Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2209/13.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:OPOSIÇÃO;
REVERSÃO;
AUDIÇÃO PRÉVIA;
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO;
Sumário:I. Sendo a notificação efectuada por carta registada estabelece a lei que a mesma se presume efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (cfr.n.º 1 do artigo 39.º do CPPT).

II. Mas esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.

III. A preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de actividade administrativa vinculada.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição que E........ deduziu à execução fiscal contra si revertida por dívida de IVA do ano de 2007, no valor de € 6.875,57, instaurada contra a sociedade «S........, Lda.».

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida, por E........, à execução fiscal n.°………., contra si revertida e instaurada originariamente contra a sociedade "S........ LDA", NIF ........, para cobrança de dívidas fiscais provenientes de IVA do ano de 2007, cuja quantia exequenda ascende ao valor global de € 6.875,57.
II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do n.° 7 do artigo 60.° da LGT.
III. Vem a douta sentença decidir que, no caso sub judice, “...o Oponente não foi notificado para exercer o direito de audição prévia à reversão, nos termos exigidos pelo já referido 23.°, n.° 4 da LGT, o que constitui, como se disse, ilegalidade susceptível de determinar a anulação do despacho de reversão."
IV. Não ignoramos que o exercício do direito de audição em sede de reversão possui dois efeitos fundamentais: numa primeira hipótese, o visado poderá demonstrar, desde logo, perante a Administração Tributária que não existe qualquer fundamento para a pretendida reversão e, em consequência, o processo será extinto. Ou então a Administração Tributária não retira qualquer ilação da audição prévia realizada e faz prosseguir o processo de reversão.
V. Do ponto 6 do probatório resulta que, em 05-08-2013 foi remetida ao Oponente, por carta registada, notificação para se pronunciar sobre o projeto de reversão identificado no número antecedente. E no ponto 7 que a notificação identificada no número antecedente foi endereçada para a morada sita em "AV…………, …….. VENDA PINHEIRO" - domicilio fiscal do ora Recorrido.
VI. Segundo o n.° 4 do art.° 23.° da LGT, a audição do responsável subsidiário deve ter lugar nos termos dessa lei, pelo que a formalidade a seguir deve ser a da carta registada a enviar para o domicílio fiscal do contribuinte (n.° 4 do art.° 60.° da LGT).
VII. Tendo o ofício sido remetido para o domicílio do Oponente, na mesma morada que consta do registo de envio do ofício de citação para a reversão e da procuração junta por esta, e não havendo elementos demonstrativos de que tenha havido elisão da presunção constante do n.° 1 do art.° 39.° do CPPT, conclui-se que tal notificação operou.
VIII. E só depois de feita essa notificação, e findo o prazo de audição, com base na ausência de resposta por parte do ora Recorrido, avançou o Órgão da Execução Fiscal, para a prolação de despacho que reverteu a execução contra os responsáveis subsidiários e converteu em definitivo o projeto de decisão de reverter a execução.
IX. Ao Órgão da Execução Fiscal era exigível que possibilitasse ao responsável subsidiário a possibilidade de conhecer o projeto de reversão e sobre ele se pronunciar ao abrigo do direito de audição prévia. Só após findo o prazo de audição podia ser tomada uma decisão respeitante à reversão, a partir dos elementos coligidos, independentemente de o interessado ter feito uso do seu direito ou não. 
X. Em face dos aludidos pontos do probatório, todos esses passos foram cumpridos pela Exequente, dado que o mesmo colocou o Oponente em condições de informada e conscientemente de se pronunciar sobre o projeto de reversão e tomou em conta a ausência de resposta no prazo concedido para decidir.
XI. É que, em momento algum, o ora Recorrido colocou em causa que tal carta registada com tais com o projeto de reversão não tenha sido remetida para o seu domicílio fiscal, fazendo operar, consequentemente, a presunção de recebimento contida no n.°1 do art.° 39.° do mesmo Código - 3.° dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja dia útil - presunção que a ora recorrida poderia sempre afastar nos termos do n.°2 do mesmo artigo, o que o mesmo não fez, nem veio articular qualquer matéria atinente, pelo que se tem de presumir notificado de tais liquidações nos termos do citado n.°1.
XII. Por outro lado, a preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.
XIII. Independentemente do alegado, ainda que tivesse sido cometido vício decorrente da não audição prévia (o que não se concebe), sempre diríamos que o mesmo não tinha a virtualidade de mudar o rumo da decisão.
XIV. Impõe-se retirar, que ainda que alguma preterição de formalidade houvesse (que não existe), há que apelar à doutrina do aproveitamento do acto, utile per inutile vitiatur - que vem defendida por Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado volume 1 (anotação 19 ao artigo 45°) e tem tido o acolhimento da jurisprudência. 
XV. E, no caso concreto, entendeu o órgão de execução fiscal ter reunido prova bastante do exercício da gerência por parte do ora Recorrido, dispensando, a requerimento do próprio, a produção de prova testemunhal.
XVI. Pelo que, poderá concluir-se que não se verifica a preterição de formalidade essencial, devendo manter-se a legalidade do despacho reclamado porque fundamentador de facto e de direito, do efetivo exercício da gerência pelo Recorrido - facto que o próprio Recorrido nunca colocou em crise.
XVII. Assim sendo, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que se encontram violados os artigos 23°, n.° 4, e 60°, n.° 7, da LGT anulando, em consequência, as decisões de reversão do processo de execução fiscal aqui em causa contra a Recorrida, por vício de violação do direito de audição prévia.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»


O recorrido, E........, notificado do recurso interposto, apresentou as suas contra-alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«a) O recorrente, no seu douto recurso, pretende ver reapreciada pelo Tribunal ad quem a questão relativa à violação do direito de audição prévia.
b) Resulta, insofismavelmente, dos factos provados que o recorrente não recebeu a notificação para o exercício de audição prévia - factos provados 6 e 7 - pelo que dúvidas não há que a Administração Tributária - por ter a carta de notificação em seu poder - sabia que o recorrido a não tinha recebido e que, por isso, nunca poderia ter exercido o seu direito de audição prévia, por desconhecer que, supostamente, estaria notificado para tal. 
c) Face ao ocorrido a Administração Tributária prosseguiu para a citação do recorrido sem que, sequer, tentasse, por qualquer forma, voltar a notificar o recorrido, nos termos do disposto no artigo 39.° n.° 5 do CPPT e 60.° n.° 4 da LGT, aplicáveis in casu, sempre que o aviso de receção ou a carta registada venha a ser devolvida e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, ao notificando será efetuada uma segunda notificação nos quinze dias seguintes à devolução, presumindo-se nesse caso a notificação, salvo se o notificando provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.
d) Situação esta que inquinou a montante todo o processo de reversão, já que o recorrido foi impossibilitado de exercer seu direito legal e constitucional de ser ouvido antes da decisão
e) Assim sendo, a Administração Tributária ao agir como agiu violou o direito de audição prévia do recorrido, com as legais consequências.
f) Ora, não estando demonstrado que o recorrido foi, devidamente, notificado para exercer o seu direito de audição prévia e estando até comprovado que não recebeu tal notificação, salvo melhor e mais douto entendimento e tal como tem sido defendido pela nossa mais douta jurisprudência, ter-se-á de concluir que in casu existiu uma violação do direito de audição prévia do recorrido previsto no artigo 60.° da LGT que transpôs para o procedimento tributário o princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito, expresso no artigo 267.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa.
g) De igual forma o exercício do direito de audição iria permitir ao recorrido, desde logo, esclarecer a A.T. que não é responsável subsidiário por qualquer dívida da originária devedora. 
h) Efetivamente e conforme resulta insofismavelmente da jurisprudência dos nossos Tribunais a audição prévia em sede de reversão é essencial, pois é nessa fase que o, suposto, responsável subsidiário pode defender-se explanando as razões pelas quais entende não ser de reverter essa dívida, razões essas que podem ser variadas, como por exemplo, a falta de responsabilidade na prática dos atos, suficiência do património da sociedade, entre outros.
i) Pelo exposto, salvo melhor e mais douto entendimento, bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pela Administração Tributária ser considerado improcedente.»
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal Central, pugnou no seu douto parecer pela improcedência do recurso.
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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que o Oponente foi notificado para o exercício do direito de audiência prévia à reversão.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1. Em 17-08-2007 foi instaurado no Serviço de Finanças de Odivelas, em nome da sociedade «S........, Lda.», o processo de execução fiscal n.°…………, para cobrança de dívida de IVA do ano de 2007 no valor de € 6.875,57 (cfr. fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal - PEF - apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. Por sentença proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa em 17-05-2010, no processo n.° 86/09.2TYLSB, foi declarada a insolvência da sociedade «S........, Lda.» (cfr. fls. 33 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. Em 11-01-2011 foi pelo Tribunal de Comércio de Lisboa declarado o encerramento do processo de insolvência identificado no número antecedente (cfr. fls. 33 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Em 30-07-2013 foi elaborado pelo Serviço de Finanças de Odivelas "Auto de Diligências", do qual se extrai o seguinte teor:
«(...)Feita a pesquisa nos vários sistemas informáticos, verifica-se que não constam quaisquer bens suscetíveis de penhora. Foi instaurado o Processo Administrativo de Insolvência no Tribunal do Comércio de Lisboa em 21-05-2010, tendo sido proferida a decisão de encerramento em 11-01-2011, por insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa nos termos dos artigos 230.° n.° 1 al. d) e artigo 232.° n.° 2 do CIRE.
A executada iniciou a atividade em 1989-01-01, tendo sido cessado oficiosamente atividade no âmbito do saneamento automático com a data de 31-12-2011.
Em 07.03.2012 foi registado na CRComercial o Encerramento da Liquidação e o Cancelamento da Matricula.
Os presentes autos foram instaurados por dívida de IVA do mês de Abril do ano de 2007 no montante de € 4.959,87, ao qual acrescem juros de mora e custas processuais.
Solicitou o pagamento em prestações, no entanto não efetuou qualquer pagamento, pelo que foi interrompido.
A dívida total existente nesta data é a seguinte:
(...)
Consultando a certidão permanente, verifica-se que foram gerentes:
- E........, NIF……….., desde 25-09-1986 até 31-03-2008, data em que renunciou e,
- J.........., NIF……….., desde 31-03-2008 até final.
Em face do exposto, verifica-se uma insuficiência/inexistência de bens por parte do devedor, pelo que é meu parecer que se proceda à reversão contra o responsável subsidiário, a fim de se cumprirem os requisitos estipulados no art.153.° do CPPT. (...)»
(cfr. fls. 4 e 5 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. Em 30-07-2013 o Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas proferiu projectos de reversão contra o Oponente, relativamente à dívida cobrada coercivamente no processo de execução fiscal n. °……………., no valor de no valor de € 6.875,57, do qual se extrai o seguinte teor:
«Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n° 1/b) LGT]»
(cfr. fls. 6 e 7 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. Em 05-08-2013 foi remetida ao Oponente, por carta registada, notificação para se pronunciar sobre o projecto de reversão identificado no número antecedente (cfr. fls. 9 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. A notificação identificada no número antecedente foi endereçada para a morada sita em "AV……………., ……….VENDA PINHEIRO", tendo vindo devolvida com a menção "objecto não reclamado" (cfr. fls. 9 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. Em 27-08-2013, foi elaborada informação, pelo Serviço de Finanças de Odivelas, a propor a reversão do processo de execução fiscal contra o Oponente, da qual se extrai o seguinte teor:
«(...) Em 08-08-2013 foi o responsável subsidiário E........, NIF ……….. com domicilio fiscal em Rua …………, ………..Venda do Pinheiro, notificado nos termos do n.°1 e 5.° do artigo 39.° do Código do Procedimento e Processo Tributário, para no prazo de quinze dias a contar daquela data, se pronunciarem sobre o projeto de reversão, nos termos do n.°4 do artigo 23.° e do artigo 60.°, ambos da Lei Geral, não tendo, no entanto apresentado qualquer alegação, pelo que não foi trazido nenhum novo elemento aos autos.
Sendo sócio gerente da sociedade nas datas em que terminaram os prazos para pagamento voluntário dos impostos objeto de cobrança coerciva nos presentes autos, e não tendo provado que não lhes foi imputável tal falta de pagamento, é nos termos do artigo 24.° n.° 1 alínea b) da Lei Geral tributária e alínea b) do n°1 do art.° 8.° do Regime Geral das Infrações Tributárias, responsável subsidiário pela execução.
Assim, em face destes elementos, sou de parecer que a execução reverta para o sócio gerente supra mencionado».
(cfr. fls. 10 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. Em 28-08-2013 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas a determinar a reversão do processo de execução fiscal n.° ………….contra o Oponente, do qual se extrai o seguinte teor quanto à fundamentação da reversão:
«Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n° 1/b) LGT]»
(cfr. fls. 12 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Em 05-09-2013 foi remetida ao Oponente, por carta registada com aviso de recepção, citação para a reversão do processo de execução fiscal n.°…………., no valor de € 6.875,57, a qual veio devolvida com a menção "objecto não reclamado (cfr. fls. 13 a 15 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; facto expressamente admitido pelo Oponente);
11. Em 24-09-2013 foi remetida ao Oponente, por carta registada com aviso de recepção, 2ª citação para a reversão do processo de execução fiscal n.°…………., a qual veio devolvida com a menção "objecto não reclamado (cfr. fls. 16 a 18 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; facto expressamente admitido pelo Oponente);
12. A presente Oposição foi remetida via fax ao Serviço de Finanças de Odivelas em 25-102013, tendo dado entrada neste Tribunal em 28-11-2013 (cfr. fls. 1 e 4 dos autos);
13. O Oponente, à data da remessa da notificação identificada em 7) tinha domicílio na Avenida………….., ………, Venda do Pinheiro (facto que se extrai por confissão expressa do Oponente nas suas alegações escritas). 

B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos, não impugnados, e do processo de execução fiscal apenso, conforme remissão efectuada em cada número do probatório tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.»
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B.DE DIREITO

Está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida pelo recorrido à execução fiscal originariamente instaurada contra a sociedade «S........, Lda» para cobrança coerciva de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do ano de 2007, com fundamento na verificação do vício de forma por falta de audição prévia do Projecto de reversão.

Para assim decidir a sentença utilizou o seguinte discurso fundamentador: «[r]esulta da factualidade assente, a Administração tributária remeteu a notificação para exercício do direito de audição prévia, por carta registada, para o domicílio fiscal do Oponente, notificação essa que veio devolvida com a menção “objecto não reclamado”.

Ora, face a este circunstancialismo, e atendendo à regra prevista no artigo 39.º n.º 5 do CPPT, impunha-se à Administração tributária o envio de uma 2.ª notificação, o que no caso dos autos não se encontra, de todo, evidenciado. Com efeito, dos autos não consta qualquer evidência de que essa notificação tenha sido remetida, sendo que era à Administração tributária que cabia essa demonstração, pelo que a sua falta, naturalmente que tem de contra si ser valorada.

Assim, perante a devolução da carta registada e da falta de garantia da certeza jurídica da sua cognoscibilidade por parte do Oponente, há que concluir só se pode concluir que não foi efectuada validamente a notificação para o exercício do direito de audição, o que determina a preterição dessa formalidade legal, gerando um vício procedimental com potencialidade para invalidar o acto final, ou seja o despacho de reversão.»

A recorrente insurge-se contra o assim decidido, sustentando que a sentença incorreu em errada interpretação do disposto no artigo 39.°do CPPT porquanto «Tendo o ofício sido remetido para o domicílio do Oponente, na mesma morada que consta do registo de envio do ofício de citação para a reversão e da procuração junta por esta, e não havendo elementos demonstrativos de que tenha havido elisão da presunção constante do n.° 1 do art.° 39.° do CPPT, conclui-se que tal notificação operou.»

A questão submetida a este Tribunal Central, conforme avançado supra, consiste unicamente em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado que não ocorrera a preterição de uma formalidade legal na âmbito da execução, por falta de notificação do Opoente para o exercício do direito de audição prévia antes de ser ordenado o acto de reversão.

Em situação idêntica à destes autos e onde, aliás, figuravam as mesmas partes, pronunciou-se recentemente este Colectivo, no Acórdão proferido no 28 de Janeiro de 2021, no processo n.º 2208/13.0BELRS cuja fundamentação sufragamos sem qualquer reserva de convicção. Tendo em conta a sua proficiente fundamentação jurídica, à qual nada se nos oferece acrescentar, limitar-nos-emos a acompanhar e reproduzir, com as necessárias adaptações, o que aí ficou dito, tendo em vista um interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr.artigo 8.º, n.º 3, do C.Civil).

Como a sentença sob recurso bem deu conta, a audição prévia do responsável subsidiário é a concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito consagrado no artigo 267.º, n.º4 da Lei Fundamental Portuguesa e sua notificação é direito igualmente resultante do imperativo constitucional consagrado no artigo 268º. , n.º3 da mesma Lei.

Estabelece o artigo 23.º, n.º4 da LGT que «a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação». Por seu turno, estabelece o artigo 60.º, nº 4, do mesmo compêndio, que tal notificação para o exercício do direito de participação deve ser concretizada por correio postal registado – «o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte».

À data dos factos, dispunha o artigo 39.º do CPPT, sob a epígrafe «Perfeição das notificações» o seguinte:

«1 - As notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção.

3 - Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

4 - O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.

5 - Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.

6 - No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

7 - Quando a notificação for efectuada por telefax ou via Internet, presume-se que foi feita na data de emissão, servindo de prova, respectivamente, a cópia do aviso de onde conste a menção de que a mensagem foi enviada com sucesso, bem como a data, hora e número de telefax do receptor ou o extracto da mensagem efectuado pelo funcionário, o qual será incluído no processo.

8 - A presunção referida no número anterior poderá ser ilidida por informação do operador sobre o conteúdo e data da emissão.

9 - O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.

10 - O presente artigo não prejudica a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária.»

A propósito do preceito parcialmente transcrito, regista a jurisprudência:

« [A] presunção de notificação prevista nos nºs 5 e 6 do artigo 39º do CPPT funciona em duas situações, a saber:- recusa do destinatário a receber a notificação; - não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal.» (Acórdão do STA de 21.01.2010, proferido do processo n.º 807/09, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No nosso caso, ficou provado que o Serviço de Finanças de Odivelas, em 05.09.2013 foi remetida ao recorrido, por carta registada com aviso de recepção, citação para a reversão do processo de execução fiscal n.°……….., no valor de € 6.875,57, a qual veio devolvida com a menção "objecto não reclamado” ( cfr. ponto 10. do probatório).

Ora, sendo a notificação efectuada por carta registada (como aqui), estabelece a lei que a mesma se presume efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (cfr. n.º 1 do artigo 39.º do CPPT).

Mas esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.

Na verdade, «(…) a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil (cfr. nº 1 do art. 39º do CPPT e nº 6 do art. 45º da LGT).

O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.

A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite porém inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo. Como tal forma de notificação não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário, o nº 2 do artigo 39º permite que o notificado possa ilidir tal presunção “quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida”, solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção».

Esta norma põe em luz o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributário do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente.

Mas se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicílio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias, como a ausência temporária do domicílio (vg. trabalho, férias, doença, etc.), podem impedir o acesso à carta. Daí que a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando. A consequência lógica que a lei deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida. Certamente por isso, o nº 2 do art. 39º apenas prevê a possibilidade da prova em contrário na situação em que a notificação ocorre em data posterior à presumida, sem aludir à situação em que não há notificação.

Desde há muito, e pelo menos no que se refere aos particulares, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a defender que «a presunção do nº 2 do artigo 39º do CPPT, não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida», quer na situação de carta registada (cfr. acs. de 18/2/87, rec nº 004015, de 2/6/99, rec. 022529, e mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 0270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 21/5/2008, rec nº 01031/07 e de 8/7/2009, rec nº 0460/09).» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.01.12, proferido no processo n.º 017/12, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Pelo que, e não contendo os n.ºs 1 e 2 artigo 39.º do CPPT, uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, deve-se aplicar o regime que esse artigo prevê para a forma de notificação com aviso de recepção, previsto nos n.ºs 5 e 6 do citado preceito, de que resulta a imposição de envio de uma segunda carta registada e a faculdade do destinatário poder invocar o justo impedimento na recepção da carta. (Neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.06.2013, proferido no processo n.º 595/13, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Neste quadro, competia ao Serviço de Finanças, nos termos do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT, no prazo de 15 dias seguintes à devolução, proceder ao envio de nova carta registada com aviso de recepção para o domicílio fiscal do recorrido, destinado a notificá-lo para o exercício de audição prévia, o que não fez, não podendo assim prevalecer-se das presunções contidas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 39.º do CPPT, porquanto o primeiro e único ofício de notificação foi devolvido.

Ora, considerando tudo o que acima se disse, a falta de notificação para o exercício do direito de audição gera, no caso, a invalidade do despacho de reversão proferido que se traduz na anulabilidade do despacho de reversão mediante o qual o recorrente foi chamado à execução.

Nem se diga como o faz a recorrente que «(...) há que apelar à doutrina do aproveitamento do acto, utile per inutile vitiatur» uma vez que a participação do recorrido em momento anterior à prolação do despacho de reversão poderia ter influenciado a decisão e seus fundamentos, desde logo porque o recorrido alega factos no sentido de não lhe ser imputável a insuficiência do património da devedora originaria para solver as dividas exequendas o que poderia e deveria ter sido tomado em consideração para a prolação de decisão sobre a reversão da execução, influenciando aquela decisão.

Por isso – conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.10.2012, proferido no processo n.º 548/12, « [a] preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente (Cfr. Acórdão do STA de 15/2/2007, proc. nº 1071/06.) ou se trate de actividade administrativa vinculada.

E, mesmo aqui, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que “(…) pode ainda ser possível, em certos casos de actividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela.

Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur - já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental.» (disponível em texto integral em www.dgsi).

No mesmo sentido vai a doutrina, citando como mero exemplo, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA: «[e]ste princípio apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão” (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição).

Em suma, no caso concreto, não é manifesto que a decisão de reversão da execução fiscal, em abstrato, não podia ser outra da que foi tomada no caso concreto, e por isso se impunha, o seu aproveitamento.

O que significa, em conclusão, que a falta de notificação para o exercício do direito de audição gera, no caso, a invalidade do despacho de reversão proferido que se traduz na anulabilidade do despacho de reversão mediante o qual o recorrido foi chamado à execução.

A sentença, porque assim decidiu, não merece, pois, a censura que lhe é dirigida, por ter feito correcta interpretação e aplicação do direito aos factos apurados.

E, assim sendo, o recurso não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.

IV.CONCLUSÕES

I. Sendo a notificação efectuada por carta registada estabelece a lei que a mesma se presume efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (cfr.n.º 1 do artigo 39.º).

II. Mas esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.

III. A preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de actividade administrativa vinculada.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.


Custas a cargo da recorrente.


Lisboa, 15 de Abril de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]

(Ana Pinhol)