Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:17/21.1BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:05/19/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI IURIS
PERICULUM IN MORA
PONDERAÇÃO DOS INTERESSES PÚBLICOS E PRIVADOS
Sumário:I - Ao omitir a apresentação das razões concretas que demonstrem a impossibilidade de recuperação vegetativa da plantação, padece de insuficiente fundamentação o ato que impõe a reposição de subsídio assente, designadamente, nessa impossibilidade.
II - É incontornável que cabe à administração o dever de fundamentar os atos que afetem os direitos ou interesses legítimos dos seus destinatários, devendo ser expostas as razões de facto e de direito que levaram à prática de determinado ato e a que lhe seja dado determinado conteúdo.
Deve, assim, o conteúdo da fundamentação adequar-se ao tipo concreto do ato e às circunstâncias em que foi praticado, impondo-se que seja expressa, clara, suficiente e congruente.
III - Estarão em causa prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal, se decorre dos autos que a empresa beneficiária do subsídio apresenta uma situação claramente deficitária e que suportar o pagamento pretendido colocará em causa a continuidade da sua atividade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O IFAP – Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I.P., no seguimento de Providência Cautelar apresentada por M....., Lda., com os demais sinais nos autos, tendente a que fosse suspenso o ato praticado pelo Presidente do Conselho Diretivo do Requerido, que determinou a devolução do valor de €58.409,75, referente à operação n.º 0200….., no âmbito da ação PRODER n.º 1.1.3. – Instalação de Jovens Agricultores”, inconformado com a decisão proferida no TAF de Castelo Branco, em 13 de março de 2022, através da qual foi decidido julgar procedente o presente Processo Cautelar, veio em 24 de março de 2022, recorrer da decisão proferida para este TCAS, tendo concluído:
“A. Em sede de apreciação, entendeu o Tribunal a quo julgar a presente ação procedente quanto ao periculum in mora, fumus boni iuris, e quanto à ponderação dos interesses.
B. Ora, salvo melhor opinião, na decisão recorrida há uma violação da lei, pois nenhum dos requisitos pode ser considerado como cumprido, senão vejamos,
C. Relativamente ao requisito do fumus boni iuris, o Tribunal a quo entendeu que dentre os vícios alegados pelo requerente, aparenta que possa vir a ter razão quanto à falta de fundamento do ato e quanto à preterição da audiência prévia.
D. Quanto a fundamentação do ato, basta uma análise da decisão final para se perceber, em primeiro lugar que este documento remete para o ofício de audiência prévia, e para o relatório de controlo que, assim, fundamentando por remissão, expressamente prevista no art. 153º, nº 1 do CPA e deve ser entendida no sentido de que estes documentos, integram o ato administrativo que absorveu e se apropriou da respetiva motivação ou fundamentação.
E. Ou seja, a fundamentação da decisão final, não é só clara e percetível, como minuciosa quanto aos pagamentos controlos efetuados, e a conclusão, com toda a justificação e argumentação que comprovam a decisão final
F. Ora, o Tribunal a quo enganou-se ao concluir que o IFAP não fundamentou suficientemente quando conclui que não existe possibilidade da recuperação vegetativa da plantação, pois quando o quando o IFAP diz no ponto 6 da Decisão Final que “Atendendo a que o pedido de apoio tinha como data de termo o ano de 2018 por forma a encerrar a operação pelos valores executados”, está a remeter a uma informação constante do contrato assinado pelo beneficiário (art 4º do referido contrato constante do PA).
G. E assim o faz porquê é neste período, desde a assinatura do contrato até o termo deste, que o beneficiário deve executar o projeto para o qual se candidatou.
H. Em outras palavras, não basta só cumprir o projeto referente a ajuda, pois este cumprimento deve ser efetuado no período contratado.
I. Assim, quando o IFAP diz, em 2021, em sede de Decisão Final, que a exploração se encontra em estado de abandono e sem possibilidade de recuperação, está a ser claro ao afirmar que, obviamente, como o beneficiário abandonou a operação até aquela data, qualquer recuperação seria tardia, fora do período contratado e, portanto, nunca seria suficiente para que se conclua pelo cumprimento do projeto.
J. Para o agricultor, que pediu a ajuda, assinou o contrato em causa, em que deveria executar seu projeto naquele prazo, recebeu os pagamentos, e que, num controlo após o ultimo pagamento, o IFAP diz que “já não há possibilidade de recuperação”, está suficientemente claro que já não pode pretender beneficiar da ajuda, se executar o projeto fora do prazo.
K. O ato em causa foi fundamentado de forma clara, inequívoca e de fácil compreensão, contendo as razões de facto e de direito subjacentes à decisão, pois na Decisão Final em concreto e no ofício de Audiência Prévia constam os motivos da intenção de recuperação da ajuda, a indicação dos controlos efetuados e por último, a decisão em si.
L. Mais ainda, conforme consta do ponto M dos factos indiciariamente provados, só em 2018 é que a Recorrida refere, pela primeira vez, que foram prestadas informações sobre os problemas que surgiram no projeto em causa.
M. Ora, esta infringiu a cláusula B4 do contrato, como referido em sede de contestação, pois a mesma tinha 10 dias para informar quaisquer alterações às situações que se circunscrevem ao contrato.
N. E só em 2019, após a inspeção ao local, é que a beneficiária resolveu explicar todos os problemas que ocorreram. (Cfr. Pontos considerados provados O a R dos factos indiciariamente provados)
O. O IFAP explica claramente que, a execução do projeto deve ser no período contratado para a execução, que foi efetuada uma inspeção no final do período de manutenção do contrato e verificou-se que o empreendimento estava abandonado.
P. Concluindo que tentar cumprir a ajuda, fora do prazo estabelecido do contrato, não manifesta um cumprimento contratual.
Q. Pelo que se conclui pela fundamentação, até mesmo extensiva, da decisão final e a legalidade do ato em causa.
R. Relativamente à notificação para o exercício do direito de audição prévia, conforme conta do Processo Administrativo (PA); o ofício de Audiência prévia, nº 005051/2020 DAI-UREC , com a referência RF001722693PT foi enviado no dia 23/07/2020 e conforme consta do registo CTT, recebido no dia seguinte, dia 24/07/2020. (Cfr. facto DD, em pag. 16 da Sentença e págs 14 e seguintes do PA).
S. E, os ofícios apenas eram enviados para endereço diferente do endereço contatual, com pleno conhecimento e a pedido do ora Recorrido, conforme consta em comunicação em fls 1 e seguintes do PA.
T. Assim como o ofício de decisão final impugnado.
U. Ora, parece incongruente considerar-se válida a notificação da decisão final por um lado, e por outro não considerar válida a notificação para o mesmo endereço, do ofício de audiência prévia.
V. Relativamente ao periculum in mora, não ficou provado que a A. não tem acesso à banca ou que não suportaria um pagamento da dívida em prestações.
W. Parece inverosímil assumir, sem nenhuma declaração bancária que comprove, que a Recorrida não pudesse socorrer-se a empréstimo, para pagar a dívida ao IFAP, ou que não conseguisse efetuar o pagamento, a título exemplificativo, em 80 prestações de aproximadamente 650€ mensais ao decorrer dos próximos anos.
X. Da matéria de facto dada como assente, o Tribunal a quo não quantificou, nem densificou o impacto que a execução do ato teria na situação económica da ora recorrida, nem identificou em que medida torna impossível a execução da dívida.
Y. O Tribunal a quo limitou-se a acolher os argumentos invocados pela recorrida, que mais não são do que meros juízos ou conclusões, recorrendo a generalidades e a conceitos indeterminados.
Z. Com efeito, nunca se concretizaram os específicos prejuízos que lhes advirão da prática do ato que se pretendem suspender.
AA. Ora, a avaliação dos prejuízos de difícil reparação deve ser efetuada com base num juízo de prognose assente na prova feita e na experiência comum, tendo por referência a possibilidade (ou impossibilidade, para efeitos de considerar irreparável) de reintegração natural e específica na esfera jurídica da requerente, caso a ação principal venha a ser julgada procedente.
BB. Assim, verifica-se que não ficou minimamente provado o requisito “periculum in mora”, uma vez que os argumentos invocados pela requerente e subscritos pelo Tribunal ora recorrido na sentença proferida, mais não são do que meros juízos ou conclusões, sendo que a mesma não demonstra como os prejuízos que lhe advirão da prática do ato suspendendo, serão de difícil reparação.
CC. E mais! Como consta do ponto B dos factos provados, a Requerente faz de parte de um grupo de empresas associadas com participação da sociedade V....., Lda., enquanto sócia.
DD. Ora, a Requerente nada junta quanto aos rendimentos que obtém enquanto sócia da V....., que como referem, gere o espaço partilhado, entre as empresas do referido grupo.
EE. Não se compreende se a Requerente é que pede os apoios e produz os bens agrícolas e qual é a empresa que vende e retém os lucros desta atividade, ou qual é o valor que a empresa Requerente recebe, a título de distribuição de lucros e dividendos do V..... Lda. da qual é sócia.
FF. Pelo que parece que deve ser diferente, analisar o periculum in mora de uma empresa isolada, do que analisar o mesmo periculum in mora, de uma empresa, como no caso em concreto que detém parte de outra sociedade, da qual tem relações especiais, como a utilização das parcelas para a exploração agrícola.
GG. Ora o Tribunal a quo não podia substituir-se à requerente e considerar verificados os prejuízos de difícil reparação.
HH. Ambos os casos citados na douta sentença recorrida não tiveram em conta que a ora recorrida efetivamente faz parte de um grupo de empresas, pelo que urge que o TCA analise o caso em concreto, também sob esta perspetiva.
II. Face ao exposto, a requerente não fez pertinente prova, como legalmente lhe competia, para comprovar o alegado periculum in mora,
JJ. Quanto a ponderação dos interesses em causa, discorda-se do entendimento vertido na sentença recorrida a propósito da ponderação entre o interesse privado e o interesse público, não tendo o Tribunal recorrido procedido à ponderação objetiva dos interesses públicos e privados em presença, limitando-se a dar primazia aos interesses privados, sendo evidente que os prejuízos atuais, graves e de difícil reparação que alegadamente se produzirão para a recorrida no caso de denegação da providência de suspensão de eficácia não devem prevalecer sobre os prejuízos para o interesse público que poderão advir da sua concessão.
KK. Ora, se a Requerente está realmente tão mal financeiramente quanto alega, com risco de ficar insolvente, nada impede que algum credor eventualmente peça a insolvência da mesma, impedindo o IFAP IP de obter num processo de insolvência, qualquer crédito, na medida em que não possui penhoras, hipotecas ou outras garantias reais a seu favor.
LL. Portugal, assim como os restantes Estados Membros da União Europeia, estão sujeitos à aplicação pela Comissão Europeia de correções financeiras de base forfetárias de 2%, 5%, 10%, 25% (ou mais) das despesas declaradas em determinado exercício financeiro, e face ao incumprimento do Estado Membro, a Comissão Europeia aplica correções financeiras e sanções ao Estado Português, entre as quais, a possibilidade do montante não executado ser deduzido a Portugal, podendo, inclusive, culminar na redução de 100% nos pagamentos a efetuar pela Comissão Europeia (cfr., a título exemplificativo, o disposto no artigo 8º A do Regulamento (CEE) nº 3149/92, da Comissão, de 29/10 e artigo 9.º do Regulamento (CE) n.º 883/2006, da Comissão, de 21 de Junho).
MM. Assim, conclui-se que, no caso concreto, a suspensão, nos termos requeridos, traduz grave prejuízo para o interesse público, quer a nível económico, quer a nível financeiro para o erário público.
NN. Ora conforme já referimos, a reposição da quantia a efetuar pela requerente não é um prejuízo efetivo, porque, caso venha a ser declarada procedente a ação principal, o que só por mera hipótese se refere sem, no entanto, conceder, esse montante seria sempre restituído sem qualquer prejuízo para a requerente.
OO. No entanto, como já referido, caso venha a ser declarada procedente a ação principal, o que só por mera hipótese se refere, sem conceder, esse montante seria sempre restituído à ora recorrida, sendo que o contrário já não é verdade, porque se a ora recorrida estivesse efetivamente com graves dificuldades financeiras, como alega, caso venha a ser declarada improcedente a ação principal, o Instituto ver-se-á na impossibilidade de repor a legalidade da situação, sendo que estão em causa dinheiros públicos atribuídos por subsídios concedidos por Fundos da União Europeia e que, em última análise, a República Portuguesa poderá ter de suportar, a expensas dos contribuintes, a recuperação do valor em causa.
PP. No caso em apreço nos autos, estão em causa dinheiros públicos, atribuídos por subsídios concedidos por Fundos da União Europeia, pelo que o crivo do que pode justificar o incumprimento pelos beneficiários não pode deixar de ser rigoroso.
QQ. Face ao exposto, deve ser alterada a sentença recorrida, concedendo-se provimento ao presente recurso, por provado, uma vez que não se verificam os pressupostos exigidos pelo artigo 120º do CPTA para que a requerida suspensão de eficácia deva ser concedida e, em consequência, ser proferido acórdão levantando a suspensão da decisão final proferida pelo IFAP, I.P.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser julgado procedente o presente recurso, por provado e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e proferido acórdão levantando a suspensão da decisão final proferida pelo IFAP, I.P.”

Não foram apresentadas contra-alegações de Recurso

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 27 de abril de 2022, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, importando verificar se se mostram preenchidos os pressupostos suscetíveis de determinar o preenchimento dos requisitos aqui aplicáveis, nomeadamente do fumus boni iuris e periculum in mora.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto provada e não provada:
“Factos indiciariamente provados:
A) A Requerente é uma sociedade que tem por objeto a produção transformação e comercialização de produtos agrícolas, florestais, apícolas e seus sucedâneos. Investigação, consultoria e prestação de serviços no domínio agrícola e energético. Exploração de atividades de turismo no espaço rural. Produção e comercialização de artigos de artesanato, drogaria, perfumaria e higiene. Arrendamento de imóveis, com o capital social de €1 200,00 e que tem como sócios F....., nomeada gerente e titular de uma quota no valor de €1 020,00 e V…., Lda, titular de uma quota no valor de €180,00 (cfr. documento n.º 2, junto com o requerimento inicial e acordo);
B) Em 24.05.2012, por contrato de comodato, a sociedade V….., Lda cedeu à Requerente a utilização das parcelas para exploração agrícola integradas nos prédios rústicos, sitos na freguesia de Perais, Município de Vila Velha de Ródão, inscritos na matriz sob os artigos ……, AC e … AC e descritos na Conservatória do Registo Predial de Vila Velha de Ródão sob o n.º 3…. da referida freguesia (cfr. documento n.º 3, junto com o requerimento inicial e acordo);
C) A Requerente apresentou candidatura no âmbito do PRODER – Aumento da Competitividade dos Sectores Agrícola e Florestal – Promoção da Competitividade – Inovação e Desenvolvimento Empresarial – Instalação de Jovens Agricultores (cfr. fls. 99, do processo administrativo);
D) Em 20.05.2013, a Requerente celebrou com o Requerido o contrato de financiamento n.º 0202….., relativo à operação n.º 0200…., designada “Produção de groselhas em modo de produção biológico”, a concretizar nas referidas parcelas (cfr. documento n.º 4, junto com o requerimento inicial e acordo);
E) Do referido contrato de financiamento constam, entre o demais, o seguinte: “(…)
(…)
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. fls. 99, do processo administrativo);
F) Em 31.07.2013, o Requerido procedeu ao pagamento do montante de €24 215,60 à Requerente, a título de prémio à instalação de jovem agricultor (cfr. procedimento administrativo e acordo);
G) Nesta conformidade, a Requerente apresentou perante o Requerido um pedido de alteração do objeto do contrato de financiamento a que se reporta a alínea e), requerendo a manutenção do apoio concedido relativamente à produção de amoreira em modo de produção biológico (cfr. processo administrativo e acordo);
H) Em 10.07.2015, foi alterada a data do fim de execução dos investimentos para 20.05.2015 e do fim do vínculo para 28.02.2018 (cfr. fls. 94, do processo administrativo);
I) Em 02.09.2015, o pedido a que se reporta a alínea que antecede foi deferido (cfr. processo administrativo e acordo);
J) A Requerente submeteu os restantes pedidos de pagamento, tendo o Requerido procedido ao pagamento de €28 027,98, em 29.02.2016 (cfr. procedimento administrativo e acordo);
K) Em 06.01.2016, a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro realizou uma ação de verificação física à exploração da Requerente, destinada à plantação em causa, tendo concluído que apresentava uma “Situação- Regular”, com uma taxa de execução de 94,14% (cfr. fls. 92 a 93, do processo administrativo);
L) Na sequência dessa inspeção, os serviços do Requerido elaboraram um “Relatório de Avaliação do Cumprimento do Plano Empresarial”, no qual se fazia constar, entre o mais, que “Não foi possível efetuar a Avaliação do Cumprimento do Plano Empresarial dado que os investimentos apenas ficaram concluídos em maio de 2015, não existindo ainda produção e, portanto, resultado da atividade em termos de vendas. A vistoria para confirmação da execução dos trabalhos executados conforme Rel VHL n.º 21…., conforme comprovado pelas fotos anexas ao referido relatório. Foi verificado do Plano de Formação a apresentação dos respetivos certificados da formação adquirida.” (cfr. fls. 91 e ss, do processo administrativo);
M) Em 06.10.2018, no âmbito desta avaliação do cumprimento do plano empresarial do jovem agricultor, a Requerente transmitiu os problemas que surgiram no seu projeto e as ações que levou a cabo para os solucionar, nos seguintes termos:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. processo administrativo);
N) A Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro notificou a Requerente, através do oficio n.º 5…./2019, da realização de uma segunda ação de verificação física em 12.06.2019, para efeitos de avaliação do cumprimento do plano empresarial e por forma a encerrar a operação pelos valores executados (cfr. fls. 88, do processo administrativo);
O) Em 21.06.2019, realizou-se a ação de verificação física no imóvel da Requerente pelos serviços da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, a qual esteve representada por J..... (cfr. fls. 63 do processo administrativo);
P) No âmbito desta ação de verificação física, os serviços do Requerido verificaram a inexistência de qualquer plantação no local, existindo apenas vegetação espontânea abundante, com os tubos de regra à superfície e degradados (cfr. fls. 89, do processo administrativo e acordo);
Q) Em 26.06.2019, os serviços do Requerido, na sequência da ação a que se reporta a alínea que antecede, elaboraram a informação n.º IF/85/2019/DIG, da qual se extrai o seguinte:
(…)
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
R) Em 03.07.2019, a Requerente dirigiu um e-mail à Direção-regional de Agricultura e Pescas, do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
“(…) Na sequência da vossa visita ao V....., e revisão dos 4 projetos de amoras (Amor-Amora, M....., Biocultus e Verdes Bagas), julgamos ser relevante enviar alguns elementos adicionais que, tendo sido referidos nesse dia, importa talvez documentar para que não existam dúvidas sobre a sequência de ações levadas a cabo para recuperação das áreas plantadas.
A falha no sistema elétrico no verão de 2016 (julho e agosto, e até 15 de setembro) deixou as explorações agrícolas sem energia, tendo-se recorrido ao aluguer de um gerador de elevada potência para garantir a continuação da rega - não sendo possível, porém continuar a bombar água dos furos com bombas elétricas. O então engenheiro agrónomo (F.....) que dava aconselhamento aos projetos agrícolas, e que foi, entretanto, demitido por esta e outras falhas, implementou um racionamento da rega que se revelou fatal para muitas das plantas jovens. Seguem em anexo os documentos referentes aos serviços de reparação dos inversores e sistema elétrico, e do aluguer do gerador durante 45 dias, encargos suportados pelo V..... Lda, entidade que gere os serviços partilhados no espaço.
O racionamento da rega não teria sido provavelmente tão gravoso se a seca extrema que atingiu o país em 2016 e 2017 não tivesse sido coincidente com os problemas no sistema elétrico e numa fase crítica de crescimento das plantas.
Adicionalmente, a seca provocou um aumento da propensão dos veados para se aproximarem de zonas habitadas em busca da comida que escasseava no parque natural, o que incluiu por vezes as folhas das amoreiras plantadas - o que não se tinha verificado até à data, e que se veio a agravar após a época de incêndios de 2017. As proteções contra os veados que viram foram entretanto montadas e colocadas nas zonas já recuperadas (fotos também em anexo).
De forma a fazer face aos problemas de falta de água, e a tornar as explorações
agrícolas menos vulneráveis à seca, foi reorganizado integralmente o sistema de bombagem de água e de rega. Foram criadas zonas adicionais de retenção de água, canalizadas minas existentes, e implementou-se um novo sistema com os painéis solares e bombas que permitiu aumentar em 40% a capacidade de bombagem de água inicialmente prevista no projeto. Alguns destes pontos de recuperação de água tiveram oportunidade de ver durante a vossa visita. Adicionalmente, estas alterações vieram trazer maior resiliência ao sistema, uma vez que se trata de fontes de água disponíveis mesmo no verão, e independentes do sistema elétrico central. Tal evitará que, de futuro, e num cenário de continuada degradação dos níveis de pluviosidade, não exista o mesmo impacto nas plantações.
Envia-se em anexo a comparação dos níveis da barragem com menos de 18 meses de diferença, entre janeiro de 2018 e junho de 2019. As diferenças são notórias e comprovam o sucesso da nossa intervenção - a barragem estava a um nível junto à segunda boia, e encontra-se atualmente perto da quarta. Fica visível também a impossibilidade de proceder a uma replantação no final de 2017 / início de 2018 - os níveis de água simplesmente não chegavam para regar toda a área no verão de 2018, até às reservas estarem num nível mínimo de segurança.
Adicionalmente em 2017 foi efetuada uma poda de saneamento cujos resultados se avaliaram como pouco eficazes na primavera de 2018, perdendo-se a esperança de ter mais plantas vivas além da zona que viram e o viveiro. Como durante a visita referiu a evidência dessa poda, anexo algumas fotos das plantas mortas, com o respetivo corte da poda bem visível - mas presumo que tenha tirado também algumas fotos para arquivo (…)” (cfr. processo administrativo);
S) Na sequência do pedido de pagamento efetuado pela Requerente em 26.02.2020, no âmbito da análise de pedido de pagamento da operação n.º 0200….., o Requerido proferiu o seguinte parecer:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. fls. 59, do processo administrativo);
T) Em 23.07.2020, o Requerido elaborou o oficio n.º 005031/2020 DAI-UREC, que identifica como destinatária a Requerente, com referência ao assunto “Audiência prévia nos termos dos artigos 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo. PRODER/ACÃO 1.1.3. Instalação de Jovens Agricultores. Operação n.º 0200….”, no qual pode ler-se o seguinte:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. fls. 14, do processo administrativo);
U) O oficio a que se reporta a alínea anterior foi expedido em 23.07.2020, para a morada “V..... – Alfrivida, 6030 Perais”, tendo sido entregue no dia 24.07.2020 (cfr. fls. 276 e ss e processo administrativo);
V) Com data de 02.09.2020, foi remetido à Requerente o ofício n.º 005…./2020 DAI-UREC, subscrito pelo Presidente do Conselho Diretivo do Requerido, no qual pode ler-se o seguinte:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. fls. 6 e 8, do processo administrativo);
X) O oficio a que se reporta a alínea anterior foi expedido em 02.09.2020, para a morada “V..... – Alfrivida, 6030 Perais”, tendo sido entregue no dia 03.09.2020 (cfr. fls. 276 e ss e processo administrativo);
Z) A Requerente apresentou reclamação da decisão que antecede, da qual se extrai o seguinte:
(…)
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. processo administrativo);
AA) A Requerente apresentou resultado líquido do período em 2018 de €-1.997,68; em 2019 de €-1236,62; e em 2020 de €994,04 (cfr. 284 e ss);
BB) A Requerente apresentou em 2018 um passivo no montante de €3.701,13 e um ativo no montante de €26.978,48; em 2019 um passivo no montante de €3.701,13 e um ativo no montante de €23.886,93; e em 2020 um passivo no montante de €3.753,65 e um ativo no montante de €20.795,38 (cfr. 284 e ss);
CC) A Requerente não dispõe de quaisquer outros bens além dos que constam do seu ativo;
DD) A correspondência da Requerente era remetida habitualmente pelo Requerido, para o endereço “V..... – Alfrivida, 6030-651 Perais”, através do qual era entregue na sede da Junta de Freguesia de Perais, onde era levantada por pessoa encarregada para o efeito pela Requerente;
EE) O ano hidrológico de 2016/2017 caracterizou-se pela existência de uma situação de seca severa no território continental (cfr. documento n.º 9, junto com o requerimento inicial).
FF) A Requerente exerce a sua atividade em parceria com outras empresas, num regime que consubstancia, na prática, uma cooperação com fins agrícolas, com sede no V....., sito no Município de Vila Velha de Ródão.
GG) A Requerente tinha, à data, um plano de recuperação agrícola em curso, o qual devido à atividade agrícola implica que só daqui a alguns anos será possível obter produção no terreno.
Factos não provados:
1.º Que a atividade da Requerente passa predominantemente pela relação de confiança que existe entre a mesma e os seus trabalhadores, bem como fornecedores da sociedade, que dependem da continuação da sua atividade;
2.º Que os efeitos do ato suspendendo afetam a imagem da Requerente, na zona de Vila Velha de Ródão, afetando o seu crédito e o seu bom nome no mercado, bem como junto dos seus fornecedores entidades públicas e privadas associadas.”

IV - Do Direito
Importa agora analisar, ponderar e decidir o suscitado no Recurso.
Decidiu-se em 1ª Instância:
“Pelo exposto supra, decido julgar a presente providência cautelar procedente e, em consequência, defiro o pedido cautelar que vem formulado pela Requerente.”

Vejamos:
Vem interposto o presente Recurso da Sentença proferida no TAF de Castelo Branco que julgou procedente a requerida providência cautelar.

Por questões análogas já terem sido decididas, quer no TCAS, quer no TCAN, seguir-se-á de perto o já precedentemente tratado, nomeadamente, nos Acórdãos do TCAN nº 16/19.3BECBR-A, de 27/09/2019 e nº 364/20.0BEMDL de 05/03/2021, e do TCAS nº 19/21.8BECTB, de 04-08-2021 e nº 325/21.1BECTB, de 05/05/2022.

Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

Para adoção da providência, como se vê, impõe-se a verificação, cumulativa, dos requisitos habitualmente designados por periculum in mora e fumus boni iuris, traduzidos no referido fundado receio e na aparência do bom direito da pretensão de fundo, formulada ou a formular no processo principal.

Caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

No caso, o Tribunal a quo considerou verificados os apontados três requisitos.
Quanto à verificação do fumus boni iuris, consta do discurso fundamentador da decisão sob recurso o seguinte:
Cumpre, por isso, apreciar se é provável que a pretensão a formular na ação principal pela Requerente venha a ser julgada procedente, atento o quadro legal aplicável.
(…)
Vejamos, pois.
O dever de fundamentação encontra-se previsto nos artigos 152.º a 154.º do Código do Procedimento Administrativo, na redação aplicável.
Ora, resulta desde logo do artigo 152.º, n.º 1, alínea a), que, para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções.
E conforme dispõe o artigo 153.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato”.
Neste quadro normativo, corresponde à falta de fundamentação “a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”, de acordo com o n.º 2, do mesmo artigo. Vejamos, antes de mais, o que resulta apurado nos autos.
Resulta da factualidade indiciariamente assente que a decisão suspendenda foi proferida na sequência de uma ação de verificação física à exploração da Requerente, tendo concluído o Requerido “não serem visíveis no local afeto à operação, quaisquer plantas ou mesmo plantação, mas apenas vegetação espontânea abundante, a existência de tubos de rega à superfície e painéis fotovoltaicos colocados em contínuo. Verificou-se a permanência na exploração do pulverizador”, e tendo considerado, por isso, que “não existe evidência da existência na área afeta à plantação, quaisquer plantas de amoreira, mas apenas mato e estevas, encontrando-se a terra abandonada e sem qualquer possibilidade de recuperação vegetativa”, e, assim, “o pedido de apoio em situação irregular por incumprimento dos objetivos do pedido de apoio, bem como, da impossibilidade de avaliação do cumprimento do plano empresarial, conforme previsto nº 2, do art. 15º do Regulamento da aplicação da ação 1.1.3 – “Instalação de Jovens Agricultores” aprovado pela Portaria nº 357-A/2008, de 09 de maio, e posteriores retificações, bem como, o disposto no nº 2, do art. 22º da Portaria nº 184/2011 de 05 de maio”, concluindo “pelo incumprimento dos objetivos propostos com a consequente inviabilidade do pedido de apoio, visto a exploração se encontra em estado de abandono e sem possibilidade de recuperação” (cfr. factos assentes nas alíneas t) a x)).
Ora, também aqui, por entendermos inteiramente aplicável, remetemos para o entendimento vertido na decisão proferida no processo n.º 19/21.8BECTB, a qual, também nesta parte, foi confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão já citado, retirando-se da mesma, na parte que agora interessa (pois também no caso em apreço se verificou a alteração da data do fim de execução dos investimento - cfr. factos assentes nas alíneas h) e i)), a “queda inatacável a conclusão constante da decisão objeto de recurso, quanto à insuficiente fundamentação do ato relativamente à impossibilidade de recuperação vegetativa da plantação, por omissão de apresentação das razões concretas que demonstrassem essa impossibilidade.”.
É, pois, provável que na ação principal se conclua pela procedência do presente fundamento.
Invoca, ainda, a Requerente, em suma, que a consideração, por parte da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, de execução de 94,14% da operação objeto do contrato de financiamento assume, inquestionavelmente, natureza constitutiva de direitos, pelo que, só podendo os atos constitutivos de direitos ser revogados com fundamento em ilegalidade e dentro do prazo fixado na lei (o que, no caso em apreço, em seu entendimento, não se verificou), a decisão final se mostra ilegal.
O Requerido alega, por sua vez, que não colocou em crise a atuação da DRAP Centro, na medida em que é uma entidade distinta daquela; que, por outro lado, existe a possibilidade de controlo, a todo o tempo, conforme consta do contrato assinado; que a Requerente não pode olvidar que ao beneficiar de incentivos financeiros ao investimento, deve agir em conformidade com o ordenamento aplicável à concessão daquele apoio; que não foi, por isso, revogado qualquer direito do beneficiário; que todas as regras que obrigam a Requerente tem origem na lei e constam do contrato de financiamento.
Ora, também aqui seguimos de perto a decisão proferida no processo n.º 19/21.8BECTB, com a qual concordamos integralmente, a qual, por isso, aqui reproduzimos, pois, os fundamentos ali vertidos são também aqui inteiramente aplicáveis.
Com efeito, concluindo-se, nesta parte, pela improcedência da argumentação da Requerente, lê-se ali que: “Entre a Requerente e o Requerido foi celebrado um contrato de financiamento, mediante o qual aquela ficou obrigada a proceder à produção de amoras em modo de produção biológico, sendo concedidos à primeira pelo segundo apoios financeiros.
Por força deste contrato, e da legislação europeia aplicável, o IFAP, a Autoridade de Gestão, e as demais competentes entidades nacionais e comunitárias podem, a todo o tempo e pela forma que tiverem por conveniente, fiscalizar a execução do projeto, a efetiva aplicação dos apoios, a manutenção pelo beneficiário dos requisitos da sua concessão, assim como o respeito dos compromissos assumidos (cfr. a cláusula C.1 do contrato).
Pelo que o facto de numa primeira verificação física se concluir pela regularidade da operação não significa que numa segunda verificação se tenha de concluir, obrigatoriamente, por essa regularidade, pois tal dependerá das condições de execução da operação e do cumprimento pelo beneficiário das suas obrigações. A consideração como regular numa verificação física não assume assim a natureza de um ato administrativo constitutivo de direitos, sujeito às normas relativas à revogação dos atos previstas no CPA.
Naturalmente que a possibilidade de exigir estes montantes tem limites temporais, porém tal tem a ver com a prescrição destes procedimentos e não com a impossibilidade de se considerar numa ação de verificação que a operação está irregular só porque numa ação de verificação anterior se considerou a execução da operação regular (cfr. o art. 3.º do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18/12/1995).
E quanto à alegada violação do princípio da boa-fé e de colaboração com os particulares a que estão vinculadas as entidades administrativas, em virtude de o IFAP ter o dever de notificar a Requerente para alterar procedimentos e adotar os que considerasse necessários durante o período de execução do contrato ou mesmo na pendência da apreciação do processo, o que resulta do contrato de financiamento celebrado é que é a Requerente que deve informar o Requerido dos problemas que ocorram durante a execução do projeto, não tendo a Requerente alegado quaisquer factos que de forma concreta demonstrassem que houve má-fé na atuação do Requerido ou que demonstrassem que o Requerido não lhe prestou informações e os esclarecimentos que a Requerente lhe tenha solicitado (cfr. os arts. 10.º e 11.º do CPA).”
De todo o modo, uma vez que se considerou que pelo menos duas das ilegalidades invocadas pela Requerente procedam em sede de ação principal, julga-se verificado o requisito do fumus boni iuris.
Assim, e por tudo o que se acaba de expor, temos por verificado o preenchimento deste requisito.

Diga-se, desde já, que se ratifica o teor da fundamentação precedentemente transcrita.

Opondo-se ao citado discurso, sustenta o recorrente, em síntese, que o ato impugnado está fundamentado por remissão para o ofício de audiência prévia e para o relatório de controlo, sendo claro ao explicitar que a exploração se encontra em estado de abandono e sem possibilidade de recuperação, por ter o beneficiário abandonado a operação, sem cumprir o projeto, não podendo pretender beneficiar da ajuda ao executar o projeto fora do prazo.
Nesta sede cautelar, para a verificação do requisito fumus boni iuris, a aparência do bom direito, requer-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, cabendo ao tribunal realizar esta apreciação através de uma summaria cognitio, apreciação perfunctória ou sumária, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações que são trazidos pelo requerente para os autos.

Na sentença objeto do recurso, como se viu, foi expresso o entendimento de ser provável a verificação do vício de falta de fundamentação do ato impugnado, quanto à conclusão de não existir possibilidade de recuperação vegetativa da plantação, por se omitirem as razões concretas que o demonstrem.

É incontornável que cabe à administração o dever de fundamentar os atos que afetem os direitos ou interesses legítimos dos seus destinatários, devendo ser expostas as razões de facto e de direito que levaram à prática de determinado ato e a que lhe seja dado determinado conteúdo.

Dando conteúdo ao imperativo constitucional plasmado no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) (“[o]s atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”), o CPA prevê o seguinte:
“Artigo 151.º
Menções obrigatórias
1 - Sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem constar do ato:
a) A indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista;
b) A identificação adequada do destinatário ou destinatários;
c) A enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes;
d) A fundamentação, quando exigível;
e) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto;
f) A data em que é praticado;
g) A assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana.
2 - As menções exigidas no número anterior devem ser enunciadas de forma clara, de modo a poderem determinar-se de forma inequívoca o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo.

Artigo 152.º
Dever de fundamentação
1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.
2 - Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.

Artigo 153.º
Requisitos da fundamentação
1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.”

O ato está devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário fica esclarecido acerca das razões que o motivaram, isto é, sempre que o mesmo contenha, com suficiência e clareza, as razões de facto e de direito que o justificaram, por forma a que aquele, se o quiser, possa impugná-lo com o necessário e indispensável esclarecimento; a fundamentação é, assim, um requisito formal do ato que se destina a responder às necessidades de esclarecimento do seu destinatário e que, por isso mesmo, varia em função do seu tipo legal e das circunstâncias concretas de cada caso (cf., vg, o acórdão do STA de 24/09/2009, proc. n.º 428/09).

Deve, assim, o conteúdo da fundamentação adequar-se ao tipo concreto do ato e às circunstâncias em que foi praticado, impondo-se que seja expressa, clara, suficiente e congruente.

Ou, vista no sentido inverso, a fundamentação do ato não pode ser obscura, contraditória ou insuficiente (cf., v.g., Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa dos atos administrativos, 1992, pág. 238).

Defende a recorrente que a impossibilidade de recuperação se consubstancia no abandono da operação, pelo que a recorrida já não poderia pretender beneficiar da ajuda ao executar o projeto fora do prazo.

Contudo, conforme consta do ponto H) do probatório, em 10.07.2015, foi alterada a data do fim de execução dos investimentos para 20.05.2015 implicando a prorrogação automática da data de termo por igual período para 28.02.2018, o que foi deferido em 02.09.2015 (Facto I).

Nesta medida, mostra-se inatacável a conclusão constante da decisão objeto de recurso, quanto à insuficiente fundamentação do ato relativamente à impossibilidade de recuperação vegetativa da plantação, por omissão de apresentação das razões concretas que demonstrassem essa impossibilidade.

Mais se nota que no recurso nada se contrapõe à conclusão da sentença quanto a verificar-se um défice de instrução procedimental.

Porque assim é, será de manter a decisão sob recurso, quanto à verificação do fumus boni iuris.

Quanto à verificação do requisito periculum in mora, consta da sentença o seguinte:
“No caso em apreço, a factualidade apurada, como se adiantou já, permite que se conclua no mesmo sentido, pois resulta do probatório que a Requerente, em consequência do ato suspendendo, é obrigada a restituir o valor de €58.409,75; que apresentou resultado líquido do período em 2018 de €-1.997,68; em 2019 de €-1236,62; e em 2020 de €994,04; que apresentou em 2018 um passivo no montante de €3.701,13 e um ativo no montante de €26.978,48; em 2019 um passivo no montante de €3.701,13 e um ativo no montante de €23.886,93; e em 2020 um passivo no montante de €3.753,65 e um ativo no montante de €20.795,38; e que não dispõe de quaisquer outros bens além dos que constam do seu ativo (cfr. factos assentes nas alíneas v) e aa) a cc)).
Entende-se, por outro lado, que o facto de nos presentes autos a Requerente não ter logrado provar que (i) a sua atividade passa predominantemente pela relação de confiança que existe entre a mesma e os seus trabalhadores, bem como fornecedores da sociedade, que dependem da continuação da sua atividade; e que (ii) os efeitos do ato suspendendo afetam a imagem da Requerente, na zona de Vila Velha de Ródão, afetando o seu crédito e o seu bom nome no mercado, bem como junto dos seus fornecedores entidades públicas e privadas associadas, não é suficiente para afastar o entendimento vertido nas indicadas que se mostram, além do mais, confirmadas pelo Tribunal Central Administrativo Sul, como já se referiu supra.
Com efeito, em circunstâncias em tudo idênticas às que se reportam os presentes autos (nomeadamente, no que respeita à situação económico-financeira da sociedade ali em causa e a da aqui Requerente), entende-se ali que “tratando-se à evidência de uma situação claramente deficitária, sendo acertado concluir que suportar um pagamento imediato da quantia de €72.468,45 colocará em causa a continuidade da atividade da recorrida, tratando-se de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal”.
Assim, pelo que acaba de se expor, dando-se aqui por reproduzido aqueles fundamentos, aos quais aderimos, conclui-se pela existência de periculum in mora (na modalidade de prejuízos de difícil reparação).”

Acompanha-se, igualmente, o teor do precedente discurso fundamentador da decisão recorrida.
Para a recorrente não se verifica o presente requisito, pois apenas são formulados meros juízos de valor e conjeturas conclusivas relativamente a prejuízos de verificação eventual.

Tal afirmação não encontra suporte nos elementos de facto indiciariamente apurados, e que a recorrente não questionou justificadamente.

Com efeito, como consta dos pontos v) e aa) a cc) da matéria dada como provada o Recorrido apresentou resultado líquido do período em 2018 de €-1.997,68; em 2019 de €-1.236,62; e em 2020 de €994,04; que apresentou em 2018 um passivo no montante de €3.701,13 e um ativo no montante de €26.978,48; em 2019 um passivo no montante de €3.701,13 e um ativo no montante de €23.886,93; e em 2020 um passivo no montante de €3.753,65 e um ativo no montante de €20.795,38; o que não lhe permitirá suportar economicamente a determinada devolução de €58 409,75.

Foi precisamente nestas circunstâncias fácticas que se amparou a sentença, tratando-se à evidência de uma situação economicamente pouco sólida, sendo acertado concluir que suportar um pagamento imediato da quantia de €58.409,75 colocará em causa a continuidade da atividade da recorrida, tratando-se de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal.
À luz da factualidade dada como assente, bem andou o Tribunal a quo ao considerar preenchido o requisito do periculum in mora.

No que concerne ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, na sentença concluiu-se como segue:
Como último requisito para a concessão de providências cautelares, prevê o transcrito n.º 2, do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a ponderação dos interesses públicos e privados, em presença.
Assim, lê-se naquele artigo 120.º, n.º 2, que: “Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
(…)
Para efeitos da ponderação imposta pelo n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é assim o prejuízo, de natureza patrimonial ou moral, verificado no âmbito dos interesses públicos e privados em presença, considerados estes num pé de igualdade, e que não se confunde com os prejuízos integrados na esfera própria de proteção das normas justificadores da decisão administrativa (neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 06.05.2011, proferido no processo n.º 436/10.9BEMDL).
Ora, da factualidade alegada (e provada) não se conclui pela existência de um interesse público específico e concreto que justifique o não decretamento da providência, pois existe apenas um interesse genérico, de eficácia dos atos administrativos e, assim, de execução imediata do ato suspendendo.
No entanto, como vimos já, a Requerente logrou demonstrar a existência de uma situação de prejuízos de difícil reparação que resultará inevitavelmente do não decretamento da presente providência cautelar.
Assim, não se vislumbra que o retardamento da execução da decisão suspendenda se traduza numa violação incomportável do interesse público que não possa ceder perante o interesse da Requerente.
(…)
Pelo exposto, é inevitável concluir por ter como preenchido o requisito inserto no n.º 2, do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no sentido de se negar a tutela cautelar peticionada, pois que, face à verificada inexistência de lesão para os interesses públicos em presença, resulta que os danos para os interesses da Requerente, que resultariam da não concessão da presente providência cautelar, terão sempre que considerar-se superiores àqueles que poderiam resultar da sua recusa.
Assim, atento o juízo de ponderação a realizar à luz do n.º 2, do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não podemos deixar de concluir pelo deferimento da providência requerida.”

Para a recorrente, os danos que resultam da concessão da providência mostram-se superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, atendendo a que está em causa a atribuição de ajudas comunitárias.

É aqui de equacionar o princípio da proporcionalidade, pressupondo a recusa da providência que os danos resultantes da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

Assim, ao invocado risco de perda da quantia cuja devolução foi exigida tem de ser contraposto o risco de cessação da atividade da recorrida.
Ora, conforme se reconhece na sentença recorrida, não alega a recorrente factos concretos que demonstrem a existência efetiva do risco de perda da quantia com a concessão da presente providência cautelar.

Sendo que, caso venha a ser dada razão à recorrente no âmbito da ação principal, será sempre possível a reposição da legalidade administrativa, através da execução da sentença que ali seja proferida.

Ao invés, conforme se viu na anterior questão, o impacto da devolução da quantia é real, perante a descrita situação financeira da recorrida.

Donde se afigura correta a conclusão a que se chegou na decisão sob recurso, quanto à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que nesta sede será de manter. Improcede, pois, o recurso também quanto à presente questão.

V - DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pela Recorrente
Lisboa, 19 de maio de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa