Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:665/10.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
DESPACHO DE REVERSÃO;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I- A fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração Tributária para a determinação do acto.

II- O despacho de reversão da execução não se encontra devidamente fundamentado, se simultaneamente menciona a alínea a) e a alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, desconhecendo-se qual a alínea que concretamente foi aplicada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por P.......... contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº .......... e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “P.........., Lda.”, por dívidas tributárias de IVA, IRS – retenções na fonte e IRC dos anos de 2004 a 2007 no montante total de € 47.359,98.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“I. O presente recurso visa reagir contra a decisão proferida no processo em referência, que julgou procedente a presente Oposição Judicial, decidindo-se pela anulação do ato de reversão, referente ao Oponente P.........., doravante designado por Recorrido, no âmbito dos autos de execução fiscal n.º .......... e apensos, instaurados contra a sociedade “P.........., Lda.”, por dívidas provenientes de IVA de 2004 e 2005, IRS - retenção na fonte de 2005 e 2006 e de IRC relativamente aos anos de 2003, 2004, 2006 e 2007, no valor global de € 47.359,88.
II. Ora, salvo o devido respeito pela opinião sufragada na douta decisão ora recorrida, entendemos que a Meritíssima Juiz fez uma errada interpretação dos factos no caso em apreço, nomeadamente ao não ter levado em linha de conta alguns aspectos relevantes que condicionam a decisão judicial ora recorrida e, bem assim, uma desadequada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub-judice.
III. Cabe-nos discordar da análise efetuada aos atos realizados pelo Serviço de Finanças, no âmbito da reversão aqui em causa, constante da douta sentença, e que levou o Tribunal “a quo” a decidir no sentido de que o despacho de reversão não está formalmente fundamentado.
IV. Como se refere na sentença, e bem, a fundamentação de um acto pode também ser feita por remissão.
V. Ora, olhando para a informação que antecede o despacho de reversão, nomeadamente o projeto de reversão, não se compreende que o Tribunal “a quo”, tenha concluído, que nestes autos, não conste qualquer apreciação ou referência fáctica a este elemento fundamental da reversão relativo ao enquadramento realizado pelo Serviço de Finanças, aquando do procedimento de reversão de enunciar e enquadrar se o Oponente estaria a ser revertido pela alínea a) ou pela alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
VI. Com se vê o despacho de reversão, remete para o projecto de reversão e neste há, sem sombra de dúvida, uma apreciação direta, concludente, como não podia deixar de ser, do enquadramento legislativo pelo qual o Oponente veio a ser revertido.
VII. Nomeadamente para nós, é claro, que só poderá estar em causa nos presentes autos, a reversão ter sido realizada, pelo enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, e diga-se que para o Oponente também deverá ser igualmente claro, visto não ter suscitado na sua linha argumentativa, qualquer falta de fundamentação do despacho de reversão.
VIII. Isto claro, caso se leia atentamente a projecto de reversão, seguido do despacho de reversão conforme supra exposto.
IX. Não podemos, nem devemos isolar o despacho de reversão dos actos preparatórios que levaram o órgão de execução fiscal a decidir-se pela audição prévia do contribuinte.
X. Por tudo isto, não podemos concordar com a douta sentença em crise quando refere que “o projeto de despacho de reversão faz uma reprodução do texto legal, enunciando ambas as alíneas do art. 24.º da LGT, alíneas essas que se reportam a diversas situações fáticas com consequências jurídicas diversas, por isso carecem ser individualizadas e integradas no caso concreto.
Mais, continua a resultar do próprio despacho de reversão a ausência total de indicação da disposição legal ao abrigo da qual o revertido foi considerado responsável subsidiário pelas dívidas exequendas, pelo que forçoso será concluir pela falta de fundamentação do despacho de reversão.”
XI. Destarte, constata-se que a douta sentença recorrida errou no apuramento da factualidade inerente aos autos, devendo considerar-se devidamente fundamentado o despacho que determinou a reversão.
XII. É verdade que no projecto de reversão para o qual remete o despacho de reversão, é transcrita a norma constante do artigo 24.º, nº 1, alínea b) da LGT, no seu ponto 2. dizendo que é ao gerente que como responsável subsidiário, compete provar que não foi por sua culpa que a obrigação do pagamento não foi cumprida.
XIII.Pelo que, com o devido respeito, não se concorda com a posição assumida na douta sentença, sendo certo que quanto aquele fundamento consta do despacho de forma clara e expressa o juízo de culpabilidade que levaram os serviços a efetivar a reversão em causa.
XIV. Assim, quanto a esta questão, salvo melhor opinião, deverá considerar-se também devidamente fundamentado o despacho que determinou a reversão.
XV. Ora, face ao exposto, a douta sentença proferida pelo Mmº. Juiz a quo fez, a nosso ver, uma incorrecta interpretação de facto e de direito das normas legais e da ratio legis que a fundamentam, mormente os art.ºs 23º, nº4 e 77º da LGT, 124º e 125º do CPA, incorrendo assim em erro de julgamento.
Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.”.
* *
O Recorrido não apresentou contra-alegações.
* *
A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito por deficiente apreciação dos factos considerados provados e das normas legais ao decidir que o despacho de reversão padece de falta de fundamentação.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:
“Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão:

1. Em 25/02/2003, no Cartório Notarial de Sobral de Monte Agraço, foi celebrada escritura de “Cessão de Quota, Unificação e Transformação de Sociedade em Unipessoal Por Quotas” através da qual H.........., cede a P.......... a quota, de que a sócia é titular na sociedade P.........., Lda., no valor nominal de duzentos e cinquenta euros e este aceita a cessão e unifica numa única quota, com a que já possuía na referida sociedade, constituindo uma única quota de valor nominal de cinco mil euros – cfr. fls. 86 a 90 do processo instrutor em apenso aos autos;

2. Através do ato supra referido, foi transformada a referida sociedade em unipessoal por quotas, P.........., Lda., com o objeto social de consultoria de marketing, formação e edição na área do marketing - cfr. fls. 86 a 90 do processo instrutor em apenso aos autos;

3. A gerência da sociedade, de acordo com aquela escritura pública, é desempenhada pelo sócio P.......... - cfr. fls. 86 a 90 do processo instrutor em apenso aos autos;

4. Em 24/07/2004, é instaurado processo de execução fiscal à sociedade originária devedora, com nº .......... e apensos, instaurado por dívidas de IVA, IRC, IRS e Coimas fiscais de 2002 a 2008, na quantia de € 60.472,14 – cfr. 22 e 71 do processo instrutor em apenso aos autos;

5. Em 28/04/2009, é elaborado o “Projeto de Reversão” em nome de P.........., nos seguintes moldes:
“(...) Não havendo bens da devedora originária, ora executada, que respondam pelo pagamento da dívida, estão pois verificadas as condições previstas nos termos do nº 2 do art. 153º do CPPT, para chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, de acordo com a legislação em vigor no momento do exercício do seu cargo e no momento da constituição da responsabilidade, revertendo assim contra estes a execução (...) 1.Relativamente ao facto tributário: verifica-se que o facto tributário ocorreu já na vigência da LGT, assim, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 24º, os gerentes e administradores são subsidiariamente responsáveis pelas dividas da sociedade, mediante prova da culpa a efetivar pela A.T. Como não dispõe este serviço de finanças de elementos que permitam concretizar a referida prova, não é possível efetivar a responsabilidade latente.2. Verifica-se que a obrigação de pagamento ocorreu já na vigência da LGT, assim, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 24º, os gerentes e administradores que exerçam, ainda, que somente de facto, funções de gestão das pessoas coletivas ou equiparadas, será subsidiariamente responsáveis pela dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento (...)” – cfr. fls. 41 do processo instrutor em apenso aos autos;

6. Em 08/05/2009, a Chefe de Finanças Adjunta (por delegação), do Serviço de Finanças de Mafra, profere “Despacho de Reversão”, como a seguir se enuncia “Face às diligências efetuadas nos autos, e estando concretizada a audição do responsável subsidiário, que no prazo de dez dias concedido nada veio dizer aos autos, mantem-se os pressupostos que estiveram na base da elaboração do meu despacho datado de 28/04/2009. Neste sentido, ordeno a reversão da execução fiscal contra P.........., na qualidade de responsável subsidiário pela dívida discriminada na folha anexa. Atenta a fundamentação (ausência de bens penhoráveis da devedora originária, arts. 23º LGT e 153º CPPT) a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do executado por reversão, nos termos do art. 160º do CPPT, para pagar em 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (nº 5 do art. 23º da LGT)”- cfr. fls. 46 do processo instrutor em apenso aos autos;

7. Em 08/05/2009, é emitida a “citação (reversão)” a P.........., no âmbito do processo de execução fiscal nº .......... e apensos, para aquele proceder ao pagamento da dívida exequenda no valor de € 47.359,88, constando dos fundamentos da reversão, o seguinte: “Inexistência de bens da originária devedora” – cfr. fls. 49 do processo instrutor em apenso aos autos;

8. Da remessa do oficio nº 3559, de 08/05/2009 tendente à “Citação (Reversão)”por meio de carta registada com a/r para o domicilio fiscal do oponente na Rua………….., 7, 3º Esq.-Ericeira, resulta que a carta foi devolvida ao remetente com a indicação dos serviços dos CTT “ Endereço inexistente” – cfr. fls. 50 a 57 do processo instrutor em apenso aos autos;

9. Em 18/05/2009, o Chefe do Serviço de Finanças (em substituição) emite “Mandado de Citação (Reversão)”- cfr. fls. 58 e 61 do processo instrutor em apenso aos autos;

10. Da “Certidão de Diligências” efetuada por funcionário do Serviço de Finanças de Mafra, é aí referido “ (...) não pude efetuar a diligência porque o executado encontra-se ausente, segundo informação de V........... Assim, deixei hora certa na pessoa indicada para o dia 3 de Junho de 2009, para as 15.30h, informando que aqui voltarei, a fim de cumprir a diligência que me foi ordenada, na própria pessoa do executado/representante, ou não o encontrando na pessoa a aquém deixei a indicação de hora certa, ou ainda noutra pessoa que aqui encontre, ou por nota deixada no local mais adequado, tudo conforme o disposto no art. 240º do CPC” – cfr. fls. 67 do processo instrutor em apenso aos autos;

11. Em 03/06/2009, foi deixada no local, junto ao domicílio de P.........., “Certidão de Verificação” “(art. 240º do CPC)”, com os elementos constantes do “art. 235º CPC”, referindo-se que o duplicado e documentos se encontravam à disposição neste Serviço de finanças, tendo sido assinada pelo funcionário na presença de duas testemunhas – cfr. fls. 68 do processo instrutor em apenso aos autos;

12. Em 04/04/2009, através do ofício nº 4593 é remetida a P.........., para a Rua……….., nº 9, 3º Esq., Ericeira, ………. Ericeira, “Citação- art. 240º do CPC”, comunicando que no dia 03 de Maio de 2009, pelas 15.30h, foi efetuada citação (reversão) na qualidade de responsável subsidiário da sociedade P.........., Lda....- cfr. fls. 69 e 70 do processo instrutor em apenso aos autos.

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3 – MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente, referidos no probatório supra”.
* *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Com base na matéria de facto acima transcrita, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou a oposição à execução fiscal procedente e em consequência anulou o despacho de reversão por falta de fundamentação.

A Recorrente não se conforma com o decidido invocando, em síntese, que o tribunal recorrido fez uma incorrecta interpretação de facto e de direito das normas legais, nomeadamente dos art.ºs 23º, nº4 e 77º da LGT, 124º e 125º do CPA, incorrendo assim em erro de julgamento.

A Recorrente entende que no caso concreto, conjugando o despacho de reversão com o projecto de reversão, só poderá estar em causa a reversão da execução ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 24º LGT, afirmando ainda que o oponente não suscitou qualquer falta de fundamentação do despacho de reversão. Importa referir que a questão da falta de fundamentação foi suscitada pelo Ministério Público, tendo sido analisada e decidida pelo tribunal recorrido. E como se afirma no Acórdão do STA de 31/10/2012 – rec. 0948/12 “Porque o Ministério Público pode arguir vícios do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente, não enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão invocada unicamente pelo Representante do Ministério Público.”.

Defende a Recorrente que não se verifica a falta de fundamentação do despacho de reversão como decidido, porquanto “não podemos, nem devemos isolar o despacho de reversão dos actos preparatórios que levaram o órgão de execução fiscal a decidir-se pela audição prévia do contribuinte.”. Afirma que no projecto de reversão para o qual remete o despacho de reversão, é transcrita a norma constante do artigo 24.º, nº 1, alínea b) da LGT, no seu ponto 2. dizendo que é ao gerente que como responsável subsidiário, compete provar que não foi por sua culpa que a obrigação do pagamento não foi cumprida, pelo que considera que consta do despacho de forma clara e expressa o juízo de culpabilidade que levaram os serviços a efetivar a reversão em causa.

Vejamos então.

O dever de fundamentação do despacho de reversão decorre do princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”.

A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do acto em causa.

Deve ser clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Sobre a fundamentação do despacho de reversão importa referir a jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que no seu Acórdão de 16/10/2013, recurso 0458/13, refere o seguinte:
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário» (No mesmo sentido ver também o acórdão de 23/1/2013, processo nº 0953/12.) sendo que, em caso de discordância, o revertido sempre poderá exercer o direito de defesa mediante dedução de oposição onde, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações das previsões legais (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT); (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT).”.

No caso em apreço foi proferido despacho de reversão com o teor transcrito no ponto 6 do probatório, que recorde-se, foi o seguinte:
Face às diligências efetuadas nos autos, e estando concretizada a audição do responsável subsidiário, que no prazo de dez dias concedido nada veio dizer aos autos, mantem-se os pressupostos que estiveram na base da elaboração do meu despacho datado de 28/04/2009. Neste sentido, ordeno a reversão da execução fiscal contra P.........., na qualidade de responsável subsidiário pela dívida discriminada na folha anexa. Atenta a fundamentação (ausência de bens penhoráveis da devedora originária, arts. 23º LGT e 153º CPPT) a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do executado por reversão, nos termos do art. 160º do CPPT, para pagar em 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (nº 5 do art. 23º da LGT)”.

Resulta evidente que nenhuma referência é feita quanto à disposição referente à responsabilidade subsidiária do revertido, mais concretamente ao art. 24º da LGT.

Alega a Recorrente que a fundamentação pode ser feita por remissão, e que o despacho de reversão não pode desligar-se do projecto de reversão, acrescentando que neste projecto de reversão se encontra mencionada a norma legal ao abrigo da qual foi efectuada a reversão da execução.

Como se afirma no Acórdão do STA de 17/10/2018 – rec. 01422/17.3BESNT “A fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.”.

No caso em apreço embora possa entender-se que a fundamentação do despacho de reversão possa ter sido feita por remissão, quando dele consta a expressão “(…) mantêm-se os pressupostos que estiveram na base da elaboração do meu despacho datado de 28/04/2009 (…)”, contudo, essa fundamentação não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela administração para a determinação do acto (cfr. Acórdão do STA acima mencionado).

Importa assim analisar o teor do projecto de reversão no sentido de aferir da fundamentação do acto de reversão.

Ora do ponto 5) do probatório consta o seguinte:
“(...) Não havendo bens da devedora originária, ora executada, que respondam pelo pagamento da dívida, estão pois verificadas as condições previstas nos termos do nº 2 do art. 153º do CPPT, para chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, de acordo com a legislação em vigor no momento do exercício do seu cargo e no momento da constituição da responsabilidade, revertendo assim contra estes a execução (...) 1.Relativamente ao facto tributário: verifica-se que o facto tributário ocorreu já na vigência da LGT, assim, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 24º, os gerentes e administradores são subsidiariamente responsáveis pelas dividas da sociedade, mediante prova da culpa a efetivar pela A.T. Como não dispõe este serviço de finanças de elementos que permitam concretizar a referida prova, não é possível efetivar a responsabilidade latente.2. Verifica-se que a obrigação de pagamento ocorreu já na vigência da LGT, assim, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 24º, os gerentes e administradores que exerçam, ainda, que somente de facto, funções de gestão das pessoas coletivas ou equiparadas, será subsidiariamente responsáveis pela dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento (...)”.

Destarte resulta expressamente mencionado no ponto 1., o enquadramento na alínea a) do nº 1 do art. 24º da LGT e no ponto 2., o enquadramento na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, sem que tenha sido subsumida a situação do revertido numa daquelas alíneas, desconhecendo-se qual a disposição legal que, em concreto, foi aplicada ao Recorrido.

Perante tal fundamentação, fácil é de concluir que a administração tributária não esclareceu suficientemente as razões de facto que levaram à reversão da execução contra o Recorrido, nem, por outro lado, fez qualquer referência às disposições legais, normas ou princípios jurídicos em que fez assentar em concreto a reversão.

De resto a menção no projecto de reversão é absolutamente ambígua e insuficiente para determinar o possível enquadramento da situação numa das alíneas previstas no nº1 do artigo 24º da LGT, porquanto a norma da alínea a) aplica-se aos casos em que as dívidas se constituíram no período de exercício do cargo de gerente mas foram postas à cobrança depois da cessação dessas funções ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício, já a norma da alínea b) aplica-se aos casos em que o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tenha terminado no período de exercício do cargo.

Ora, o enquadramento numa ou noutra alínea assume enorme relevância pois que, neste último caso – alínea b) – é ao revertido que cabe provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento, ou seja, só neste caso a Administração Tributária beneficia de uma presunção legal de imputabilidade ao gerente da falta de pagamento da dívida.

Saliente-se que, quer no despacho de reversão, quer no projecto de reversão não é concretizada a disposição legal ao abrigo da qual opera a reversão, solução da qual resulta, de todo o modo, a ilegalidade do despacho de reversão por omissão da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao executado revertido (neste mesmo sentido – Ac. do Pleno do STA supra citado).

Tal como se afirma no Acórdão do STA de 09/04/2014 – rec. 0954/13 “(…) as implicações da imputação da responsabilidade por cada uma dessas normas são legalmente relevantes, tendo em conta a bipartição de regimes quanto à repartição do ónus da prova: enquanto na alínea a) não se prevê qualquer presunção de culpa do gerente da sociedade, ficando, por isso, a cargo da Fazenda Pública o ónus de provar que foi por culpa daquele que o património social se tornou insuficiente para satisfação das dívidas, já na alínea b) se onera o responsável subsidiário com a prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento.
O que significa que, no caso, e face ao teor do despacho de reversão, não se sabe qual delas determinou a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, ora recorrido, isto é, não se sabe se recaía sobre este o ónus de prova de que não tinha tido culpa na insuficiência dos bens da executada originária para pagamento das dívidas tributárias ou se esse ónus de prova recaía sobre a administração tributária.
E essa imputação também não se extrai do restante contexto fundamentador do despacho de reversão, porque dele não consta, ainda que por mera remissão, o período em que o revertido exerceu a gerência da sociedade devedora originária – se no período da constituição das dívidas, se no período do pagamento ou entrega do tributo, se em ambos os períodos.
(…)
Tais pressupostos têm de ser alegados/incorporados no despacho de reversão, com a obrigatoriedade de indicação das concretas normas legais em que o órgão da execução faz apoiar a responsabilidade subsidiária imputada ao revertido, para lhe permitir conhecer e questionar, atacando se necessário, os concretos pressupostos determinantes da reversão da execução contra si, habilitando-o a reagir eficazmente, pelas vias legais, contra a lesividade do acto caso com a mesma não se conforme.”.

Sendo um elemento relevante para o conhecimento dos fundamentos da reversão a menção da alínea a) ou b) do nº 1 do art. 24º da LGT, e tendo esse elemento sido omitido quer no despacho de reversão, quer no projecto de reversão, resulta a falta de fundamentação desses actos.

Atento o supra exposto conclui-se serem improcedentes os fundamentos invocados pela Recorrente, pelo que o presente recurso não merece provimento, mantendo-se a decisão recorrida.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.

Lisboa, 30 de Setembro de 2020

Luisa Soares

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha