Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3182/12.5 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/11/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
JUROS.
ENTIDADE NÃO RESIDENTE.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Sumário:A retenção na fonte, a título definitivo, do imposto incidente sobre o pagamento de juros a sociedade holding não residente constitui tratamento fiscal discriminatório e não justificado, à luz do Direito da União Europeia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I - Relatório
C……………….., BV veio deduzir impugnação judicial contra o indeferimento da reclamação graciosa relativa aos atos de retenção na fonte, efetuados no exercício de 2010 e 2011, referentes a pagamento de juros por empréstimo que concedeu à sociedade Hotel ......., SA.
O Tribunal Tributário Lisboa, por sentença proferida a fls. 448 e ss., datada de 23/01/2020, julgou a impugnação procedente e anulou o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, bem como os actos de retenções na fonte impugnados. Mais determinou a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios a partir do indeferimento da Reclamação Graciosa.
A Fazenda Pública interpôs recurso contra sentença (requerimento de fls. 478 e ss.). Nas respetivas conclusões, alega nos termos seguintes:
«a. (…) // b. A diretiva 2003/49/CE do conselho, de 3 de Junho de 2003, relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efetuados entre sociedades associadas de Estados-Membros diferentes visa abolir os impostos cobrados no país da UE de origem, no caso em que no país da UE de destino incidam impostos sobre o mesmo pagamento.
c. Neste particular, o considerando 7 da diretiva 2003/49/CE do conselho, de 3 de Junho de 2003, prevê que «Por razões orçamentais, a Grécia e Portugal deverão poder beneficiar de um período transitório a fim de permitir a estes Estados-Membros diminuírem gradualmente os impostos, cobrados mediante retenção na fonte ou mediante liquidação, sobre os pagamentos de juros e royalties, até estarem em condições de aplicar o disposto no artigo 1.º».
d. Com efeito, prevê o artigo 6.º, n.° 1, da diretiva, as seguintes regras transitórias para a Grécia, Espanha e Portugal:
A Grécia e Portugal estão autorizados a não aplicar o disposto no artigo 1.º até à data de aplicação a que se referem os n.os 2 e 3 do artigo 17.º da Directiva 2003/48/CE do Conselho, de 3 de Junho de 2003, relativa à tributação da poupança sob a forma de juros (1). Durante um período transitório de oito anos a contar da referida data, a taxa de imposto aplicável ao pagamento de juros e royalties a uma sociedade associada de outro Estado-Membro ou a um estabelecimento permanente situado noutro Estado-Membro de uma sociedade associada de um Estado-Membro, não pode ser superior a 10 % durante os primeiros quatro anos e a 5 % durante os últimos quatro anos.
e. Daqui decorre que é a própria Diretiva que admite um regime transitório para Portugal por motivos orçamentais, estipulando um período transitório com a duração de oito anos, a contar da data de aplicação da Diretiva, em que as taxas de retenção na fonte sobre os juros e royalties pagos a uma sociedade associada de outro Estado membro ou a um estabelecimento estável situado noutro Estado membro de uma sociedade associada de um Estado membro não podem ultrapassar 10% durante os primeiros quatro anos e 5% durante os últimos quatro anos.
f. A Diretiva foi transposta para a ordem jurídica portuguesa pelo DL n.° 34/2005, de 17 de fevereiro, que deu nova redação, designadamente, à norma da al. g) do n° 4 do artigo 87.°, com produção de feitos a partir de 1 de julho de 2005, nos termos da qual, a tributação por retenção na fonte do pagamento de juros era a uma taxa máxima de 10% nos 4 primeiros anos (até 2009) e de 5% nos 4 seguintes (até 30/06/2013).
g. Com a Lei n.° 55/2013 de 8 de agosto, concretizou-se a plena aplicação do regime da Diretiva na ordem jurídica nacional, com alteração das disposições constantes no Código do IRC (designadamente, artigo 14.°, n.°s 12 e 13), com produção de efeitos a partir 1 de julho de 2013, passando doravante a tributação ser exclusiva do Estado-Membro da residência.
h. Assim, conclui-se que a transposição para a legislação nacional foi efetuada dentro do prazo fixado e que cumpriu os objetivos propostos na diretiva.
i. Uma visão centrada na Diretiva demonstra ainda que esta prevê um regime geral relativo à tributação de juros e royalties, prevendo, a título excecional e transitório, a possibilidade de o Estado Português “por razões orçamentais” dispor de um período mais alargado (8 anos) para implementar o regime plasmado na Diretiva.
j. Ora, não obstante o regime transitório previsto na diretiva e transposto para o Direito interno, considerou o tribunal a quo que atos tributários de retenção na fonte são ilegais por erro nos pressupostos de direito, nomeadamente dos artigos 87.°, n.° 4, al. g), 96.° e 98.° do CIRC, na redação em vigor à data dos factos, porque entendeu que os mesmos constituem uma restrição não indispensável nem justificada da liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.° do TFUE. 
k. Salvo o devido respeito, parece-nos que o tribunal a quo fez uma interpretação manifestamente errada da lei, pois não relevou como deveria o regime transitório previsto na diretiva, descurando que o Estado português fez uma correta transposição da Diretiva, estando autorizado pela União Europeia a aplicar uma taxa de imposto de 5% ao pagamento de juros, nos anos de 2010 e 2011.
l. As normas previstas nos artigos 87.°, n.° 4, al. g) e 96.° do CIRC, na redação em vigor à data dos factos, são compatíveis com o Direito da União Europeia, aliás, foi a própria União Europeia, consubstanciada na Diretiva, que autorizou o estado português a tributar os juros, nos termos do regime transitório.
m. Acresce ainda que, estando diante de uma norma excecional não comporta aplicação analógica (artigo 11.° do Código Civil), no entanto, ainda que se admita que as normas excecionais são passíveis de interpretação analógica - o que apenas se faz por mera hipótese académica - porque o artigo 11.° do CC apenas proíbe a analogia juris e não a analogia legis, tal só pode ocorrer quando exista uma lacuna.
n. Sucede que, no caso vertente, não há qualquer lacuna. A aplicação da taxa de 5% resulta, tão-somente, do comando legal vertido no artigo 87.°, número 4, alínea g) do CIRC, na redação em vigor à data dos factos, redação essa que, aliás, mais não é do que a transposição para o Direito interno da faculdade atribuída pelo artigo 6.°, n.° 1 da Diretiva em apreço.
o. Ademais, mesmo que houvesse lacuna, seria necessário demonstrar que o caso omisso diz respeito a uma situação em que o critério de decisão contido na norma “análoga” coincida com a carência de regulação do caso omisso.
p. No caso vertente a sentença a quo equaciona a aplicação analógica de correntes jurisprudenciais relativa aos dividendos, no entanto, os pressupostos de facto das normas são distintos.
q. Os dividendos resultam de um concreto exercício social, em que são contabilizadas todas as receitas e gastos de uma sociedade comercial, ao passo que os juros reportam-se a uma concreta operação (in casu, um contrato de mútuo).
r. Para além da manifesta assintonia dos pressupostos de facto, acresce ainda que, no tocante aos dividendos, conquanto exista jurisprudência europeia sustentando a discriminação na tributação de não residentes, é certo que não havia qualquer regime transitório prevendo a admissão de um tratamento diferenciado entre residentes e não residentes em sede de tributação.
s. Tal autorização existe apenas para os juros, motivo pelo qual esta “adoção analógica” não tem qualquer cabimento, pois, em rigor, a douta decisão está a propor uma vera e própria ab-rogação do CIRC e do Direito da União Europeia nesta matéria, ignorando o regime excecional previsto na Diretiva.
t. A União Europeia, através da Diretiva, considerou que as circunstâncias orçamentais de Portugal eram razões significativas e ponderosas que permitiam comprimir transitoriamente o princípio da liberdade de circulação de capitais, desde que cumpridos os termos previstos no regime provisório.
u. Assim, tem de se entender que o regime provisório de 8 anos previsto na Diretiva não configura uma restrição inadmissível ao princípio da liberdade de circulação de capitais, pelo que não pode o tribunal a quo decidir que as normas previstas na lei interna são violadoras do princípio da livre circulação de capitais, quando as mesmas são o reflexo da transposição de uma diretiva que autoriza tal regime excecional, sob pena de tal decisão ser violadora dos princípios subjacentes às fontes do Direito da União Europeia.
v. Sem prejuízo do que vai dito, acresce ainda que o artigo 6.°, n°s 2 e 3 da Diretiva permite à impugnante, como beneficiária, que no país da residência (Holanda), deduza do imposto sobre o rendimento, o imposto em montante igual ao que tiver sido pago em Portugal.
w. Desta forma, a diretiva assegura, ela própria, na fase de transição, um mecanismo que permitirá a neutralidade da tributação, eliminando a discriminação relativamente a sociedade nacional.
x. Porém, o tribunal a quo deu como provado o facto 10 - «Nos exercícios de 2010 e 2011, a impugnante não beneficiou de qualquer crédito de imposto por conta das retenções efetuadas em Portugal e identificadas nos pontos supra»
y. Salvo o devido respeito, a impugnante não prova ter requerido no Estado-Membro da residência, a dedução do imposto, nem prova quais os motivos, se o fez, porque lhe foi denegada.
z. Em suma, não basta alegar que não foi possível ser reembolsada do imposto porque teve prejuízos fiscais em 2010 e 2011, pois conforme decorre do artigo 74.°, número 1 da LGT, aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, o que aqui não sucedeu.
aa. Importa ainda sublinhar que o Tribunal a quo a p. 13 da sentença baseia o seu raciocínio judicativo nos “arts. 10.° e 13.°, do Wet op de vennotschapsbelasting, e 31.°, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001”.
bb. Neste particular, decisão a quo afigura-se-nos ininteligível, pois não só não cura de esclarecer o teor e alcance destes preceitos, como não explicita a respetiva relevância em sede tributária no caso em apreço, pois tais normas, aparentemente, dizem respeito a dividendos.
cc. A impossibilidade de apreender o raciocínio judicativo, obriga a afirmar o tom incompleto, impreciso e necessariamente inconsequente da decisão a quo.
dd. Entende a Fazenda Pública que, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida no caso sub judice pois face à prova produzida nos autos não se encontra demonstrado o facto 10, pelo que o mesmo não devia ter sido dado como provado.
ee. Não obstante o carater excecional do regime transitório autorizado pela União Europeia, acresce ainda que não resulta dos autos comprovado um tratamento discriminatório, relativamente a uma empresa nacional, nas mesmas condições da impugnante, porque não se comprova que lhe foi denegada pelo Estado Membro da residência, a dedução do imposto pago.
ff. Pelo exposto, a douta sentença ao decidir pela ilegalidade das liquidações de retenção na fonte de IRC impugnadas, violou as normas previstas nos artigos 87.°, n.° 4, al. g), 96.° e 98.° do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, bem como o artigo 8°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
gg. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade das liquidações de retenção na fonte de IRC aqui em causa.
X

A C…………….., B.V. contra-alegou, concluindo nos termos que seguem:
«A. A Recorrente faz tábua rasa do princípio da livre apreciação da prova pelo Juiz, consagrado no artigo 607.°, n.° 5, do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.° do CPPT.
B. Para que o erro na apreciação da prova seja considerado atendível, é necessário que exista uma falha ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se deu como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou.
C. Quanto à matéria assente sobre o Facto n.° 10, o Tribunal a quo entendeu que a matéria alegada no artigo 23.° da Petição Inicial de Impugnação estaria aceite pela Recorrente, quando é certo que tal matéria não foi sequer impugnada pela Recorrente.
D. O Tribunal a quo entendeu, e bem, que o acervo documental junto aos autos determinaria a decisão de dar como assente o facto de a impugnante não ter beneficiado de qualquer crédito de imposto por conta das retenções efetuadas em Portugal nos exercícios de 2010 e 2011.
E. A matéria assente sobre o Facto n.° 10 sempre seria uma decorrência Facto n.° 11, facto esse dado como provado pelo Tribunal a quo e que não mereceu qualquer reprovação pela Recorrente, uma vez que só quando existe coleta de imposto é que se pode aplicar o método do crédito de imposto.
F. No caso concreto, nenhum imposto haveria a deduzir no Estado da residência, ficando assim a Recorrida penalizada pelo facto de estar a pagar um imposto sobre o rendimento em Portugal quando não obteve o correspondente lucro tributável.
G. Conforme bem decidiu o Tribunal a quo, o tratamento dado a residentes e não residentes na tributação de juros configura uma discriminação indireta em razão da nacionalidade contrária ao disposto nos artigos 63.° e 65.° do TFUE.
H. O regime transitório constante do art. 6.°, n.° 1, da Diretiva 2003/49/CE do Conselho, de 3 de junho de 2003, não pode ser, ele próprio, discriminatório, sob pena de violação de princípios e normas de valor superior, maxime, as vertidas nos artigos 63.° e 65.° do TFUE.
I. Pelo que, esse regime de exceção deve ser aplicado qualquer que seja a nacionalidade do beneficiário do rendimento, e sem instituir um regime desfavoreça ilegitimamente os não residentes, como seria o caso.
J. A possibilidade de os Estados-Membros introduzirem, na sua legislação fiscal, tratamentos diferenciados para os não residentes, em face dos residentes, está altamente condicionada e sujeita a um apertado escrutínio.
K. As medidas nacionais não podem ser discriminatórias, nem restritivas, sob pena de proibição imediata da sua instituição, sendo catalogadas como "injustificadas”.
L. Perante a natureza excecional do tratamento diferenciado entre residentes e não residentes, tal apenas é aceitável em caso de verificação da rule of reason, na aceção do TJUE.
M. A redução das receitas fiscais (Verkooijen, Saint-Gobain, Metallgesellschaft e Gottardo), objetivos de natureza puramente económica (Verkooijen), vantagens fiscais - supondo mesmo que tais vantagens existem (Asscher, Saint-Gobain e De Groot) e a falta de harmonização fiscal das legislações nacionais do imposto sobre o rendimento (Avoir Fiscal), são razões que não são aceites pelo TJUE, para justificar a existência de um tratamento fiscal diferente entre os residentes e os não residentes.
N. O próprio TJCE tem vindo a evoluir para uma visão extremamente restritiva em face das medidas fiscais nacionais que importam um tratamento distinto de não residentes e dos residentes.
O. Ainda que as normas impositivas possam ser enquadradas numa das justificações admitidas pelo TJUE, a rule of reason exige igualmente que tais medidas nacionais sejam justificadas pelo interesse geral, sejam adequadas ao objetivo pretendido, não sejam desproporcionadas e não sejam aplicadas de modo discriminatório, o que vem dificultar, ainda mais, a justificação de medidas nacionais fiscais diversificadas, permitindo reforçar a ideia, já antes apontada, de que a regra é a tendência do tratamento equivalente dos residentes e dos não residentes, sendo a exceção - extraordinariamente limitada - a possibilidade de diferenciação.
P. Tendo por base a construção dogmática comunitária e o princípio da não discriminação dos não residentes, no que refere à tributação dos juros, a legislação portuguesa, por comparação com o tratamento dado aos residentes, revela-se discriminatória, como bem decidiu o Tribunal a quo.
Q. Ainda que quer os residentes, quer os não residentes estejam, à partida, sujeitos a retenção na fonte, a verdade é que o conteúdo dessa sujeição é totalmente diferenciado, uma vez que a circunstância de a retenção para os residentes ter a natureza de imposto por conta - sendo, como tal, meramente provisória -, e a dos não residentes, ter natureza definitiva - e assim, irrecuperável -, traduz um tratamento fiscal dos não residentes discriminatório.
R. A diferença de localização não pode ser tomada como argumento válido para o tratamento fiscal diferencial, pois que os residentes e os não residentes se encontram em situação comparável.
S. Ao concluir-se pela existência de uma identidade das situações jurídico-formais e jurídico-materiais dos residentes e não residentes em face do recebimento dos juros, não faz sentido tratar de maneira diferente a tributação desses mesmos juros.
T. Ao estabelecer-se a natureza definitiva do pagamento do imposto para os não residentes - por contraposição à natureza de pagamento por conta da retenção efetuada aos residentes - retira-se àquelas (i.e., aos não residentes), qualquer possibilidade de dedução das despesas necessárias à obtenção desse rendimento, em claro contraste com o regime aplicável aos residentes.
U. O pagamento de um imposto, de forma definitiva, significa que este é efetuado a título final, terminando aquela relação jurídica fiscal no momento em que a retenção é feita, independentemente do sujeito ter ou não ter rendimento tributável (quer considerado isoladamente, quer considerado em conjunto com outros rendimentos do mesmo beneficiário).
V. Tal agrava ainda mais a situação dos não residentes mutuantes, como, de resto, bem assinalou o Tribunal a quo, quando sustentou que "o imposto retido à ora impugnante não pode dar lugar a um crédito de imposto, pelo que esta não pode deduzir qualquer despesa ou, reaver qualquer imposto (pontos 9,10 e 11 do probatório)”.
W. E a sentença sob recurso salienta, ainda, que "como a impugnante é residente nos Países Baixos (Holanda) não é possível aplicar o disposto no art. 149°, n° 3 do CIRC. Neste contexto, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos sujeitos passivos e não na situação fiscal destes individualmente considerados”.
X. Os residentes, ao invés, ao pagarem o imposto devido, por retenção na fonte, dos juros recebidos fazem-no por conta, o que lhes permite, aquando do cálculo do imposto total devido, considerar o valor pago por retenção, o que influencia o valor de imposto a pagar e possibilita, em caso de apuramento de prejuízo fiscal, não pagar qualquer imposto e ser reembolsado do montante retido.
Y. Nos exercícios em causa, a Recorrida apresentou prejuízos fiscais no Estado de residência, razão pela qual está - logo à partida - impedida de beneficiar de qualquer crédito de imposto.
Z. Tal entendimento foi, aliás, corroborado pela jurisprudência comunitária no Acórdão Amurta em que foi sublinhado que, para saber se estaremos ou não perante uma discriminação entre residentes e não residentes num determinado Estado-membro, contrária às disposições sobre a livre circulação de capitais, não se deverá atender à eventual existência de um crédito integral de imposto, concedido unilateralmente por outro Estado-membro a uma sociedade beneficiária nele estabelecida sobre os rendimentos auferidos no primeiro.
AA. A agravar este tratamento discriminatório dos não residentes, em face dos residentes, surge ainda a possibilidade de estes últimos - numa situação claramente contrastante com a dos não residentes - poderem usufruir de um regime de dispensa de retenção na fonte sobre os juros recebidos, no caso de as sociedades em questão pertencerem ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades ou a sociedade beneficiária dos juros revestir a natureza de SGPS.
BB. Essa diferenciação discriminatória consiste, por um lado, no facto de tais sociedades residentes poderem ser dispensadas de retenção na fonte, enquanto as sociedades não residentes, em situação semelhante, não terem a mesma possibilidade.
CC. Nos termos do artigo 69.°, n.° 3, alínea b) do Código do IRC, uma sociedade para ser considerada sociedade dominante num grupo de sociedades necessita de deter, à partida, a participação, na sociedade dominada, há mais de um ano, com referência à data de início da aplicação do regime, pelo que, caso a sociedade residente beneficiária dos juros e a entidade deles devedora sejam tributadas de acordo com esse regime especial de tributação dos grupos de sociedades, então, o artigo 97.°, n.° 1, alínea e) do Código do IRC determina que não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, no pagamento de juros de uma a outra.
DD. A douta Sentença decidiu corretamente quando considerou que "a retenção na fonte a título definitivo a este tipo de sociedades (SGPS), dos lucros provenientes de empréstimos às sociedades residentes por si participadas, gera, dentro de cada um dos sucessivos exercícios, consideráveis disparidades arbitrárias de tratamento fiscal entre os vários sujeitos passivos residentes e os não residentes”.
EE. Esta matéria, já foi, de resto, objeto de ponderação negativa por parte do TJUE no acórdão Marks & Spencer, e, se encontra, de novo, e no quadro atual, em equação junto do TJUE, quer no âmbito do caso "Societé Papillon”, quer no caso "X Holding BV”. A este propósito, o acórdão Marks & Spencer II sanciona claramente que deverão ser tidos como discriminatórios regimes de grupos restritos a sociedades residentes, tendo no caso "Societé Pavillon”, a advogada-geral Julinane Kokkott pronunciado já um juízo de desconformidade do regime francês de consolidação fiscal face ao direito comunitário - o qual é, de resto, o modelo de origem do sistema de consolidação fiscal vigente em Portugal.
FF. Para além de não poder beneficiar do REGTS, e, consequentemente, da dispensa de retenção na fonte de IRC contemplada na alínea e) do n.° 1 do artigo 97.° do Código do IRC, a ora Recorrida viu-se, ainda - e apenas por ser não residente - igualmente impossibilitada de beneficiar da dispensa de retenção, contemplada relativamente às sociedades holdings nacionais, nos termos da alínea h) da mesma norma legal. Com efeito, nos termos de tal norma, prevê-se que não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte relativamente aos "rendimentos obtidos por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), de que seja devedora sociedade por elas participada pelo menos durante um ano e a participação não seja inferior a 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que as SGPS sejam dominantes, resultantes de contratos de suprimento celebrados com aquelas sociedades ou tomadas de obrigações daquelas”.
GG. Da comparação de regimes dispensados a residentes e não residentes, resulta, assim, que os residentes poderão beneficiar de uma dispensa de retenção na fonte sobre os rendimentos de juros por si auferidos, enquanto que os não residentes, em situação comparável, não têm a mesma possibilidade.
HH. Não existindo qualquer razão do foro fiscal ou extrafiscal que justifique este tratamento discriminatório, é de concluir, necessariamente, que a discriminação prejudica gravemente os não residentes, colocando-os numa posição de desvantagem, por comparação com os residentes.
II. Se a distribuição de juros fosse efetuada a outra entidade residente em Portugal que estivesse inserida no regime especial de tributação dos grupos de sociedade ou se entidade beneficiária do rendimento fosse uma sociedade holding, e a devedora fosse uma sociedade sua participada, há pelo menos um ano, e desde que o nível de participação da primeira no capital social da segunda não fosse inferior a 10%, a empresa não seria sujeita a qualquer tributação.
JJ. E, nos restantes casos, a retenção sempre seria efetuada a título de pagamento por conta e não efetuada a título definitivo.
KK. Só quando o regime fiscal resultante do ADT ou, no caso dos autos, resultante da Diretiva n.° 2003/49/CE, maxime, artigo 6°, permite neutralizar a diferença de tratamento entre residentes e não residentes é que as normas da convenção e da alínea g) do n.° 2 do artigo 80.° e dos artigos 89-A e 90.° A do CIRC se podem considerar compatíveis com os artigos 63.° e 65.° do TCE.
LL. Do mesmo modo conclui a sentença quando conclui que "trata-se de um regime que não permite a neutralização da tributação, ainda que por via da aplicação da CEDT, sendo que a aplicar-se a legislação nacional de tributação dos rendimentos dos juros, haverá necessariamente uma discriminação entre residentes e não residentes".
MM. A sentença recorre, de forma assaz proficiente, à nossa jurisprudência mais relevante e consolidada em matéria de não discriminação, a qual incide especificamente sobre a tributação dos dividendos, mas que aplica normas e os princípios que têm total aplicação no caso do pagamento de juros a entidades não residentes - tanto mais que "o pagamento de juros efetuado por sociedades residentes em Portugal a sociedades não residentes, é passível de ser qualificada como um movimento de capital na aceção do artigo 63.° do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de Junho de 1988".
NN. O Tribunal a quo acentuou ainda, esclarecidamente, que “no caso sub judice, tal como na situação concreta relatada no Acórdão do STA do Pleno, supra citado, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte efetuada a título definitivo, sobre os dividendos, só pode ser neutralizada, nos termos da legislação nacional e da CDT, se tais dividendos forem suficientemente tributados no outro Estado Membro (Holanda).” (...) Em causa está uma diferença de tratamento entre residentes e não residentes, estabelecido para as retenções na fonte dos autos, efetuadas a título definitivo à taxa de 5% e suportadas pela impugnante que é sujeito passivo não residente em Portugal. Note-se que a recuperação do imposto cobrado em Portugal por via de crédito do imposto, nos termos da CEDT Portugal/Países Baixos (artigo 24.° n.° 2), se encontra limitada ao imposto devido no Estado de residência sobre a mesma parcela de rendimento, ora verificando-se que a legislação holandesa consagra a “partícípatíon exemption”, isentando de tributação dos dividendos auferidos, estes não podem ser considerados custos na Holanda, nem tão pouco podem ser deduzidos em Portugal. Trata- se de um regime que não permite a neutralização da tributação, ainda que por via da aplicação da CEDT, sendo que a aplicar-se a legislação nacional de tributação dos rendimentos dos juros, haverá necessariamente uma discriminação entre residentes e não residentes”.
OO. A sentença prolatada pelo Tribunal a quo coincide, na íntegra, com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (U.O.1) no processo n.° 387/11.0BEMRS, em que a ora Recorrente peticionava a anulação das liquidações de IRC emitidas relativamente à mesma situação de facto, mas relativas aos exercícios de 2008 e 2009, decisão essa que nem sequer foi objeto de recurso pela Administração Tributário, tendo já transitado em julgado.
Sem conceder,
PP. Ainda que ainda não se entendesse, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, o Tribunal ad quem chegaria a conclusões semelhantes através do recurso à previsão constitucional do princípio de não discriminação fiscal entre residentes e não residentes.
QQ. Se a capacidade contributiva surge como um princípio aplicável tanto aos residentes, como aos não residentes, no caso de este princípio não ser respeitado, teremos necessariamente de concluir que um regime fiscal que corporize tal desrespeito se apresentará como desconforme face ao direito constitucional português.
RR. Perante o texto constitucional, torna-se, assim, evidente que qualquer diferenciação de tratamento entre sujeitos residentes e sujeitos não residentes, quer no estabelecimento de taxas de retenção na fonte, métodos de eliminação da dupla tributação económica ou requisitos para a fruição de benefícios fiscais, nunca poderá ser considerada como aceitável.
SS. A discriminação de não residentes viola o princípio da igualdade fiscal contido na CRP - cfr. artigo 13° aplicado ex vi artigo 12°, n° 2 CRP - que constitui um limite material constitucional da tributação.
TT. A igualdade na lei fiscal obriga o legislador a não fazer discriminações sem uma justificação objetiva, respeitadora dos direitos subjetivos, exigindo, assim, que os impostos tenham carácter universal, ou seja, não discriminatório.
UU. O Tribunal Constitucional é, aliás, perentório a este respeito. Por exemplo, o acórdão do Tribunal Constitucional n.° 348/97, de 29 de Abril de 1997(1), refere explicitamente: "no âmbito dos impostos fiscais a sua repartição deve obedecer ao princípio da igualdade tributária, fiscal ou contributiva que se concretiza na generalidade e uniformidade dos impostos, sendo que a generalidade do dever de pagar impostos significa o seu carácter universal (não discriminatório), e a uniformidade (igualdade) significa que a repartição dos impostos pelos cidadãos há-de obedecer a um critério idêntico para todos, que é o da capacidade contributiva".
VV. Sendo embora a fiscalidade direta da competência dos Estados-Membros, estes devem, no entanto, exercê-la respeitando o direito comunitário, e abster-se de qualquer discriminação baseada na nacionalidade - assim decidiu, aliás, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, nos acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, processo C-80/94, Colectânea, I, págs. 2493, n.°16, e de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland, processo C-311/97, Colectânea, I, págs. 2651, n.° 19.
WW. Em face do supra exposto, conclui-se que, no caso de pagamento de juros a não residentes, o sistema de retenção na fonte previsto na legislação nacional:
i) Corporiza um tratamento discriminatório de sujeitos não residentes, dado que a legislação ordinária que o suporta, ao estabelecer que a possibilidade de dispensa de retenção na fonte apenas poderá aproveitar aos sujeitos residentes, viola inequivocamente o disposto no artigo 18.° e 104.° da CRP, ou seja, o princípio da igualdade fiscal na vertente da não discriminação - originando uma dívida fiscal superior para um não residente, com situação tributária equivalente à de um residente;
ii) Corporiza um tratamento discriminatório de sujeitos não residentes, dado que ao estabelecer uma retenção na fonte, a título definitivo, para o pagamento de juros efetuados em benefício de não residentes e uma retenção na fonte, com a natureza de pagamento por conta, relativamente a residentes, a legislação ordinária portuguesa impede que os primeiros (i.e., os não residentes) demonstrem a sua verdadeira situação contributiva - violando inequivocamente o disposto no artigo 18.° e 104.° da CRP, ou seja, o princípio da igualdade fiscal na vertente da não discriminação.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«1. A C………………….BV é uma sociedade de direito holandês, com sede e direção efetiva na Holanda e tem por objeto social a detenção de participações no capital de outras empresas, assumindo a natureza de uma "holding SA" - cfr. documento 3 da PI a fls. 90 a 96 dos autos;
2. Em 12/12/ 2007, a Impugnante celebrou contrato, através do qual adquiriu a totalidade do capital financeiro da sociedade Hotel ......., SA - cfr. documento 13 da PI a fls. 110 a 112 dos autos;
3. A participação financeira, identificada no ponto anterior, foi detida de modo ininterrupto, pelo menos durante os dois anos anteriores seguintes à celebração do contrato - facto não controvertido;
4. Em 13/12/2007, a Impugnante celebrou um "Contrato de Mútuo" com a sociedade Hotel ......., SA, no qual acordou disponibilizar a esta última o valor de € 26.000.000,00 (vinte e seis milhões de euros) - cfr. documento 4 da PI a fls. 97 a 99 dos autos;
5. No âmbito do contrato de mútuo, supra identificado, a sociedade Hotel ......., SA. está obrigada ao pagamento de juros à impugnante duas vezes por ano- cfr. documento 4 da PI a fls. 97 a 99 dos autos;
6. No exercício de 2010 o empréstimo, mencionado no ponto anterior venceu juros a favor da Impugnante, no montante global de € 461.975,97 (quatrocentos e sessenta e um mil novecentos e setenta e cinco euros e noventa e sete cêntimos) (€ 231.159,51+€ 230.816,46) - cfr. documento 5 da PI a fls. 100 e 101 dos autos;
7. Sobre o montante de juros, referido no ponto anterior, a sociedade Hotel ......., SA. entregou ao Estado, a título de retenções na fonte, o valor de € 11.557,98 (guia n.° ……………….) e € 11.540,82 (guia n.° ……………………) - cfr. documentos 6 e 7 da PI a fls. 102 e 103 dos autos;
8. No exercício de 2011, o mesmo empréstimo venceu juros a favor da Impugnante, sendo que a sociedade Hotel ......., SA, procedeu à entrega das retenções na fonte pelos valores constantes nas guias n.° …………….., relativa ao período de junho de 2011 no montante de € 13.170,73, e n.° …………….. relativa a período de dezembro de 2011, no montante de € 32.156,14 - cfr. documentos 10 e 11 da PI a fls. 108 e 109 dos autos;
9. O pagamento dos juros, referidos nos pontos anteriores, foi sujeito a uma taxa de retenção de 5% (ao abrigo da al. g), do nº 2 do art. 80º e arts. 890-A e 90º-A do CIRC e da Diretiva nº 2003/49/CE, do Conselho de 3 de junho) - cfr. guia de retenção fonte, doc. n° 12 da p.i., a fls. 109 dos autos;
10. Nos exercícios de 2010 e 2011, a impugnante não beneficiou de qualquer crédito de imposto por conta das retenções efetuadas em Portugal e identificadas nos pontos supra - facto não controvertido;
11. Em 2010 e 2011, a C…………….., BV apresentou prejuízos fiscais, como a seguir se indicam:

- cfr. fls. 135 a 174 dos autos
12. Em 18/07/2012, a Impugnante apresentou, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (A.T.), reclamação graciosa solicitando a anulação das liquidações de IRC (retenções na fonte) e o reembolso do montante pago no valor de € 68.425,67- cfr. fls. 3 a 49 do processo de Reclamação Graciosa apenso aos presentes autos;
13. Através do ofício n.° 88200, de 12 de Novembro de 2012, a Impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição prévia - cfr. fls. 138 e 139 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos;
14. Em 6/12/2012, o Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da subdelegação de competências, proferiu despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, referida em 6. - cfr. fls. 140 a 144 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos;
15. Em 11/12/2012, a Impugnante, na pessoa do seu mandatário, foi notificada do despacho referido no ponto anterior - cfr. fls. 146 a 148 do processo de reclamação graciosa apensa aos presentes autos;
16. Em 26/12/2012, deu entrada neste Tribunal Tributário de Lisboa, petição inicial que consubstancia o presente processo de Impugnação - cfr. carimbo aposto na PI, a fls. 2 dos autos.
MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.
MOTIVAÇÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, como referido em cada ponto do probatório.»
X
A recorrente censura a matéria de facto assente no que respeita ao ponto 10. O ponto em apreço deve ser analisado em conjugação com o ponto 11. No caso, havendo prejuízos fiscais nos exercícios em causa, impõe-se, como consequência, a inexistência de crédito de imposto, dado que não existe colecta, nos exercícios em causa. Pelo que o alegado erro na determinação da matéria de facto assente não se comprova.
Motivo porque se rejeita a presente imputação.
X
2.2. Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes: i) erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto [conclusões x) a dd)] (Apreciado supra). // ii) erro de julgamento quanto ao direito aplicável [demais conclusões do recurso]
2.2.2. A sentença julgou procedente a presente impugnação, determinando a anulação dos actos de retenção na fonte por conta do IRC de 2010 e 2011 em causa nos autos.
Estruturou, para tanto, a argumentação seguinte:
«O TJUE tem sustentado que um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União devido à eventual existência de outros benefícios. Se os Estados membros utilizarem a liberdade de sujeitar a imposto os rendimentos gerados no seu território, são obrigados a respeitar o princípio da igualdade de tratamento e as liberdades de circulação garantidas pelo direito primário da União. // Acresce que, e este é um aspeto relevante em sede do artigo 65.° n.os 1 e 3 do TFUE, a garantia da coerência do sistema fiscal português também não pode ser invocada para justificar a diferenciação de regime da retenção, na medida em que a jurisprudência do TJUE exige uma ligação direta entre a vantagem fiscal em causa para os residentes e a compensação dessa vantagem através de uma imposição específica, situação que não se verifica necessariamente no caso em apreço. A retenção na fonte a título definitivo a este tipo de sociedades (SGPS), dos lucros provenientes de empréstimos às sociedades residentes por si participadas, gera, dentro de cada um dos sucessivos exercícios, consideráveis disparidades arbitrárias de tratamento fiscal entre os vários sujeitos passivos residentes e os não residentes. // Considerando o exposto, e tendo o TJUE proferido diversas decisões no sentido de julgar incompatíveis com a liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais múltiplas diferenciações em matéria de retenção na fonte, o presente Tribunal, no exercício dos deveres que lhe incumbem, de afirmar a primazia do Direito da União Europeia sobre o direito interno, e de seguir as orientações interpretativas acolhidas pelo TJUE, considera que os atos tributários ora sindicados erigidos ao abrigo da legislação nacional constituem uma restrição não indispensável, nem justificada da liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.° do TFUE».
2.2.3. A recorrente contesta o entendimento que fez vencimento na instância. Considera que as retenções na fonte em apreço têm respaldo no Direito Interno e no Direito da União Europeia. Sustenta que não existe nenhum tratamento discriminatório, bem assim como nenhuma violação do regime do Direito da União aplicável.
Apreciação. O direito fiscal português vigente à data era o seguinte: «O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: (…) // c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores (…) quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC (…)” (artigo 94.º, n.º 2) do CIRC. «As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo: (…) // b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.» (n.º 3). «Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, (…)» (artigo 87.º/4, do CIRC).
A retenção na fonte no caso de pagamento de juros a sociedade residente em território nacional assume a natureza de pagamento por conta: «Sempre que tenha havido lugar a retenção na fonte de IRC relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, o montante a considerar na determinação da matéria colectável é a respectiva importância ilíquida do imposto retido na fonte» (artigo 68.º/2, do CIRC).
No caso de sociedades beneficiárias do rendimento residentes em território nacional,
a obrigação de retenção sobre juros pode ser dispensada: «Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, quando este tenha a natureza de imposto por conta, nos seguintes casos: (…) // Rendimentos obtidos por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), de que seja devedora sociedade por elas participada durante pelo menos um ano e a participação não seja inferior a 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras sociedades em que as SGPS sejam dominantes, resultantes de contratos de suprimento celebrados com aquelas sociedades ou de tomadas de obrigações daquelas» (artigo 97.º/1/h), do CIRC).
No caso em exame nos autos, está em causa o pagamento de juros por parte de sociedade participada, mutuária, sedeada em território português, em relação à sociedade participante, mutuante, com sede no território de Estado-membro de União Europeia. Em face do regime fiscal da residência da sociedade beneficiária do rendimento, não existe crédito fiscal, nem qualquer possibilidade de recuperação do imposto pago, no quadro da retenção na fonte efectuada aquando do pagamento dos juros (n.ºs 10 e 11, do probatório).
O dissídio entre as partes não reside na existência de diferença de tratamento fiscal do pagamento de juros, por parte do direito português, consoante a sociedade beneficiária do rendimento seja sociedade residente em território nacional ou não seja sociedade residente em tal território, bem como em que a situação em exame nos autos convoca a aplicação do Direito da União Europeia. A divergência reside na interpretação que cada parte faz do Direito da União Europeia aplicável.
Na tese da recorrente, a aplicação feita pelo direito interno da Directiva 2003/49/CE, do Conselho, de 03.06.2003, “relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados-Membros diferentes”(2) não merece reparo, desde logo porque vigora para o caso português um regime transitório, previsto no artigo 6.º da Directiva citada.
Por seu turno, a recorrida e a sentença sustentam que o regime fiscal português de retenção na fonte acima delineado contende com as liberdades fundamentais do mercado interno, em particular, com a liberdade de circulação de capitais (artigo 63.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia [TFUE](3)), bem como com o regime da Directiva 2003/49/CE, do Conselho, de 03.06.2003, citada.
A este propósito, cumpre referir o seguinte.
i) O artigo 63.º do TFUE determina que, «[n]o âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros [n.º 1]. // No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros [n.º 2].
ii) No §4 do preâmbulo da Directiva 2003/49/CE, do Conselho, de 03.06.2003, citada, afirma-se que «[a] abolição da tributação dos pagamentos de juros e royalties no Estado-Membro em que estes últimos são gerados, quer a cobrança se efectue mediante retenção na fonte ou mediante liquidação, constitui a forma mais adequada de eliminar as formalidades e os problemas acima referidos e de assegurar a igualdade de tratamento fiscal entre transacções nacionais e transacções transfronteiras. É em especial necessário abolir esses impostos no que se refere aos pagamentos efectuados entre sociedades associadas de Estados-Membros diferentes, bem como entre estabelecimentos permanentes dessas sociedades».
iii) «O princípio mais importante da Directiva é, justamente, aquele que estabelece que os pagamentos de juros ou royalties estão isentos no Estado da fonte, desde que o beneficiário efectivo dos juros, ou das royalties, seja uma sociedade associada doutro Estado-membro ou um estabelecimento estável situado em outro Estado-membro de uma sociedade associada de um Estado-Membro»(4).
No plano da jurisprudência colhem-se os ensinamentos seguintes:
i) «[O] artigo 63.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que: // não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional segundo a qual uma sociedade residente que paga juros a uma sociedade não residente é obrigada a efetuar uma retenção na fonte sobre esses juros mas que não impõe tal obrigação a essa sociedade residente quando a sociedade que recebe os juros também é uma sociedade residente, mas de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a retenção na fonte em caso de pagamento de juros por uma sociedade residente a uma sociedade não residente, ao passo que uma sociedade residente que recebe juros de outra sociedade residente não está sujeita à obrigação de efetuar um pagamento por conta a título do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas durante os dois primeiros anos de tributação e, por conseguinte, só é obrigada ao pagamento do imposto relativamente a esses juros numa data sensivelmente mais distante do que a da retenção na fonte» [Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia – TJUE -, de 26/02/2019, P. apenso C-115/16, C-118/16, C-119/16, C-229/16].
ii) «Atendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via do disposto no art. 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos, porque nos Países Baixos os dividendos em causa estão isentos de tributação».(5)
iii) «Se do regime de retenção na fonte efectuado a entidade não residente resulta uma tributação superior à que é aplicada a entidade residente e aquela acrescida tributação não é neutralizada por via de Convenção celebrada entre o Estado membro e o país da entidade tributada para evitar a dupla tributação, o acto de retenção deve ser anulado por violação do princípio de livre circulação de capitais consagrado no Direito da União Europeia».(6)
iv) «É ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação do direito de livre circulação de capitais, consagrado no art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE, face à isenção de tributação no País de residência (Holanda)».(7)
Mais se refere que a diferença de tratamento entre contribuintes em situação comparável constitui uma restrição das liberdades fundamentais, proibida pelo Direito da União Europeia (8). No caso em exame, trata-se uma sociedade holding que recebe pagamentos de juros de uma sociedade residente sua participada. Como visto supra, as sociedades residentes beneficiárias do rendimento em idênticas circunstâncias têm um tratamento fiscal mais favorável, dada a possibilidade de dispensa e ou de retenção na fonte não definitiva. Suscita-se a questão de saber se tal tratamento fiscal diferenciado em função da residência da sociedade assume justificação aceitável à luz do Direito Europeu. No caso, a medida em apreço não assume justificação plausível no quando da coerência do sistema fiscal, da territorialidade e repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados e da eficácia da supervisão fiscal e da cobrança (9), dado que não se apura relação entre a retenção definitiva e a efectividade da cobrança e controlos fiscais. O regime transitório invocado pela recorrente não serve de esteio para justificar o tratamento fiscal discriminatório em presença. O mesmo corresponde a medida que impõe a tributação definitiva apenas em relação ao rendimento das sociedades não residentes, criando uma vantagem fiscal discriminatória para as sociedades residentes, dissuadindo, por esta via, o exercício das liberdades fundamentais do mercado interno por parte de sociedades residentes em Estados-membros da União. A ausência de justificação plausível para o tratamento discriminatório é comprovada pelo Decreto-Lei n.º 34/2005, de 17 de Fevereiro, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2003/49/CE, do Conselho, de 03.06.2003, citada. «O regime estabelecido pela directiva visa em última instância assegurar, na esfera da sociedade beneficiária dos rendimentos, a igualdade no tratamento fiscal dos juros e royalties gerados em operações internas e em operações transfronteiriças efectuadas entre empresas associadas» (10). Por outras palavras, não existem impedimentos por parte do sistema fiscal português em garantir o tratamento fiscal uniforme, independentemente da residência da sociedade beneficiária, no quadro do Direito Europeu, no que respeita ao rendimento em apreço. Por fim, ressalte-se que a discriminação apurada não pode ser neutralizada no regime fiscal da residência, dada a ausência no caso de mecanismo de recuperação do imposto.
Ao julgar no sentido referido, a sentença sob escrutínio não incorreu em erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto- Hélia Gameiro Silva)


(2º. Adjunto –Ana Cristina Carvalho)



(1) In DR. 2.ª Série, de 25 de Julho de 1997.
(2) https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32003L0049
(3) https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A12012E%2FTXT
(4) João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal Europeu, Almedina, 2017, p. 176.
(5) Acórdão do STA, de 10-03-2021, P. 02214/09.9BELRS 0276/17.
(6) Acórdão do STA, de 14-10-2020, P. 01273/08.6BELRS 01364/17
(7) Acórdão do STA, de 03-06-2020, P. 018/10.5BELRS 095/18
(8) João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal Europeu… cit., pp. 72/79.
(9) João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal Europeu… cit., pp. 80/85. Ana Paula Dourado, Lições de Direito Fiscal Europeu, Coimbra Editora, 2010, pp. 127/138.
(10) Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2005, citado.