Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo: 1103/14.0 BELRS
Secção:2.ª Secção – Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/06/2018
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
Sumário:I - Fundando-se a reversão da execução no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, no caso o opoente/recorrido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto).
II - No caso concreto, deve ponderar-se, em termos cronológicos, a relativa proximidade das datas correspondentes ao termo do prazo de pagamento do imposto subjacente à dívida exequenda (30/04/11) e a da apresentação à insolvência da devedora originária (necessariamente anterior a 8/03/12, pois é desta data da sentença de declaração de insolvência).
Deve ser ponderado, igualmente, que, tal como resultou provado, em 2012, o gerente/revertido, apesar de manter o exercício de funções de gerente na Ascensão Imobiliária, já não recebia remuneração pelas mesmas há mais de três anos.
De ponderar é, também, que, desde 2006, o gerente/revertido contraiu, a título pessoal, diversos empréstimos a fim de honrar anteriores compromissos da devedora originária e a fim de viabilizar tal sociedade.
Será de ter em conta que, como ficou demonstrado, vendeu e hipotecou património pessoal que foi utilizado para suportar responsabilidades e encargos da devedora originária. Com efeito, consta dos factos provados que, em Maio de 2009, vendeu duas fracções autónomas pelo preço de 1 milhão, montante este que, deduzido o valor devido ao credor hipotecário, foi canalizado para apoio à sociedade Ascensão Imobiliária, Lda.
Tendo todo este circunstancialismo de facto em conta, devidamente ponderado e analisado no contexto de grave crise no sector imobiliário (por ninguém ignorada), revela uma conduta que se insere num quadro lógico e orientado para salvar a empresa (que era fonte do rendimento do Recorrido) e para o cumprimento das obrigações da mesma.
III – No caso, do exame da factualidade provada pode-se concluir que o Opoente/Recorrido produziu prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária, “…”, se ficou a dever a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um "bonus pater familias".
Nº do Volume:VOTO VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Processo nº 1103/14.0 BELRS

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, na oposição deduzida por J………. contra a execução fiscal nº ………, instaurada pelo Serviço de Finanças de Loures 4, para cobrança de dívida de IMI de 2010, no valor € 9.004,91, julgou procedente a oposição, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvado melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” julgou procedente o pedido formulado pelo oponente com visível deficit instrutório e erro de facto pois apenas assim poderia ser determinado que quanto à originária devedora/primitiva executada, o oponente fosse julgado parte ilegítima na execução, e, em consequência absolvido da instância executiva, por falta de culpa.

II - Na verdade, contrariamente ao decidido, o oponente não fez prova suficiente de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia.

III – Ou seja, o oponente, revertido face à insuficiência do património societário para solver as dívidas fiscais, ele próprio insolvente, alega que tal se deveu não a culpa sua mas a causas externas, designadamente à crise no sector imobiliário, como genericamente refere.

IV - A questão que se impõe neste conspecto e, nos presentes autos, consiste em saber se os factos alegados pelo oponente são suficientes para afastar a presunção de culpa decorrente da al b) do n.º 1 do artº 24º da LGT.

V - Ora, o exercício da gerência criteriosa e diligente e respectiva prova têm de basear-se em elementos concretos que evidenciem a tomada de decisões que influenciem a vida da empresa, onde se demonstre a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre a actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, julgando sobre a concreta impossibilidade de pagar as dívidas fiscais e da conduta do gerente que deverá ser irrepreensível, sem qualquer nexo de culpa que lhe possa ser imputável.

VI – Refere a decisão em crise que: “A materialidade fáctica apurada, no que aqui releva a das alíneas D) e E) dos factos assentes permite afirmar que o resultado danoso (insuficiência do património da sociedade) não se deveu a culpa exclusiva do oponente.

Atestando, a decisão do Tribunal de Comércio de Lisboa que o activo da sociedade era, em Dezembro de 2010, de €4.197.171,80, dos quais €3.958.992,03 inventário e um passivo de €4.134.599,49, dos quais €2.000.438,85 de financiamentos obtidos.”

VII - Contrariamente, a declaração Insolvência proferida quanto à devedora originária teve caráter pleno [alínea i) do artigo 36.º -CIRE]. E neste conspecto, desde já se pode constatar que, a maioria das responsabilidades financeiras da insolvente foram assumidas perante entidades bancárias, o que evidencia por si só um endividamento excessivamente elevado e recorrente.

VIII – Por outro lado, a insuficiência dos bens da massa insolvente para satisfação das dívidas da insolvente que, aquando da chamada à insolvência já se apresentou tardiamente uma vez que os bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência não foram bastantes para pagamento da totalidade das dívidas contraídas, denota culpa.

IX – Em suma, a insolvência resultou, além do mais, de uma sucessão de empréstimos bancários durante determinado período, sem que se evidenciem quaisquer razões que pela sua gravidade ou urgência, forçassem a tal endividamento. Por outro lado, o administrador ou gerente que (como diz) não tinha actividade remunerada face à dificuldade financeira da sociedade, não podia ignorar que estava a contrair dívidas que não tinha qualquer possibilidade de satisfazer, tanto mais que assim sendo, não podia nutrir qualquer expectativa razoável de que os seus ganhos viessem a ser substancialmente acrescidos, face ao quadro geral que esboçou, de uma crise financeira com reflexos na economia de mercado.

Assim sendo, não logrou o oponente provar a inexistência de nexo causal entre os pedidos de crédito e a insolvência sofrida, limitando-se a alegar sem apresentar qualquer prova em concreto.

X - Ora, tendo em conta que a devedora originária suportou os custos contraídos de empréstimos, diminuindo consequentemente os proveitos imputáveis aos seus clientes, verifica-se que tal percurso a terá levado a perder a fonte de financiamento no âmbito da actividade que desenvolveu - sector imobiliário.

Nesse pendor, considera-se que não foi provada a indispensabilidade de recurso ao financiamento para satisfação das necessidades de giro da devedora originária, nomeadamente a carência de tesouraria, notório que é o consequente e advindo aumento do endividamento, em montantes diríamos, superiores ao património próprio.

XI – Ou seja, a devedora principal, tal como também é descrita pelo revertido revela um excessivo endividamento e falta de liquidez prejudicial ao fito empresarial, o que, sem possibilidade de retorno, levou à insolvência, esta também facilitada face ao peso dos inventários, numa excessiva dependência da “venda” de bens para satisfação dos compromissos.

XII – Ora o oponente enquanto sócio gerente da sociedade não estava obrigado a recorrer ao endividamento sucessivo; contudo, tendo feito essa opção apenas agravou a situação financeira societária quando, a contrário, deveria antes ter requerido atempadamente a própria insolvência da sociedade nos termos do CIRE. Portanto, verifica-se incumprido o dever de apresentação à insolvência.

XIII – Termos em que, salvo melhor entendimento foram violados os normativos legais aplicáveis sub judice por errada interpretação dos factos e sua subsequente subsunção ao direito.

Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÂO A COSTUMADA JUSTIÇA


*

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência.

*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

A) Pela Ap 27/980202 foi registado o contrato de sociedade com a denominação A……… – Imobiliária Lda, com objecto social a compra para revenda de prédios rústicos ou urbanos, administração de bens imobiliários, próprios ou alheio, gestão de condomínios, consultoria em investimentos imobiliários, o capital social repartido por duas quotas e é seu sócio gerente J…………., ora oponente (fls 5 do PEF apenso);

B) Em 20 de Maio de 2011 foi extraída a certidão de dívida contra a sociedade identificada em A), por dívida de IMI de 2010, no valor de €9.004,91 (fls 2vº e 3, do PEF apenso);

C) Com base na certidão de dívida referida em B), em 22-05-2011, foi instaurado o processo de execução fiscal nº ……….. (fls 1 do PEF apenso);

D) Por sentença do 4º juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, de 08-03-2012 a sociedade identificada em A) foi declarada insolvente, conforme fls 8 a 10 do PEF apenso, que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;

E) Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2012 o oponente foi declarado insolvente, conforme fls 22 a 26, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais (fls 22 a 26, dos autos);

F) Foi proferido despacho de reversão contra o oponente (fls 15, do PEF apenso);

G) O oponente foi citado por via da citação de 24-02-2014.

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.


*

Ao abrigo do artigo 662º do CPC, adita-se ao probatório o seguinte circunstancialismo documentalmente provado nos autos:

H) A dívida m.i em B) tinha como data limite do pagamento o dia 30/04/2011 (cfr. fls. 3 do PEF apenso);

I) Consta dos factos provados do acórdão m.i em E) supra que:

“Texto integral com imagem”

(…)

“Texto integral com imagem”

J) Consta dos factos provados da sentença m.i em D) supra, além do mais, que:

“4 - A requerente apresentava, em 31 de Dezembro de 2009, o activo de € 4.950.765,88, o capital próprio de € 113.756,66, o passivo de € 4.837.010,22 e o resultado líquido do exercício de € 13.054,79;

5 – Apresentava em 31 de Dezembro de 2010, o activo de € 4.197.171,80 (dos quais € 3.958.992,03 de inventário), o capital próprio de € 62.572,31, o passivo de € 4.143.599,49 (dos quais € 2.000.438,85 de financiamentos obtidos) e o resultado líquido do exercício de € 51.184,35;

(…)

8 – Assume ter actualmente dívidas a terceiros no montante total de € 4.615.917,01”.


*

2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação recursória, dúvidas não restam que a questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela ilegitimidade do Oponente, ora Recorrido, por ter entendido que o J………. ilidiu a presunção de culpa quanto ao não pagamento das dívidas, nos termos previstos na alínea b), do nº1 do artigo 24º da LGT.

Para a Recorrente, a prova feita nos autos não permitia a conclusão a que chegou o TT de Lisboa.

Com efeito, segundo a Fazenda Pública, a sentença recorrida julgou procedente o pedido formulado pelo oponente com visível deficit instrutório e erro de facto, pois o oponente não fez prova suficiente de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia. Realça a Fazenda Pública que “o exercício da gerência criteriosa e diligente e respectiva prova têm de basear-se em elementos concretos que evidenciem a tomada de decisões que influenciem a vida da empresa, onde se demonstre a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre a actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, julgando sobre a concreta impossibilidade de pagar as dívidas fiscais e da conduta do gerente que deverá ser irrepreensível, sem qualquer nexo de culpa que lhe possa ser imputável”, o que, in casu, não se verificou. Em reforço da sua posição, refere a Recorrente que “a maioria das responsabilidades financeiras da insolvente foram assumidas perante entidades bancárias, o que evidencia por si só um endividamento excessivamente elevado e recorrente”, sendo certo que, por outro lado, “a insuficiência dos bens da massa insolvente para satisfação das dívidas da insolvente que, aquando da chamada à insolvência já se apresentou tardiamente uma vez que os bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência não foram bastantes para pagamento da totalidade das dívidas contraídas, denota culpa”.

Vejamos, então, tendo presente aquele que foi o discurso fundamentador adoptado na sentença recorrida. Assim, lê-se na decisão posta em crise, naquilo que para aqui importa, que:

“(…)

Não vem questionada a gerência de facto da sociedade.

A culpa de que aqui se cuida em sede de responsabilidade subsidiária dos gerentes, é reportada à omissão da diligência exigível a um gerente de que cure do património da empresa por forma, a assegurar que, desse património se possam pagar os credores da sociedade.

Como salientam Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (LGT Anotada, 3a Ed, notas ao art° 34°), a "Lei Geral Tributária limita a inversão do ónus da prova da culpa do não pagamento das dívidas, às dívidas vencidas no período do exercício da função. Mas alarga a responsabilidade subsidiária nos termos da al. a), do nº 2, do artº 24°, ao estabelecer de que serão responsáveis aqueles em relação aos quais a administração fiscal prove que foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste ".

Efectivamente a sociedade foi declarada insolvente.

Sendo a culpa aqui relevante a culpa se prende com a omissão da diligência exigível a um gerente de que cure do património da empresa de forma a assegurar que, desse património, se possam pagar os credores da sociedade, isso mediante o estabelecimento de um nexo de causalidade adequada de que o incumprimento, por parte do gerente/administrador, das disposições legais destinadas à protecção dos credores foi a causa ou foi determinante para a delapidação ou insuficiência do património social para a satisfação dos créditos sociais (Ac do STA de 29-01-990,rec°n°21469).

Cumpre no caso ao oponente que prove que administrou a empresa com a diligência adequada e necessária a preservar o seu património social ou, pelo menos, a evitar que ele se tornasse insuficiente, ilidindo a presunção de culpa.

A materialidade fáctica apurada, no que aqui releva a das alíneas D) e E) dos factos assentes permite afirmar que o resultado danoso (insuficiência do património da sociedade) não se deveu a culpa exclusiva do oponente.

Atestando, a decisão do Tribunal de Comércio de Lisboa que o activo da sociedade era, em Dezembro de 2010, de €4.197.171,80, dos quais €3.958.992,03 inventário e um passivo de €4.134.599,49, dos quais €2.000.438,85 de financiamentos obtidos.

Atesta ainda o Acórdão da Relação de Lisboa, que o produto da venda do património pessoal do oponente foi afectado ao pagamento das responsabilidades contraídas pela devedora originária que veio a beneficiar de “um crédito em larga escala e se viu submergida por uma crise imensa e sem fim à vista”, tornando-se, assim, ele próprio insolvente.

Afigura-se-me que nos presentes autos o oponente faz prova suficiente de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia.

Não é possível, pois, dar como provado que a insuficiência do património societário para solver as dívidas fiscais se deveu exclusivamente a culpa do oponente que não também a causas externas, designadamente à crise no sector imobiliário como ainda que genericamente refere.

De facto o circunstancialismo dado como provado permite concluir das dificuldades económico-financeiras sentidas pela sociedade entendendo-se que o oponente conseguiu ilidir a presunção que sobre si recaiu, como se disse.

Sendo de julgar procedente a oposição”.

Vejamos, o que se nos oferece dizer a este propósito.

O quadro legal é que nos movemos não oferece dúvidas, a saber: o artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT e, como tal, a apreciação sobre a (i)legitimidade do Oponente, ora Recorrido.

Também não suscita controvérsia o exercício da gerência de facto da devedora originária, a sociedade A…………. Imobiliária, Lda por parte do J……....

O que aqui suscita a firme discordância da Recorrente é tão-somente a questão de saber se o Oponente logrou ilidir a presunção de culpa [ artigo 24º, nº1, alínea b)], como era seu ónus.

Cingir-nos-emos à análise de tal vector.

Ora, preceitua o nº1, do artigo 24º da LGT, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

“Fundando-se a reversão da execução no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, no caso o opoente/recorrido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE).

A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.

Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não resultou de qualquer conduta que lhe possa ser imputável, em termos de causalidade adequada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.)” – cfr. acórdão do TCA Sul, de 17/05/18, no processo nº 1099/14.8 BELRS.

Indo agora ao caso concreto, deve dizer-se, com a sentença, que do exame da factualidade provada se pode concluir que o Opoente/Recorrido produziu prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária, “A............ Imobiliária, Lda.”, se ficou a dever a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um "bonus pater familias".

Vejamos, com detalhe, o que nos leva a assim concluir.

Repetindo uma ideia já avançada, e que aqui importa não perder de vista, “o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade”.

Ora, no caso concreto, deve ponderar-se, em termos cronológicos, a relativa proximidade das datas correspondentes ao termo do prazo de pagamento do imposto subjacente à dívida exequenda (30/04/11) e a da apresentação à insolvência da devedora originária (necessariamente anterior a 8/03/12, pois é desta data da sentença de declaração de insolvência).

Deve ser ponderado, igualmente, que, tal como resultou provado, em 2012, o gerente/revertido, apesar de manter o exercício de funções de gerente na A............ Imobiliária, já não recebia remuneração pelas mesmas há mais de três anos.

De ponderar é, também, que, desde 2006, o gerente/revertido contraiu, a título pessoal, diversos empréstimos a fim de honrar anteriores compromissos da devedora originária e a fim de viabilizar tal sociedade.

Por seu turno, será de ter em conta que, como ficou demonstrado, vendeu e hipotecou património pessoal que foi utilizado para suportar responsabilidades e encargos da devedora originária. Com efeito, consta dos factos provados (cfr. ponto I) que, em Maio de 2009, vendeu duas fracções autónomas pelo preço de 1 milhão, montante este que, deduzido o valor devido ao credor hipotecário, foi canalizado para apoio à sociedade A............ Imobiliária, Lda.

Tendo todo este circunstancialismo de facto em conta, devidamente ponderado e analisado no contexto de grave crise no sector imobiliário (por ninguém ignorada), revela uma conduta que se insere num quadro lógico e orientado para salvar a empresa (que era fonte do rendimento do Recorrido) e para o cumprimento das obrigações da mesma.

Como se retira do Ac. da Relação de Lisboa, junto aos autos a fls. 22 a 26, relativo ao processo de insolvência do Recorrido, era “legítimo supor que a crise – leia-se, a crise no sector imobiliário – fosse transitória ou, pelo menos, menos extensa do que veio a acontecer, fazendo fé no que era proclamado pelos responsáveis políticos, dando-se assim “espaço à esperança de ver ultrapassado o constrangimento “ que atingiria o País e em particular o sector imobiliário, paralisado pela brutal supressão do crédito às empresas e às famílias”.

Este entendimento, aplicado à situação da devedora originária, permite-nos não acompanhar o entendimento da Fazenda Publica quando ensaia a tese de que se afigura, in casu, um claro incumprimento atempado da apresentação à insolvência da devedora originária.

Quanto à menção feita no recurso relativamente aos valores de activo, de € 4.197.171,80, e de passivo, de € 4.134.599,49, deve realçar-se que os mesmos se reportam ao final de 2010, quando a dívida em causa tinha a sua data limite do pagamento fixada em 30/04/11, sendo certo que, em Março de 2012, o passivo da A............ Imobiliária Lda já se cifrava em € 4.615.917,01, conforme resulta da sentença m.i no ponto J) do probatório.

Nestes termos, concluímos que andou bem o TT de Lisboa ao decidir nos termos em que o fez, já que, face à prova produzida, se afasta a culpa na actuação do oponente/recorrido J............, verificando-se, assim, a sua ilegitimidade no âmbito da reversão operada no processo de execução fiscal nº………….

Há, pois, que julgar improcedentes todas as conclusões da alegação de recurso e, nesta linha de entendimento, negar provimento ao mesmo.

*

3 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 06/12/18


__________________________

(Catarina Almeida e Sousa)

_________________________

(Lurdes Toscano)

_________________________

(Joaquim Condesso)

VOTO DE VENCIDO:

Votei vencido o presente acórdão pelas razões que exponho infra.

O signatário foi relator de acórdão no âmbito de processo com o nº. 1099/14.8BELRS, datado do pretérito dia 17/05/2018, no qual se examina a responsabilidade subsidiária do opoente e ora recorrido, face a reversão de dívida de l.M.I., igualmente relativa ao ano de 2010, em processo de execução paralelo ao presente.

Tal como no âmbito do identificado processo de que o subscritor foi relator, também no presente, do exame da factualidade provada não se pode concluir que o opoente/recorrido tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária, "A..... - Imobiliária, Lda.", se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da administração, usou da diligência de um "bonus pater familias". É que, da matéria de facto provada, essencialmente do conteúdo das decisões judiciais a decretar a situação de insolvência da sociedade executada originária e do próprio opoente/recorrido (cfr. als. D), E), I) e J) do probatório), nada se retira quanto à impossibilidade de pagamento da dívida exequenda objecto do processo de execução de que a presente oposição constitui apenso. Igualmente, nada se retira quanto à impossibilidade de tesouraria da sociedade executada originária com vista ao pagamento da dívida exequenda durante o mês de Abril de 2011 (cfr. al. H) do probatório), sendo que a declaração de insolvência, tanto da dita sociedade, como do próprio opoente/recorrido, ocorre já em 2012. Mais, da decisão judicial a decretar a situação de insolvência da sociedade executada originária, não se fixa qualquer data a partir da qual se reconhece a impossibilidade de pagamento dos débitos que oneravam a dita empresa. Por outro lado, o próprio activo da empresa ainda era superior ao passivo em finais de 2010 (cfr. activo de €4.197.171,80 e passivo de € 4.134.599,49 - al. J) da factualidade provada).

Ainda, a factualidade provada em sede de decisão judicial a decretar a insolvência do opoente/recorrido, constante da al. E) do probatório, não permite que este Tribunal conclua pela prova da existência de vectores exteriores à sociedade executada originária que tenham provocado a dita insuficiência económica da empresa, de forma exclusiva. Antes pelo contrário, conforme vinca o recorrente, verifica-se, além do mais, o incumprimento do dever de apresentação (atempada) à insolvência da dita sociedade, sendo que tal incumprimento é, naturalmente, imputável ao opoente/recorrido, enquanto gerente único da sociedade.

Terminando, apesar da apresentação da dita sociedade à insolvência, do exame da factualidade provada não se pode concluir que a impossibilidade de pagamento da dívida exequenda objecto do processo de execução de que a presente oposição constitui apenso se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da administração da empresa, o opoente/recorrido usou da diligência de um gestor criterioso.

E recorde-se que o acto ilícito culposo que se presume praticado pelo gestor não se reconduz à mera omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência devida, tudo de acordo com as disposições legais aplicáveis aos gestores, que impõem a supra citada observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade do mesmo ente societário.

Donde, há que concluir, contrariamente à posição que fez vencimento, que houve culpa na actuação do oponente/recorrido J...., verificando-se assim todos os requisitos legais para a reversão contra o mesmo da divida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº. 3492-2011/104838.4.

Com estes pressupostos, pugnava pelo provimento do recurso e revogação da decisão recorrida com as consequências legais.