Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8340/15.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS;
MÉTODOS INDIRECTOS.
Sumário:I – O recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta. Daí o caráter subsidiário da avaliação indireta, previsto no art.º 85.º da LGT, avaliação esta que deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º e 89.º do mesmo diploma legal.

II - Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação.

III - Não basta, na fundamentação do recurso a métodos indiretos, elencar irregularidades detectadas, sendo necessário demonstrar de que forma essas irregularidades inviabilizaram a avaliação directa.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A......., veio deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), referentes aos anos de 1994 a 1997.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco julgou improcedente a impugnação e manteve as liquidações adicionais impugnadas.

Inconformado, A......., veio recorrer da referida sentença, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. Ao contrário do que entende a sentença recorrida, as liquidações adicionais de IRS dos exercícios de 1994 a 1997 devem ser anuladas, por falta de fundamentação dos pressupostos do recurso a métodos indirectos.

B. A sentença recorrida, não atentou aos factos e demonstrações que comprovam que os critérios utilizados foram desadequados e inadmissíveis, pelo que se verifica erro ou excesso na quantificação da matéria tributável.

C. Existem, nos autos, elementos de prova suficientes para reconhecer a ilegalidade dos critérios utilizados na quantificação da matéria colectável.

D. Donde resulta errónea quantificação da matéria colectável.

E. A sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 87.º e 90.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 39.º do Código do IRS.

Nestes termos e mais de direito, pelos fundamentos expostos, DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA e substituída em conformidade com os termos e com os fundamentos acima enunciados, com as legais consequências.

E assim, V. Excias farão JUSTIÇA.»


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A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1) Em cumprimento Ordem de Serviço n.º 5828, de 12-04-99, foi efectuada uma acção de inspecção ao sujeito passivo A......., incidente sobre o IRS dos exercícios de 1994 a 1997, com início em 28-04-1999 e fim em 23-07-1999 - cfr. relatório de inspecção tributária (doravante RIT) constante de fls. 48 a 56 dos autos, designadamente fls. 51;

2) O sujeito passivo A....... dedicava-se à actividade de construção e venda de propriedades - CAE 45211, iniciada em 05-02-1990 e encontrava-se enquadrado, em sede de IVA, desde 01-01-1991, no regime de isenção previsto no artigo 9.º, n.º 31 do CIVA e, colectado como sujeito passivo de IRS (artigo 4.º do CIRS) - cfr. resulta do RIT a fls. 51 e 52 dos autos;

3) A acção inspectiva mencionada em 1), culminou com a elaboração do RELATÓRIO FINAL, em 23-07-1999 [constante de fls. 48 a 56 dos autos, e respectivos anexos de fls. 57 a 66, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido], donde constava, além do mais, o seguinte:














(…)»

4) Sobre as conclusões da acção inspectiva recaiu Parecer com o seguinte teor:

«Em vista do relatado, nomeadamente dos pressupostos enunciados a fls. 2, as insuficiências contabilísticas, como a não contabilização de adiantamentos, a não exibição de extractos bancários e de contratos de promessa de compra e venda, tudo traduzido na declaração de valores sem aderência à realidade, factos não colmatados com a audição prévia produzida, e tendo presente que o alargamento do âmbito da visita foi justificado e efectuado com cobertura legal, confirmo a presente proposta de tributação por métodos indirectos, com reflexos em IRS dos exercícios 1994, 19995, 1996 e 1997, cujos valores constam da conclusão e de fls. 4.»

Cfr. fls. 48 dos autos;

5) Em resultado das conclusões extraídas da acção de inspecção e do PARECER que antecede, foi, pelo Director Distrital de Finanças, proferido despacho concordante, determinando que fossem efectuadas correcções ao lucro tributável do sujeito passivo no valor de Esc. 16.922.095$00, 22.200.290$00, (1.059.348$00) e 3.139.326$00, referente a IRS relativo aos anos de 1994 a 1997, respectivamente - cfr. resulta do RIT constante de fls. 48 a 56, designadamente de fls. 48;

6) Em 05-11-1999, o impugnante apresentou Pedido de Revisão «nos termos do art.º 91º da Lei Geral Tributária», dirigido ao Director Distrital de Finanças da Guarda, com os fundamentos constantes de fls. 75 a 80 dos presentes autos [cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais];

7) Em 24-11-1999, reuniram-se na Direcção Distrital de Finanças da Guarda, os peritos da Fazenda Pública e do contribuinte, não tendo logrado obter acordo, conforme consta da Acta de Reunião de Peritos constante de fls. 83, cujo teor se dá por integralmente reproduzida;

8) Do PARECER do Perito da Fazenda Pública, constava o seguinte:

«Relativamente aos valores fixados, propomos a manutenção dos mesmos pelos seguintes motivos:

1. O recurso aos métodos indirectos, para efeitos de determinação do lucro tributável da categoria C, teve por base a falta de credibilidade da escrita, havendo indícios fundados de que esta não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, designadamente os seguinte:

a) sendo o s.p. obrigado a possuir contabilidade organizada, nos termos das leis comercial e fiscal, esta não se encontra devidamente organizada, pelo que não permite apurar e controlar inequivocamente todos os elementos necessários à determinação do lucro tributável;

b) exercendo a actividade de construção e venda de andares, verificaram-se, designadamente, as seguintes deficiências:

- não contabilizou os adiantamentos recebidos dos clientes;

- não exibiu os extractos contabilísticos das contas de bancos, o que impossibilitou o controlo dos recebimentos;

- também não exibiu os contratos de promessa de compra e venda dos andares;

- a contabilidade revela prejuízos consecutivos entre 1994 e 1996, muito embora as vendas tenham totalizado cerca de 165.000 contos, no conjunto dos três anos;

- em 1997, quando as vendas atingem somente 6.000 contos, é então apurado um lucro de cerca de 382 contos;

- os valores das escrituras são quase sempre inferiores aos custos de construção das fracções;

- em consequência, a margem bruta das vendas é negativa;

- não existe qualquer coerência entre os valores das escrituras de compra e venda, onde fracções do mesmo tipo têm valores muito divergentes e outras com áreas inferiores são vendidas, no mesmo ano, por preço superiores;

- tendo o s.p. transferido andares afectos à categoria C para o seu património pessoal, atribuiu aos mesmos valores inferiores aos custos de produção.

2. Perante essas irregularidades toma-se impossível quantificar directa e exactamente todos os elementos necessários ao apuramento dos resultados fiscais dos exercícios em questão, pelo que se justifica a aplicação dos métodos indirectos para proceder ao seu apuramento.

3. Consideramos correcto o critério seguido na quantificação das vendas, o qual teve por base:

- nas fracções vendidas a terceiros, os preços médios por m2 praticados pelo s.p. noutras fracções onde apurou algum lucro bruto, o que é razoável tendo em conta que o objectivo normal de qualquer comerciante é o lucro e não o prejuízo;

- nas fracções afectas ao seu património pessoal, o custo de produção das mesmas.»

Cfr. fls. 84 dos autos;

9) Consequentemente, foi exarado pelo Chefe de Divisão da Direcção Distrital de Finanças da Guarda [por delegação de competência do Director Distrital de Finanças da Guarda], o seguinte DESPACHO:

«Considerando os pareceres dos peritos verifica-se não ter havido acordo, entendo o do contribuinte que se mantêm inalterados os fundamentos da petição, não tendo sido por ele apresentados quaisquer elementos que contraditassem ou pudessem ser considerados tendo em vista a alteração dos valores inicialmente tomados em consideração na fixação dos rendimentos líquidos totais a não ser a afirmação de que os valores de venda das fracções “M" da obra nº2 e ''I" da obra nº 3, contemplam a venda de apartamentos equipados com mobiliário de cozinha e instalações de aquecimento central com caldeira incluída, agravando o preço de venda em relação a apartamentos idênticos, que não contemplam estas mais valias, mas sem referência a quaisquer montantes.

Por seu lado o perto da fazenda pública justifica no seu parecer em termos adequados a aplicação do recurso a métodos indirectos na fixação da matéria colectável e o critério seguido na quantificação das vendas, o qual teve por base nas fracções vendidas a terceiros os preços médios por m2 praticados pelo sujeito passivo noutras fracções onde apurou algum lucro bruto e nas fracções afectas ao seu património pessoal o custo de produção das mesmas.

Pelos motivos indicados mantenho os rendimentos líquidos totais fixados, a saber:

- 1994 - 22 098 440$00,

- 1995 - 31 811 958$00,

- 1996 - 12 092 510$00, e

- 1997 - 19 082 787$00.

(...)»

Cfr. resulta de fls. 82 dos presentes autos;

10) Em 02-02-1999, foi o sujeito passivo notificado do despacho referido na alínea anterior - cfr. resulta de fls. 89 e 89vº dos autos;

11) Em 27-03-2000 deu entrada na 1.ª Repartição de Finanças da Guarda, a presente impugnação - cfr. carimbo aposto no rosto de fis. 2 dos autos;

Ø MAIS SE PROVOU QUE:

12) Em 18-03-1992, pelo Presidente da Câmara Municipal da Guarda foi emitido o alvará de licença de utilização para habitação com o n.º…….., referente ao prédio urbano sito no Largo 1.º de Maio, na Guarda - Gare, constante de fls. 30 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

13) Em 16-01-2002, em cumprimento do ordenado no despacho de 06-12-2001, veio a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças da Guarda, informar o seguinte:

«1. Para determinação dos critérios de aplicação dos métodos indirectos, foi considerado para o efeito, o valor por m/2 da área total, extraído das declarações apresentadas pelo contribuinte no Serviço de Finanças da Guarda, para inscrição dos prédios na matriz (Modelos n.º 129), conforme anexo I;

2. Esclarece-se ainda que, os princípios que serviram de base à determinação das vendas omitidas não suportaram a distinção entre áreas comerciais e não comerciais, em virtude de não terem sido facultados à data da inspecção, por parte do contribuinte, quaisquer elementos contabilísticos referentes a cada uma das fracções construídas, não sendo assim possível determinar individualmente o tipo e valor de custos correspondentes a cada fracção.

Apenas foi possível apurar o custo total da obra e imputa-lo proporcionalmente a cada uma das fracções em função das suas áreas.»

Cfr. fls. 174 dos autos;

14) Anexo à informação constante na alínea antecedente, foram juntas as declarações para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz, respeitantes aos artigos 1….., 3…. e 3….., constantes de fls. 175 a 177 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.


***


Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

***


O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos.

Da prova testemunhal nada se extraiu com interesse para a decisão da causa.»



*

- De Direito

A sentença objecto de recurso, proferida em sede de impugnação judicial, tem por objecto os actos de liquidação adicional de IRS dos anos de 1994 a 1997.

Como o Mmo. Juiz a quo expressamente autonomizou, na petição inicial foi invocado, contra as liquidações adicionais contestadas, o seguinte:

(i) Falta de fundamentação dos pressupostos do recurso a métodos indirectos;

(ii) Ilegalidade dos critérios utilizados na quantificação da matéria colectável;

(iii) Ofensa ao princípio da unidade do sistema jurídico tributário;

(iv) Errónea quantificação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos.

Já na análise do mérito da impugnação, o TAF de Castelo Branco veio a conhecer cada um dos apontados fundamentos, concluindo que não assistia razão ao Impugnante, ora Recorrente, mantendo, assim, as liquidações contestadas.
Da análise concatenada do teor das conclusões de recurso com o teor das respectivas alegações, resulta claro que o Recorrente mantém a sua discordância inicial com a actuação da Administração Tributária (AT) e com a sentença que sufragou o entendimento dos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), pois continua defendendo a “falta de fundamentação dos pressupostos do recurso a métodos indirectos” e o “erro ou excesso na quantificação da matéria tributável”, salientando a “ilegalidade dos critérios utilizados na quantificação” em causa.

Antes de avançarmos, apenas umas breves palavras para referir que, não obstante o teor das conclusões formuladas ser manifestamente conciso, a verdade é que as mesmas não deixam dúvidas sobre a discordância do Recorrente com a sentença recorrida e com a análise aí feita quanto às questões cuja reapreciação vem pedida (sem esquecer a indicação das normas violadas), concluindo--se o recurso jurisdicional no sentido da revogação da sentença.

Avançando, refira-se que, como é patente, não vem impugnada a decisão da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, mantendo-se inalterado o probatório tal como se mostra vertido na sentença sindicada.

Fixemos, então, a nossa atenção na primeira questão invocada contra a sentença recorrida e que se prende com a alegada “falta de fundamentação dos pressupostos do recurso a métodos indirectos”, expressão esta, porventura, geradora de alguma confusão, já que é claro que o que o Recorrente defende (cfr. ponto I do corpo das alegações) é que, contrariamente ao decidido, a AT não demonstrou a verificação dos pressupostos legais que permitiam o recurso a métodos indirectos de avaliação.

Comecemos por deixar devida nota daquilo que a sentença, além do mais, expendeu a este propósito:

“(…)

É que perante os indícios recolhidos e ante expostos, dúvidas inexistem que os mesmos colocam em crise a credibilidade da escrita, fazendo com que esta deixe de gozar da presunção de veracidade.

É inequívoco que tais indícios são suficientes para concluir que a escrita do impugnante não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, não se vislumbrando de que outro modo seria possível quantificar a matéria colectável que não através de métodos indirectos.

Entende-se, pois, que era de todo impossível comprovar de forma directa e exacta a matéria colectável e, nesse sentido, está criado o mote para a AT recorrer aos métodos indiciários, como o fez.

Desde logo, porque é indesmentível que alguém que se dedica à construção e venda de imóveis tem em vista o lucro.

Parece-nos inverosímil que algum empresário aceitasse que os imóveis por si construídos fossem vendidos por preço inferior ao do custo, originando margens de lucro negativas.

Ainda por cima nos anos áureos da construção civil [os anos 90], altura em que não se falava em crise no sector da construção.

Também não se afigura credível que, perante fracções dentro do mesmo tipo e ano, houvessem fracções com áreas inferiores que tivessem um preço superior em escritura de venda, em relação àquelas que tinham áreas superiores ou que entre fracções em tudo idênticas [dentro do mesmo tipo, ano e com a mesma área] os valores na escritura de venda divergissem muito.

A par disso, importa reter que o sujeito passivo não cumpriu fielmente com as suas obrigações fiscais organizativas [está obrigado a possuir contabilidade organizada, nos termos das leis comerciais e fiscais e a AT concluiu que a contabilidade não se encontra devidamente organizada].

Por fim, a AT apontou, ainda, outras deficiências:

a) Não contabilização dos adiantamentos recebidos dos clientes;

b) Não exibição dos extractos contabilísticos das contas dos bancos [impossibilitando o controlo dos recebimentos];

c) Não exibição dos contratos de promessa de compra e venda dos andares.

Todos estes indícios revelam, inequivocamente, as conclusões que a AT extraiu: que a escrita do contribuinte não reflecte o lucro real deste e que tal apuramento de forma directa e exacta se afigura impossível.

Nesta conformidade, estavam reunidos os pressupostos legitimadores do recurso à avaliação indirecta”.

Analisemos, pois, o que nos vem pedido, lançando mão do enquadramento legal e jurisprudencial sintetizado no acórdão deste TCA, de 22/05/19, proferido no processo nº 8388/15.2BCLSB, no qual se pode ler o seguinte:

“O nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente.

O recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta. Daí o caráter subsidiário da avaliação indireta, previsto no art.º 85.º da LGT, avaliação esta que deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º e 89.º do mesmo diploma legal. Com efeito, dispõe o art.º 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “… [o] imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”, ou seja, prevê o princípio da capacidade contributiva, que determina que a tributação seja efetuada em função dos rendimentos efetivos. Daí a preferência pela avaliação direta, porquanto, em princípio, esta refletirá tais rendimentos efetivos.

A avaliação direta, por outro lado, tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2009 (Processo: 0422/09):

“[S]ão excepcionais e obedecem a tipificação legal (em especial a contida no artigo 87.º da Lei Geral Tributária) os casos em que é lícito à Administração tributária fixar a matéria tributável dos contribuintes por “avaliação indirecta”, afastando-se dos valores declarados, porque inexistentes ou fundamentadamente desmerecedores de confiança, recorrendo a outros elementos (também objecto de previsão legal) que permitem a determinação do valor tributável”.

Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação.

A este respeito, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.03.2010 (Processo: 01211/09):

“Tendo a avaliação indirecta carácter excepcional (cfr. o n.º 1 do artigo 81.º da LGT) e subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. o artigo 85.º, n.º 1 da LGT), cabe à Administração tributária a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT)”.

Assim, cabe à AT a demonstração de que os pressupostos que legitimam o recurso a avaliação da matéria tributável por métodos indiretos se verificam, consubstanciando-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação(3).

Nos termos do art.º 87.º da LGT (redação vigente à época):

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;

b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, da aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica referidos na presente lei”.

A situação prevista na alínea b) supratranscrita, única pertinente in casu, remete-nos para o art.º 88.º da LGT, nos termos do qual:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos da aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal”.

Em sentido idêntico prescrevia o então art.º 38.º do CIRS (e o art.º 52.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – CIRC, para o qual este remetia), em cujo n.º 1 eram elencados os factos que poderiam motivar a aplicação de métodos indiciários, sem prejuízo do seu caráter residual, a que já se fez referência, como decorre do n.º 2 da mesma disposição legal”.

No caso concreto, tal como consta do relatório de inspecção, a fundamentação legal para o recurso à avaliação indirecta radica no disposto nos artigos 38º, nº 1, alínea d) do CIRS, 87º, alínea b) e 88º, alínea a), ambos da LGT.

Entendeu, pois, a AT que estava perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, resultante da inexistência ou insuficiência de elementos da contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais e, bem assim, de acordo com a apontada alínea d) do nº1 do artigo 38º do CIRS, perante erros ou inexatidões no registo das operações ou indícios seguros de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.

Entremos, então, na análise da questão de saber se se encontra devidamente fundamentado o recurso a métodos indirectos, ou seja, importa aferir se, no procedimento tributário, foram identificadas situações que evidenciem a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável. A este propósito, cabe dizer que não basta, na fundamentação do recurso a métodos indiretos, elencar irregularidades detectadas, sendo necessário demonstrar de que forma essas irregularidades inviabilizaram a avaliação directa.

Nesta análise, repete-se, teremos de atender às regras do ónus da prova que acima deixámos referidas, no sentido de que, tendo a AT recorrido à avaliação indirecta compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação – cfr. artigo 74º da LGT.

Ora, sob a epígrafe “Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”, evidenciou-se no RIT o seguinte (resultante da análise aos quadros a que correspondem os anexos I, II e III):

- existem fracções do mesmo tipo e ano, com áreas inferiores, que possuem um valor mais elevado na escritura de venda, em relação a fracções com áreas superiores e, bem assim, existem fracções dentro do mesmo tipo, ano e com a mesma área, com valores na escritura de venda muito divergentes:

A este propósito, lê-se na sentença que “não se afigura credível que, perante fracções dentro do mesmo tipo e ano, houvessem fracções com áreas inferiores que tivessem um preço superior em escritura de venda, em relação àquelas que tinham áreas superiores ou que entre fracções em tudo idênticas [dentro do mesmo tipo, ano e com a mesma área] os valores na escritura de venda divergissem muito”.

Admitindo-se que, à primeira vista, estes indícios possam impressionar, a verdade é que assim acaba por não ser, em especial, como importa, quando analisadas tais asserções no confronto com os três anexos para os quais o RIT expressamente remete. Expliquemos em detalhe.

Analisando as três obras efectuadas (Obras nº 1, 2 e 3), verifica-se, desde já, que a situação descrita ocorreu pontualmente.

Por exemplo, na obra nº 1, tal situação verificou-se relativamente a três apartamentos T3, todos vendidos em 1993, pelos valores de 7000 contos, 5000 e 6800, com áreas de 123 m2, 135 m2 e 155 m2, respectivamente. Também na obra nº3 se denotam diferenças na venda de duas fracções destinadas a comércio, com a mesma área de 101 m2, as quais foram vendidas por 8.500 e 6000. Na obra nº2, não se detectam quaisquer das referidas discrepâncias, sendo que também a AT se absteve de as autonomizar.

Ora, como é do conhecimento e da experiência de qualquer homem médio, o valor a que cada fracção é colocada no mercado varia consoante um conjunto de factores que justificam que apartamentos de um mesmo edifício, com a mesma tipologia, possam ser vendidos por preços diferentes, nomeadamente a sua altura (e o prédio ser servido por elevador), a orientação solar, a vista, as áreas das salas, o número de casas de banho, a existência de varandas, a fase de construção em que se encontram as fracções no momento da venda, isto é, se a venda ocorre em planta ou já com a construção, os acabamentos, os arranjos exteriores, a maior necessidade de liquidez por parte de quem vende, etc.

Por exemplo, no caso da obra nº3, entre a venda de ambos os referidos espaços comerciais há uma diferença de dois anos, o que bem pode explicar a diferença encontrada de 2.500 contos. Neste sentido, numa situação idêntica, lê-se no acórdão deste TCA, de 25/05/17, processo nº 6473/13, que “a comparação de preços com três anos de diferença pode traduzir incongruências várias, já que o preço de uma determinada fracção em 2007 pode, por razões várias, não ser comparável ao preço da mesma fracção vendida em 2005, quando, por exemplo, os níveis de acabamentos, de acessos ou das áreas envolventes, é previsivelmente diferente. Aliás, nem tão pouco se descortina, analisando os elementos juntos ao PAT, se as fracções comparadas são idênticas (para além da tipologia) e, por isso, comparáveis”.

Ainda na mesma obra há diferenças de preços entre apartamentos T1, diferenças essas que não excedem 500 contos. Contudo, basta uma rápida análise para perceber que os apartamentos mais baratos estão localizados na sub-cave, localização essa que habitualmente não é, por razões óbvias, a preferida dos potenciais compradores.

Significa isto que, sem uma explicação adicional que ponha em causa a verificação daqueles factores (dos quais – repete-se – incontornavelmente depende o valor das fracções num mesmo edifício), as constatações avançadas impressionam pouco e definitivamente, no caso, não são reveladoras de qualquer irregularidade que descredibilize a contabilidade do impugnante.

Passando, agora, às constatações evidenciadas no RIT no sentido de que “o lucro bruto obtido através do quadro em anexo I Fls. 1, 2 e 3, em muitas das situações, é negativo”; que “o preço de venda declarado por m2 na obra nº 2 e 3 é inferior ao preço de custo das já referidas obras” e, bem assim, que “analisado o valor dos proveitos, sendo estes obtidos através das escrituras de venda, e os custos, verificamos que o custo da obra nº3 é superior ao proveito aí obtido”, diremos, igualmente, que, para os efeitos aqui pretendidos, pouco adiantam.

Não se desconsidera o que, a este propósito, a sentença referiu, concretamente que parece “inverosímil que algum empresário aceitasse que os imóveis por si construídos fossem vendidos por preço inferior ao do custo, originando margens de lucro negativas”.

É verdade, não se ignora, que, numa lógica empresarial, a circunstância de se gerar prejuízo na venda das diversas fracções de um edifício afigura-se anormal e indesejável, já que qualquer sociedade comercial (ou empresário) se constitui para obter lucro. No entanto, razões várias podem justificar que pontualmente situações como esta possam ocorrer.

Ora, se é verdade, como dissemos, que a venda abaixo do preço de custo é uma circunstância anormal na economia de uma empresa e que deve, do ponto de vista da AT, funcionar como um sinal de alerta, não é menos verdade que, por ser uma realidade que pode efectivamente suceder (e tantas vezes sucede), impunha-se perceber o porquê de assim ter acontecido para, porventura, retirar a verdade ao assim declarado.

Ora, no caso concreto, como se percebe, a conclusão do RIT não é extensível a todos as obras analisadas, sendo claro que na Obra nº 2 não se pode falar em lucro bruto negativo e nas restantes analisadas os valores não revelam desequilíbrios significativos, nem tal é afirmado pelos SIT.

Mais importante, porém, é que, no caso concreto, não se acompanha minimamente como pôde a AT chegar aos valores a que chegou a título de custo fracção/obra, já que os mesmos não encerram a menor base fundamentadora que possa ser apreciada, aceite ou refutada, mostrando-se este Tribunal incapaz de validar o raciocínio percorrido para alcançar os valores em causa, impossibilidade esta extensível à Impugnante que, aliás, a este propósito, não deixou de afirmar que não possui “contabilidade analítica que permita o apuramento de custos por fracção…”.

No caso, portanto, a alegada venda abaixo do custo fracção/obra acaba por se revelar um factor imprestável para daí retirar, como pretende a AT, a credibilidade da contabilidade da Impugnante.

No RIT vem ainda invocado que “tendo o sujeito passivo transferido do âmbito da categoria C para o seu património pessoal algumas fracções, e no caso da obra nº3 com quase todas as fracções, atribuiu às mesmas um valor inferior ao valor do custo contabilizado”, retirando-se do anexo I, fl. 3 que as fracções A, B, D, L, M, N, O, P, Q e C foram adquiridas por A……, por valores entre os 3000 contos e os 8500.

Sucede, porém, que, na comparação de tais valores com o apontado custo Fracção/obra, esbarramos com as considerações que fizemos nos parágrafos antecedentes, no sentido de não se mostrar evidenciada a forma pela qual a AT chegou aos montantes indicados, a título de custo fracção/obra, já que os mesmos – repete-se – não encerram a menor base fundamentadora que possa ser apreciada, aceite ou refutada.

E, assim sendo, como é, a conclusão quanto à debilidade de tal asserção, enquanto elemento justificativo da necessidade de recurso à avaliação indirecta, vale aqui integralmente.

No RIT refere-se ainda, após o exercício do direito de audição, que o sujeito passivo não contabilizou os adiantamentos aquando do seu recebimento. Trata-se de uma invocação que, desacompanhada de qualquer elemento adicional que permita, com segurança, concluir pela omissão de proveitos (designadamente através de informação obtida junto dos compradores que, aliás, nesta acção inspectiva jamais teve lugar), resulta num elemento que não permite extrair a conclusão atinente à falta de fiabilidade da contabilidade.

Os SIT evidenciaram, ainda, a circunstância de não terem sido exibidos os contratos-promessa de compra e venda, nem os respectivos extractos bancários e meios de pagamento inerentes às operações de venda, muito embora os mesmos elementos tivessem sido solicitados.

Mais uma vez, tais afirmações não podem ter o alcance que a AT lhes pretende dar, no sentido de fundarem uma conclusão segura quanto à inevitabilidade do recurso a métodos indirectos. Com efeito, admitindo-se que é pratica generalizada a celebração de contratos-promessa de compra e venda, a verdade, porém, é que a celebração dos mesmos não é obrigatória. Para mais, surpreende a circunstância de, em coerência com o raciocínio dos SIT, não ter sido efectuada qualquer diligência junto dos compradores para aferir da (in)existência dos referidos contratos-promessa, assim se permitindo extrair uma conclusão sólida no sentido de a contabilidade não refletir os proveitos auferidos (cfr. neste sentido, o ac. do TCA sul, de 22/05/19 já citado).

Diga-se, ainda, que, quer relativamente aos contratos-promessa, quer relativamente aos extractos bancários e meios de pagamento inerentes às operações de venda, com referência aos quais a AT diz não terem sido exibidos “muito embora os mesmos elementos tivessem sido solicitados”, a verdade é que dos autos não consta tal solicitação (e eventual recusa de exibição), sendo claro que tais elementos não fazem parte dos anexos que integram RIT. Lembre-se, por outro lado, que desde a p.i que o Recorrente afirma – sem oposição da FP – que tal solicitação nunca teve lugar.

Em suma, tudo visto, os indícios elencados apresentam-se frágeis, insuficientemente fundados ou mesmo inócuos, o que, à míngua de outros elementos, não chega para concluir, in casu, estarmos perante um caso de impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, não se mostrando evidenciado de que forma a contabilidade é irregular, a ponto de viabilizar o recurso a métodos indiretos.

Contrariamente ao decidido em 1ª instância, consideramos que os pressupostos legitimadores do recurso ao método presuntivo não foram efectivamente comprovados, sendo que, como dissemos, este ónus cabia à AT.

Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, procedendo esta primeira questão que nos vinha colocada, há que revogar a sentença e julgar procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação das liquidações impugnadas.

Face ao decidido quanto à não verificação dos pressupostos para proceder à avaliação indirecta, fica naturalmente prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas neste recurso jurisdicional e que, oportunamente, deixámos autonomizadas.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação judicial e anular os actos tributários contestados.

Sem custas, por delas estar isenta a FP, vencida nestes autos, por se tratar de processo instaurado anteriormente a 01/01/04 - artigo3.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de Fevereiro (cfr. os artigos 14.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o artigo 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

Registe e Notifique.

Lisboa, 24/01/20.


Catarina Almeida e Sousa

Hélia Gameiro

Jorge Cortez