Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2676/12.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
ÓNUS PROBATÓRIO
DILIGÊNCIAS/PRINTS
Sumário:I-A falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição à execução, nos termos do artigo 204.º nº 1, al. i) do CPPT.

II-Tendo o Juiz do Tribunal a quo, investido do seu poder inquisitório, requerido, de forma expressa e inequívoca, a junção de suportes documentais que atestassem a notificação da liquidação de IRS, e limitando-se a Recorrente a juntar documentos de liquidação, alegadamente, corretiva, que não permite estabelecer qualquer nexo com a dívida em cobrança coerciva nos presentes autos, não só face ao valor que dela emerge, mas também face à data da emissão, e bem assim guias de expedição de registos e respetivos prints sem qualquer possibilidade de associação com a liquidação, ter-se-á de decidir contra a parte onerada com a prova, donde concluir pela falta de notificação.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida por m. t. g. m. m. s. no âmbito do processo de execução fiscal nº 3107201001157086, instaurado para cobrança de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2009, no valor total de €23.019,73.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“I – A OPONENTE deduziu a presente impugnação judicial, alegando em síntese:

- Falta de notificação da liquidação do tributo, por falta de notificação da liquidação exequenda. Solicita a final o arquivamento da execução ou, em alternativa, a declaração de nulidade da citação.

II – O Tribunal delimitou a questão decidenda à verificação da inexigibilidade da dívida (fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT)

III - Ora, nessa sequência a decisão recorrida deu como não provado que:

“A AT tenha remetido à ora Oponente, ou que esta tenha recebido, a notificação da liquidação de IRS identificada na alínea a) do probatório”.

IV – Contudo em sede de matéria de facto entendeu o Tribunal que “tendo a Fazenda sido notificada para juntar aos autos documentos comprovativos da notificação à Oponente da liquidação exequenda, a mesma juntou documentos de fls. 204 a 211, os quais, para além do documento junto a fls. 204 que constitui o mencionado ofício dirigido à Oponente, os restantes documentos não respeitam sequer à liquidação exequenda.

Com efeito os documentos reportam-se a uma posterior liquidação adicional de IRS relativa a 2009, emitida em 28-02-2011 (fls. 205), posterior, portanto à própria instauração da execução em referência, não constituindo a liquidação exequenda, bem como a demonstração de acerto de contas da qual consta o movimento de compensação e estorno resultante da emissão daquela nova liquidação de IRS (fls. 206) e uma demonstração de liquidação dos respetivos juros compensatórios (fls. 207).

V - Ou seja, considerando o princípio do inquisitório situado a montante do ónus de prova, ao abrigo desse princípio, deveria o Tribunal ter concluído de modo diferente. Passando a concretizar, estamos perante duas liquidações, do mesmo ano, encontra-se vigente na ordem jurídica apenas a segunda liquidação.

VI - Como refere entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo01481/08.0BEBRG, da 2ª Secção - Contencioso Tributário, com data de 10/10/2013, em que foi Relatora Catarina Almeida e Sousa, a possibilidade legal de revogação dos atos administrativos em matéria tributária está prevista no art. 79º da LGT (a revogação é um ato que faz cessar ou elimina os efeitos de um ato anterior, com fundamento na sua inconveniência ou invalidade, estando o respetivo regime previsto nos arts. 138° a 146° do CPA) – negrito nosso.

VII - No presente caso havia pois que ter em conta que o facto de a AT, nos seus articulados, ter levado ao conhecimento do Tribunal (com junção dos respetivos elementos de prova), a anulação/adicional (total e parcial) dos atos tributários objeto da impugnação judicial – com óbvias consequências em termos do objeto da impugnação judicial - era esta a questão que não podia deixar de ser apreciada pelo Mmo. Juiz a quo.

VIII - Assim sendo, há que concluir que a sentença incorreu em omissão de pronúncia, verificando-se, pois, a nulidade a que se referem os artigos 668º, nº1, alínea d), do CPC e 125º, nº1, do CPPT.

IX - Consequentemente, julgando em substituição, ao abrigo do disposto no artº 715º do CPC, há que julgar parcialmente ou totalmente extinta a instância, nos termos previstos no artigo 287º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPC.

X - Termos em que se deve determinar a substituição da sentença recorrida conforme conclusões supra reproduzidas.

Porém, com melhor entendimento V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo fixou a seguinte factualidade:

“Com interesse para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

A) Em 17.06.2010, a Administração Tributária procedeu à emissão, em nome da ora Oponente e de J. F. J. D’ A., da liquidação de IRS n.º 20105003981043, relativa ao ano de 2009, no valor de 23.019,73 EUR, com data limite de pagamento voluntário fixada em 30.09.2010 (cfr. documento de fls. 204 dos autos);

B) Em data não determinada, a Administração Tributária emitiu ofício dirigido à ora Oponente e a J. F. J. D’ A., da qual consta a demonstração da liquidação mencionada na alínea A) que antecede, tendente a dar conhecimento da mesma àqueles (cfr. documento de fls. 204 dos autos);

C) Para cobrança do imposto apurado na liquidação mencionada na alínea A) supra, em 26.10.2010, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, contra a ora Oponente e J. F. J. D’ A., o processo de execução fiscal n.º 3107201001157086 (cfr. documento de fls. 1 a 3 do processo de execução apenso);

D) Em 31.01.2012, a ora Oponente foi citada para a execução mencionada em C) que antecede (matéria não controvertida; cfr. documento de fls. 39 do processo de execução apenso);

E) Em 28.02.2012, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 8 a presente oposição, remetida por correio postal registado em 27.02.2012 (cfr. fls. 4 e 103 dos autos).


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O Tribunal a quo consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Dá-se como não provado, com interesse para a decisão, o seguinte facto:

-Que a Administração Tributária tenha remetido à ora Oponente, ou esta tenha recebido, a notificação da liquidação de IRS identificada na alínea A) do probatório supra.


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A motivação da matéria de facto não provada assentou no seguinte:

[Não foi apresentada prova deste facto. Na verdade, não foi junto aos autos qualquer comprovativo do efectivo envio à ora Oponente do ofício de notificação da liquidação, designadamente o registo postal ou aviso de recepção referente à notificação da liquidação, ou outro comprovativo, nomeadamente emitido pela entidade responsável pelos serviços postais (CTT).

Com efeito, dos autos resulta somente ter sido emitido um ofício dirigido à ora Oponente e a J. F. J. D’ A., da qual consta a demonstração da liquidação exequenda (fls. 204), não decorrendo, contudo, da factualidade demonstrada nos autos que tal ofício tenha sido efectivamente remetido à Oponente ou que esta tenha recepcionado o mesmo.

Sendo que, tendo a Fazenda Pazenda sido notificada para juntar aos autos documentos comprovativos da notificação à Oponente da liquidação exequenda, a mesma juntou os documentos de fls. 204 a 211, os quais, para além do documento junto a fls. 204, que constitui o já mencionado ofício dirigido à Oponente, os demais documentos não respeitam sequer à liquidação exequenda.

Com efeito, os restantes documentos reportam-se a uma posterior liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 2009, com o n.º 2011 5000081920, emitida em 28.02.2011 (fls. 205), posterior, portanto, à própria instauração da execução em referência, não constituindo a liquidação exequenda, bem como uma demonstração de acerto de contas da qual consta o movimento de compensação e estorno resultante da emissão daquela nova liquidação de IRS (fls. 206) e uma demonstração de liquidação dos respectivos juros compensatórios (fls. 207).

Tendo ainda sido junta aos autos (cfr. fls. 208 a 2011) uma guia de expedição de registos dos CTT e uma impressão extraída do sistema informático da Administração Tributária, da qual consta um registo com a identificação de registos postais e respectiva data de emissão e envio, tais documentos nada provam relativamente à questionada notificação da liquidação exequenda. Por um lado, a guia de expedição de registos dos CTT, para além de conter dados inócuos, para o que aqui nos interessa, sendo datada de 11.03.2011, é posterior à própria instauração da execução. Sendo que no intervalo de números de registos postais mencionados nos “prints” extraídos do sistema informático da Administração Tributária não cabe o registo postal que, segundo a informação fornecida pela Administração Tributária, a fls. 202 e 203, respeita à notificação da liquidação exequenda, mas sim os registos postais relativos à notificação da nova liquidação (não a exequenda) e das supra referidas demonstração de acerto de contas e demonstração de liquidação de juros compensatórios. Sendo a data de envio aí registada de 11.03.2011, posterior à instauração da execução.

Acresce que o “print” do sistema informático, sendo da própria Administração Tributária, não constitui documento de prova bastante deste facto (notificação), provando somente o registo feito no referido sistema informático]”.


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Mais ficou consignado na decisão recorrida que:

“Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo de execução, não impugnados, com destaque para os referidos a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução fiscal, atenta a inexigibilidade da dívida exequenda, por falta de notificação do ato de liquidação objeto de cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº 3107201001157086.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto e atentas as conclusões das alegações do recurso interposto importa apreciar:

ü Se o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia;

ü Em caso negativo, se incorreu em erro de julgamento de direito ao decidir que a Recorrida não foi notificada da liquidação de IRS referente ao ano de 2009, objeto de cobrança coerciva no processo de execução nº 31707201001157086 competindo, nessa medida, avaliar se face à prova produzida se pode extrair que a mesma foi, devidamente, notificada do aludido ato de liquidação de IRS.

Atentemos, então, se assiste razão à Recorrente. Comecemos pela arguida omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." (1)

Vejamos, então.

A Recorrente aduz que o Tribunal a quo tinha de ter em conta o facto de a AT, nos seus articulados, ter levado ao conhecimento a anulação parcial dos atos tributários objeto da impugnação judicial, com óbvias consequências em termos do objeto da impugnação judicial, pelo que sendo esta a questão premente não podia deixar de ser apreciada, verificando-se, assim, a nulidade a que se referem os artigos 668º, nº1, alínea d), do CPC e 125º, nº1, do CPPT.

Apreciando.

Ab initio, importa, desde já, relevar que as alegações de recurso se afiguram pouco claras e sem clara conexão com o objeto da lide, pois pese embora a Recorrente se reporte aos presentes autos como processo de impugnação judicial, a verdade é que o processo em discussão reveste uma espécie completamente distinta, concretamente, oposição ao processo de execução o que, desde logo, acarreta âmbitos e abrangências totalmente díspares.

Mas ainda assim, sempre se dirá que face ao supra aludido não se vislumbra qualquer omissão de pronúncia, porquanto tendo presente o teor da petição inicial o Tribunal a quo apreciou todas as questões que lhe foram submetidas, inexistindo qualquer omissão de pronúncia.

Com efeito, perscrutando o articulado inicial verifica-se que a Oponente vem arguir como fundamento da inexigibilidade da dívida exequenda a falta de notificação da liquidação objeto de cobrança coerciva, e foi precisamente essa a questão que foi analisada e dirimida pelo Tribunal a quo, logo, contrariamente ao invocado pela Recorrente, inexiste qualquer omissão de pronúncia.

De relevar, neste particular, que se o Tribunal a quo valorou correta e adequadamente toda a prova produzida nos autos é questão completamente distinta e que, quando muito, redundará em erro de julgamento.

Em face de todo o exposto e sem necessidade de outros considerandos dimana evidente que não padece de nulidade por omissão de pronúncia a decisão recorrida, visto que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da Recorrente.(2)

Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto e de direito.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo valorou indevidamente a prova carreada aos autos, mormente, os documentos juntos a fls. 204 a 211, e concluiu, erroneamente, que os mesmos não respeitam à liquidação exequenda.

Logo, em cumprimento, desde logo, do princípio do inquisitório deveria o Tribunal a quo ter concluído de modo diferente, até porque nos encontramos perante duas liquidações, do mesmo ano, encontrando-se vigente na ordem jurídica apenas a segunda liquidação.

Importa, desde já, relevar que a Recorrente não requer qualquer aditamento por complementação ou substituição, limitando-se a invocar a documentação carreada aos autos, daí apenas discernindo erro de julgamento, pelo que inexiste impugnação da matéria de facto de acordo com os requisitos constantes no artigo 640.º do CPC.

Sendo certo que não se vislumbra o alegado erro de julgamento consubstanciado nos aludidos documentos, mormente, a aduzida-e se bem interpretarmos as alegações da Recorrente- anulação do ato de liquidação e subsequente emissão de ato corretivo.

Mas expliquemos, com pormenor, porque assim o entendemos.

A priori, cumpre evidenciar que a Recorrente aquando da junção da prova carreada aos autos nada aduz no sentido das convocadas anulações e emissões de liquidações corretivas, limitando-se, tão-só, a proceder à junção dos alegados comprovativos de notificação do ato de liquidação.

De todo o modo, sempre se dirá que a documentação carreada aos autos e conforme o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo sublinhou na motivação da matéria de facto, não permite extrapolar qualquer coincidência com o ato de liquidação objeto de cobrança coerciva.

Com efeito, se atentarmos nos evidenciados documentos não se vislumbra qualquer erro de julgamento na sua valoração, porquanto a liquidação, alegadamente, corretiva, não permite estabelecer qualquer nexo com a dívida em cobrança coerciva nos presentes autos, não só face ao valor que dela emerge, ou seja, €63.663,15, mas também face à data da emissão, a saber, 28 de fevereiro de 2011, donde ulterior à própria instauração da execução em referência. Entendimento igualmente transponível quanto aos documentos de acerto de contas e de liquidação de juros.

Neste particular e porque secundamos, inteiramente, a bem fundamentada motivação da matéria de facto, ora, se transcreve o nela expendido, neste e para este efeito:

“[o]s documentos de fls. 204 a 211, os quais, para além do documento junto a fls. 204, que constitui o já mencionado ofício dirigido à Oponente, os demais documentos não respeitam sequer à liquidação exequenda.
Com efeito, os restantes documentos reportam-se a uma posterior liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 2009, com o n.º 2011 5000081920, emitida em 28.02.2011 (fls. 205), posterior, portanto, à própria instauração da execução em referência, não constituindo a liquidação exequenda, bem como uma demonstração de acerto de contas da qual consta o movimento de compensação e estorno resultante da emissão daquela nova liquidação de IRS (fls. 206) e uma demonstração de liquidação dos respectivos juros compensatórios (fls. 207).”
Tendo ainda sido junta aos autos (cfr. fls. 208 a 211) uma guia de expedição de registos dos CTT e uma impressão extraída do sistema informático da Administração Tributária, da qual consta um registo com a identificação de registos postais e respectiva data de emissão e envio, tais documentos nada provam relativamente à questionada notificação da liquidação exequenda. Por um lado, a guia de expedição de registos dos CTT, para além de conter dados inócuos, para o que aqui nos interessa, sendo datada de 11.03.2011, é posterior à própria instauração da execução. Sendo que no intervalo de números de registos postais mencionados nos “prints” extraídos do sistema informático da Administração Tributária não cabe o registo postal que, segundo a informação fornecida pela Administração Tributária, a fls. 202 e 203, respeita à notificação da liquidação exequenda, mas sim os registos postais relativos à notificação da nova liquidação (não a exequenda) e das supra referidas demonstração de acerto de contas e demonstração de liquidação de juros compensatórios. Sendo a data de envio aí registada de 11.03.2011, posterior à instauração da execução.”

Mais importa ressalvar que, a Recorrente se limita a aludir, genericamente, a dois atos de liquidação, discernindo uma anulação e posterior emissão de um ato de liquidação corretivo-único, segundo as suas alegações, em vigência- mas nada demonstra, nesse e para esse efeito, nada contraditando, designadamente, quanto à circunstância de um deles ter data ulterior à instauração da execução, e bem assim que a ora Oponente teve conhecimento do ato notificado em momento anterior à sua citação para a execução.

De salientar ainda que, face a todo o expendido, em nada relevam, neste e para este efeito, as alegações concatenadas com a revogação do ato contempladas em VI, nada havendo, necessária e consequentemente, que inferir e extrapolar quanto ao aduzido em IX.

E por assim ser, inexiste o apontado erro de julgamento de facto arguido pela Recorrente, concluindo-se, nessa medida, que o ato de liquidação a que se reporta a dívida objeto de cobrança coerciva é aquele que foi espelhado no probatório e devidamente ponderado na decisão recorrida.

Aqui chegados, importa, então, apurar do erro de julgamento por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente convoca o princípio do inquisitório e sustenta, ainda que de forma pouco cristalina, que face aos elementos carreados aos autos a decisão teria de ser no sentido da verificação da notificação.

Porém, mais uma vez, a pretensão da Recorrente não merece acolhimento.

Como visto, o Tribunal a quo, entendeu que face a toda a factualidade carreada aos não resultou demonstrada a válida notificação à Recorrida da liquidação de IRS previamente à sua citação, razão pela qual se teria de concluir pela sua ineficácia e consequentemente pela inexigibilidade da dívida exequenda.

E assim também o ajuizamos, entendendo que a decisão recorrida não merece qualquer censura, tendo interpretado adequadamente o regime jurídico que releva para o caso dos autos com a devida transposição para a realidade fática em contenda.

Senão vejamos.

Os fundamentos da execução fiscal são os taxativamente indicados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo fundamento de oposição constante na alínea i) do citado artigo 204.º, n.º 1, do CPPT, a pretensa falta de notificação do ato de liquidação. Verificando-se a falta de notificação do ato que subjaz à instauração da execução fiscal, estar-se-á perante uma omissão de um ato imposto por lei, necessário para assegurar a eficácia do ato, nos termos das citadas normas legais, que se reconduz ao fundamento previsto na alínea i) do citado artigo 204.º, n.º 1, do CPPT.

Dispõe o artigo 36.º, n.º 1, do CPPT que: “[o]s atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”, pelo que entre os referidos pressupostos figura a notificação validamente efetuada ao sujeito passivo.

Independentemente da formalidade específica atinente à notificação de ato de liquidação de IRS, relativamente ao ano de 2009, ou seja, carta registada ou carta registada com aviso de receção -questão não sindicada nos presentes autos- a verdade é que, como bem decidiu o Tribunal a quo, nenhuma prova resulta dos autos que permita concluir no sentido propugnado pela Recorrente.

Do probatório resulta que a 17 de junho de 2010, a AT procedeu à emissão, em nome da ora Oponente e de J. F. J. D’ A., da liquidação de IRS n.º 20105003981043, relativa ao ano de 2009, no valor de 23.019,73 EUR, tendo em data não concretamente apurada, emitido ofício dirigido aos mesmos, com concreta identificação do aludido ato de liquidação e tendente a dar conhecimento do mesmo.

Mais dimanando provado que, a 26 de outubro de 2010, foi instaurado o competente processo de execução fiscal nº 3107201001157086, contra a Oponente e J. F. J. D’ A.

Contudo, e conforme resulta inequívoco da factualidade não provada, não resultou provado que a AT tenha remetido à ora Oponente, ou esta tenha recebido, a notificação da liquidação de IRS que motivou a instauração do PEF em discussão.

Ora, face à aludida factualidade- não impugnada eficazmente- não se ajuíza qualquer erro de julgamento. E isto porque, não tendo sido carreados para os autos quaisquer elementos probatórios que atestem, de forma inequívoca, a notificação da liquidação descrita na alínea A) do probatório, outra não pode ser a solução que não a procedência da oposição.

Note-se, neste particular, que o Juiz do Tribunal a quo, investido do seu poder inquisitório requereu, de forma expressa e inequívoca a junção de suportes documentais que atestassem tal notificação, e a verdade é que os únicos documentos juntos aos autos e conforme explicitado em sede de motivação da matéria de facto, não permitem, de forma inequívoca, extrapolar a notificação do aludido ato tributário.

Mais importa relevar que não se aquilata e não se perceciona o alcance da alegação da preterição do inquisitório-de resto não devidamente substanciado- porquanto o Tribunal a quo diligenciou, adequadamente e em ordem ao inquisitório e à descoberta da verdade material, pela junção de prova tendente a demonstrar a notificação do ato de liquidação, sendo que quem não cumpriu, acertada e cabalmente, pela demonstração da visada notificação foi a AT, entidade, como visto, que estava investida do competente ónus probatório.

Assim, atento todo o expendido e sem necessidade de outros considerandos, ter-se-á de concluir que a AT não logrou fazer a prova que lhe competia, in casu, notificação do ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2009, descrito em A) do probatório, pelo que contra ela deve ser onerada essa falta de prova.

Destarte, a falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição à execução, nos termos do artigo 204.º nº 1, al. i) do CPPT, improcedendo, na íntegra, o recurso sendo de manter a decisão recorrida.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 07 de dezembro de 2021


(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)















1) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
2) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01109/12, de 07 de novembro de 2012 e bem assim Aresto do mesmo Tribunal proferido no processo nº 829/12.7 BELRA.