ii) uma redução da área bruta de construção acima do solo (6946 m2 em vez de 7237 m2); (iii) uma redução da superfície de pavimento (6694 m2 em vez de 7237 m2); e (iv) ao mesmo tempo prevê um aumento da área de logradouro (2697 m2 em vez de 2636 m2);
AA. No projecto do ....... não existe qualquer falta de conservação de elementos arquitectónicos e construtivos de valor cultural, não violando o mesmo o art. 32º, nº 1, al. a) do PDM deLisboa;
BB. Como bem decidiu o Tribunal a quo, no Acórdão recorrido, uma eventual contrariedade do projecto com alguma das especificações constantes do Auto de Vistoria de Valor Histórico-Patrimonial não consubstancia qualquer vício de violação de lei, designadamente a violação do PDM de Lisboa, uma vez que não é o auto de vistoria que define com carácter definitivo os elementos arquitectónicos e construtivos de valor cultural a preservar nos termos do art. 32º, nº 1 a) do PDM – como decorre claramente da letra da lei –;
CC. O projecto foi aprovado pelos órgãos competentes, com fundamento e em conformidade com todos os pareceres e informações dadas pelos respectivos serviços – incluindo as dos autores do auto de vistoria -;
DD. O que o art. 32º, nº 1, al. a) do PDM de Lisboa impõe é que a reabilitação dos edifícios seja obrigatoriamente antecedida de uma vistoria municipal, o que in casu se verificou, vistoria essa que, no entanto, tem depois de ser homologada pela Câmara;
EE. Por outro lado, o preceito também impõe que a reabilitação se faça com a conservação de todos os elementos arquitectónicos e construtivos considerados de valor cultural ou que constituam contributo para a valorização do conjunto em que se inserem, não impondo todavia que o auto da vistoria estabeleça com carácter definitivo o rol de elementos a conservar;
FF. É à CML quem compete definir, até ao momento do licenciamento, quais sejam os citados elementos arquitectónicos e construtivos considerados de valor cultural ou que constituam contributo para a valorização do conjunto em que se inserem, conformando assim os parâmetros a observar pelos promotores na pretendida reabilitação;
GG. Acresce que, no caso em apreço, e como decorre da matéria de facto assente, os pontuais desvios do projecto relativamente a um ou aspecto do auto de vistoria só permaneceram no projecto e não tiveram de ser alterados pelo promotor, porque os mesmos foram expressamente aceites e aprovados pelos serviços competentes da CML, incluindo pelos mesmos técnicos signatários do Auto de vistoria que fazem parte da UP ….;
HH. Neste contexto, o respeito pelo núcleo essencial das imposições contidas no Auto de Vistoria de Valor Histórico-Patrimonial foi determinante para a viabilização do projecto por parte da UPBAB;
II. O projecto aprovado respeitou as imposições contidas no Auto de Vistoria de Valor Histórico-Patrimonial, nos exactos termos e condições que a UPBAB e os demais serviços competentes da CML entenderam impor ao promotor, como decorre dos factos assentes;
JJ. Em suma, uma vez que o projecto de reabilitação do conjunto arquitectónico do ....... previa efectivamente a conservação dos elementos arquitectónicos e patrimoniais considerados de valor e dos que constituíam contributo para a caracterização do ......., deverá ser julgada totalmente improcedente esta questão;
KK. Também deverá ser julgada totalmente improcedente a questão da «alegada falta de preservação do logradouro com solo vivo e coberto vegetal», uma vez que o acto de licenciamento do projecto não violou os arts. 18º, nº 1 e nº 2, al. d) e 33º, nº 1 do PDM de Lisboa e o art. 14º do Regulamento do PUNHBAB, como bem decidiu o Tribunal a quo no Acórdão recorrido;
LL. Mais uma vez, erram os Recorrentes na interpretação que fazem das normas aplicáveis, pois, para além de se limitarem a fazer uma interpretação meramente literal ou gramatical das mesmas – sendo que, nalguns casos, essa mesma interpretação literal não tem sequer qualquer fundamento ou lógica -, esquecem-se de interpretar as referidas normas no contexto sistemático, teleológico, histórico e actualista em que as mesmas se inserem, como se esquecem que, na aplicação das referidas normas aos factos em causa, é preciso ter em atenção a natureza do projecto em crise;
MM. O projecto em crise é um projecto de reabilitação do conjunto arquitectónico do ....... que, de acordo com o PUNHBAB, está sujeito a projecto urbano;
NN. Carece de qualquer fundamento a acusação de violação do art. 18.º, nº 1 e nº 2, al. d) do PDM de Lisboa, uma vez que estas normas possuem uma natureza meramente enunciativa e caracterizadora do que seja a “Estrutura ecológica urbana”, onde estão incluídos os logradouros das áreas históricas, não dispondo sobre condições específicas da sua utilização ou ocupação;
OO. Por outro lado, é totalmente errónea, infundada e ilógica a conclusão a que chegaram os Recorrentes de que “nas áreas onde exista solo vivo e coberto vegetal existe uma proibição absoluta de destruição de tais elementos”, uma vez que “a regra do art. 14º, nº 1, al. b) do PUNHBAB pura e simplesmente proíbe a “destruição do solo vivo e do coberto vegetal” nos logradouros do núcleo histórico do …”;
PP. Como decorre claramente do art. 14º do PUNHBAB, o solo vivo e o coberto vegetal existentes nos logradouros podem ser destruídos quando foram executadas as construções admitidas no artigo 33.º, n.º 1 do PDM deLisboa, pois, por definição e natureza, a execução de construções acarreta a impermeabilização do solo na área de implantação das mesmas e, assim, em consequência, a remoção ou destruição do solo vivo e coberto vegetal que exista nessa área;
QQ. Por outro lado, embora os logradouros sejam e possam ser constituídos por pavimentos permeáveis, semi-permeáveis e impermeáveis, nada no art. 14º do PUNHBAB ou no art. 33º, nº1 do PDM de Lisboa, restringe ou limita a execução de construções às áreas dos logradouros que já sejam áreas impermeáveis;
RR. Mas o coberto vegetal também pode ser destruído quando for autorizado pela CML o derrube de árvores;
SS. Por outro lado, ainda, decorre a contrario do nº 2 do art. 14º do PUNHBAB, que não terão de ser preservados os espaços privados ajardinados e ou arborizados que, atendendo à sua qualidade e inserção urbana, não contribuam para a qualificação ambiental;
TT. A interpretação isolada e estanque da al. b) do art. 14º do PUNHBAB que é feita pelos Recorrentes não tem qualquer cabimento;
UU. Decorre do art. 33º, nº 1 do PDM de Lisboa que a ocupação dos logradouros existentes nas áreas históricas habitacionais com construções ou pavimentos impermeáveis é admissível em qualquer uma das situações previstas nas três alíneas desse nº 1;
VV. Ao contrário do que errada e infundadamente alegam os Recorrentes, no caso do projecto do ....... e da construção do edifício nele prevista junto à Rua ......., ocorrem as situações previstas nas als. b) e c) do nº 1 do art. 33. do PDM de Lisboa, como acertadamente decidiu o Tribunal a quo no Acórdão recorrido;
WW. Nesta medida, a ocupação com construções de uma área verde permeável do logradouro existente no ....... foi e é perfeitamente legal, desde logo, porque ocorreu nas situações excepcionadas na lei;
XX. No que se refere à al. b) do nº 1 do art. 33º do PDM de Lisboa, deve a mesma ter-se por verificada, uma vez que ficou provado que a manutenção do logradouro junto à Rua ....... podia gerar insalubridade, como bem decidiu o Tribunal a quo, no Acórdão recorrido;
YY. Deve igualmente concluir-se que se verifica a situação da al. c) do nº 1 do art. 33º do PDM de Lisboa, como acertadamente concluiu o Tribunal a quo no Acórdão recorrido;
ZZ. Por um lado, porque ficou provado que a área do logradouro junto à Rua ....... foi ocupada com construções ou pavimentos impermeáveis para estacionamento em cave e que essas construções não ultrapassam 20% da área livre do logradouro existente;
AAA. Por outro lado, por força da letra da lei, quer do seu espírito, é perfeitamente legítimo interpretar-se a al. c) do nº 1 do art. 33º do PDM de Lisboa no sentido de que a mesma prevê e admite dois tipos de ocupação distintos: o estacionamento em cave e a construção à superfície;
BBB. Ora, no que se refere à construção em superfície, uma vez que a norma não restringe os tipos de ocupação possível, é legal a solução de ocupação do logradouro com a construção de um edifício habitacional, por cima do estacionamento em cave, tal como decorre do projecto licenciado;
CCC. Mas ainda que porventura se entendesse que a al. c) do nº 1 do art. 33º do PDM de Lisboa não comporta por regra ou à partida tal interpretação, o que não se concede, ainda assim teria de se concluir pela legalidade do licenciamento da construção do novo edifício junto à Rua ......., em cima do estacionamento em cave, por estar em causa a execução de uma obra de reabilitação de um conjunto edificado através de projecto urbano, nos termos especialmente previstos no PUNHBAB;
DDD. Consubstanciando o projecto relativo à obra de reabilitação do conjunto arquitectónico ao ....... um projecto urbano, nos termos definidos no PDM e para os efeitos previstos no PUNHBAB, ter-se-á de concluir que é perfeitamente legal que o mesmo preveja a integração de uma ou mais novas construções no tecido edificado existente, envolvendo a realização de novas construções e a alteração, ampliação ou demolição de construções existentes;
EEE. E estando em causa um tecido urbano consolidado, só nas áreas livres dos logradouros é possível implantar novas construções no tecido edificado existente, atenta a morfologia da malha urbana nas áreas históricas habitacionais;
FFF. Acresce que decorre do art. 18º do PUNHBAB que nas áreas que estão sujeitas à elaboração de projectos urbanos é admissível o licenciamento de obras que impliquem ou pressuponham a integração de uma ou mais novas construções no conjunto edificado existente, e que podem implicar também nomeadamente a demolição de construções existentes, uma vez que aquilo que se pretende é o reordenamento ou reconstrução do conjunto edificado em causa,
GGG. As normas constantes do art. 33º, nº 1 do PDM de Lisboa e do art. 14º, nº 1 do PUNHBAB devem ser interpretadas tendo em atenção que o projecto do ....... é um projecto urbano de reabilitação de um conjunto edificado no qual é efectuado o reordenamento urbano dentro da respectiva área de intervenção e que, no final das contas, prevê uma redução da superfície de implantação, da área bruta de construção acima do solo e da superfície de pavimento, ao mesmo tempo que prevê um aumento da área de logradouro face ao existente;
HHH. Acresce que a intervenção altamente valorizadora do projecto no conjunto do logradouro, do jardim e dos espaços verdes, atendendo ao estado de avançada degradação e abandono em que os mesmos se encontravam, implicou uma melhoria significativa e assinalável das condições ambientais, patrimoniais e urbanas dos mesmos, indo ao encontro do pretendido pelas normas constantes dos arts. 33º do PDM de Lisboa e 14º do PUNHBAB – preservação e valorização dos espaços;
III. Em suma, por todas as razões supra expostas, o licenciamento do projecto do ....... não violou o disposto nos arts. 18º, nº 1 e nº 2, al. d) e 33º, nº 1 do PDM de Lisboa, nem violou o art. 14º do Regulamento do PUNHBAB, como bem decidiu o Tribunal a quo no Acórdão recorrido”.

Pede que o presente recurso não seja admitido e, em qualquer caso, seja julgado improcedente, por não provado, com a consequente manutenção do acórdão recorrido.


*

O ora Recorrido, Município de Lisboa, notificado da admissão do recurso, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 1846 e segs.):
“1. Foi o ora Recorrido notificado do despacho, datado de 12.12.2013, que deferiu a concessão aos Recorrentes de mais um dia para recorrerem, bem como, do douto despacho, datado de 18.12.2013, que admitiu o Recurso e as respectivas alegações.
2. Considerou a Mma. Relatora que “o atraso de um dia, verificado na entrega da gravação do dia 26.4.2012 aos autores, consubstancia-se num facto não imputável aos mesmos que obsta à prática atempada do acto, pois só cessou no dia em que determinaria o prazo que os AA. têm para recorrer, atendendo ao prazo previsto no artigo 139º, nº 5, do novo CPC.”
3. Alegaram os ora Recorrentes ter existido justo impedimento, nos termos do disposto no artigo 140º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi, artigo 1º do CPTA, invocando para o efeito que, não lhes foi facultada a gravação digital da sessão da audiência de julgamento ocorrida no dia 26 de Abril de 2012, por motivos de ordem técnica imputável ao Tribunal.
4. Consequentemente, requereram, assim, que lhes fosse admitida a entrega das alegações de recurso no passado dia 13 do mês de Dezembro de 2013, ou seja, um dia após o prazo legal previsto no artigo 139º, nº 5 do CPC.
5. Do nosso ponto de vista, não se verificou o justo impedimento previsto no artigo 140º, nº 1 do CPC.
6. O justo impedimento é concedido às partes, a título excepcional, quando razões estranhas imprevisíveis ocorram, de forma a que se revele adequada e equitativa a concessão de um prazo suplementar para a prática do acto.
7. Na situação dos autos o alegado evento não impediu a prática do acto processual a tempo por forma a poder ser considerado “ justo impedimento”.
8. Na verdade, o alegado impedimento derivou da ocorrência de facto totalmente dependente da vontade da parte e do seu mandatário que não usou do cuidado e diligências normais a obstar a eventuais e hipotéticas situações decorrentes da análise do registo magnético.
9. Com efeito, cumpria ao mandatário dos Recorrentes, em observância dos princípios da preclusão e da auto – responsabilidade, praticar os actos processuais com a oportunidade devida, em fase e em tempo considerado próprio pela lei, garantindo, assim, a regularidade do desenvolvimento da relação processual, razão pela qual se impunha que o pedido de entrega do CD se tivesse efectivado com a devida antecedência.
10. Mais se diga que, quanto a esta matéria, a jurisprudência é unânime: O justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de 3 dias úteis, estabelecido no artigo 139º, nº 5 do novo CPC.
11. Veja-se a este propósito, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e o do Supremo Tribunal de Justiça, o primeiro datado de 31.05.2012, proferido no processo nº 2923/05.1TVLSB-B.L.1-2, e o segundo, datado de 27.11.2008, proferido no processo nº 08B2372.
12. Face ao incontestável facto de os Recorrentes apenas terem solicitado junto do Tribunal a gravação digital da sessão da audiência ocorrida no dia 26.04.2012, decorrido já o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto, deveria ter sido indeferido a concessão aos Recorrentes de mais um dia para recorrerem, e consequentemente, terem visto o seu recurso e respectivas alegações indeferidas, por manifesta violação da supra norma legal.
13. Termos em que os referidos despachos devem ser revogados e o presente recurso rejeitado.
14. Consideram os Recorrentes que relativamente ao quesito 11º da B.I, reflectido na alínea MM) da fundamentação de facto da sentença recorrida, que as modificações introduzidas no muro em causa – o muro do ......., sito na Rua ......., comummente atribuído a ....... não são apenas a alteração do interior dos vãos (que deixaram de ser cegos) e a abertura de um vão para acesso dos automóveis ao estacionamento, mas também a circunstância de tal muro deixar de ter “ a sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com vegetação a aflorar sobre o muro;
15. Concluindo que a douta sentença recorrida ignora que também foi introduzida uma outra alteração no muro, porque ele perdeu a sua “imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro”, arguindo a nulidade do licenciamento pela violação do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 32º do PDM.
16. Desde logo, refira-se que aquilo a que os Recorrentes chamam de imagem de muro de suporte de jardim suspenso, aliás, como se pode facilmente constatar nas fotografias constantes das presentes alegações de recurso, não passava de uma zona altamente degradada, com vegetação sem qualquer valor paisagístico.
17. A este propósito, desde sempre insistiram os ora Recorrentes que, com o licenciamento do projecto em causa iriam ser destruídas “belíssimas árvores” e a “famosa buganvília”, quando o que se vê, bem como o que resulta dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, é precisamente o contrário.
18. Por todas elas, sem excepção, foi dito que o “famoso jardim” não passava de uma zona degradada, insalubre e cheia de lixo.”
19. Ainda no que a esta questão concerne, diga-se que, lamentavelmente, os Recorrentes apenas transcreveram partes absolutamente irrelevantes do depoimento do Arq ……, pelo que, passaremos a transcrever os esclarecimentos que esta testemunha prestou ao tribunal:
Arq ……: Os elementos que deveriam ser preservados foram preservados. Todas as cantarias foram preservadas. As aberturas que foram feitas não contrariam o auto de vistoria. No essencial, a imagem a preservar foi mantida a as cantarias foram mantidas. (…) Este auto de vistoria é exigido, de facto, pelo PDM e pelo plano de urbanização, os quais não especificam o que no auto de vistoria deve constar.
Deste modo, a CML alicerçou-se nos autos que constam do RJUE, os quais foram uma referência para a elaboração deste auto de vistoria, o qual teve necessariamente por referência uma obra de reabilitação e conservação e como tal fez uma análise do existente e do que deveria ser mantido, em função de um projecto que posteriormente iria ser analisado
O muro mantém a imagem urbana contemplada no auto de vistoria, não obstante as alterações que foram efectuadas em função do projecto em análise. Não houve alteração dos vãos. Houve apenas a retirada do pano que está entre as cantarias, não houve uma alteração da métrica.
Houve apenas uma alteração que se traduziu na junção de dois vãos para o acesso de veículos ao estacionamento.
Contudo, reitere-se, não houve qualquer alteração da métrica.
Não houve alteração da imagem urbana, da métrica, ritmo e alinhamento dos vãos, os quias permaneceram em obediência ao estipulado no Auto de Vistoria.
20. Ora, o projecto da operação urbanística em apreço, porque envolvia uma intervenção complexa, exigiu uma resposta adequada, quer quanto à preservação da identidade cultural do Conjunto Edificado e respectiva valorização, salvaguardando as suas características construtivas e arquitectónicas, quer no que respeita às dissonâncias construtivas identificadas (nomeadamente as existentes no Edifício do Antigo Colégio dos ….) e às deficiências e insuficiências funcionais de segurança e salubridade acumuladas ao longo de mais de três séculos, com vista a alcançar uma solução urbanística que respeitasse as características morfológicas, de ambiente e imagem, assegurando, em simultâneo, a revitalização social e funcional daquele conjunto edificado, integrado no centro histórico do ......., em face das potencialidades que o projecto da operação urbanística proposta consubstanciava.
21. Neste contexto, isto é, no âmbito do procedimento de controlo prévio de licenciamento daquela operação urbanística complexa, realizaram-se diversas reuniões entre aquela estrutura representada pelo Gabinete Local do ....... e ....... (GLBAB), a equipa projectista e a proprietária do edificado, ora contra- interessada, das quais resultaram sucessivas alterações pontuais do projecto com vista a garantir o cumprimento vinculado das finalidades da previsão normativa do RPUNHBAB e do RPDM, em obediência aos Princípios da Prevalência do Interesse Público, da Proporcionalidade, da Integração, da Sustentabilidade Cultural, Ambiental e Social, em ordem ao alcance de uma solução urbanística equilibrada que preservasse os relevantes interesse públicos, privados e difusos em presença – Reabilitação e Revitalização e Reordenamento do imóvel e a Conservação dos Valores Arquitectónicos e construtivos considerados de valor cultural ou que constituíam contributo essencial para a caracterização do conjunto.
22. Com efeito, para esta classe ou categoria de espaço urbano ambos os instrumentos de gestão territorial aplicáveis admitem, para além das obas de beneficiação, restauro e conservação, operações urbanísticas de construção, alteração, demolição e ampliação (cf. artigos 7.º, 8.º e 9.º do RPUNHBAB e artigos 31.º e 32.º do RPDM).
23. Assim, porque a operação urbanística complexa enunciada envolvia obra de reabilitação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 32.º do RPDM e do n.º 1, do art.º 9.º do RPUNHBAB, previamente à análise do projecto apresentado pela ora Contra-interessada, foi realizada vistoria ao “Edificado do Antigo .......” (conforme resulta provado no Facto P) da matéria assente),resultando do respectivo auto a enunciação e justificação histórico-patrimonial do acervo arquitectónico e construtivo observado, naquela data (23/10 e 4/11/2002) e que, em abstracto, se afigurava valorizável do ponto de vista cultural, ou constituía contributo para a caracterização daquele conjunto edificado.
24. O IPPAR analisou todas as alterações que foram sendo pontualmente introduzidas no projecto, por indicação clara da equipa consultiva municipal, vindo o projecto, na sua versão licenciada pelo acto impugnado nos presentes autos, a merecer despacho de Aprovação do Director Regional de Lisboa, exarado em 21/02/2003, sobre o parecer emitido sob a Informação N.º DRL- 3…/2003, junto de fls. 2332 a fls. 236 do Proc. n.º 2…./OB/RU/02 – PI – Parecer recepcionado na CML em 21/02/2003, considerando que “na globalidade se trata de uma proposta de intervenção valorizadora do conjunto construído, e em que a nova edificação se demarca das existentes por uma composição e linguagem arquitectónica actuais.
25. Mais sublinhou aquela Parecer que “ o projecto é sustentado por um estudo histórico, arquitectónico e urbanístico clarificador, tanto da situação do imóvel como da inserção no bairro”, concluindo que o mesmo “do ponto de vista da valorização da envolvente aos imóveis classificados, merecia aprovação.
26. Após a recepção do Parecer de Aprovação do IPPAR, o projecto foi submetido para análise à equipa consultiva municipal – UPBAB - que já havia participado na vistoria prévia ao “Conjunto Edificado do Antigo .......”, para efeitos de pronúncia sobre o valor histórico-patrimonial do acervo arquitectónico e construtivo valorizável do ponto de vista cultural e do seu contributo para a caracterização daquele conjunto edificado.
27. Essa análise, efectuada pelos mesmos elementos que participaram na vistoria e que elaboram e subscreveram o respectivo Auto, encontra-se vertida nas Informações juntas de fls. 255 a 268 do PI, das quais resulta que o projecto alterado, conforme as exigências da estrutura consultiva municipal representada pela UPBAB, acautelava a preservação do núcleo essencial de maior valor patrimonial, constituído por muitos dos elementos arquitectónicos e construtivos considerados de valor cultural ou que constituíam contributo para a imagem exterior do conjunto edificado, tanto dos existentes no interior como no exterior do Conjunto edificado e que figuravam no Auto de Vistoria inicial e prévio à apreciação do projecto, ora em apreço.
28. O Auto de Vistoria de valor histórico – patrimonial não define com carácter definitivo os elementos arquitectónicos e construtivos de valor cultural a preservar nos termos do artigo 32º, nº 1, alínea a) do PDM, tal como pretendem os Recorrentes fazer crer.
29. Na verdade, o que se estabelece na referida norma é a necessidade de a reabilitação dos edifícios inseridos nas áreas históricas ser precedida de uma vistoria municipal, vistoria essa que, no entanto, tem depois de ser homologada pela Câmara.
30. O Auto de Vistoria assume uma natureza orientadora do futuro projecto, bem como, das eventuais alterações ao projecto inicial.
31. Ora, contrariamente ao preconizado pelos Recorrentes nas suas alegações, o disposto na al. a), do n.º 1, do art.º 32.ºdo RPDM não determina o conteúdo substancial da vistoria municipal que impõe, uma vez que a norma apenas exige a realização da mesma.
32. É certo que mesma é obrigatória, mas o conteúdo do respectivo Auto, isto é, a opinião e conclusão ali enunciadas não assumem a natureza vinculativa ou preclusiva do poder discricionário do órgão competente na valoração e ponderação da conformidade dos pressupostos das normas do RPUNHBAB e do RPDM face ao projecto submetido a aprovação (cf. art.98.º do CPA).
33. Mais se diga que, os pontuais desvios do projecto ao conteúdo do Auto de Vistoria no âmbito da sua apreciação, foram objecto de análise pelos elementos da equipa municipal que subscreveram o Auto de Vistoria de valor Histórico- Patrimonial, os quais concluíram que o projecto acautelava o essencial dos elementos arquitectónicos e construtivos considerados de valor cultural e que constituíam contributo para a caracterização do conjunto em que se inseriam, conforme decorre dos depoimentos do Arquitecto …., Arquitecto …. e Engenheira … e das supra referidas informações constantes do P.I.
34. Relativamente à construção do novo piso no alçado sul, cumpre salientar que da matéria dada por provada em BB) e CC) e do P.I., resulta que estas obras foram autorizadas por ter sido entendido, mediante critérios de proporcionalidade e adequação, que as mesmas se apresentavam inadequadas à sua função de cobertura e que por não configuravam descaracterização do conjunto edificado, nem comprometerem o seu valor arquitectónico ou patrimonial, o projecto se mostrava conforme ao disposto na al. d), do n.º 1 do art.º 32.º do RPDM.
35. Improcedem, assim, totalmente os alegados vícios de nulidade, por violação da alínea a) do nº 1 do artigo 32º do RPDML
36. Alegam os Recorrentes que, relativamente à questão do quesito 22º da B.I, apesar de no quadro sinóptico constante da memória descritiva constar uma área do logradouro de 2636 m2, inscrevendo no projecto uma área de logradouro de 2697 m2, deveria ter sido dado como assente que a área do logradouro é de 2610 m2, conforme decorre da certidão da Conservatória do Registo Predial junta pela Contra-Interessada. Ora, tais alegações improcedem, porquanto;
37. Desde logo, a alegada certidão do registo predial não consta da base instrutória, quer como facto assente, quer como facto a provar, nem tão pouco foi objecto de aditamento à referida B.I por iniciativa dos ora Recorrentes.
38. Com efeito, os Recorrentes, em qualquer momento, quer na sua P.I, quer no decurso da presente acção alegaram quaisquer factos relativos à questão supra, pelo que, atento o princípio do dispositivo, não é, seguramente nesta sede que tal alegação poderia ser equacionada.
39. Acresce que a certidão predial apenas releva para efeitos de legitimidade do pedido da licença da operação urbanística. O ordenamento do espaço dentro dos limites da área do prédio é balizado pelos parâmetros urbanísticos previstos no PDM e no plano de urbanização.
40. Alegam ainda os Recorrentes que, no que respeita aos factos dados como provados sob as alíneas III) e JJJ) da fundamentação de facto da sentença recorrida, e uma vez que tais segmentos de facto não constavam dos factos assentes nem dos quesitos da B.I e sobre eles não foi exercido qualquer contraditório, pelo que, o tribunal desrespeitou o regime do artigo 91º do CPTA.
Mas não têm razão,
41. Com efeito, dispõe o nº 2 do artigo 264º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA que “O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514º e 665º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.”
42. E o nº 3 do mesmo normativo dispõe que “Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.”.
43. Ora, ao abrigo da citada norma, a douta sentença recorrida poderia sempre incluir na B.I a factualidade em causa, não tendo ocorrido qualquer violação do contraditório.
44. Com efeito, os Recorrentes tiveram, no decurso das audiências de julgamento a oportunidade de exercerem o alegado contraditório, sendo que nunca o fizeram.
45. Acresce ainda que, atento o disposto no artigo 514º do CPC, aplicável ex vi, artigo 1º do CPTA, estamos perante factos notórios, do conhecimento geral, factos estes que não carecem de alegação ou de prova.
46. Mais alegam os Recorrentes que é manifesto que a construção de um novo edifício na zona de solo vivo e coberto vegetal existente junto ao muro da R. ....... viola, quer as regras dos artigos 18º, nº 1 e 2-d) e 33 nº 1 do RPDM, quer as regras do artigo 14º, nº 1do Regulamento do PUNHBAB, que que, incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento.
47. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1, do art.º 14.º do RPUNHBAB nos logradouros inseridos em área histórica habitacional, são permitidas as construções admitidas no n.º 1, do art.º 33.º do RPDM.
48. Com efeito, cabem nas excepções previstas no n.º 1, do art.º 33.º do RPDM as construções em logradouro situados nas áreas históricas habitacionais, nas situações em que a sua manutenção possa gerar insalubridade, nomeadamente (…) por a topografia do terreno envolvente determinar más condições de fruição do mesmo (al. b)).
49. Ora da matéria de facto dada por provada nos presentes autos, resulta que a manutenção do logradouro na zona adjacente ao muro da Rua ......., tal como a mesma se encontrava, podia gerar insalubridade.
50. Assim, a ocupação parcial do logradouro dos autos com a construção em cave para garantir a capitação de estacionamento obrigatória (cf. art.º 106.º do RPDM aplicável, ex vi art.º 15.º do RPUNHBAB) e a implantação à superfície de grande parte do único edifício a erigir junto ao muro da Rua ......., não contende com aquela previsão normativa, antes cabe no âmbito daquela excepção (cf. al. b), do n.º 1, do art.º 33.º do RPDM).
51. E a alegação dos Recorrentes de que não foram apuradas quaisquer circunstâncias que gerassem qualquer dificuldade ou insusceptibilidade de eliminar tal foco de insalubridade, não procede.
52. Com efeito, ficou provado que a manutenção do logradouro na zona adjacente ao muro da R. ....... gerava insalubridade, nomeadamente quer por os logradouros confinantes estarem ocupados com construções, quer por a topografia do terreno envolvente determinar más condições de fruição do logradouro.
53. Ora, face a essa constatação, a alegada operação de limpeza não seria possível, e os objectivos pretendidos não seriam alcançados.
54. Ademais, a alínea c), do n.º 1 do art.º 33.º do RPDM também permite a impermeabilização do logradouro mediante a sua ocupação com construções para estacionamento em cave ou à superfície, desde que num e noutro caso não ultrapasse 20% da área livre do logradouro existente.
55. Ora, a verdade é que conforme resulta da informação junta de fls. 356 a 357 do P.I., a ocupação prevista é inferior a 20%, incluindo o saneamento de antigas construções e a criação de uma nova frente de rua, estabelecendo um reordenamento global da parcela.
56. Neste sentido, e também como resulta da matéria de facto dada por provada, a área de logradouro existente inscrita no quadro sinóptico foi de 2636 m2, e a área de logradouro proposta foi de 2697 m2.
57. Verifica-se, assim, que o projecto em questão aumentou a área de logradouro em cerca de 61m2, donde se conclui que a impermeabilização permitida do logradouro existente se pautou pela valorização das circunstâncias de facto à luz das condicionantes ambientais previstas nas alíneas a), do n.º 1 do art.º 14.º do PUNHBAB e das alíneas b) e c) do n.º 1, do art.º 33 do RPDM.
58. Conforme resulta de toda a prova produzida, o projecto em causa é um projecto de reabilitação do conjunto arquitectónico do ......., que prevê um reordenamento e reorganização do espaço urbano, com a demolição de várias edificações e a construção de uma nova edificação, por compensação das edificações demolidas, acrescendo parte das áreas das edificações demolidas à área de logradouro.
59. Trata-se de uma operação urbanística que representa uma solução equilibrada, na medida em que salvaguardou os relevantes interesses públicos, privados e difusos em presença.”.

Pede que o presente recurso seja rejeitado pela sua não admissibilidade ou, caso assim não se entenda, julgado improcedente confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.


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A …. – …., SA e o Município de Lisboa vieram reclamar para a conferência do despacho proferido em 12/12/2013, que deferiu a concessão aos Autores de mais um dia para recorrerem.

O Município de Lisboa apresentou também reclamação para a conferência contra o despacho de admissão do recurso, datado de 18/12/2013 (cfr. fls. 1709 e segs. e 1738 e segs. respetivamente).


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Formula a Reclamante … – …., SA nas respetivas alegações da reclamação, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
A. Através do Despacho de que ora se reclama, proferido nos autos a 12.12.2013, não só foi considerado existir uma situação de justo impedimento, tendo sido concedido ao Autores, ao abrigo do art. 140º do novo CPC, mais um dia para interporem recurso, como foi considerado ser aplicável aos autos o disposto no art. 638º n.º 7 do novo CPC, o que acarretou o acréscimo de mais 10 dias ao prazo de recurso;
B. Salvo o devido respeito, o referido despacho padece de dois graves erros de julgamento que acarretam a sua nulidade nos termos previstos no art. 195º, nº 1 do novo CPC, por terem dado origem a um acto que a lei não admite, ou que acarretam, pelo menos, a sua anulabilidade;
C. Para além de não se verificar nos autos uma situação de justo impedimento nos termos e para os efeitos previstos no art. 140º do novo CPC, o disposto no art. 638º n.º 7 do novo CPC não é aplicável aos autos, atento precisamente o disposto não só no art. 140º do CPTA, como no art. 144º, nº 1 do CPTA;
D. Ao ter decidido em sentido contrário, o despacho reclamado violou, de forma inaceitável, o disposto no art. 140º do novo CPC e o disposto nos arts. 140º e 144º, nº 1 ambos do CPTA, pelo que deverá ser declarado nulo ou pelo menos revogado ou anulado;
E. No dia 11 de Dezembro, data da ocorrência do alegado «evento», já não era possível a prática atempada do acto em causa – a interposição de recurso -, uma vez que o Acórdão proferido nos autos já tinha transitado em julgado, não cabendo, por isso, recurso do mesmo;
F. Nos termos previstos no art. 144º, nº 1 do CPTA, o prazo para a interposição de recurso jurisdicional das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos (em processos não urgentes) é de 30 dias, prazo esse que se conta a partir da notificação da decisão recorrida;
G. O prazo de 30 dias é um prazo peremptório fixo (e único) para a interposição de quaisquer recursos jurisdicionais;
H. Face ao disposto no art. 140º do CPTA, só haverá lugar à aplicação do CPC em matéria de recursos jurisdicionais ordinários no contencioso administrativo, naquilo que não esteja especialmente previsto no CPTA e no ETAF e, sempre com as devidas adaptações;
I. Atendendo à especialidade e especificidade da regulação da lei processual administrativa e ao previsto, em particular, no art. 144º, nº 1 do CPTA, de acordo com o estabelecido no art. 140º do CPTA não é de aplicar o disposto no CPC em matéria de prazos de recurso;
J. Em matéria de prazos de recurso não existe, assim, na lei processual administrativa, nenhuma lacuna que necessite de ser colmatada com o recurso à lei processual civil, dado que o CPTA fornece uma resposta normativa completa neste domínio;
K. Os amplos poderes de cognição sobre a matéria de facto que são conferidos ao tribunal de recurso nos termos previstos no art. 149º do CPTA demonstram que o legislador, quando fixou o prazo de interposição do recurso em 30 dias, tomou em consideração a possibilidade de ser impugnada a matéria de facto e, nessa medida, reapreciada a prova produzida, seja a prova gravada ou não gravada;
L. Não existindo qualquer lacuna, não tem aplicação, subsidiária ou supletiva, ao recurso de decisões dos tribunais administrativos o disposto no nº 7 do art. 638º do novo CPC, uma vez que do mesmo decorre um novo e diferente prazo de interposição de recurso quando exista prova gravada, prazo esse que contraria disposição expressa do CPTA;
M. Todos os elementos literal, histórico, sistemático e teleológico de interpretação das normas do CPTA em matéria de recursos jurisdicionais apontam para a existência de um prazo de interposição de recurso das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos em processos não urgentes que é único e fixo – 30 dias -, independentemente de os recursos terem ou não por objecto a reapreciação da prova gravada;
N. O disposto no art. 638º n.º 7 do novo CPC não é aplicável aos recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos (como não é aplicável o disposto na parte final do art. 638º, nº1 do novo CPC), em face do que dispõe não só o art. 144º, nº 1 do CPTA, como o art. 140º do CPTA;
O. Mas ainda que a dilação dos 10 dias prevista no art. 638º, nº 7 do CPC fosse aplicável aos autos, o que não se concede e só por cautela de patrocínio se equaciona, ainda assim decidiu mal o despacho reclamado ao ter considerado que os Autores beneficiavam da referida dilação dos 10 dias, pois só perante o recurso efectivamente apresentado é que seria possível saber se o mesmo tinha ou não por objecto a reapreciação da prova gravada, uma vez que, se não tivesse, não seria aplicável a referida dilação;
P. Assim sendo, o Meritíssimo Juiz nunca poderia, no despacho reclamado, ter concluído pela aplicação do disposto no art. 638º, nº 7 do novo CPC ao recurso a apresentar pelos Autores, com base tão somente naquilo que foi dito pelo respectivo mandatário, sob pena de violar a própria norma considerada (ainda que erradamente) aplicável;
Q. Da necessidade de adaptar o disposto na lei processual civil ao processo administrativo sempre decorreria a necessidade de comprovar o efectivo objecto do recurso interposto para se poder concluir pela aplicação da dilação prevista no art. 638º, nº 7 do novo CPC, sob pena de, caso contrário, a aplicação automática da referida dilação transformar o prazo de recurso de 30 dias num prazo de 40 dias, independentemente de o recurso ter ou não por objecto a reapreciação da prova gravada;
R. Em suma, seja porque o disposto no art. 638º, nº 7 do novo CPC não é aplicável aos autos, seja porque, caso fosse aplicável, só o seria perante um recurso efectivamente apresentado, por forma a poder comprovar-se ter o mesmo por objecto a reapreciação da prova gravada, errou no seu julgamento o despacho reclamado quando deferiu a concessão aos Autores de “mais um dia para recorrerem” – tendo, no fundo, concedido 10 dias + 1 dia -, uma vez que já tinha caducado o direito de recurso dos Autores;
S. Mas o despacho reclamado errou ainda no seu julgamento, violando, dessa forma, o art. 140º, nº 1 do novo CPC, quando considerou que “o atraso de um dia, verificado na entrega da gravação do dia 26.4.2012 aos autores, consubstancia-se num facto não imputável aos mesmos que obsta à prática atempada do acto, pois só cessou no dia em que terminaria o prazo que os AA. têm para recorrer, atendendo ao prazo previsto no art. 139 n.º 5, do novo CPC”;
T. Atenta a factualidade ocorrida nos autos, é forçoso concluir-se que o mandatário dos Autores não cumpriu com o especial dever de cuidado, diligência e de organização que recai sobre os profissionais do foro, no acompanhamento das causas, tendo a sua conduta concorrido para a produção do evento e sendo a sua conduta censurável;
U. Caso o mandatário dos Autores tivesse agido com a diligência e cuidado que lhe era exigida e tivesse solicitado a entrega das cópias das gravações mais cedo, e não no quadragésimo segundo dia, a não entrega de todas as gravações requeridas no mesmo dia em que foram pedidas não o teria impedido de apresentar o recurso dentro do prazo que ele considerava o correcto;
V. Acresce que a não entrega de cópia das gravações, no próprio dia em que as mesmas foram pedidas, era um facto que era previsível, uma vez que a secretaria do tribunal não está obrigada a praticar os actos que lhe são pedidos pelos mandatários das partes no próprio dia, atento o disposto no nº 1 do art. 162º e no nº 1 do art. 171º do novo CPC;
W. Nessa medida, é forçoso concluir-se que o alegado evento é imputável ao mandatário dos Autores, uma vez que a sua falta de diligência concorreu, por culpa sua decorrente, para a produção do resultado, não se verificando, assim, também por esta razão, uma situação de justo impedimento;
X. Por último, importa referir que o despacho reclamado violou o disposto no nº 2 do art. 140º do novo CPC na medida em que o direito de pronúncia do Réu Município de ....... não foi devidamente respeitado.”.
Termina, pedindo que seja declarado nulo e/ou revogado o despacho proferido nos autos a 12/12/2013.
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O Reclamante, Município de Lisboa nas respetivas alegações da reclamação, não formula quaisquer conclusões.

Sustenta que o despacho datado de 12/12/2013, que concedeu mais um dia para os Autores recorrerem incorre claramente numa errónea aplicação do direito, porquanto só se aplicaria supletivamente o disposto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC às acções administrativas caso não existisse norma específica nos termos do CPTA.

Mais aduz que face ao facto de os Autores apenas terem solicitado junto do Tribunal a gravação digital da sessão da audiência ocorrida no dia 26/04/2012, decorrido já o prazo perentório estabelecido na lei para a prática do ato, deveria ter sido indeferido a concessão aos Autores de mais um dia para recorrerem, e consequentemente, terem visto o seu recurso e respectivas alegações indeferidas, por manifesta violação das supra normas legais.

Termina, pedindo que seja concedido provimento à reclamação, revogando-se os despachos datados de 12/12/2013 e de 18/12/2013 e substituídos por outros, respetivamente, que indefira a concessão aos Autores de mais um dia para recorrerem e, que, em consequência, rejeite o recurso e as alegações.


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Os Autores, vieram pronunciar-se sobre as reclamações para a conferência, alegando a inadmissibilidade das reclamações, por do despacho de 12/12/2013 não haver reclamação para a conferência, ser aplicável o artigo 638.º, n.º 7 do CPC, não existir a negligência do mandatário, por não ter agido com falta de diligência e defender a inaplicabilidade do justo impedimento do regime do artigo 139.º, n.º 5 do CPC.

Concluem, pedindo que as reclamações apresentadas não procedam.


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Por despacho datado de 30/01/2014 foram indeferidas as reclamações, com fundamento de contra os despachos reclamados não caber reclamação para a conferência, por se tratar de despachos de mero expediente (cfr. fls. 1759).

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A ....... – ......., SA e o Município de Lisboa vieram reclamar para a conferência do despacho proferido em 30/01/2014 (cfr. fls. 1935 e segs. e 1951 e segs. respetivamente).

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Formula a Reclamante ....... – ......., SA nas respetivas alegações as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
“A. Salvo o devido respeito, o despacho de que ora se reclama, proferido nos autos a 30.01.2014, padece de um grave, flagrante e manifesto erro de julgamento, ao ter considerado que não cabe reclamação para a conferência do despacho proferido nos autos a 12.12.2013, por o ter qualificado como sendo um despacho de mero expediente, e, em consequência, ao ter indeferido a reclamação que do mesmo foi apresentada pela ora Reclamante;
B. O despacho de 12.12.2013 não é, conforme jurisprudência pacífica, um despacho de mero expediente, nos termos definidos no art. 152º, nº 4 do novo CPC, na medida em que não se destinou a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, pelo que do mesmo cabia e cabe reclamação para a conferência, nos termos previstos no art. 27º, nº 2 do CPTA;
C. Ao decidir, ao abrigo do art. 140º do novo CPC, a existência de uma situação de justo impedimento e, em consequência, conceder aos Autores mais um dia para interporem recurso do Acórdão proferido nos autos (e ainda por cima no 43º dia contado da data de notificação às partes do mesmo) e ao considerar ser aplicável aos autos o disposto no art. 638º n.º 7 do novo CPC (o que acarretou o acréscimo de mais 10 dias ao prazo de 30 dias de recurso previsto no art 144º, nº 1 do CPTA), não é prover ao andamento regular do processo, e muito menos sem interferir no conflito de interesses entre as partes, é, bem pelo contrário, prover ao andamento excepcional e anormal do processo, com interferência directa e decisiva no conflito de interesses entre as partes, afectando directamente direitos e interesses das partes;
D. Ao não ter submetido a reclamação do despacho de 12.12.2013 à conferência, a Meritíssima Juíza violou, com o despacho ora reclamado, os arts. 27º, n 2 do CPTA e 652º, nº 3 do novo CPC;
E. E porque o despacho ora reclamado, não é, também ele, um despacho de mero expediente e por no mesmo ter sido feita uma errada qualificação judicial do despacho de 12.12.2013 como sendo de mero expediente, com manifesta interferência no conflito de interesses entre as partes, afectando os direitos e interesses das partes, em particular da ora Reclamante, cabe do mesmo reclamação para a conferência, nos termos do art. 27º, nº 2 do CPTA”.

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Os Autores pronunciaram-se sobre as reclamações para a conferência, defendendo que não há reclamação para a conferência de decisões proferidas em juiz singular, como decorre do artigo 40.º do ETAF e que o despacho de 12/12/2013 não era recorrível, reproduzindo o teor da sua anterior pronúncia (cfr. fls. 1965 e segs.).

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Por despacho datado de 17/03/2014 as reclamações para a conferência apresentadas foram convoladas em recursos jurisdicionais (cfr. fls. 1980 e segs.).

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Em sequência, os Autores, agora Recorridos, ...... e ....., notificados da admissão do recurso, apresentaram contra-alegações aos recursos, formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 1990 e segs.):
Da irrecorribilidade

A) Do despacho de 30/01/2014 não há recurso, mas quanto muito poderia havido reclamação dirigida ao tribunal superior, nos termos do art. 643º do C.P.C.; de qualquer forma, não irão os ora Recorridos aprofundar esse debate, até porque, na substância das coisas, estão convictos que a razão lhes assiste.

B) Na verdade, o despacho de 12/12/2013 não era – e não é – efectivamente recorrível.
C) Quanto à questão da aplicação do regime do art. 638º nº 7 do C.P.C. – pacífica na jurisprudência e na prática judiciária –, a sede própria para a apreciar é nas contra-alegações de recurso – relativas à sentença que decidiu o mérito da causa –, suscitando aí, se fosse caso disso, a respectiva intempestividade.
D) Quanto ao deferimento do pedido de aceitação da entrega do recurso um dia após o termo do prazo, em função de, por exclusiva responsabilidade de deficiência informática do tribunal, ter havido um atraso de um dia para facultar aos Recorrentes um documento constante dos autos, estamos claramente no domínio de matéria irrecorrível, porque depende do prudente arbítrio do julgador, estando por isso no âmbito de um poder discricionário, nos termos dos arts. 630º nºs 1 e 2 e 152º nº 4 do C.P.C..
E) Sempre seria inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo (art. 20º da CRP), o entendimento conjugado dos arts. 6º e 630º do C.P.C., no sentido de admitir a possibilidade da contra-parte interpor recurso de despacho do tribunal de deferimento de um pedido de extensão de um prazo, por causa imputável ao próprio tribunal, proferido ao abrigo do seu presente arbítrio e ao qual a parte adequou o seu comportamento processual.
Da aplicabilidade do art. 638.º, n.º 7 do CPC
F) Os RR. entendem que aos autos não se aplica a regra do art. 638.º, n.º 7 do CPC, segundo o qual, quando o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acresce o prazo de 10 dias.
G) Mas não têm razão, porque, nos termos do art. 140.º do CPTA, tal como, anteriormente, do art. 102.º da LPTA, os recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações, sem prejuízo do que vem estabelecido naqueles diplomas legais.
H) Ora, nem o CPTA, nem a LPTA, estabelecem qualquer regime relativamente ao prazo do recurso quando nele é feita a reapreciação da prova gravada.

I) Por seu turno, o art. 638.º, n.º 7 do CPC – tal como as redações anteriores do CPC, desde quando tal regime foi introduzido (cfr. art. 698.º, na redação introduzida pela reforma de 1995/1996) – estabelece que, em caso de recurso em que se reaprecie a prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.
J) Tal regra não é afastada pelo CPTA, tal como não era pela LPTA.
Por outro lado, não há qualquer fundamento – literal, lógico ou teleológico – para que essa regra (tal como as demais regras dos n.ºs 2 a 6, 8 e 9 do mesmo art. 638.º) não se aplique ao processo administrativo – já que aquilo que constitui a sua razão de ser tanto se justifica no âmbito do processo civil comum, como no processo administrativo -, pelo que, estando estabelecido que, nos recursos jurisdicionais das decisões proferidas pelos tribunais administrativos, rege a lei do processo civil, é indiscutível que, in casu, ao prazo geral de 30 dias acresciam 10 dias.
K) É essa, de resto, a prática pacífica nos tribunais administrativos portugueses, sem que isso cause dúvidas a ninguém (cfr. supra nºs 16 e 17).

Da alegada negligência do mandatário signatário

L) O argumento mais extraordinário dos RR. é, contudo, o de que o evento em causa – o evento que impediu que a gravação da audiência de 26 de Abril de 2012 lhe tivesse sido facultada quando o signatário se dirigiu ao tribunal na manhã do dia 11 de Dezembro, só o tendo sido, após recurso a um técnico informático requisitado para o efeito, no dia 12 de Dezembro, depois da instalação de um programa de recuperação de ficheiros (cfr. requerimentos dos AA. de 11/12/2013 e de 12/12/2013, sob os registos n.ºs 361775, 361857 e 361876, bem como cotas da Oficial de Justiça, lavradas a 11/12/2013 e a 12/12/2013) – seria imputável ao signatário, que teria actuado com falta de diligência.
M) Enquanto decorre o prazo para praticar um acto que só à parte diz respeito – como era o caso –, o processo – incluindo, naturalmente, as gravações das sessões gravadas - tem de estar disponível na secretaria para consulta ou confiança ao mandatário, nos termos do art. 167.º do CPC, que é a regra aplicável à situação em pauta, não lhe sendo aplicável o regime previsto nos arts. 162.º, n.º 1 e 171.º, n.º 1 do CPC, tal como reclamado pela contra-interessada.
N) E a verdade é que, por um problema informático da exclusiva responsabilidade do tribunal – que obrigou à chamada de um técnico de informática para introduzir um programa de recuperação de ficheiros –, a gravação da audiência de 26 de Abril de 2012 – onde estava inserida a gravação do depoimento da testemunha …. de que os AA. careciam para instruir as suas alegações (cfr. n.º 13 das alegações apresentadas) – só veio a ser disponibilizada ao signatário no dia seguinte.
O) Foi esse erro ou falha do tribunal – que não é da culpa de ninguém em particular, mas do funcionamento do sistema – que levou o despacho recorrido a deferir a arguição de irregularidade suscitada e a invocação de justo impedimento, deferindo a concessão aos AA. de mais um dia para recorrerem.
P) Como era de elementar Justiça.

Da inaplicabilidade do justo impedimento ao regime do art. 139.º, n.º 5 do CPC

Q) Os RR. invocam ainda que o regime do justo impedimento não se aplica ao período temporal adicional de 3 dias úteis estabelecido no art. 139, n.º 5 do CPC, invocando alguma jurisprudência que milita nesse sentido.
R) Os AA., ora recorridos, não se revêem nessa jurisprudência, porque efectivamente nada na letra ou no espírito da lei permite estabelecer que o instituto do justo impedimento não se aplica às situações que ocorrem no decurso desse prazo adicional, uma vez que justo impedimento é o evento não imputável nem à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
S) Em qualquer caso, na ocorrência dos autos, a situação é muito particular e diferente, já que aquilo que obstou ao cumprimento do prazo e subjaz ao justo impedimento é uma falta do tribunal, que consubstancia uma irregularidade ou nulidade, logo arguida pelos AA. na al. i) do seu requerimento de 11/12/2013 (registo n.º 361775), sendo nessa falta que se sustenta o justo impedimento.
T) De resto, é sabido – consubstanciando um princípio há muito consagrado – que os erros e omissões dos actos praticados pelas secções ou secretarias judiciais não podem, em qualquer circunstância, prejudicar as partes (cfr. art. 157.º, n.º 6 do CPC).
U) Ofenderia gravemente o princípio de um processo equitativo que a parte não fosse admitida a praticar um acto no dia subsequente ao termo de um prazo, quando a parte não pôde cumprir esse prazo, por motivo imputável ao tribunal.

V) O entendimento normativo do art. 140.º do CPC no sentido de que não deve ser considerado justo impedimento o evento imputável ao tribunal que obsta à prática atempada do acto, quando a parte pretende praticar esse acto no prazo adicional previsto no art 139.º, n.º 5 do CPC, tendo logo arguido a respectiva irregularidade, seria grosseiramente inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo previsto no art. 20.º, n.º 4 da CRP, o que se deixa arguido.”.

Termina declarando que os recursos não merecem provimento.


*

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer (cfr. fls. 2033 e segs.), no sentido da aplicação aos recursos administrativos do disposto no artigo 638.º, n.º 7 do CPC, nenhuma razão existindo para não se aplicar o prazo de 10 dias e que se verifica o justo impedimento para apresentar o recurso no 41.º dia, por indisponibilidade de uma gravação por problema informático.

Emite parecer no sentido de o recurso não ser extemporâneo.

Quanto ao mérito do recurso, emite parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção do acórdão recorrido.

Sustenta que o projecto mostra-se em consonância com os pareceres técnicos camarários, nomeadamente com o auto de vistoria de valor histórico patrimonial e os pareceres vinculativos do IPPAR e tendo havido profundas alterações quer no edifício histórico, quer no logradouro envolvente, essas alterações foram estudadas antes de serem aprovadas.

Conclui no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.


*

Os Recorrentes pronunciaram-se sobre o parecer emitido, concluindo como nas alegações de recurso (cfr. fls. 2039 e segs.).

*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A. Recursos interpostos pela ....... e pelo Município de ......., contra o despacho recorrido, datado de 30/01/2014:

A questão suscitada pelos Recorrentes resume-se, em suma, em determinar se o despacho recorrido enferma de:

1. Erro de julgamento, ao considerar que não cabe reclamação para a conferência contra o despacho datado de 12/12/2013, por este não ser um despacho de mero expediente, em violação dos artigos 27.º, n.º 2 do CPTA e 652.º, n.º 3 do CPC.

No caso de o Recurso antecedente ser julgado procedente, cumpre decidir, em substituição das:

B. Reclamações para a Conferência apresentadas pela ....... e pelo Município de Lisboa contra o despacho que concede mais um dia de prazo para recorrer (despacho de 12/12/2013) e o despacho de admissão do recurso (despacho de 18/12/2013), com os seguintes fundamentos:

1. Erro de julgamento ao aplicar ao artigo 638.º, n.º 7 do CPC – despacho de 12/12/2013;

2. Erro de julgamento ao julgar verificada a situação de justo impedimento e conceder mais um dia para a interposição do recurso – despacho de 12/12/2013;

3. Erro de julgamento ao julgar a tempestividade do recurso – despacho de 18/12/2013.

C. Recurso interposto pelos Autores:

As questões suscitadas pelos Recorrentes resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento de facto, quanto às alíneas MM) (quesito 11.º), WW) (quesito 22.º) e aos factos dados como provados nas alíneas III) e JJJ);

2. Erro de julgamento de direito quanto à falta de conservação dos elementos arquitectónicos e construtivos de valor cultural, em violação do artigo 32.º, n.º 1, a) do RPDM;

3. Erro de julgamento de direito quanto à falta de preservação de uma parte do logradouro com solo vivo e coberto vegetal, em violação dos artigos 18.º, n.º 1 e 2 d) e 33.º, n.º 1, do RPDM e artigo 14.º, n.º 1 do Regulamento do PUNHBAB.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“(…)
A. Por escritura pública de 31.10.2000, a R. ....... celebrou com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa um contrato de compra e venda através do qual adquiriu os prédios que compõem o denominado “.......” (cfr. doc. 22 junto com o requerimento inicial da providência cautelar em apenso);
B. A venda dos prédios por parte da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa foi superiormente autorizada pelos Ministros do Trabalho e da Solidariedade Social e da Saúde (cfr. doc. 22 junto com o requerimento inicial da providência cautelar em apenso);
C. Como fundamento para a venda por parte da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, cita-se aqui a fundamentação constante do despacho de autorização do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social (cfr. doc. 22 junto com o requerimento inicial da providência cautelar em apenso):“4. São os seguintes os elementos relevantes constantes do processo:
- Em 1984 a SCML comprou o referido prédio no sentido de ali desenvolver uma unidade piloto gerontológica.
- Este projecto acabou por não ser concretizado tendo o edifício sido aproveitado para outros fins, designadamente para instalação de alguns serviços da SCML e serviços de assistência da Ordem de Malta a título de comodato.
- O prédio em causa não oferece as condições adequadas para os referidos serviços da SCML.
- Foram solicitadas diversas avaliações do prédio em causa tendo em vista a sua futura alienação. Fixando-se em 450.000 contos o valor para alienação.
- O prédio encontra-se em mau estado de conservação sendo impraticável a realização de obras de reabilitação.
- Colocado no mercado, a melhor proposta recebida foi da empresa ....... – ......., SA
5. A SCML entende que a alienação do imóvel é a solução mais adequada à situação e características do imóvel tendo em consideração a política de desinvestimento do parque imobiliário degradado daquela instituição;

6. Em atenção às específicas características do imóvel em questão, foram ouvidos, através de ofícios de 7 de Fevereiro, o Ministério da Cultura e a Câmara Municipal de Lisboa quanto à existência de eventuais objecções à sua alienação.

7. Nenhuma das entidades levantou quaisquer objecções.

8. O valor da alienação proposta (535.000 contos) corresponde à melhor proposta recebida e é superior ao valor da avaliação previamente realizada.
9. Os titulares dos direitos legais de preferência (CML e IPPAR) decidiram não preferir.

10. O pedido parece ter justificação adequada não se vendo razões para que o mesmo não possa ser autorizado.»
D. Por despacho de 10 de Novembro de 2000, o Cardeal Patriarca de Lisboa deferiu o pedido da Ré de “desafectar do culto divino e converter a usos profanos o oratório do Seminário dos …(Colégio de …e….), no ....... de ......., paróquia de Santa….” (cfr. doc. 3 junto ao processo cautelar em apenso pela CI. ......., em sede de oposição);
E. Em Abril de 2001, a R. ....... deu início, na Câmara Municipal de Lisboa, a um processo de licenciamento de reabilitação do conjunto arquitectónico do “.......” e de construção de residências com cuidados de longo prazo para a terceira idade;
F. O espaço em causa situa-se numa área classificada no PDM de Lisboa como área histórica habitacional;
G. A área em apreço integra-se na Zona de Protecção do Aqueduto das Águas Livres, classificado como Monumento Nacional (Zona de Protecção 18-A) e na Zona de Protecção do Palácio de…, classificado como imóvel de Interesse Público – Decreto- Lei n.º 45/93, de 30.11;
H. O ....... está referenciado no Inventário Municipal do Património (Anexo I do PDM de Lisboa, referência 28.24);
I. O logradouro e o quintal integram a estrutura ecológica urbana (art. 18º, n.º 2, al. d) do PDM e respectivas plantas);
J. A zona em questão integra o núcleo de interesse histórico edificado (art. 24ºdo PDM de Lisboa e respectiva planta de componentes urbanas);
K. O sítio integra a área potencial de valor arqueológico de nível II da cidade de ....... (art. 15º do PDM de Lisboa e respectiva planta respeitante ao inventário do património municipal A4);
L. O Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) emitiu parecer favorável ao projecto em Junho de 2001 (cfr. doc. 2 junto com o requerimento inicial da providência cautelar em apenso);
M. Em Fevereiro de 2002, a R. ....... apresentou alterações ao projecto de arquitectura;
N. Submetido ao IPPAR, o projecto foi objecto de novo parecer favorável por parte desta entidade, em Julho de 2002 (cfr. doc. 2 junto com o requerimento inicial da providência cautelar em apenso);
O. A partir de Setembro de 2002, a Unidade de Projecto do ....... e ....... (UPBAB) - serviço interno da CML - passou a fazer o acompanhamento do projecto;
P. Em 23.10.2002 e 04.11.2002, os técnicos da UPBAB realizaram uma vistoria ao “.......”, da qual resultou a elaboração de um Auto de Vistoria de Valor Histórico-Patrimonial (doc. 3 junto com a oposição da Câmara Municipal de Lisboa à providência cautelar em apenso);
Q. A partir de Outubro de 2002 realizaram-se reuniões entre os elementos da UPBAB e a equipa do projecto nas quais foram discutidas e analisadas as diversas soluções do projecto, com especial incidência nas questões de preservação dos valores patrimoniais do .......;
R. As objecções ao projecto levantadas pelos elementos da UPBAB foram sendo sucessivamente ultrapassadas, tendo o projecto sofrido as necessárias alterações de molde a serem observadas as exigências impostas por aquele serviço;
S. Foi na sequência das primeiras reuniões realizadas que a R. ....... apresentou, em Dezembro de 2002, uma nova versão do projecto de arquitectura onde, no intróito da respectiva memória descritiva, se refere que “o projecto base que agora se altera visa dar resposta às solicitações da CML e tentar ultrapassar as objecções do Município aos estudos anteriormente propostos” (Doc. 1 junto com o requerimento inicial da providência cautelar em apenso);
T. Em Fevereiro de 2003, o novo projecto de arquitectura foi objecto de parecer favorável pelo IPPAR (cfr. fls. 4 a 7 do doc. 1 junto com o requerimento inicial da providência cautelar em apenso);
U. Em Julho de 2003, o projecto de arquitectura foi objecto de aprovação por parte da CML;
V. Entre os anos de 2000 e de 2003, foram realizados no local vários estudos geotécnicos pela empresa ….., os quais sempre foram acompanhados, avaliados e validados pelo Gabinete de Geologia da Câmara Municipal (cfr. docs. 4, 5, 6 e 7 juntos à contestação da R. ....... e cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);
W. Esses estudos traduziram-se, designadamente, em poços de reconhecimento e sondagens técnicas, tendo um dos poços de reconhecimento tido lugar junto ao edifício confinante com a Rua .......;
X. Também na área circundante da intervenção, foi realizado e entregue na CML um plano de monitorização dos prédios vizinhos;
Y. Em Janeiro de 2004, foram realizadas no local sondagens arqueológicas/trabalhos de prospecção arqueológica pela empresa ERA ARQUEOLOGIA (Doc. 8 junto à contestação da R. ....... e cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);
Z. Em 6 de Maio de 2004, por despacho da Vereadora ……, foi licenciado o projecto da R. ......., acto esse que constitui o objecto da impugnação dos presentes autos.
AA. O despacho identificado na alínea que antecede foi publicado no Boletim Municipal n.º 540, de 24 de Junho de 2004 (cfr. doc. 1B junto com o requerimento inicial da providência cautelar em apenso);
BB. O projecto aprovado não mantém os desenhos das “águas” dos telhados existentes no corpo sul do edifício do antigo Convento, mas tal solução mereceu o assentimento dos técnicos da UPBAB.
CC. O mesmo se diga quanto à construção de um novo piso, que mereceu também o acordo dos técnicos da UPBAB sem que tal solução pusesse em causa a manutenção da composição da fachada do alçado sul.
DD. Na cozinha procedeu-se à aplicação de materiais removíveis, preservando-se, deste modo, a estrutura construtiva original.
EE. A igreja foi recuperada e restaurada na sua totalidade, não estando destinada a uso habitacional, tal como previsto no Auto de Vistoria de Valor Histórico-Patrimonial.
FF. No coro da igreja existe um órgão que já está recuperado e vem sendo objecto de acções periódicas de manutenção.
GG. Procedeu-se à utilização de métodos de construção pombalina, com preterição de determinados materiais, como o betão, a favor de estruturas de madeira e tijolo.
HH. O que está em causa é somente a construção de um único bloco habitacional para o local.
II. A entrada e saída de veículos será feita por uma pequena parte do muro existente na Rua ........
JJ. O muro do ......., sito na Rua ......., é um muro comummente atribuído a ........
KK. O muro em causa era, na sua origem, um muro de suporte de terras.
LL. Na obra em apreço prevê-se a recuperação do muro, com manutenção das respectivas cércea e configuração geral.
MM. As únicas alterações introduzidas no muro em causa traduzem-se na alteração do interior dos vãos – os quais deixarão de ser cegos – e na abertura de pequeno vão para acesso dos automóveis ao estacionamento.
NN. A intervenção que está programada para o muro em causa será realizada através de uma contenção do mesmo com estrutura metálica, estrutura esta que ficará integrada nas paredes tipo Berlim.
OO. Trata-se de uma técnica de contenção periférica que permitirá a sua escavação faseada de cima para baixo, sem colocar em risco o muro, o arruamento e as construções contíguas.
PP. Na cozinha procedeu-se à aplicação de materiais construtivos leves e removíveis, preservando-se, deste modo, a estrutura construtiva original, o que vai de encontro às exigências feitas para este espaço.
QQ. Mantiveram-se os tectos abobadados que sustentam o observatório e o desenho e a espacialidade do corredor central, com tectos de saia e camisa no piso 3.
RR. A cércea dos edifícios existentes na Rua ....... é igual ou superior à cércea do novo edifício.
SS. Para a realização dos estudos identificados na alínea V) da matéria de facto assente, foram abertos mais de 13 poços de reconhecimento, foram realizadas mais de 6 sondagens técnicas e diversos tipos de ensaios técnicos a diversas profundidades, resultando daí uma análise minuciosa do terreno e que garante todos os objectivos de segurança, tanto do edifício onde se vai realizar a operação urbanística licenciada, como dos edifícios confinantes (os quais, refira-se, são em número muito reduzido uma vez que o terreno em apreço confina na sua maioria com arruamentos públicos).
TT. O Índice de Utilização Bruto (IUB) previsto no projecto é aproximadamente de 1.07 e o existente de superior a 1,12.
UU. Foi licenciado um único bloco construtivo, com elementos decorativos estruturais distintos, destinado a estacionamento nos pisos – 2 e – 1 e habitação nos pisos 0, 1 e 2 e cuja cobertura, será ajardinada.
VV. Foi construído um pátio interior em parte da zona do logradouro que estava em estado de abandono.
WW. A área do logradouro existente inscrita no quadro sinóptico foi de 2636 m2, e área de logradouro proposta foi de de 2697 m2.
XX. A execução do projecto de construção do novo edifício na Rua ......., tal como foi licenciado, iria eliminar o solo vivo e coberto vegetal, bem como algumas das árvores, tal como ele existia no local até ali.
YY. Foram criadas barreiras de protecção para inúmeras árvores destinadas a preservar as mesmas.
ZZ. Algumas das árvores existentes não iriam ser derrubadas estando antes prevista a sua relocalização dentro do terreno em causa.
AAA. Grande parte do único edifício a erigir será implantado na zona de solo vivo e coberto vegetal existente junto ao muro da Rua ........
BBB. As fichas, contendo as normas de intervenção do PUNHBAB e que fazem parte integrante do Regulamento deste Plano de Urbanização, não foram objecto de publicação em Diário da República.
CCC. As edificações existentes no ....... encontravam-se à data da aprovação do projecto e do seu licenciamento em mau estado de conservação.
DDD. No projecto em apreço previa-se a conservação de muitos elementos arquitectónicos e patrimoniais considerados de valor e que constituíam contributo para a caracterização do ........
EEE. Nunca foram definidas regras específicas para a figura do “ projecto urbano” para além das normas previstas no PDM de Lisboa
FFF. A figura do “projecto urbano” nunca foi utilizada em nenhum outro edifício ou conjunto de edifícios no âmbito do plano de urbanização do ....... e da ........
GGG. No projecto em apreço foram apresentados, designadamente, os seguintes elementos: memória descritiva; a superfície total do terreno; a área de terreno afecta ao uso previsto e respectiva áreas de implantação das construções; área de construção, número de pisos, cércea, referindo os índices urbanísticos; áreas de estacionamento e números de lugares previstos, estrutura viária adoptada com especificação das áreas destinadas às vias e acessos a estacionamento; plantas e peças desenhadas; projectos de execução e especialidade constantes do processo administrativo instrutor em apenso.
HHH. A manutenção do logradouro na zona adjacente ao muro da Rua ....... tal como a mesma se encontrava podia gerar insalubridade.
III. Foi aprovada na Reunião Pública da Câmara Municipal de Lisboa, de 26 de Junho de 2013, após abertura de um período de discussão pública, a seguinte proposta de alteração ao Regulamento do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico do ....... e ....... (cfr. consulta http://www.cm-lisboa.pt/viver/urbanismo/planeamento-urbano/planos-com-termos-de-referencia-aprovados/alteracao-do-plano-de-urbanizacao-do-nucleo-historico-da-bairro-alto-e-bica., pgs. 10 e ss. do Relatório):
“(…)
c) Projeto urbano
O conceito de “Projeto urbano”, aplicado a determinadas áreas (artigo 18.º, cuja revogação é agora proposta), não tem formulação legal, pelo que a imposição da sua prévia realização para determinadas operações urbanísticas (novos alinhamentos de fachada (artigo 8.º/a), novas comunicações entre edifícios (artigo 9.º/e), novas construções em pátios e vilas (artigo 16.º) não tem aplicação permitida por Lei.
Por outro lado, nunca, durante a já longa vigência deste Plano de Urbanização, chegou a ser aprovado qualquer destes “Projetos”.
Sendo recorrente, pelo menos desde a publicação do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro (RJIGT), a dúvida sobre a aplicação destas disposições do PU e também presentes no Regulamento do PDM, vieram o Departamento de Planeamento Urbano e o Departamento Jurídico, recentemente, assentar doutrina que interessa aqui, pelo menos parcialmente.
Concluem os referidos pareceres, em resumo, que, obedecendo os instrumentos de gestão territorial ao princípio da tipicidade, e não estando a figura de Projeto urbano tipificada ou disciplinada nem no RJIGT nem na Lei de Bases da Política do Urbanismo e do Ordenamento do Território [Lei n.º 48/98, de 11 de agosto, alterada pela Lei n.º 54/2007, de 31 de agosto], não pode o referido projeto ser utilizado para os efeitos reservados pela Lei aos Planos de Pormenor.
O que, em conclusão, não impõe a realização de Plano de Pormenor para as áreas em causa, podendo o Município decidi-lo, como já fez recentemente para esta mesma área, por tal se verificar justificável.
A Lei permite ainda o eventual recurso à definição de “unidades de execução”, sempre que a concertação de interesses e das intervenções de mais de um proprietário ou promotor se mostre necessária e de interesse público, implicando as mesmas o desenho urbano mais conveniente à reabilitação enquanto conjunto.
O plano de pormenor de reabilitação urbana já em curso de elaboração, integrando para a maioria deste território, e nos termos da Lei, as exigências de plano de salvaguarda, será portanto a única forma alternativa e abrangente de densificar a normativa aplicável aos conjuntos que antes estavam ao abrigo da reserva para projetos urbanos.
Entretanto, a norma adotada transitoriamente pelo presente regulamento alterado do plano de urbanização (p.ex. no artigo 19.º) configura uma maior restrição, designadamente salvaguardando as características e valores preexistentes e a salubridade desejável.
No âmbito desse novo plano, até assente no conhecimento aprofundado que decorre da intervenção municipal continuada, serão redelimitados os conjuntos a exigir estudo e proposta de programação, reavaliando-se as áreas anteriormente sujeitas a projeto urbano ou projeto de conjunto.
Afasta-se, assim, a aplicação da figura de “Projeto urbano” como prévia a qualquer operação, aplicando-se diretamente as demais normas presentes no Regulamento, em função da localização de cada pretensão.
De notar que as áreas que até aqui estavam sujeitas a projetos urbanos já estavam integradas nas subcategorias previstas no artigo 5.º do Regulamento e delimitadas na carta de zonamento, mantendo-se a mesma qualificação e as mesmas regras de intervenção, logo não se criando qualquer vazio de regras urbanísticas.(…)” (negrito e sublinhado nosso).
JJJ. O projecto “.......” foi um dos vencedores da 15ª edição dos “Óscares do Imobiliário”- Prémio nacional do Imobiliário 2011, nas categorias “Habitação” e “Reabilitação” (cfr. consulta http://www.lpmcom.pt/index.php/comunicados/2286-convento-dos-inglesinhos-vence-oscares-do-imobiliario)

Factos não provados
1.O muro em causa [alínea JJ) supra] foi construído “em terrenos que não pertenciam ao antigo .......”.

2. Irão ser plantadas mais árvores do que aquelas que actualmente existem.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos de cada um dos recursos jurisdicionais.

A. Recursos interpostos pela ....... e pelo Município de Lisboa, contra o despacho recorrido, datado de 30/01/2014:

1. Erro de julgamento, ao considerar que não cabe reclamação para a conferência contra o despacho datado de 12/12/2013, por este não ser um despacho de mero expediente, em violação dos artigos 27.º, n.º 2 do CPTA e 652.º, n.º 3 do CPC

Sustentam os ora Recorrentes que o despacho recorrido, datado de 30/01/2014, enferma de erro de julgamento ao considerar que não cabe reclamação para a conferência contra o despacho datado de 12/12/2013, por este não ser um despacho de mero expediente, em violação dos artigos 27.º, n.º 2 do CPTA e 652.º, n.º 3 do CPC.

Vejamos.

Resulta da tramitação dos autos que os ora Recorrentes vieram apresentar reclamação para a conferência contra o despacho datado de 12/12/2013, que deferiu a concessão aos Autores de mais um dia de prazo para recorrerem, com fundamento em justo impedimento, decorrente de problema informático com a gravação da prova e de a mesma não ter sido imediatamente disponibilizada pelo Tribunal, alegando tal despacho violar o disposto nos artigos 140.º e 144.º, n.º 1, do CPTA.

O Município de Lisboa veio ainda reclamar contra o despacho de admissão do recurso interposto pelos Autores, datado de 18/12/2013.

Pelo despacho ora recorrido, datado de 30/01/2013 foram indeferidas as reclamações apresentadas, com o fundamento de os despachos reclamados serem despachos de mero expediente e, como tal, deles não caber reclamação para a conferência.

De imediato se impõe dizer assiste razão aos Recorrentes, por não poder proceder o fundamento invocado no despacho recorrido para indeferir as reclamações apresentadas.

Como consta do disposto no 4 do artigo 152.º do CPC, os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes.

Ora, o despacho que concede mais um dia para recorrer, para além do prazo legal previsto, por considerar existir justo impedimento e o despacho que admite o recurso jurisdicional interposto, não podem ser considerados de mero expediente, pois obedecem ao cumprimento de pressupostos legais vinculados, cuja verificação pode ser sindicada jurisdicionalmente.

Os despachos reclamados interferem directamente sobre a relação jurídica processual e sobre o conflito que opõe as partes em juízo, não se limitando a providenciar pelo simples andamento do processo, pelo que não se traduzem em despachos de mero expediente.

Assim, independentemente da questão de saber se contra os despachos proferidos cabe reclamação para a conferência ou recurso jurisdicional, o que ora não releva, não procede o fundamento invocado no despacho ora recorrido, de que por serem despachos de mero expediente deles não cabe reclamação para a conferência.

Os despachos que não admitem recurso encontram-se previstos no disposto no artigo 630.º do CPC e neles não cabem os despachos como os reclamados.

Nestes termos, procede o fundamento dos recursos invocado pelos Recorrentes, incorrendo o despacho recorrido em erro de julgamento ao indeferir as reclamações para a conferência sob o fundamento de os despachos reclamados serem de mero expediente.

Pelo que, será de conceder provimento a ambos os recursos, por provados os seus fundamentos e em revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que admita as reclamações para a conferência apresentadas pela Entidade Demandada e pela Contrainteressada.


*

Em consequência, em substituição, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 149.º do CPTA, cumpre apreciar as reclamações para a conferência apresentadas contra o despacho que concede mais um dia para recorrer, para além do prazo e o despacho de admissão de recurso.

B. Reclamações para a conferência apresentadas pela ....... e pelo Município de Lisboa contra o despacho proferido em 12/12/2013 e o despacho proferido em 18/12/2013

1. Erro de julgamento ao aplicar ao artigo 638.º, n.º 7 do CPC

Mostra-se invocado como fundamento de ambas as reclamações, que aos processos administrativos não tem aplicação o disposto no n.º 7 do artigo 638.º do CPC.

Sustentam os Recorrentes que a disciplina dos artigos 140.º e 144.º, n.º 1 do CPC não consentem a aplicação da norma prevista na lei processual civil.

Alegam que o prazo para recorrer é de 30 dias, a contar da notificação da decisão recorrida, sendo um prazo perentório fixo e único para a interposição do recurso.

No entender dos Recorrentes só haverá de recorrer à aplicação subsidiária do CPC naquilo que não esteja especialmente previsto no CPTA e no ETAF, mas considerando o disposto nos artigos 140.º e 144.º, n.º 1 do CPTA não é de aplicar o disposto no CPC em matéria de prazos de recurso, não existindo nenhuma lacuna que careça de ser preenchida.

Ainda assim, teria de se aferir se o objecto do recurso integra a impugnação da prova gravada.

Vejamos.

A norma legal alvo de discórdia respeita ao disposto no n.º 7 do artigo 638.º do CPC, o qual prevê que se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.

Os Autores apresentaram recurso jurisdicional em que invocam como fundamento do recurso o erro de julgamento de facto, impugnando a matéria de facto dada como provada, nos termos que resultam da respectiva alegação de recurso e suas conclusões.

O fundamento do recurso integra, por isso, a impugnação do julgamento de facto, para o qual interessa directamente os termos da prova produzida.

Por isso, é de subsumir os fundamentos do recurso ao pressuposto da norma legal a que se refere o disposto no n.º 7 do artigo 638.º do CPC, independentemente da questão de saber se o recurso do julgamento de facto se encontra devidamente motivado e será de julgar procedente ou não.

Aferida a verificação do âmbito de aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 638.º do CPC ao recurso interposto pelos Autores, ora Recorrentes, importa agora tomar posição sobre a questão de saber se tal disposição tem aplicação aos processos administrativos, instaurados e tramitados segundo o CPTA.

Defendem os Recorrentes que não, mas sem qualquer razão.

Não obstante o CPTA regular especificamente a matéria dos recursos jurisdicionais no Título VI do CPTA, prevendo nos Capítulos I, II e III, respectivamente, as disposições gerais, os recursos ordinários e os recursos extraordinários, não pode ser aceite a interpretação defendida pelos ora Recorrentes.

Sendo verdade que o CPTA contém um conjunto de disposições em matéria de recursos jurisdicionais, as quais inclusivamente constituíram uma influência direta na reforma do regime dos recursos em processo civil, empreendida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, introduzindo alterações ao CPC, não regula o CPTA toda a matéria dos recursos, nem a regula com total autonomia em relação ao CPC.

Por isso se justifica a norma do disposto no o artigo 140.º do CPTA, na versão em vigor à data, segundo a qual “Os recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações (…)”, que determina a aplicação direta do disposto na lei processual civil em matéria de recursos, salvo o disposto no Título VI do CPTA, assumindo assim que este Código não é auto-suficiente na sua regulação.

Embora o disposto no artigo 144.º do CPTA regule a interposição do recurso e o prazo aplicável, a versão do CPTA à data aplicável nada dizia sobre o prazo de recurso no caso de ele ter por objecto a reapreciação da prova gravada, encontrando-se hoje essa expressa regulação no disposto do actual n.º 4 do artigo 144.º do CPTA.

A circunstância de o CPTA, à data, não regular especificamente a matéria do prazo aplicável ao recurso que tenha por objecto a prova gravada não autoriza o intérprete da norma jurídica a entender que se quer regular a matéria em termos diferentes e que se quer afastar a aplicação de regime prevista no CPC.

Nenhum elemento interpretativo da norma jurídica nos habilita a esse entendimento, nem nenhumas razões se vislumbram existir para entender que não se justifica no âmbito do processo administrativo a aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 638.º do CPC.

As razões que justificam tal norma jurídica valem quer no âmbito do processo civil, quer no âmbito do processo administrativo e prendem-se com a dificuldade na apreciação do julgamento de facto e na motivação do recurso que tenha por fundamento a impugnação da matéria de facto, assente na prova gravada.

Neste sentido, atento o disposto no artigo 140.º do CPTA e pelas razões expostas, de se aplicar ao processo administrativo as mesmas dificuldades decorrentes da audição da prova gravada e da motivação do recurso do julgamento de facto, tem aplicação o disposto no n.º 7 do artigo 638.º do CPC, como de resto o legislador da reforma de 2015 veio a assumir, ao prever esse regime no novo n.º 4 do artigo 144.º do CPTA.

Em face do exposto, não procedem os fundamentos das reclamações para a conferência apresentadas, as quais, se julgam não provadas, mantendo-se o despacho reclamado.

2. Erro de julgamento ao julgar verificada a situação de justo impedimento e conceder mais um dia para a interposição do recurso

Por último, mostra-se invocado nas reclamações apresentadas que erra o despacho reclamado ao conceder mais um dia aos Autores para recorrer, para além do prazo legal previsto, por não se verificar qualquer situação de justo impedimento.

Totalmente sem razão, o que resulta dos elementos documentais constantes dos autos, que retratam as dificuldades relativas à entrega da prova requerida pelos Autores.

Nos termos que resultam da Cota lavrada em 11/12/2013 pelo oficial de justiça, extrai-se que compareceu naquela Unidade Orgânica o mandatário dos Autores a solicitar a gravação das audiências de julgamento para efeitos de recurso mas “acontece que a gravação do dia 26-04-2012 encontra-se com problemas não sendo possível a sua gravação, o que foi comunicado ao Sr. Informático deste tribunal, que ficou de averiguar o que se passava” (cfr. fls. 1585).

Resulta ainda dos autos, a Cota lavrada em 12/12/2013, que refere que nesse dia, “na parte da manhã foi entregue o CD contendo a gravação do dia 26-04-2012 à Estagiária do Mandatário do Autor (…)”.

Dos elementos constantes dos autos resulta inteiramente demonstrado o pressuposto fáctico em que assenta o despacho reclamado, de não ter sido imediatamente disponibilizada a gravação da prova por facto que não é imputável aos Autores, justificando-se assim conceder um dia de prazo de recurso, por justo impedimento em não ter sido possível entregar o CD com a gravação da prova.

Nestes termos, nenhuma censura merece o despacho reclamado, que concedeu mais um dia de prazo, com fundamento em justo impedimento, por se verificarem inteiramente os pressupostos de facto que assim o determinam.

Pelo que, com base nas razões alegadas, não podem proceder as reclamações apresentadas contra o despacho de 12/12/2013, as quais ora se indeferem, por não provadas, mantendo-se o despacho reclamado.

3. Do erro de julgamento do despacho de admissão do recurso

Em consequência do anteriormente decidido, mantendo-se o despacho reclamado, datado de 12/12/2013, que concedeu mais um dia de prazo para os Autores recorrerem, carece em absoluto de fundamento a reclamação apresentada contra o despacho de admissão de recurso, por o mesmo ter sido apresentado dentro do prazo legal, de 30 dias, acrescido de mais 10 dias, por o recurso ter por objecto a reapreciação da prova gravada e ainda de mais 1 dia, nos termos decididos por despacho judicial, decorrente da verificação de justo impedimento na entrega no CD contendo a prova gravada, liquidada que foi a multa prevista nos termos da alínea c), do n.º 5 do artigo 139.º do CPC.

Em face do todo que antecede, não tem fundamento a reclamação apresentada contra o despacho de admissão de recurso, mostrando-se o mesmo apresentado dentro do prazo legal previsto.

Termos em que, se indefere a reclamação apresentada contra o despacho de admissão do recurso jurisdicional interposto pelos Autores, por não provada, mantendo-se o despacho reclamado, de admissão do recurso interposto pelos Autores.

C. Recurso interposto pelos Autores:

1. Erro de julgamento de facto, quanto às alíneas MM) (quesito 11.º), WW) (quesito 22.º) e aos factos dados como provados nas alíneas III) e JJJ)

Dirigem os Recorrentes o erro de julgamento de facto ao acórdão recorrido, nos concretos pontos da matéria de facto que se passará a analisar.

Antes de analisar criticamente a matéria de facto posta em crise pelos Recorrentes impõe-se proceder ao enquadramento de direito dos termos em que o julgamento de facto pode ser impugnado em sede de recurso e das suas exigências, assim como em que condições está este Tribunal ad quem habilitado a reexaminar a matéria de julgado julgada em primeira instância.

Como anteriormente decidido, entre outros, no Processo 03522/08, de 19/01/2012, deste TCAS, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 640.º do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto “obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição”:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.

Segundo o n.º 2 do citado artigo 640.º do CPC, no caso previsto na alínea b) do número anterior:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”.

Nas citadas disposições impõe-se um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, que impende sobre os aqui Recorrentes e que os mesmos satisfizeram, como decorre do teor das alegações produzidas em juízo.

Na sua alegação os Recorrentes identificam o concreto ponto da matéria de facto impugnada, assim como os meios de prova em que o Tribunal se fundou e ainda, em alguns casos, os meios de prova que considera que devem determinar resposta diferente, com indicação precisa do tempo da respectiva gravação da matéria de facto quando produzida na audiência final.

Respeitado o ónus a cargo dos Recorrentes, vejamos os limites aplicáveis a este Tribunal de recurso.

A este Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artigos 662.º do CPC e 149.º do CPTA, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Não obstante a amplitude conferida a um segundo grau de jurisdição, na caracterização da amplitude dos poderes de cognição do Tribunal ad quem sobre a matéria de facto, não se está perante um segundo ou novo julgamento de facto, porquanto, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640.º, nºs. 1 e 2 do CPC, além de que o controlo de facto, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide Abrantes Geraldes, inTemas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).

O Tribunal ad quem aprecia apenas os aspectos sob controvérsia e não vai à procura duma nova convicção, pois o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo Tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta do depoimento testemunhal, registado a escrito ou através de gravação, em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não pode postergar o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, previsto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, intervindo na formação da convicção não apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados.

A valoração de um depoimento não é absolutamente perceptível através da gravação e/ou da respectiva transcrição, pois existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa simples gravação e que, como tal, foram apreendidos ou percepcionados pelo juiz.

O Tribunal a quo está, por isso, numa posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente, com a articulação de toda a prova produzida, de que decorre a convicção expressa na decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que, a convicção formada a partir da globalidade dos meios de prova é de difícil destruição, sobretudo ao pretender-se pô-la em crise através de indicações parcelares ou referências genéricas.

A convicção do tribunal forma-se de um modo dialéctico, pois além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações e depoimentos produzidos, em função das razões de ciência, da imparcialidade, das certezas, das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos olhares para alguns dos presentes, da linguagem silenciosa do comportamento, da coerência de raciocínio e de atitude, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento, entre depoimentos e demais elementos probatórios (neste sentido, Acórdão do TCA Norte, de 11/11/2011, Proc. nº 3097/10.4BEPRT).

Nos sistemas da livre apreciação da prova, detendo o julgador a liberdade de formar a sua convicção, não é de associar o arbítrio no julgamento da matéria de facto, pois o Tribunal não está isento de indicar os fundamentos onde aquela assentou, de modo a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, possa ser controlada a razoabilidade do processo de formação da convicção sobre a prova e não prova dos factos, deste modo se sindicando o processo racional da decisão.

Por isso, a nossa lei processual prevê um processo racional e objectivado, que faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), mediante uma análise critica e comparativa das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção, segundo o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC).

A exigência legal de enunciação ou explicitação da convicção sobre a prova constitui uma garantia da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador.

Se, à luz desta caracterização a decisão, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, então ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

No sentido ora expendido, vide o Acórdão do STA, datado de 17/03/2010, Proc. 367/09, segundo o qual: “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º CPC) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 CPC). Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.”.

No mesmo sentido, cfr. ainda o Acórdão do STA, de 14/10/2010, Proc. 751/07, nos termos do qual: “o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida”.

Em face do exposto, tendo presente a fundamentação constante da sentença recorrida, vejamos os concretos fundamentos de impugnação da matéria de facto invocados pelo Recorrente.

1.1. Facto assente na alínea MM) (quesito 11.º da BI)

Segundo a alegação dos Recorrentes, o facto que se dá como assente na alínea MM) da fundamentação de facto do acórdão recorrido não se apresenta completo, devendo ser aditada a circunstância de o muro em causa deixar de ter “a sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro”, tal como consta do Auto de Vistoria a que se reporta a alínea P) dos factos assentes.

Como meios probatórios relevantes para tal alteração do julgamento de facto, referem os Recorrentes o citado Auto de Vistoria, mas ainda também, as fotos que identificam, juntas aos autos e o depoimento das testemunhas que referem.

Vejamos.

Compulsado o teor do Auto de Vistoria a que se refere a alínea P) da fundamentação de facto do acórdão recorrido, decorre que do mesmo consta que “o muro deverá ser preservado com todos os seus elementos decorativos (vãos cegos com molduras em cantaria respectivas). Manter a sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro”.

O acórdão recorrido fez constar na alínea MM) do julgamento de facto, ora impugnada, que “As únicas alterações introduzidas no muro em causa traduzem-se na alteração do interior dos vãos – os quais deixarão de ser cegos – e na abertura de pequeno vão para acesso dos automóveis ao estacionamento.”.

Pretendem os Recorrentes que seja aditado ao teor da citada alínea da matéria de facto, que existiu a alteração do muro, por ter perdido a sua imagem de jardim suspenso com a vegetação a aflorar sobre o muro.

Consta do despacho de fundamentação do julgamento de facto que quanto aos artigos 10.º e 11.º da base instrutória, o que está em causa é o projecto aprovado, tendo o tribunal considerado provados os aspectos que resultam da prova documental junta aos autos, designadamente, fotos antigas e atuais do referido muro, assim como a memória descritiva do projecto a que se refere a alínea S) da fundamentação de facto, tendo existido a exibição desses documentos perante diversas testemunhas, por referência ao ato impugnado (vide fls. 1337 do proc. físico).

Ao contrário do que que contra-alega a Contrainteressada, não existem quaisquer razões para pôr em causa que existisse um jardim suspenso, pois o próprio Auto de Vistoria o refere, assim como a referência a vegetação a aflorar sobre o muro.

Acresce que algumas das fotos apresentadas permitem ver uma escassa vegetação sobre o muro.

Do depoimento das testemunhas, também decorre que “havia toda uma vegetação que se via para lá do muro e que também se debruçava sobre o muro, com diversas árvores: (…)” (testemunha ……); “Existia um muro de suporte de socalcos e um jardim, por cima. (…) Era um jardim em socalcos. (…)”, (testemunha …….), mais decorrendo desse depoimento que a vegetação pendia sobre o muro; a referência a “jardim suspenso de ervas daninhas” (testemunha ……), o que pressupõe que alguma vegetação tombava sobre o muro, entre outras referências das mesmas testemunhas e de outras testemunhas.

Mais resulta do confronto entre as fotos anteriores à intervenção e o projecto licenciado que efectivamente existe uma diferenciação quanto à imagem do muro em questão, o qual perde “a sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro”, desparecendo a vegetação, independentemente de saber se a mesma se encontrava ou não degradada.

Não está em causa saber se a vegetação era de infestantes ou de espécies arbóreas, arbustos ou plantas, mas antes a imagem que o muro permitia projectar, permitindo a visualização de coberto vegetal que, sendo devidamente recuperado, manteria a imagem original.

No demais, nos termos que resultam da fundamentação do facto em questão, não se mostra inteiramente negada essa factualidade, por antes o Tribunal a quo ter considerado a factualidade por referência ao projecto como aprovado, quando o mesmo sofreu alterações.

Deste modo, atento os elementos de prova antes discriminados, será de conceder provimento ao invocado erro de julgamento no que diz respeito ao teor da alínea MM) do julgamento de facto, por incompletude, devendo ser aditada a matéria de facto referida pelos Recorrentes.


*

Nestes termos, passará a alínea MM) da fundamentação de facto do acórdão recorrido a adotar a seguinte redacção:

As alterações introduzidas no muro em causa traduzem-se na alteração do interior dos vãos – os quais deixarão de ser cegos –, na abertura de pequeno vão para acesso dos automóveis ao estacionamento e de perder a sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro.”.

1.2. Facto assente na alínea WW) (quesito 22.º da BI)

Insurgem-se os Recorrentes contra o teor vertido na alínea WW) da fundamentação de facto, com o fundamento de que é outra a área do logradouro, devendo ser considerado que a área do logradouro, resultante da execução do projecto é de 2610 m2, como resulta do voto de vencida lavrado no processo.

Sustentam que é verdade que consta do quadro sinóptico tal área, mas que consta dos autos uma certidão da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, junta pela Contrainteresada onde consta a área de 2610 m2, pelo que estando em causa um documento autêntico junto pela Contraineressada tem de se dar como assente que a área não coberta, correspondente ao logradouro resultante da execução do projecto licenciado é de 2610 m2.

Vejamos.

Consta da citada alínea WW) da fundamentação de facto do acórdão recorrido que “A área do logradouro existente inscrita no quadro sinóptico foi de 2636 m2, e área de logradouro proposta foi de 2697 m2”.

Em rigor os Recorrentes não contestam a factualidade que foi dada como provada na citada alínea do probatório, pois admitem que a factualidade dada como assente é a que resultou da prova produzida.

O que pretendem é que, com base no documento junto pela Contrainteressada, junto a fls. 707 dos autos, se dê como provada outra área do logradouro.

Ora, atendendo à exata redacção dada à citada alínea WW) e como resulta da alegação dos Recorrentes não existe qualquer erro de julgamento, pois o facto resultou provado em face da prova produzida, sendo corretas as áreas de logradouro dadas como provadas, quer a inscrita no quadro sinóptico, quer a proposta no projecto, que são distintas entre si.

A área de logradouro que os Recorrentes pretendem que seja dada como provada é, pois uma outra área de logradouro, a área de logradouro que veio a resultar após a execução do projecto licenciado, ou seja, a área do logradouro após a execução, que é diferente das áreas que foram dadas por provadas na citada alínea do julgamento de facto.

Importa ter em consideração, que o ato impugnado nos autos respeita à aprovação do licenciamento do projecto, ocorrida em maio de 2004, com as alterações que lhe foram introduzidas em 2003, sem que tivessem sido impugnadas as alterações posteriormente aprovadas ao projecto aprovado.

Nestes termos, quer em face da delimitação do objecto da causa, quer em face ao teor da alegação dos Recorrentes, que admitem a correcção da factualidade assente na alínea WW) do julgamento de facto, quer ainda porque o facto que os Recorrentes pretendem que seja aditado consiste num facto diferente daquele a que se refere o julgamento da matéria de facto, por respeitar à área do logradouro após a execução do projecto, que sofreu alterações após a aprovação do licenciamento ocorrido em maio de 2004, não existe qualquer erro de julgamento de facto que determine a sua correcção.

O acórdão recorrido julgou a matéria de facto em função da prova produzida, sem incorrer em qualquer erro, como o admitem os Recorrentes, pelo que, é de manter a redacção da alínea MM) do julgamento da matéria de facto.

Nestes termos, nada há a corrigir ou a alterar em relação ao teor da alínea WW) do julgamento de facto, mantendo-se nos seus exatos termos.


*

Sem prejuízo, adita-se um facto novo, com base na prova documental junta aos autos a fls. 707 (proc. físico), o qual passa a constar como correspondendo à alínea WW1) do julgamento da matéria de facto, com o seguinte teor:

A área do logradouro do imóvel, tal como resultou do projecto executado é de 2610 m2, como consta da certidão do registo predial.”.

1.3. Facto assente nas alíneas III) e JJJ)

Por último, alegam os Recorrentes que os factos dados como assentes nas alíneas III) e JJJ) não constavam dos factos assentes, nem dos quesitos da base instrutória e sobre eles não foi exercido qualquer contraditório, sendo inaceitável que tenham sido aditados à matéria de facto provada.

Vejamos.

Compulsando a matéria de facto dada como assente nas citadas alíneas do julgamento de facto resulta estarem em causa factos de que o Tribunal tomou conhecimento ex officio, indicando a respectiva fonte, que consiste num caso o site da Câmara Municipal de Lisboa e no outro caso um outro site, mas em ambos os casos factos que são públicos e acessíveis ao público.

Admitem os Recorrentes o facto assente na alínea III), por estar em causa uma proposta de alteração ao Regulamento do Plano de Urbanização para o Núcleo Histórico do ....... e ....... (PUNHBAB), mas já não quanto ao facto assente na alínea JJJ), alegando ser inexplicável a sua inclusão.

Porém, sem razão, nada obstando que o Tribunal se possa socorrer oficiosamente de elementos de prova que são públicos, fazendo constar e indicando expressamente a sua fonte, como no presente caso.

Não obstante a selecção da matéria de facto nos autos tenha ocorrido ainda sobre a divisória entre a matéria de facto assente e a base instrutória, em momento antecedente ao actual Código de Processo Civil, em que o despacho-saneador assumia a finalidade de proceder ao julgamento da matéria de facto assente e a matéria de facto controvertida objeto de instrução, não estava o Tribunal impedido de posteriormente ao despacho-saneador vir a considerar outros factos, que viessem a resultar da instrução e da discussão da causa.

No caso dos factos constantes das citadas alíneas do julgamento de facto estão em causa factos instrumentais, que são do conhecimento público, extraídos de sites de acesso livre, de que o Tribunal se pode socorrer nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 264.º do CPC, na redacção à data vigente, segundo o qual “O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa”.

Por outro lado, do confronto entre o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 264.º do CPC, é possível extrair que ao passo que na situação do n.º 3 é exigível que o juiz conceda o contraditório, tal já não se encontra previsto nos termos do disposto no n.º 2, ora aplicável.

Acresce que a selecção da matéria de facto que era feita no despacho-saneador não tinha por efeito a cristalização da factualidade relevante para a decisão da causa, podendo ser aditados factos que resultassem da instrução da causa.

Não alegam os Recorrentes qualquer nulidade processual, mas antes o erro de julgamento de facto, sem que este ocorra, por nenhum erro existir quanto à factualidade dada como provada nas citadas alíneas III) e JJJ).

A matéria factual em causa não constitui qualquer facto essencial, nem sequer concretizador ou complementar de qualquer facto essencial, sendo apenas factos instrumentais, com relevo meramente indireto para a decisão da causa, por não incidirem directamente sobre os fundamentos do pedido.

Assim, quer por não vir alegada qualquer nulidade processual, quer porque os factos aditados ao julgamento de facto não interferem com a composição do litígio entre as partes, não estando o Tribunal impedido de considerar todos os factos resultantes da instrução e discussão da causa, mesmo sob a égide do anterior Código de Processo Civil, em que a selecção da matéria de facto relevante era feita no despacho-saneador, não pode proceder o erro de julgamento de facto invocado contra o acórdão recorrido na fixação dos factos constantes das alíneas III) e JJJ).

Termos em que, improcede o alegado erro de julgamento de facto em relação ao teor das alíneas III) e JJJ) da fundamentação de facto do acórdão recorrido.


*

Pelo que, considerando todo o exposto, será de concluir pela alteração da fundamentação de facto do acórdão recorrido, nos seguintes termos:

1. Pela alteração da alínea MM), que passa a adotar a seguinte redacção:

As alterações introduzidas no muro em causa traduzem-se na alteração do interior dos vãos – os quais deixarão de ser cegos –, na abertura de pequeno vão para acesso dos automóveis ao estacionamento e de perder a sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro.”;

2. Pelo aditamento do facto que passa a constar sob a alínea WW1, com o seguinte teor:

A área do logradouro do imóvel, tal como resultou do projecto executado é de 2610 m2, como consta da certidão do registo predial.”.

2. Erro de julgamento de direito quanto à falta de conservação dos elementos arquitectónicos e construtivos de valor cultural, em violação do artigo 32.º, n.º 1, a) do RPDM

No demais invocam os Recorrentes o erro de julgamento de direito do acórdão recorrido no que respeita à questão da falta de conservação de elementos arquitectónicos e construtivos de valor cultural.

Invocam que se extrai da factualidade dada como provada nas alíneas F), G), H), I), J) e K) o enquadramento normativo do prédio objecto da operação urbanística, ao qual se aplica o disposto nas alíneas a) e d), do n.º 1 do artigo 32.º do Regulamento do Plano Diretor Municipal (RPDM).

Quanto aos elementos arquitectónicos e construtivos considerados de valor cultural foi efetuado um Auto de Vistoria, nos termos da alínea P) do julgamento da matéria de facto, ficando o projecto subordinado a uma “Comissão de Vistorias”.

Do Auto de Vistoria identificam-se como elementos a preservar no edifício do antigo Colégio dos ……, no exterior, os telhados e os muros, para além da caracterização do conjunto dos …..

Porém, alegam os Recorrentes que se extrai da factualidade provada nas alíneas O), P), BB), CC), MM), UU) WW), XX) e AAA) a descrição da realidade do prédio, a qual, confrontada com o Auto de Vistoria, permite identificar várias discrepâncias, a saber.

- a não preservação das águas dos telhados do corpo sul do edifício do antigo Convento [facto provado em BB)];

- a construção de um novo piso na fachada do alçado sul [facto provado em P) e CC)];

- a não preservação do muro atribuído a .......;

- a não preservação da sua imagem com o muro de suporte de jardim suspenso.

Alegam os Recorrentes que admitem a alteração das águas dos telhados do corpo sul, mas que não concedem em admitir a modificação decorrente do aumento de um piso no alçado sul, em alteração da composição da fachada ou no que diz respeito à composição do muro e a imagem de muro de suporte de jardim suspenso, que foi comprometido com a construção de um novo edifício nessa zona do logradouro.

Mais defendem os Recorrentes que o acórdão recorrido desvaloriza o Auto de Vistoria, ao entender que o PDM apenas imporia a realização da vistoria, mas não a vinculação ao projecto, mas tal corresponde a uma errónea interpretação do artigo 32.º, n.º a) do PDM, só podendo o Auto de Vistoria ser modificado pela mesma Comissão de Vistorias ou outra constituída, o que não aconteceu.

Vejamos.

A questão que se mostra colocada no presente recurso prende-se em saber se incorre o acórdão recorrido em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, a) do Regulamento do Plano Diretor Municipal (RPDM) de Lisboa, aprovado pela Assembleia Municipal de Lisboa. em 26/05/1994, ratificado pelo Governo a 14/07/1994 e publicado no Diário da República n.º 226, de 29/09/1994, no tocante à preservação dos elementos arquitectónicos e construtivos de valor cultural.

O acórdão recorrido acolhe na sua fundamentação o entendimento da importância do Auto de Vistoria de valor histórico-patrimonial, realizado em 23/10 e em 04/11 de 2002, pelos serviços da Câmara Municipal de Lisboa, nos termos que resulta da alínea P) do julgamento de facto, mas considera que ele constitui apenas um ato de instrução prévia e necessária à ponderação do existente, face à proposta de intervenção urbanística a realizar, sem lhe atribuir um valor absoluto em si mesmo.

Extrai-se do teor do acórdão recorrido o seguinte discurso fundamentador, com relevo para a questão colocada como fundamento do recurso:

Desde logo, ao propor-se no projecto em apreço um uso habitacional, é evidente que o mesmo envolve operações de adaptações do ponto de vista funcional, de segurança, conforto e salubridade. Contudo, as alterações que foram efectuadas, foram objecto de análise pelos elementos da equipa municipal que subscreveram o Auto de vistoria de valor histórico-patrimonial, os quais concluíram que o projecto acautelava o essencial dos elementos arquitectónicos e construtivos considerados de valor cultural e que constituíam contributo para a caracterização do conjunto em que se inseriam, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1, do artigo 9.º do RPUNHBAB e do previsto no n.º 1, alínea a), do artigo 32.º do RPDM.

Na verdade, não só este auto de vistoria, mas também as várias informações subscritas por elementos desta equipa, consubstanciam actos de instrução do procedimento administrativo de controlo prévio da operação urbanística, em causa (cfr. alíneas Q) e R) da matéria de facto, por referência a fls. 419 a 445 e 178 a 192 do processo cautelar em apenso), tendo sido autorizada, designadamente, a alteração das águas dos telhados existentes no corpo sul do conjunto edificado e à construção do novo piso no alçado sul (cfr. alíneas BB) e CC) da matéria de facto), por ter sido entendido, que as mesmas se apresentavam inadequadas à sua função de cobertura e que por não configuravam descaracterização do conjunto edificado, nem comprometerem o seu valor arquitectónico ou patrimonial, mantendo o projecto a conformidade com o disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 32.º do RPDM.

Nas citadas informações, em resultado de reuniões havidas entre os serviços do R. e os representantes da CI, mais se concluiu, designadamente, que “(…) no último trimestre de 2002, foi efectuado um esforço de compatibilização entre, por um lado, a preservação dos valores patrimoniais dos …. e, por outro, a viabilização do programa funcional do promotor. A posição da UPBAB nesta negociação baseou-se em três pressupostos:

1º) a integridade patrimonial do núcleo duro do conjunto dos …. não poderia ser, em caso algum, comprometida;

2º) a transformação desse conjunto arquitectónico há vários anos desocupado, com a perspectiva de degradação acelerada inerente a esse facto, num clube residencial de cuidados de longo prazo seria altamente desejável, quer para a revitalização sócio-económica da zona quer para garantir a própria preservação dos valores patrimoniais em causa;

3º) (…) Justificando cedências muito pontuais em aspectos de menor relevância patrimonial relativa, atendendo também a outros factores como o estado de conservação e o bem maior da desejada preservação do núcleo patrimonial dos …. a par da reabilitação global do conjunto deste quarteirão em pleno coração do ........”

(…) O projecto em causa, garante a preservação do fundamental quer da imagem exterior do conjunto edificado para as vias públicas, quer o núcleo edificado de maior valor patrimonial: o conjunto do antigo colégio e igreja dos Inglesinhos, nomeadamente a igreja na sua totalidade e o colégio na globalidade dos seus alçados e cobertura (com pequenos acertos que melhoram a coerência global e/ou resolvem adições dissonantes), bem como nas partes mais relevantes do interior (…)”.

Conclui-se assim que não só o artigo 32.º, n.º 1, alínea a), do RPDM, não determina o conteúdo substancial da vistoria municipal, que impõe, apenas exige a realização da mesma, como também, em nenhuma disposição legal invocada se retira que as conclusões da citada vistoria não possam ser alteradas, adaptadas, rectificadas, durante o procedimento em causa, desde que devidamente fundamentadas. Realça-se aqui que o papel deste auto de vistoria é o de habilitar a entidade decisora com uma espécie de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, como elemento de ponderação, e não de uma auto-vinculação, da decisão administrativa.

Por contraponto, os pareceres emitidos pelo IPPAR assumem natureza obrigatória e vinculativa, no âmbito do procedimento de controlo prévio desta operação urbanística de edificação, nos termos do artigo 19.º do RJUE, e esta entidade sempre se pronunciou favoravelmente à execução do projecto em apreço (cfr. alíneas N), T) da matéria de facto, pró referência, designadamente a fls. 410-414 do processo cautelar em apenso).” (sublinhados nossos).

Ao contrário do alegado pelos Recorrentes o julgamento efectuado não viola o disposto na norma do plano aplicável, o disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 32.º do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Lisboa, nos termos do qual:

1) Nas Áreas Históricas Habitacionais, são admitidas as seguintes obras e alteração e ampliação desde que simultaneamente, sejam efectuadas obras de beneficiação e/ou restauro de todo o edifício, seja garantida a sua estabilidade e as condições de segurança de todos os seus elementos, não seja afectada a estabilidade dos edifícios confinantes e sejam compatíveis com as suas características arquitectónicas e construtivas:

a) Reabilitação dos edifícios, com conservação de todos os elementos arquitectónicos e construtivos considerados de valor cultural ou que constituam contributo para a caracterização do conjunto em que se inserem, antecedida de vistoria municipal homologada pela Câmara;

b) (…)

c) (…)

d) Quanto as características dos telhados sejam consideradas inadequadas à sua função de cobertura ou seja verificado que estão descaracterizadas, pela estrutura consultiva criada nos termos do nº 2, do artigo 4.º, poderá ser autorizada a correcção da sua configuração geral.”.

A pretensão edificativa em causa dos autos tem por finalidade o licenciamento de reabilitação do conjunto arquitectónico do “.......” e de construção de residências com cuidados de longo prazo para a terceira idade (alínea E) do julgamento de facto), tendo o seu enquadramento normativo urbanístico nos termos das alíneas F), G), H), I), J) e K) do julgamento da matéria de facto.

O Instituto Português do Património Arquitetónico (IPPAR) emitiu parecer favorável ao projecto e mesmo após terem sido introduzidas alterações ao projecto de arquitectura, voltou a emitir parecer favorável – cfr. alíneas M) e N).

Acresce que após a aprovação do projecto de arquitectura, a Unidade de Projecto do ....... e ....... (UPBAB), um serviço interno da Câmara Municipal de Lisboa, passou a acompanhar o projecto.

Foi nesse âmbito que os técnicos da UPBAB realizaram a vistoria ao ....... e elaboraram o Auto de Vistoria de Valor Histórico-Patrimonial, o qual os Recorrentes consideram que não se mostra respeitado.

Mais resulta da matéria de facto aprovado que após o Auto de Vistoria se realizaram várias reuniões entre os técnicos da UPBAB e a equipa do projecto, com a finalidade de analisar e discutir as várias soluções do projecto, com especial incidência nas questões de preservação dos valores patrimoniais do …… e que as várias objecções ao projecto levantadas pelos elementos da UPBAB foram sendo sucessivamente ultrapassadas, tendo o projecto sofrido as necessárias alterações de molde a que fossem observadas as exigências impostas por aquele serviço (cfr. alíneas Q) e R) do julgamento de facto).

Em sequência das reuniões realizadas, a Contrainteressada apresentou uma nova versão do projecto de arquitectura, com a finalidade de dar resposta às solicitações da Câmara Municipal de Lisboa e tentar ultrapassar as objecções do Município aos estudos anteriormente propostos.

Esse novo projecto de arquitectura voltou a merecer parecer favorável por parte do IPPAR e veio a ser aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, seguido do ato de licenciamento, ora impugnado.

Em face da factualidade que ora se enumera resulta que existiu um acompanhamento próximo por parte dos serviços técnicos da Câmara Municipal de Lisboa em relação à solução edificativa para o ......., designadamente da equipa técnica que integra a UPBAB, a qual elaborou o Auto de Vistoria e veio a reunir com a equipa do projecto, colocando exigências, que vieram a determinar a apresentação de um novo projecto de arquitectura.

Denota-se da factualidade assente que foram colocadas exigências à anterior versão apresentada do projecto de arquitectura e que a nova versão desse projecto visa responder às solicitações colocadas pela equipa do UPBAB.

Do que resulta que não assiste razão aos Recorrentes ao defender que não foi respeitado o Auto de Vistoria ou as exigências colocadas pela sua equipa técnica, porque tal como decidido no acórdão recorrido, foi a equipa técnica que integrou a vistoria ao imóvel e que elaborou o Auto de Vistoria, que veio a colocar exigências ao projecto e a determinar a apresentação de um novo projecto de arquitectura que viesse a dar resposta às solicitações colocadas.

Também se afigura constituir um argumento de natureza meramente formal afirmar que apenas perante uma alteração ao Auto de Vistoria se poder considerar existir a concordância da sua equipa técnica, não bastando ou sendo insuficiente ter existido o acompanhamento do projecto por parte da equipa da UPBAB e esta equipa vir a colocar exigências que vieram a ter tradução no novo projecto apresentado.

Está inteiramente demonstrado em juízo que a equipa técnica da UPBAB, que elaborou o Auto de Vistoria de Valor Histórico-Patrimonial, deu acompanhamento ao projecto e veio a colocar exigências ao projecto já apresentado, ditando a apresentação de uma nova versão do projecto de arquitectura, pelo que, só por razões de ordem formal se poderá defender que os técnicos da UPBAB não deram a sua concordância com o novo projecto de arquitectura que veio a ser apresentado pela Contrainteressada e objecto de aprovação.

Por outro lado, reconhecendo-se a importância do citado Auto de Vistoria, as suas indicações não constituem o valor absoluto em termos de preservação dos valores históricos e patrimoniais do imóvel, já que, a conjugação de várias soluções edificativas podem permitir alcançar resultado idêntico.

Acresce que sendo a mesma equipa técnica que integra a UPBAB e a que reuniu com o promotor do projeto, não se pode defender que o teor do Auto de Vistoria tenha mais peso ou importância que os demais pareceres técnicos emitidos por essa Unidade Técnica e que se sobreponha a estes pareceres ou solicitações.

Tal como consta da fundamentação de direito de direito do acórdão recorrido nada obsta que as conclusões do Auto de Vistoria possam ser alteradas, adaptadas e rectificadas em função das concretas soluções edificativas introduzidas no imóvel, pois o relevante é que exista a preservação dos valores históricos-patrimoniais de relevo.

Na grande maioria dos casos, releva a solução de conjunto e não apenas a meramente parcelar do projecto, visto estar em causa a articulação e harmonização de um conjunto diversificado de interesses com relevo, em nome da defesa firme e intransigente do interesse público, mas sem que se possa dizer que o interesse público se satisfaça apenas com uma única solução ou proposta edificativa.

De resto, não resulta do disposto da alínea a), do n.º 1 do artigo 32.º do RPDM a interpretação que imponha a conservação de todos os elementos arquitectónicos e construtivos existentes, mas apenas os considerados de valor cultural ou a preservação dos que constituam contributo para a caracterização do conjunto em que se inserem.

Estão em causa conceitos vagos e indeterminados, que têm de ser preenchidos casuisticamente, em função das características do caso concreto.

Para além disso, são igualmente conceitos que apelam a valorações de natureza técnica ou conhecimentos especializados sobre o que hão-de ser elementos arquitetónicos e construtivos de valor cultural ou contribuam para a caracterização do conjunto em que se inserem.

Não resulta demonstrado em juízo, atenta a prova produzida vertida na fundamentação de facto, que o projecto aprovado pelo ato impugnado incorra na violação da citada alínea a), do n.º 1 do artigo 32.º do RPDM, pois embora resulte demonstrado que algumas soluções indicadas no Auto de Vistoria de Valor Histórico-Patrimonial como sendo a preservar não tenham sido mantidas, outras soluções ou medidas vieram a ser consideradas, nos termos que resultaram das reuniões realizadas com a mesma equipa técnica que elaborou o Auto de Vistoria e vieram a determinar um novo projecto de arquitectura.

Quer do ponto de vista fáctico, quer do ponto de vista do direito, não é possível formular um juízo de que a solução edificativa que veio a ser aprovada pelo ato impugnado, que resultou de reuniões realizadas com a equipa técnica do UPBAB, responsável pelo acompanhamento do projecto e autora do Auto de Vistoria de Valor Histórico-Patrimonial não tenha salvaguardado os elementos arquitectónicos e construtivos considerados de valor cultural, pois como bem admitem os Recorrentes não obstante o Auto de Vistoria tenha previsto a preservação de um conjunto de elementos, de entre os quais o das águas dos telhados, será de conceder em admitir essa modificação.

Por outras palavras, não só é de admitir que a equipa técnica responsável pelo Auto de Vistoria venha a introduzir alterações, rectificações ou modificações ao que anteriormente entendia sobre o projecto, como efectivamente veio a acontecer em relação às solicitações colocadas ao projecto pela equipa técnica da UPBAB, na sequência das reuniões realizadas, determinantes da introdução de outras soluções edificativas ao projecto, como não resulta demonstrado em juízo que as modificações que foram introduzidas, com o assentimento de todas as entidades responsáveis, quer dos serviços técnicos da Câmara Municipal de Lisboa, quer da UPBAB e, quer ainda, da entidade externa, o IPPAR, que emitiu parecer favorável em matéria de património histórico, não tenha assegurado a preservação dos elementos com valor cultural.

Nestes termos, será de julgar improcedente, por não provado, o erro de julgamento dirigido contra o acórdão recorrido, não enfermando o mesmo em errada interpretação e aplicação do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 32.º do RPDM de Lisboa.

3. Erro de julgamento de direito quanto à falta de preservação de uma parte do logradouro com solo vivo e coberto vegetal, em violação dos artigos 18.º, n.º 1 e 2 d) e 33.º, n.º 1, do PDM e artigo 14.º, n.º 1 do Regulamento do PUNHBAB

Alegam os Recorrentes que em matéria de preservação da estrutura ecológica urbana e do logradouro, importa ter presente as regras dos artigos 18.º e 33.º do RPDM de Lisboa, os quais foram violados no caso em presença, incorrendo o acórdão em erro de julgamento.

Sustentam que a ocupação com construções de uma área verde permeável do logradouro é ilegal, a não ser nas situações excepcionadas na lei, que não se verificam.

Defendem que não se verificam as situações das alíneas a) e c) do artigo 33.º do RPDM e também não se verifica a situação da sua alínea b), pois não ficou provado que a manutenção da área verde em causa pudesse gerar insalubridade.

Acrescentam que não ficou demonstrado que o aumento da área de logradouro se tenha traduzido num aumento de área verde permeável.

Mais invocam que nos termos do artigo 14.º, n.º 1, b) do PUNHBAB é proibida a destruição do solo vivo e do coberto vegetal nos logradouros do núcleo histórico do ....... e ......., pois nas áreas onde exista solo vivo e coberto vegetal existe uma proibição absoluta de destruição de tais elementos.

Assim, invocam que a construção de um novo edifício na zona de solo vivo e coberto vegetal existente junto ao muro da Rua ....... viola as normas dos artigos 18.º, n.ºs 1 e 2, d) e 33.º, n.º 1 do RPDM e o artigo 14.º, n.º 1 do Regulamento do PUNHBAB.

Vejamos.

Estabelecem tais preceitos do RPDM de Lisboa, o seguinte:

Artigo 18.º

1. A Estrutura Ecológica Urbana é constituída por um conjunto de espaços verdes, tanto quanto possível contínuos e interligados, interligados no espaço urbano, com o fim de assegurar as funções dos sistemas biológicos, o controlo dos escoamentos hídricos e atmosféricos, o conforto bioclimático e a qualidade do espaço urbano através da integração dos espaços verdes e ainda as condições para o uso de espaços adequados ao recreio e lazer da população.

2. A Estrutura Ecológica Urbana é constituída pelos seguintes sistemas:

a) …

b) …

c) …

d) Logradouros e quintais das Áreas Históricas e Áreas Consolidadas aos quais se aplicam os condicionamentos de ocupação estabelecidos no artigo 33.º, na alínea b) do n.º 1 do artigo 47.º e nos artigos 53.º e 59.º.”.

Artigo 33.º

1. Nas Áreas Históricas Habitacionais, os logradouros devem constituir áreas verdes permeáveis, sendo interdita a sua ocupação em construções ou pavimentos impermeáveis, excepto nos seguintes casos:

a) Para os efeitos referidos no n.º 2, do artigo 32.º;

b) Naquelas situações em que a sua manutenção possa gerar insalubridade, nomeadamente por os logradouros confinantes estarem ocupados com construções ou por a topografia do terreno envolvente determinar más condições de fruição do logradouro.

c) Para estacionamento em cave ou em construção à superfície, desde que num e noutro caso não ultrapasse 20% da área livre do logradouro existente.

2. A admissão das excepções estabelecidas nas alíneas do número anterior, é precedida da realização da vistoria pelos Serviços Municipais, que verifique o respeito pelas prescrições do RGEU.”.

Por sua vez, nos termos do artigo 14.º do Regulamento do PUNHBAB:

1. Nos logradouros não serão permitidas as seguintes intervenções:

a) Execução de quaisquer construções, com excepção das admitidas no artigo 33.º, n.º 1 do PDM;

b) Destruição do solo vivo e coberto vegetal;

c) Derrube de árvores, excepto quando tal for autorizado pela CML;

d) Destruição de elementos edificados sem o parecer favorável do serviço municipal competente;

e) Descarga de entulho de qualquer tipo.”.

Considerando a concreta factualidade apurada nos autos, com relevo para o fundamento do recurso, importa atender ao que se encontra demonstrado nas alíneas I), CC), II), KK), LL), MM), RR), TT), UU), WW), WW1), XX), YY), ZZ), AAA) e HHH) do julgamento da matéria de facto.

De acordo com tais citadas alíneas do julgamento de facto, encontra-se demonstrado que o logradouro e o quintal integram a estrutura ecológica urbana, segundo o disposto na alínea d), do n.º 2 do artigo 18.º do RPDM e respectivas plantas.

A construção do novo piso mereceu o acordo dos técnicos da UPBAB, sem que tal solução pusesse em causa a manutenção da composição da fachada do alçado sul.

Por outro lado, o muro sito na Rua ....... era na sua origem um muro de suporte de terras, prevendo-se a recuperação do muro, com manutenção da respectivas cércea e configuração geral, sendo introduzidas alterações no interior dos vãos, que deixam de ser cegos, na abertura de um pequeno vão para acesso dos automóveis ao estacionamento e ainda, por perder a sua imagem de muro de suporte de jardim suspenso, com a vegetação a aflorar sobre o muro.

Mais resulta demonstrado que a cércea dos edifícios existentes na Rua ....... é igual ou superior à cércea do novo edifício e que o índice de utilização bruto previsto é de aproximadamente de 1,07 e o existente de superior a 1,12.

Foi licenciado um único bloco construtivo, destinado a estacionamento nos pisos -2 e -1 e habitação nos pisos 0, 1 e 2 e cuja cobertura será ajardinada.

A área do logradouro existente inscrita foi de 2636 m2, a área proposta foi de 2697 m2 e a área executada é de 2610 m2.

Mais se encontra demonstrado que a execução do projecto de construção do novo edifício na Rua ......., iria eliminar o solo vivo e coberto vegetal, bem como algumas árvores, tal como existia no local até ali, tendo sido criadas barreiras de protecção para inúmeras árvores destinadas à sua preservação, sendo que algumas das árvores não iriam ser derrubadas, por antes estar prevista a sua relocalização dentro do terreno em causa.

Com relevo, encontra-se ainda demonstrado que grande parte do único edifício a erigir será implantado na zona de solo vivo e coberto vegetal existente junto ao muro da Rua ....... e que a manutenção do logradouro na zona adjacente ao muro da Rua ....... podia gerar insalubridade.

Perante os factos apurados, supra destacados e os normativos de direito supra enunciados vejamos as questões suscitadas pelos Recorrentes.

Assiste razão aos Recorrentes quando afirmam que a construção do novo edifício veio a destruir a zona de solo vivo e coberto vegetal existente junto ao muro da rua ........

Porém, ao contrário do que afirmam também se encontram demonstrados outros factos, designadamente, que a manutenção do logradouro podia gerar insalubridade.

Este facto não foi impugnado no presente recurso, pelo que se mantém nos seus precisos termos, dele resultando que o actual estado do logradouro e a sua manutenção podia gerar uma situação de insalubridade.

Nesse sentido e ao contrário do que defendem os Recorrentes, está preenchido o pressuposto da norma prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 33.º do RPDM de Lisboa, ao prescrever que nas Áreas Históricas Habitacionais, os logradouros devem constituir áreas verdes permeáveis, sendo interdita a sua ocupação em construções ou pavimentos impermeáveis, excepto, entre outros casos, de a sua manutenção poder gerar insalubridade.

Nesse sentido, as normas aplicáveis não vedam em absoluto a construção ou a impermealização do pavimento nos logradouros localizados em Áreas Históricas Habitacionais.

Por outro lado, mostra-se demonstrado que a construção do novo edifício obteve a concordância dos técnicos da UPBAB, além de a sua cércea não ultrapassar a cércea dos edifícios existentes na Rua ....... e de o índice de utilização bruto ser inferior.

Em face de toda a factualidade apurada e da aplicação dos normativos de direito, não se mostra procedente a censura dirigida contra o acórdão recorrido, o qual soube interpretar e decidir correctamente a matéria controvertida.

Por isso, nada obsta a que se possa acolher a fundamentação que foi expendida no acórdão recorrido sobre tal questão, a qual se reproduz, na parte relevante:

Não se contesta que a finalidade das normas invocadas pelo AA. é a de assegurar a permeabilidade dos logradouros existentes nas áreas históricas consolidadas e integrados na estrutura ecológica urbana, como é o do caso em apreço (cfr. alíneas F), I),da matéria de facto).

Porém, nos termos do artigo 14.º, n.º1, alínea a), do RPUNHBAB, nos logradouros inseridos em área histórica habitacional, são permitidas as construções admitidas no n.º 1, do artigo 33.º do RPDM, constando das excepções previstas no n.º 1, do art.º 33.º do RPDM as construções em logradouro situados nas áreas históricas habitacionais, nas situações em que a sua manutenção possa gerar insalubridade, nomeadamente, por a topografia do terreno envolvente determinar más condições de fruição do mesmo (alínea b)).

Ora, da matéria de facto dada por provada nos presentes autos, resulta que a manutenção do logradouro na zona adjacente ao muro da Rua ......., tal como a mesma se encontrava, podia gerar insalubridade (cfr. alínea HHH) da matéria de facto), pelo que, a sua ocupação parcial com a construção em cave para garantir um espaço de estacionamento, obrigatório (cfr. artigo 106.º do RPDM, ex vi artigo 15.º do RPUNHBAB) e, bem assim, a implantação à superfície do único edifício a erigir, junto ao muro da Rua ......., não contende com aquela previsão normativa, antes cabe no âmbito daquela excepção (cf. alínea b), do n.º 1, do artigo 33.º do RPDM).

Acresce que a alínea c), do n.º 1 do artigo 33.º do RPDM também permite a impermeabilização do logradouro mediante a sua ocupação com construções para estacionamento em cave ou à superfície, desde que num e noutro caso não ultrapasse 20% da área livre do logradouro existente e, no caso em apreço, tal desiderato é cumprido (cfr. alíneas UU), VV) e WWW), por referência ao quadro sinóptico respectivo), pois a ocupação prevista é inferior a 20%, incluindo o saneamento de antigas construções e a criação de uma nova frente de rua, estabelecendo um reordenamento global da parcela e, bem assim, a área de logradouro existente inscrita no quadro sinóptico foi de 2636m2, e a área de logradouro proposta foi de 2697m2, aumentando a área de logradouro em cerca de 61m2.

O certo é também que, no seu conjunto, o projecto prevê a relocalização de muitas das espécies arbóreas existentes, a plantação de muitas outras, o seu ajardinamento em grandes áreas e em todo o espaço envolvente daquele conjunto edificado do antigo ....... (cfr. alíneas XX), YY), ZZ), AAA) da matéria de facto).

Assim sendo, as normas constantes do artigo 33º, nº 1 do PDM e do artigo 14º, nº 1 do PUNHBAB devem ser interpretadas tendo em atenção que o projecto do ....... é um projecto urbano de reabilitação de um conjunto edificado, que visa o seu reordenamento, tendo em conta a respectiva área de intervenção e que, como resultado final, reduziu a superfície de implantação da área bruta de construção acima do solo e da superfície de pavimento, ao mesmo tempo que aumentou a área de logradouro face ao existente, consubstanciando uma das soluções possíveis no âmbito da intervenção em causa atento o estado de degradação geral de todo o conjunto edificado e se solo vivo e coberto vegetal (cfr. alíneas C), P), R), UU), VV), WW), YY), ZZ) e HHH) da matéria de facto).

A este propósito, não se termina, porém, sem recolocar a ideia que perpassa pela discussão havida nos presentes autos, e noutros em que questões semelhantes se colocam, e que se prende com a preservação da memória colectiva, ideia que emerge, aliás, da qualidade de autores populares em que surgem os AA.

Temos como certo que por mais fundamental que seja o valor da memória, a sua contextualização força-o a uma convivência harmoniosa com outros objectivos, sob pena de se enveredar por fundamentalismos, que podem revelar-se desrazoáveis, provocando resistência, ou mesmo contraproducentes, gerando indiferença.

Temos como certo que à decisão impugnada nos presentes autos não se pode imputar a falta de ponderação, embora seja evidente a divergência entre os AA. e o R. quanto às concretas opções tomadas, porém, a memória não tem preço, mas tem um custo e basta olhar para a zona em que se integra a intervenção objecto dos presentes autos e observar, decorridos que foram mais uns anos, qual o património que está preservado para além da área aqui intervencionada e pensar como estaria este se tal intervenção não tivesse sido autorizada.”.

O argumento invocado pelos Recorrentes, da falta de preservação de uma parte do logradouro com solo vivo e coberto vegetal não pode, pois, proceder, atenta a circunstância de se encontrar demonstrada a situação em que a manutenção do logradouro poder gerar insalubridade, assim como a construção do novo edifício ter sido devidamente autorizada quer pelos técnicos do UPBAB, quer pelo IPPAR, se conformar com os índices e normas urbanísticos aplicáveis e estar em causa uma obra de remodelação cujo esforço de compatibilização entre todos os valores históricos, arquitectónicos, paisagísticos é manifesto, sem esquecer a sua finalidade habitacional e ser naturalmente necessário assegurar o estacionamento.

Não foi eliminado o logradouro, o mesmo tem uma área muito próxima à anteriormente existente, houve a integração de espaços verdes e o aproveitamento do material arbóreo, com a relevante questão de ser dada como provada a situação de insalubridade, prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 33.º do RPDM, por remissão da alínea d), do n.º 2 do artigo 18.º do RPDM.

Por outro lado, a norma da alínea b), do n.º 1 do artigo 14.º do PUNHBAB não pode ser interpretada isoladamente, mas em consonância com as demais normas previstas no RPDM de Lisboa, além de resultar do teor da sua alínea a), não estar absolutamente vedada a execução de quaisquer construções.

Nestes termos, não podem proceder as conclusões do recurso sobre a violação das citadas normas regulamentares aplicáveis, sendo de julgar improcedente, por não provado quanto ao invocado erro de julgamento.


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Em face de todo o exposto, não obstante a procedência de um dos fundamentos do recurso, será de negar provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes, mantendo a decisão recorrida, de improcedência da acção administrativa instaurada pelos Autores, por não provada.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O despacho que concede mais um dia de prazo para interpor recurso e o despacho de admissão de recurso não são despachos de mero expediente, nos termos do n.º 4 do artigo 152.º do CPC, por não se limitarem a proceder ao mero andamento do processo, sem interferir no litígio que opõe as partes.

II. Ao processo administrativo, antes da versão actual do CPTA, aplicava-se o n.º 7 do artigo 638.º do CPC, segundo o qual, se o recurso tiver por fundamento a impugnação do julgamento de facto, ao prazo leal para recorrer, acresce mais 10 dias.

III. Constitui uma situação de justo impedimento, a avaria técnica na gravação de prova, que impede que o CD de gravação de prova seja imediatamente entregue à parte que pretende impugnar o julgamento de facto.

IV. Ao Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artigos 662.º do CPC e 149.º do CPTA, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

V. O Tribunal pode socorrer-se oficiosamente de elementos de prova que são públicos, fazendo constar e indicando expressamente a sua fonte, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 264.º do CPC, na redacção à data aplicável.

VI. Não obstante a selecção da matéria de facto tenha sido fixada em momento antecedente ao actual Código de Processo Civil, em que o despacho-saneador assumia a finalidade de proceder ao julgamento da matéria de facto assente e a matéria de facto controvertida objeto de instrução, constante da base instrutória, não estava o Tribunal impedido de posteriormente ao despacho-saneador vir a considerar outros factos, que viessem a resultar da instrução e da discussão da causa.

VII. O Auto de Vistoria emitido por uma equipa técnica não impede que essa mesma equipa altere ou modifique o seu entendimento sobre o projecto, promovendo a introdução de outras soluções técnicas ao projecto, que foram acolhidas pelo interessado na alteração ao projeto apresentada.

VIII. Releva a solução de conjunto e não apenas a meramente parcelar do projecto, visto estar em causa a articulação e harmonização de um conjunto diversificado de interesses com relevo, em nome da defesa firme e intransigente do interesse público, mas sem que se possa dizer que o interesse público se satisfaça apenas com uma única solução ou proposta edificativa.

IX. Não resulta do disposto da alínea a), do n.º 1 do artigo 32.º do RPDM de Lisboa a interpretação que imponha a conservação de todos os elementos arquitectónicos e construtivos existentes, mas apenas os considerados de valor cultural ou a preservação dos que constituam contributo para a caracterização do conjunto em que se inserem, ou seja, exigindo-se que se mantenham ou exista a preservação dos valores históricos-patrimoniais de relevo.

X. Estão em causa conceitos vagos e indeterminados, que têm de ser preenchidos casuisticamente, em função das características do caso concreto.

XI. Não se encontra vedada a possibilidade de construção ou impermeabilização no logradouro, se ocorre uma das situações em que existe essa permissão, como no caso de existir a possibilidade de insalubridade, prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 33.º do RPDM de Lisboa, por remissão da alínea d), do n.º 2 do artigo 18.º do RPDM.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

1. Conceder provimento aos recursos interpostos pela Contrainteressada e pelo Município de Lisboa contra o despacho datado de 30/01/2014, por provados os seus fundamentos e em revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que admita as reclamações para a conferência apresentadas pela Contrainteressada e pelo Município de Lisboa;

2. Em substituição, indeferir, por não provadas, as reclamações para a conferência apresentadas pela Contrainteressada e pelo Município de Lisboa, em relação aos despachos datados de 12/12/2013 e 18/12/2013;

3. Negar provimento do recurso interposto pelos Autores, mantendo o acórdão recorrido na parte em que julgou improcedente a acção administrativa instaurada pelos Autores, mantendo os atos impugnados na ordem jurídica.

Custas pelos Autores, Recorrentes, pelo decaimento do recurso, sem prejuízo da isenção subjectiva, por serem Autores Populares.

Custas pela Entidade Demandada e pela Contrainteressada, pelo decaimento das reclamações para a conferência, que se fixam em 3 UC para cada.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)



(Pedro Marques)


(Helena Canelas)