Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04559/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/15/2011
Relator:MAGDA GERALDES
Descritores:DÍVIDA DE IRS
DECLARAÇÃO CONJUNTA DE RENDIMENTOS
PENHORA EM BENS PRÓPRIOS DO CÔNJUGE
REGIME LEGAL DE SEPARAÇÃO DE BENS
Sumário:I - No caso de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, os pressupostos do facto tributário devem ter-se por verificados em relação a ambos, sem que se torne necessário estabelecer a titularidade de cada parcela do rendimento englobado para efeitos de tributação, do que deriva serem ambos, solidariamente, responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária, nos termos do disposto no artº 21º, nº1, da Lei Geral Tributária, abrangendo tal responsabilidade para além da totalidade da dívida, os juros e demais encargos legais - cfr. artº 22º, nº l, da referida LGT.
II - Neste regime de responsabilidade fiscal, mesmo em caso de regime de separação de bens, como é o caso dos autos, qualquer dos cônjuges é solidariamente responsável pelo pagamento do IRS sobre os rendimentos do outro, sendo ambos os cônjuges sujeitos passivos do imposto, ainda que o rendimento tributável em mais valias, omitido à declaração e posteriormente corrigido, provenha da alienação de um bem que não era seu, mas próprio do outro cônjuge.
III - O regime de responsabilidade subsidiária prevista no artº 1695º, nº2 do CC , e imposta pelo regime legal de separação de bens na sociedade conjugal, mostra-se arredado pelas disposições legais especiais do regime de responsabilidade solidária por dívidas de IRS contemplado nos artºs 21º, nº1, da LGT e 13º, nº 2 e nº 3, a) do CIRS.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam no TCAS, Secção Contencioso Tributário, 2º Juízo


A..., identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do TT de Lisboa que negou provimento à reclamação, nos termos do artº 276º e ss do CPPT, por si interposta da penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de S. João de Brito sob o artigo 632, efectuada pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 8º, no âmbito da execução fiscal nº 3107200701168770, tendo demandado a FAZENDA PÚBLICA.

Em sede de alegações de recurso apresentou as seguintes conclusões:
“I – A douta sentença recorrida negou provimento à reclamação deduzida por A..., ao abrigo do art. 276º do C.P.P.T., à penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de S. João de Brito sob o artigo 632, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3107200701168770 por considerar que “Neste regime de responsabilidade fiscal, mesmo em caso de separação de bens, qualquer dos cônjuges é responsabilizado pelo pagamento do IRS sobre os rendimentos do outro.”.
II – A dívida reclamada no processo executivo nº 3107200701168770 decorre da revisão da matéria tributável efectuada em sede de IRS, derivada da mais-valia tributável proveniente da venda de um imóvel de propriedade de B... e de C...;
III – A recorrente e B...estão casados no regime da separação de bens, não integrando o bem imóvel o património da reclamante;
IV – O art. 13º, nº2, do CIRS apenas estipula que, existindo agregado familiar, e para se apurar o imposto, terão de ser considerados todos os rendimentos auferidos pelo agregado familiar, considerado como um todo.
V – A recorrente, embora de nacionalidade estrangeira e não possuindo rendimentos ou actividade sujeita a tributação em Portugal, entrega, conjuntamente com seu marido, a declaração de IRS.
VI – A recorrente invocou em sede de reclamação que nada auferiu com a alienação do imóvel, que o mesmo era bem próprio de seu marido e de seu cunhado, e que os proventos auferidos não reverteram em benefício do casal.
VII – O facto tributário consistiu na titularidade e venda de um bem imóvel e na mais-valia gerada e ocorreu apenas em relação ao executado B... e a seu irmão, C....
VIII – O art. 21º, nº1, da LGT determina que, quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo incumprimento da dívida tributária.
IX – O facto tributário em apreço ocorre relativamente a B... e C....
X – Existe confusão entre o facto tributário e o preenchimento conjunto de declaração de IRS, apresentada por B... e A....
XI – A acreção de o facto tributário respeitar apenas a B... é acolhida pela própria administração fiscal, que cita A... “na qualidade de cônjuge de B...”, e não como executada e devedora principal.
XII – O artigo 153º do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que podem ser executados no processo de execução fiscal os devedores originários e seus sucessores dos tributos e demais dívidas identificadas no art. 148º do mesmo diploma legal, bem como os garantes que se tenham obrigado como principais pagadores, até ao limite da garantia prestada.
XIII – A recorrente não é devedora do tributo, cujo não pagamento tempestivo originou a presente execução, não podendo ser executada no processo de execução fiscal, nem o seu património responde pela dívida em questão.
XIV – A penhora é susceptível de causar evidente prejuízo à recorrente, ao ver-se confrontada com a eventual alienação de um seu bem própria, que constitui a sua residência e a do seu agregado familiar e que não responde nem pode responder pela dívida fiscal de seu marido.
XV – O valor do bem em causa é significativamente superior ao da quantia em dívida, a ser paga em regime prestacional.
XVI – A penhora, a ameaça de venda do bem, causam à recorrente uma significativa angústia, e poderá mesmo causar-lhe um prejuízo irreparável, do qual nunca virá a ser indemnizada pela administração fiscal.
XVII – Ao recurso ser conferido o efeito suspensivo, atento o disposto no art. 286º do C.P.P.T., sob pena de se perder o seu efeito útil.
XVIII – A douta sentença violou os arts. 13º, nº1 e 2 do CIRS, o art. 21º, nº1, da LGT e art. 153º, do C.P.P.T.
Termos em que, ao recurso deve ser dado provimento e, como tal, ser revogada a douta sentença recorrida, sendo esta substituída por outra que julgue procedente a reclamação, com as legais consequências, como aliás é de Justiça!”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste TCAS, a Exmª Magistrada do MºPº emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

OS FACTOS

A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade:
“1. Contra B... e a aqui reclamante, A..., foi instaurada a execução fiscal n°3107200701168770 pela quantia exequenda de € 125.911,78 (capa do processo executivo, a fls. 43 do apenso instrutor);
2. Serve de base à execução a certidão de dívida que consta de fls. 44 do apenso e em que figuram como devedores os acima referidos B... e a reclamante;
3. São ambos casados entre si, no regime da separação de bens, desde 1989 (certidão da escritura de convenção antenupcial, a fls. 22 dos autos);
4. A quantia exequenda é proveniente de IRS/2003, correspondendo € 111.732,48 a imposto e o remanescente a juros (certidão de dívida cit.);
5. Foi feita citação na pessoa de ambos os cônjuges (fls. 66 do apenso);
6. Em 07/05/2010, foi feita citação da reclamante e notificação de penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de S. João de Brito sob o artigo 632, pela quantia exequenda de € 55.960,78 e juros de € 15.679,59 (nota de citação e notificação de penhora, a fls. 20);
7. Prédio esse inscrito a favor da reclamante e por ela adquirido, por compra, em 06/06/2006 (certidão de registo predial, a fls. 130 do apenso);
8. A dívida exequenda provém do rendimento omitido à declaração de IRS/2003, derivado da alienação onerosa, em 30/10/2003, de direitos reais sobre bens imóveis cuja titularidade pertencia ao referido B... e outro, adquiridos por sucessão em 15/10/2001 (informação de fls. 5 e certidão de registo predial, a fls. 23);
9. A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças em 17/05/2010, conforme carimbo aposto a fls. 7.
Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante.
Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada e informação de fls. 5.”
Ao abrigo do disposto no artº 712º, nº1 do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto:
a) – da informação prestada pelos serviços da AT e junta aos autos a fls. 2 a 4 dos autos consta, designadamente, o seguinte: “(…) Igualmente se verifica que a penhora do imóvel efectuada, não se mostra suficiente para garantir a dívida exequenda.”

O DIREITO

Nos termos do disposto no artº 13º, nº 2 do CIRS, “Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção.”
O nº 3, a) deste mesmo artº 13º do CIRS diz que “O agregado familiar é constituído por:
a) Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes;”
Como se mostra assente nos autos, a dívida exequenda respeita a IRS do ano de 2003, sendo a quantia exequenda proveniente de IRS de 2003, correspondendo € 111.732,48 a imposto e o remanescente a juros.
A dívida exequenda provém da revisão da matéria tributável efectuada em sede de IRS de 2003, face à obtenção de mais-valia derivada da alienação onerosa, em 30.10.2003, de direitos reais sobre bens imóveis cuja titularidade pertencia ao executado B... e outro, adquiridos por sucessão em 15.10.2001, e não declarada, tendo o executado omitido a entrega do anexo G da Dec. Mod. 3/IRS, logo, omitindo rendimentos a englobar na respectiva declaração dos rendimentos sujeitos a tributação, nos termos do artº 22º, nº1 do CIRS.
Conforme resulta do probatório – ponto 1 – a execução fiscal n°3107200701168770 pela quantia exequenda, inicialmente de € 125.911,78 foi instaurada contra B... e a aqui reclamante, A..., como devedores originários, de acordo com o disposto no artº 153º do CPPT sendo a reclamante, indiscutivelmente, sujeito passivo da obrigação exequenda, por força do disposto no artº 13º, nº2 do CIRS.
Como se disse, a dívida exequenda é proveniente de IRS do ano de 2003. Com referência a esse ano, a ora reclamante e o seu cônjuge apresentaram declaração conjunta de rendimentos, ou seja, uma única declaração de IRS.
Apresentando, como apresentaram, declaração conjunta, ambos são sujeitos passivos do IRS, que incide sobre o conjunto dos seus rendimentos, independentemente da titularidade dos mesmos e, inclusive, de algum deles os não auferir (cfr. artºs. 14.º, n.ºs 2 e 3, al.a), e 59.º, n.º 1, do CIRS (Hoje, ao artº. 14.º, n.ºs 2 e 3, al. a), corresponde o art. 13.º, n.ºs 2 e 3, al. a)).
Daí que ambos constem como devedores das respectivas certidões de dívida, extraídas pela AT na sequência da falta de pagamento voluntário dos montantes liquidados.
Alega a reclamante que os rendimentos que deram origem à liquidação que estão na base da dívida exequendas – mais valias por alienação onerosa de bem imóvel próprio de seu marido e de seu cunhado – foram auferidos exclusivamente pelo seu marido e que nada auferiu com a alienação do imóvel, que o mesmo era bem próprio de seu marido e de seu cunhado, e que os proventos auferidos não reverteram em benefício do casal.
Tal alegação é de todo irrelevante para efeitos de permitir à reclamante eximir-se da responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda, não cuidando sequer de apurar se está ou não provada a factualidade alegada com vista à elisão da presunção de comunicabilidade da dívida, ao abrigo do art. 1691.º, n.º 1, alínea d), do Código Civil (CC).
Ora, neste regime de responsabilidade fiscal, mesmo em caso de regime de separação de bens, como é o caso dos autos, qualquer dos cônjuges é solidariamente responsável pelo pagamento do IRS sobre os rendimentos do outro, sendo ambos os cônjuges sujeitos passivos do imposto, ainda que o rendimento tributável em mais valias, omitido à declaração e posteriormente corrigido, provenha da alienação de um bem que não era seu, mas próprio do outro cônjuge.
Assim sendo, no caso de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, os pressupostos do facto tributário devem ter-se por verificados em relação a ambos, sem que se torne necessário estabelecer a titularidade de cada parcela do rendimento englobado para efeitos de tributação, do que deriva serem ambos, solidariamente, responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária, nos termos do disposto no artº 21º, nº1, da Lei Geral Tributária, abrangendo tal responsabilidade para além da totalidade da dívida, os juros e demais encargos legais - cfr. artº 22º, nº l, da referida LGT.

A reclamante invoca na sua petição inicial o disposto no artº 278º, nº3, c), do CPPT, ou seja, prejuízo irreparável causado pelo acto da penhora com “incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência.”
O fundamento da reclamação substanciado na penhora de bens que não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência, está ligado à violação das regras de direito substantivo que impõem a penhora prioritária de determinados bens. É o que acontece, na hipótese prevista no artº 1695º, nº2 do CC, em que, quanto aos bens que respondem pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, “no regime de separação de bens, a responsabilidade dos cônjuges não é solidária.”, ou seja, estamos aqui perante uma responsabilidade subsidiária.
Porém, o regime de responsabilidade subsidiária aqui prevista, e imposta pelo regime legal de separação de bens na sociedade conjugal, mostra-se arredado pelas disposições legais especiais do regime de responsabilidade solidária por dívidas de IRS contemplado nos artºs 21º, nº1, da LGT e 13º, nº 2 e nº 3, a) do CIRS.
Sendo a reclamante responsável solidária, face à relação jurídica tributária em causa, em caso de incumprimento do devido, por parte da reclamante ou do seu cônjuge, perante a AT, é a mesma responsável pela totalidade da dívida exequenda, respondendo os seus bens próprios pelo pagamento da dívida, sendo irrelevante para efeitos de cobrança coerciva da dívida de IRS do casal, que o regime de bens do casal seja o da separação de bens, operando em sede de responsabilidade tributária, em caso de dívida de IRS efectuado em declaração conjunta pelos cônjuges, um regime de responsabilidade diversa da responsabilidade civil, prevista no CC para o cônjuges casados em regime de separação de bens.
Por último, tal como se considerou na decisão recorrida, são distintos os pressupostos da responsabilidade criminal e da responsabilidade tributária, pelo que o arquivamento do processo penal instaurado contra a reclamante mostra-se aqui irrelevante para a apreciação da matéria dos autos.
Quanto à alegação de que o valor do bem em causa é significativamente superior ao da quantia em dívida, a ora recorrente não demonstra nos autos tal afirmação, sendo certo que, tal como se deu por provado, da informação prestada pelos serviços da AT e junta aos autos a fls. 2 a 4 dos autos consta, designadamente, que: “(…) Igualmente se verifica que a penhora do imóvel efectuada, não se mostra suficiente para garantir a dívida exequenda.” Assim, improcede tal alegação.
Assim sendo, a sentença recorrida não merece o reparo que lhe é feito no presente recurso, tendo feito correcta interpretação e aplicação das normas legais supra citadas, não padecendo de erro de julgamento.

Atentos os fundamentos invocados, mostrando-se improcedentes as conclusões das alegações de recurso, o mesmo não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser confirmada.
Acordam, pois, os juízes do TCAS, Secção Contencioso Tributário, 2º Juízo, em:
a) – negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida;
b) – condenar a recorrente nas custas.

LISBOA, 15.03.11

Magda Geraldes…………………………………...
José Gomes Correia ………………………………
Joaquim Pereira Gameiro…………………………