Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:376/10.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:REVERSÃO
CULPA
PROVA
Sumário:I. No âmbito do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, o ónus da prova da não culpa cabe ao revertido.

II. Já no âmbito do n.º 1 do art.º 8.º do RGIT, em qualquer uma das suas alíneas, cabe à AT a demonstração da culpa do revertido.

III. Não afasta a presunção de culpa constante do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, a mera menção à existência de processos contra os devedores da sociedade primitiva executada, desprovida de qualquer quantificação dos valores envolvidos e seu peso relativo na atividade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 11.09.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por P….. (doravante Recorrido ou oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º ….. e apensos, que o Serviço de Finanças (SF) de Sintra 2 lhe moveu, por reversão de dívidas de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) dos exercícios de 2005 e 2006 e de coimas, da devedora originária W….., S.A. (antes designada de V….., S.A.).

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I - Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção do processo de execução fiscal n.º ….. e apensos, contra o Oponente e, a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de custas.

II - o oponente logrou provar que não foi por ação ou omissão do cumprimento dos seus deveres funcionais, tal como0 plasmado no artigo 64.º do Código das Sociedades comerciais, que a devedora originária ficou numa situação de insuficiência patrimonial, razão pela qual deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada a argumentação invocada pelo oponente quanto à sua ilegitimidade enquanto responsável subsidiário, afastando a presunção de culpa que sobre o mesmo recaía, nos termos previstos no referido artigo 24.º, n.º 1, b) da LGT».

III - Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão ora recorrida, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a presente decisão judicial incorreu em erro de julgamento quer quanto à matéria de facto quer com a aplicação do direito ao facto.

IV - Conforme resulta dos autos, o Recorrido foi citado nos termos do disposto no artigo 24, n.º 1, alínea b) da LGT, o qual refere: «Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento» (sublinhado nosso).

V - Em suma, a Fazenda Pública está dispensada de provar a culpa dos gerentes porque beneficia da prova legal plena da presunção dessa mesma culpa (não constituindo esta) o simples ónus de contraprova, que mais não exige do que pôr em evidência a margem de dúvida que possa subsistir sobre o facto.

VI - A culpa relevante para a imputação da responsabilidade subsidiária é a que deriva da diligência exigível a um gerente, no sentido de cuidar do património da empresa para que esta se mantenha viva, progrida e cumpra com os seus credores, e a não satisfação desse desiderato leva a concluir pela sua omissão.

VII - A culpa aqui apreciada assenta na conduta funcional imputada ao Recorrido enquanto gerente ou administrador – pelo que a sua culpa reconduzir-se-á aos atos (de representação, disposição e gestão/administração) praticados em nome da devedora originária.

VIII - À luz daqueles que são os deveres gerais de diligência, dos deveres funcionais de administração, daquela que é a atuação prudente e exigível na defesa dos interesses da sociedade de que é seu administrador, o ora Recorrido não conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai relativamente à insuficiência patrimonial da devedora originária, pois que não ousou sequer enunciar uma qualquer conduta pró-activa na defesa do interesse da sociedade.

IX - Como prescreve o artigo 347.º do Código Civil, “A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto”, cabendo ao gerente/oponente a prova positiva e direta contra o facto presumido no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.

X - Face ao exposto e, contrariamente ao expendido na douta sentença, concluiu-se que o ora Recorrido agiu com culpa quando o património da executada se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas, logo é parte legitima para a reversão, devendo, por esse facto o PEF n.º …..e apensos, manterem-se na ordem jurídica para cobrança coerciva das dívidas em crise.

XI - Assim, a douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento, quer sobre a matéria de facto quer sobre a matéria de direito”.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:
a) Há erro de julgamento em virtude de não ter ficado demonstrada a falta de culpa do oponente recorrido?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) . A 13.02.2001 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Sintra, a constituição da sociedade “V….., S.A.”, nipc ….., com o objecto social de produção e comercialização de margarinas, óleos alimentares e outros produtos alimentares, compra e venda de imóveis e investimentos imobiliários [cf. cópia da certidão do registo comercial a fls. 155 e 156 do PEF em apenso].

B) . Em 2005 o crescimento das vendas da sociedade conduziu a um aumento de compras a fornecedores [cf. prova testemunhal].

C) . As compras identificadas no ponto anterior eram pagas com prazos de dilação grandes [cf. prova testemunhal].

D) . A sociedade devedora originária teve de recorrer à via judicial com vista à cobrança de dívidas de clientes [cf. a título de exemplo, os documentos juntos à p.i. referentes à acção de processo ordinário n.º 915/2002, que correu termos nas Varas de Competência Mista de Sintra – 2.ª Vara Mista, a fls. 76 e 77 dos autos, acção de execução sumária n.º 5943/03.7TMSNT, que correu termos no Tribunal de Família e Menores e Juízos Cíveis de Sintra – 1.º Juízo Cível, a fls. 78 a 81 dos autos].

E) . A 21.11.2005 a sociedade devedora originária apresentou um pedido de pagamento em prestações junto do Serviço de Finanças de Sintra 2, em sede do processo de execução fiscal n.º ….., instaurado por dívidas de IVA referentes aos exercícios de 2004 e 2005 [cf. cópia do requerimento a fls. 93 a 106 dos autos].

F) . Com data de 20.12.2005 a sociedade devedora originária apresentou junto do Serviço de Finanças de Sintra 2 um pedido de cedência de créditos que detinha junto do Ministério da Defesa Nacional – Exército, Manutenção Militar, no valor de €83.328,53 [cf. cópia do requerimento a fls. 107 dos autos].

G) . Na sequência da penhora do crédito identificado no ponto anterior, veio o Ministério da Defesa Nacional – Exército, Manutenção Militar proceder ao depósito de €73.924,89, aplicado no processo de execução fiscal n.º ….. e apensos [cf. cópia da guia de pagamento a fls. 147 do PEF em apenso].

H) . A 01.02.2006 o Banco Santander Totta comunicou à sociedade devedora que em cumprimento de determinação do Serviço de Finanças de Sintra 2 havia procedido à inibição da conta de que aquela sociedade era titular junto do banco [cf. cópia do ofício a fls. 108 dos autos].

I) . A 10.04.2006, contra a sociedade “V…...”, nipc ….., foi instaurado no Serviço de Finanças de Sintra 2, o processo de execução fiscal n.º ….., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €43.080,38, referente a dívidas de coimas fixadas em sede de processos de contra-ordenação, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 10.03.2006 [cf. fls. 111 a 122 do PEF em apenso].

J) . Ao processo de execução fiscal identificado no ponto anterior foram apensos os seguintes processos [cf. termo de apensação a fls. 127 do PEF em apenso]:

i) ….., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €2.211,47, referente a dívida de coima fixada no processo de contra-ordenação, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 16.03.2006 [cf. fls. 186 e 187 do PEF em apenso].

ii) ….., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €4.651,01, referente a dívida de coima fixada no processo de contra-ordenação, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 29.05.2006 [cf. fls. 188 e 192 do PEF em apenso].

iii) ….., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €253,00, referente a dívida de coima fixada no processo de contra-ordenação, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 29.08.2007 [cf. fls. 193 e 194 do PEF em apenso].

iv) ….., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €503,30, referente a dívida de coima fixada no processo de contra-ordenação, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 20.11.2007 [cf. fls. 195 a 197 do PEF em apenso].

v) ….., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €741,00, referente a dívida de coima fixada no processo de contra-ordenação, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 31.03.2008 [cf. fls. 198 e 199 do PEF em apenso].

vi) ….., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €252,40, referente a dívida de coima fixada no processo de contra-ordenação, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 10.05.2008 [cf. fls. 200 e 201 do PEF em apenso].

vii) ….., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €253,30, referente a dívida de coima fixada no processo de contra-ordenação, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 30.08.2009 [cf. fls. 73 dos autos].

viii) ….., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €1294,04, referente a dívida de IRC do exercício de 2005, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 14.06.2007 [cf. fls. 202 e 203 do PEF em apenso].

ix) ….., para cobrança da quantia exequenda no montante total de €6.808,25, referente a dívida de IRC do exercício de 2006, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 09.06.2008 [cf. fls. 204 e 205 do PEF em apenso].

K) . A 30.01.2006 a sociedade devedora cessou actividade para efeitos de IVA [cf. informação constante do despacho de reversão a fls. 178 a 179 do PEF em apenso].

L) . A 18.07.2007, foi dito pelo oponente, na qualidade de administrador único da sociedade identificada no ponto anterior em assembleia geral, proceder à alteração da firma social passando a mesma a designar-se por “W….., S.A.” [cf. cópia da escritura de alteração parcial do contrato social a fls. 159 a 162 do PEF em apenso].

M) . A 26.05.2009 foi lavrado auto de diligência em sede do processo de execução fiscal n.º ….. e apensos, onde consta, nomeadamente que:

“(…) para os devidos efeitos consigno que, no âmbito do processo supra e do respectivo mandado de penhora que antecede, efectuadas as competentes diligências, por este Serviço de Finanças, foi possível apurar que relativamente ao executado, não são conhecidos quaisquer bens susceptíveis de penhora. Verificou-se ainda que não constam quaisquer bens no Cadastro Electrónico de Activos Penhoráveis.” [cf. fls. 163 do PEF em apenso].

N) . Por despacho de 03.10.2009, da Chefe do Serviço de Finanças Adjunta de Sintra 2 foi determinada a preparação do processo de execução fiscal n.º ….. e apensos, para reversão contra o Oponente na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “W….., S.A.” [cf. fls. 164 do PEF em apenso].

O) . Através do ofício de 03.10.2009, do Serviço de Finanças de Sintra 2, foi remetida notificação dirigida ao Oponente para efeitos do exercício de audição prévia no procedimento de reversão identificado no ponto anterior [cf. fls. 165 do PEF em apenso].

P) . Por requerimento de 20.10.2009 foi pelo Oponente exercido o direito de audição prévia [cf. fls. 167 a 170 do PEF em apenso].

Q) . A 09.12.2009, foi prestada informação em sede do processo de execução fiscal n.º ….. e apensos, onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

2.1. Quanto aos fundamentos apresentados: Os factos que são alegados não põem em causa a presente reversão, senão vejamos:

- Em relação às penhoras de créditos, e na sequência de várias diligências, apenas foram reconhecidos créditos detidos pela executada junto da Manutenção Militar do Estado Maior do Exército, no valor de €73.924,89, os quais foram penhorados e devidamente aplicados nos autos de execução fiscal n.º ….. e Aps nos termos do n.º 4 do Art 40 da Lei Geral Tributária, sendo aplicados €39.695,75 em juros de mora e outros encargos legais, e €34.229,14 em Imposto, sendo aqueles processos instaurados por dívidas de IRC de 2003 e 2004 e IVA de 2004 e 2005, e retenções na fonte de 2003, em 2006/04/10. Relativamente às penhoras de contas, apenas foi penhorada a conta junto do BPN no montante de €16,02, cujo valor foi também aplicado nos autos acima mencionados em juros de mora no IVA de 2004 03T;

- De referir que já anteriormente foram prestados esclarecimentos relativamente àquelas penhoras;

- Em relação às certidões de dívida de coimas enviadas junto à notificação, por lapso não foram enviados em anexo os “prints” do sistema de contra ordenações onde vai indicar a origem da coima e o período da mesma, pelo que, por despacho da Chefe deste Serviços de Finanças de 2009/11/17, foi determinado que fossem enviadas certidões de dívida das coimas com os prints das contra ordenações, fixando-se novamente um prazo de 10 dias para apresentar qualquer outra alegação. Na sequência, foi enviada a notificação através de carta registada com o n.º ….. de 2009/11/18, tendo o prazo terminado em 2009/12/02.

- O eventual desconhecimento do resultado das diligências de cobrança coerciva, não obsta a que atempadamente fossem enviadas as declarações do Modelo 22, que deveriam reflectir os elementos fornecidos pela contabilidade;

- Após suprida a deficiência relativamente as coimas, e de terem sido cumpridos os prazos legais, o requerente considera-se notificado para exercer o direito de audição prévia, e ao qual se juntou cópia do despacho do projecto de decisão de reversão onde eram invocados os fundamentos e também de uma relação anexa com a discriminação das certidões de dívida onde se indica a origem dos tributos e os respectivos anos.

A reversão é precedida de audição do responsável subsidiário, no âmbito do princípio da participação, sendo o artigo 60 da LGT que regula esta figura, e determina nos seus n°s 1, 4 e 5 que, para que a participação dos contribuintes se possa efectuar na formação de decisões que lhe digam respeito, deve a administração fiscal comunicar ao sujeito passivo o projecto de decisão e sua fundamentação, assim como fixar um prazo variável entre 8 e 15 dias para o efeito. De facto, a notificação enviada continha indicação do prazo para reagir, do meio de defesa e, em anexo, no projecto de decisão, estão claramente enunciados a decisão, os seus fundamentos, e a identificação da entidade que praticou o acto. Não devendo serem consideradas quaisquer nulidades na aludida notificação uma vez que foram facultados todos os elementos necessários.

Conforme os elementos juntos aos autos, e através da consulta aos vários sistemas informáticos, confirma-se a inexistência de bens penhoráveis do devedor originário, tal como foi mencionado pelo requerente, pelo que como resultado de todos os elementos já disponíveis, incluindo o exercício do direito de audição, parece-nos que, salvo melhor opinião, não põem em causa nem brigam com o anterior projecto decisório. (…)” [cf. fls. 176 e 177 do PEF em apenso].

R) . Por despacho de 09.12.2009, da Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 2, foi determinada reversão do processo de execução fiscal n.º ….. e apensos, contra o Oponente na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “W….., S.A.”, do qual consta, nomeadamente, o seguinte:

“(…)

Face às diligências que antecedem, à informação supra, e estando concretizada a audição do(s) responsável(eis) subsidiário(s), bem como todos os elementos carreados para os autos e tendo em conta que o direito de audição foi exercido pelo gerente P….., NIF ….., e face às alegações apresentadas, considera-se que as mesmas não alteraram nenhum dado ao projecto de reversão, pelo que efectiva-se a alteração subjectiva da instância, convertendo-se em definitivo, nos termos dos artigos 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária e 53.º e 159.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e no caso das coimas fiscais, Art.º 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, a reversão das dívidas da executada W….., S.A., NIPC ….., na pessoa do(s) seu(s) gerente(s) responsável(eis) supra mencionado(s), relativamente ao período em que exerceu a gerência.

(…) [cf. fls. 176 e 177 do PEF em apenso].

S) . A 14.12.209 foi o Oponente citado na qualidade de revertido, em sede do processo de execução fiscal n.º ….. e apensos, para pagamento da quantia exequenda de €60.048,15, constando do ofício, nomeadamente o seguinte:

“(…)

Fundamentos da Reversão

Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23.º/2 da LGT)

Dos Administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exercam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período exercício do cargo (art. 24.º/n.º1/b) LGT).

Conforme os elementos juntos aos autos, e através de consulta aos vários sistemas informáticos, verifica-se a inexistência de bens penhoráveis do devedor originário. A executada encontra-se com a actividade cessada no IVA em 2006/01/31.

Juntam-se cópia do despacho e das certidões de dívida.

(…)” [cf. fls. 178 a 179 do PEF em apenso].

T) . A 12.01.2010 foi apresentada a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. fls. 7 dos autos]”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, bem como da prova testemunhal produzida, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

Pelo tribunal foi ouvida uma testemunha, irmã do oponente, que teve conhecimento indirecto dos factos através do testemunho do irmão, partilhando informação no seio da família. Sem prejuízo do laço familiar, pela mesma foi apresentado um discurso coerente, claro e credível.

Pela testemunha foi dito que presenciou a preocupação do irmão em cumprir com as obrigações declarativas e de pagamento da sociedade devedora originária – sociedade familiar-, dificultado pelo facto dos fornecedores terem prazos de pagamentos apertados em contraposição com os prazos dilatados dos clientes. Pelo irmão foi tentado cobrar as dívidas dos clientes, primeiro através de contactos pessoas, e depois através de acções judiciais, tentando proceder ao pagamento em prestações junto da AT, cedendo créditos, e recorrendo a pagamentos da sua conta pessoal”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, não foi ilidida a presunção de culpa que impende sobre o Recorrido.

Vejamos.

In casu, a dívida revertida respeita quer a imposto (concretamente a IRC) quer a coimas.

Assim, cumpre, antes de mais, enquadrar o regime de uma e outra situação, dado que existem diferenças significativas, atinentes ao pressuposto da culpa do gestor.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida al. b) do art.º 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do art.º 32.º da LGT, que prevê “... um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) — dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos”[1]. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

Em termos idênticos vai o art.º 8.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), nos termos do qual:

“1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infrações por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa coletiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;

b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento”.

Como decorre do teor deste n.º 1 do art.º 8.º do RGIT, há aqui semelhanças, em termos estruturais, com o art.º 24.º, n.º 1, da LGT.

No entanto, é de sublinhar que, em termos de culpa, ao contrário do que sucede no âmbito da LGT, em nenhum dos casos a lei presume a culpa do responsável ou a sua imputabilidade pela falta de pagamento.

Como tal, e por consequência, cabe à AT o ónus da prova da reunião de tal pressuposto.

Chama-se, a este propósito, à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.05.2012 (Processo: 0775/10):

“… [Q]ualquer que seja o período a que se refere a gerência, não existe qualquer presunção de culpa (Ao contrário do que sucede relativamente à responsabilidade subsidiária tributária prevista no art. 24.º da LGT, em cuja alínea b) do n.º 1 está consagrada uma presunção de culpa relativamente às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período do exercício do cargo.) e, por isso, recai sempre sobre a AT a demonstração da culpa pela insuficiência do património social (de acordo com a regra geral da distribuição do ónus da prova – cfr. art. 342.º, n.º 1, do Código Civil).

O que significa que a AT não está dispensada de alegar no despacho de reversão a factualidade com vista a integrar a culpa do gerente ou administrador a quem pretende responsabilizar pelo pagamento da dívida exequenda.

Ora, no caso sub judice, a AT nada alegou no despacho de reversão relativamente à culpa do gerente pela insuficiência patrimonial para pagar a coima, motivo por que não poderia agora, em sede de oposição à execução fiscal, pretender a demonstração dessa culpa, sendo que a dúvida sobre a existência desse pressuposto da responsabilidade subsidiária sempre seria valorado contra ela (Neste sentido, entre outros, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 14 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 64/10 (…); de 8 de Setembro de 2010, proferido no processo com o n.º 186/10 (…); de 19 de Janeiro de 2011, proferido no processo com o n.º 775/10…” (sublinhados nossos)[2].

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Como já referido, in casu, a dívida exequenda abrange IRC (no valor total de 8.102,29 Eur.) e coimas (no valor total de 51.945,86 Eur.) – valor, portanto, não considerando nem os juros de mora nem os demais encargos.

Cumpre, pois, aferir do pressuposto da culpa, analisando separadamente as situações em causa.

III.A.1. Das dívidas relativas a coimas

Como já referimos supra, nos termos do art.º 8.º, n.º 1, do RGIT, cabe sempre à AT o ónus da prova da culpa do revertido.

A este respeito, o Tribunal a quo refere que nada foi alegado nem provado pela AT (que, aliás, no despacho de reversão nem sequer faz qualquer menção ao art.º 8.º do RGIT), no que respeita a este pressuposto, o que, face ao regime em causa, é per se suficiente para se concluir pelo adequado julgamento efetuado. Aliás, em bom rigor, o recurso apresentado não ataca a sentença recorrida quanto a essa questão, centrando-se apenas na falta de prova da não culpa do gestor, o que apenas releva para efeitos de apreciação dos pressupostos inerentes ao art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT. Como tal, está vedada a este Tribunal a sua análise de mérito. Trata-se, pois, de questão decidida, em relação à qual se formou caso julgado, e, como tal, inatacável[3].

Face ao exposto, carece de razão o alegado pela Recorrente nesta parte.

III.A.2. Das dívidas de impostos

Temos, por outro lado, dívidas revertidas relativas a impostos, concretamente IRC dos exercícios de 2005 e 2006.

Quanto a estas dívidas, considerou a AT estar-se no âmbito da al. b) do art.º 24.º, n.º 1, da LGT, o que nunca foi posto em causa.

Esta disposição legal, como já referimos, consagra uma presunção de culpa: presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária.

Esta imputabilidade não se circunscreve ao mero ato de pagar ou não pagar tais dívidas, englobando todas as atuações conducentes à falta de pagamento do imposto.

Com efeito, integram a norma constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT tanto as situações em que o gestor, em funções no momento em que terminou o prazo de entrega ou pagamento, não pagou das dívidas, apesar de ter a devedora originária ter meios para tal, como as situações em que o gestor atuou de forma a que no referido momento no património societário não existissem bens para responder pelos débitos em causa, impossibilitando o pagamento.

Portanto, cabe ao revertido demonstrar que não teve culpa em termos de condução da devedora originária a uma situação que redundou na falta de pagamento das suas dívidas tributárias, face aos padrões de gestão média (cfr. art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais).

Ora, nesta parte considera-se que assiste razão à Recorrente.

Com efeito, da matéria de facto provada, não impugnada (veja-se que, apesar de a Recorrente se insurgir contra a razão de ciência da única testemunha ouvida, não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos consignados no art.º 640.º do CPC), o que decorre é que:
¾ Em 2005 aumentaram as vendas da sociedade devedora originária, aumentando igualmente as suas compras, estas pagas com prazos de dilação grandes [cfr. factos B) e C)]; nada desta factualidade permite aferir da falta de culpa do Recorrido, decorrendo, aliás, que terá havido um aumento de vendas nesse exercício, um dos exercícios a que respeita a dívida exequenda em causa;
¾ A devedora originária teve de recorrer a tribunal para cobrança de dívidas a clientes [cfr. facto D)]. Este facto, per se, nada permite concluir em termos de afastamento da presunção de culpa do Recorrido, por várias ordens de razão. Desde logo, não está circunstanciado no tempo; no entanto, é possível aferir que terão sido apresentadas ações em tribunal em 2002 e 2003, como se extrai dos números de processos indicados pelo Tribunal a quo, momento bastante anterior ao do fim do prazo para pagamento voluntário da dívida exequenda [cfr. facto J), viii) e ix)]. Ademais, não se extrai da factualidade assente qual o peso relativo desses créditos no saldo de clientes da devedora originária, o que não permite, sequer, aferir da sua influência na capacidade de a devedora originária solver os seus próprios créditos;
¾ Foi feito, pela devedora originária, pedido de pagamento em prestações no âmbito de outro PEF instaurado contra a devedora originária [cfr. facto E)] e apresentado um pedido de cedência de crédito, que veio a ser penhorado no âmbito de um outro PEF [cfr. factos F) e G)]. É certo que esta factualidade revela que a devedora originária tentou pagar uma parte das suas dívidas tributárias, mas não se alcança de que forma essa atuação demonstra a falta de culpa do Recorrido pela falta de pagamento da dívida exequenda relativa a IRC de 2005 e 2006.

No discurso argumentativo da sentença sob escrutínio é ainda feita a menção de que houve recurso a meios financeiros pessoais; não obstante, tal não se extrai da decisão proferida sobre a matéria de facto (é apenas feita uma menção não circunstanciada nem mensurada em sede de motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto).

Assim, atento o acervo probatório a que fizemos referência, decorre que não foi afastada a presunção de culpa que impende sobre o revertido.

Sendo certo que o êxito na gestão ou a falta dele não se confunde com a culpa, para efeitos de cumprimento do dever de diligência de um gestor criterioso e ordenado, para que seja afastada a presunção de culpa prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT seria necessário demonstrar que, no caso em concreto, as opções de gestão do Recorrido foram as mais adequadas, de acordo com padrões de diligência de um gestor médio, não tendo a sua conduta contribuído para a situação de falta de pagamento da dívida tributária.

Portanto, ainda que a devedora originária tenha tentado resolver alguns problemas (pagando algumas dívidas tributárias ou acionando judicialmente alguns devedores, em momento bastante anterior àquele em que a dívida exequenda em causa esteve a pagamento), não ficou demonstrado que o Recorrido não teve culpa em termos de condução da devedora originária a uma situação de impossibilidade de pagamento das suas dívidas, face aos padrões de gestão média.

Assim, não foi afastada pelo Recorrido a presunção de culpa prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Como tal, nesta parte, assiste razão à Recorrente.

Em suma: assiste razão à Recorrente no que respeita à parte da reversão relativa a dívida de imposto, não assistindo razão no demais (dívidas de coimas).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a oposição quanto aos PEF n.ºs ….. e …..e determinou, nessa sequência, a sua extinção, julgando-se, quanto a tais PEF, improcedente a oposição, determinando-se o prosseguimento dos mencionados autos de execução fiscal nos seus normais termos;
b) Custas por ambas as partes e em ambas as instâncias na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 87% pela Recorrente e 13% pelo Recorrido;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 17 de setembro de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Mário Rebelo)


_________________
[1] Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132.
[2] Em termos idênticos, veja-se, igualmente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.04.2014 (Processo: 0341/13)
[3] V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09.03.2017 (Processo: 09689/16).