Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:160/17.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
VÍCIO SUSCITADO PELO MP
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I - Nada obsta a que o Ministério Público argua vícios do acto tributário impugnado que não tenham sido invocados pelo Impugnante, como aqui aconteceu.
II - A sentença recorrida não padece de nulidade decorrente do excesso de pronúncia por ter julgado procedente a impugnação judicial com base na falta de fundamentação, vício este unicamente invocado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público.
III – No caso, a falta de notificação do parecer às partes (concretamente, à Fazenda Pública) comprometeu a possibilidade de estas se pronunciarem sobre a nova questão invocada, o que não pode deixar de configurar uma nulidade processual, face ao disposto nos artigos 3º e 195º, do CPC.
IV - Configurando tal omissão de notificação uma nulidade processual secundária que não é do conhecimento oficioso, não poderia a Recorrente, sob pena de sanação da nulidade, ter deixado de a arguir no momento em que interpôs o presente recurso jurisdicional.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TT de Lisboa) que, no âmbito da impugnação judicial deduzida por EDT – E…. D….. T....., com respeito ao IRS dos anos de 1996 a 1999, julgou procedente a impugnação judicial, anulando as liquidações contestadas, com fundamento na falta de fundamentação dos actos de liquidação, dela veio interpor recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

I - Como se colhe do teor da douta sentença proferida pelo Tribunal ad quo, decisão que submetemos a nova apreciação jurisdicional no que concerne à questão a decidir, a mesma consiste em apreciar o pedido da impugnante que se dedica ao exercício da actividade de "transportes de mercadorias" - CAE …... Ora, "A impugnante discorda da correcção efectuada, considerando que a AT não atendeu às circunstâncias específicas em que os trabalhadores desenvolvem a actividade, nomeadamente: os trabalhadores deslocados partem às 23 horas e regressam às 12 horas, todo o trabalho é efectuado de noite, tomam duas refeições fora, as deslocações são por dias sucessivos e deslocam-se mais de 5 KM da sede social, distribuindo revistas por todo o país.

É este o objecto do litígio. (negrito nosso)".

II - No caso dos autos verifica-se ainda que a impugnante pede nestes termos que a impugnação judicial seja recebida, julgada procedente e provada; e, por via dela ser mantida a percentagem fixada pela sociedade impugnante em 75% para o cálculo das ajudas de custo e caso assim não seja entendido ser aquela percentagem reduzida para 50% e não para 25% (como foi entendido pela administração fiscal e CRSS). Consequentemente que o valor devido ao IRS seja calculado em função da percentagem que vier a ser fixada.

III - Nesse sentido, em 1.ª instância, "Tendo em conta a factualidade provada e o disposto no artigo 125.º n.º 2 do CPA, que equipara a falta de fundamentação à adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, o Tribunal conclui que a fundamentação do acto impugnado não é clara, suficiente e congruente, o que constitui vício de forma por preterição de formalidades essenciais, violadora do disposto no artigo 268.º n.º 3 da CRP, do art.º 125.º do CPA e art.º 77.º da LGT."

IV - Contudo, nesta senda verificamos que a impugnante, se encontra perfeitamente esclarecida do conteúdo do acto tributário referindo até que dispõe o artigo 8.º n.º 4 do decreto­ lei 106/98 de 24 de abril, que as ajudas de custo serão tributadas em 50% se a partida do trabalhador deslocado for depois das 21 horas.

Referindo ainda no ponto 20 da sua petição que no âmbito do decreto-lei 519-Mn9 de 28 de Dezembro, se entendia que quando as deslocações implicassem 2 refeições fora, com regresso no mesmo dia e sem dormida, a percentagem para o cálculo das ajudas de custos seria 50%

V- Nestes termos, não concorda com a interpretação feita pela AT à lei em vigor.

Atente-se a que em lado algum dos autos a impugnante alega a falta de fundamentação .

VI - E, com o devido respeito, o segmento decisório em crise padece de análise critica pois que apesar da qualificação como ajudas de custo, dada pela entidade patronal, a A.T. entendeu que aquelas integravam o conceito de rendimento de trabalho dependente, nos termos da alínea d) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS, por não terem sido observados os pressupostos previstos no Decreto-Lei n.º 106/98 de 24 de abril, isto porque como se constata da leitura do RIT, o período em causa nas ajudas de custo coincide com o período constante do contrato de trabalho: "Dada a especificidade da actividade exercida e o período em que é efectuada, tendo ainda em conta que os respectivos contratos de trabalho consagram o período já referido (23 horas e manhã do dia seguinte)"

E que, no caso em apreço, verificou-se ainda nesse conspecto o processamento de forma sistemática e continuada das ajudas de custo, tal indicando ter carácter de permanência, conforme, aliás, se encontra contabilisticamente bem documentado nos autos.

VII - De facto a dissidência fulcral da questão, salvo melhor entendimento, encontra-se clarificada nos autos pela impugnante e é relativa à quantificação do montante das ajudas de custo pois a mesma afirma que aceita a redução das ajudas de custo para 50%, mas nunca para 25%, face ao quadro legal.

VIII - Ou seja, o que a mesma alega efectivamente é que o regime legal não permite a correcção levada a cabo pela AT que considerou motivada numa errada interpretação legal.

IX - Como decorre de todo o expositivo, não existe qualquer alusão à falta de fundamentação por parte da impugnante.

X - Refere a propósito o acórdão datado de 31.10.2013, proferido no processo n.º 06832/13 disponível em www.dgsi.pt que:

"2. Nos termos do preceituado no citado art.º 615, nº.1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art°.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente) . Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um Utulo, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido)."

XI - "Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido)."

Ou seja, com o devido respeito e neste conspecto, a sentença proferida pelo Tribunal ad quo não pode manter-se na ordem jurídica porquanto da leitura de todo o petitório da impugnante decorre que a mesma tem perfeito conhecimento do acto impugnado em toda a sua extensão e, que em lado algum alega falta de fundamentação.

XII - Pelo que, atendendo ao efectivamente demonstrado supra, salvo o muito devido respeito, o douto Tribunal "ad quo", não alicerçou a sua decisão conforme ao direito e à lei, deixando de indagar sobre as questões de facto fundamentais que de direito deveria ter apreciado.

Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida

“Com base na documentação junta aos autos, bem como da posição assumida pelas partes, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

A) Em cumprimento da ordem de serviço nº 35…., de 03-02-99 foi realizada uma acção inspectiva à impugnante, que incidiu sobre os exercícios de 1996, 1997, 1998 e 1999, tendo por objectivo a verificação de situações relacionadas com retenções na fonte de IRS (cfr. fls. 13 dos autos).

B) A impugnante está enquadrada em IRC, no regime geral, desde 01-07- 96, pelo exercício da actividade de “t….. de m……” - CAE …… e em sede de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal. (cfr. fls. 13 dos autos).

C) Foi elaborado o relatório da acção de inspecção realizada à ora impugnante, no qual se refere o seguinte (cfr. fls. 10 a 14 dos autos):

«A. Trata-se de uma sociedade cujo objecto social se resume à distribuição a nível nacional de jornais e revistas, sendo a maioria dos seus trabalhadores, sócios-gerentes. A actividade de distribuição desenrola-se no período nocturno - 23 horas e manhã do dia seguinte;

B. Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1996, anos de 1997, 1998 e meses de Janeiro e Fevereiro de 1999, a empresa em apreço pagou ajudas de custo, de montante fixo, calculadas em 75% do valor fixado para a F. Pública (sup. índice 405), independentemente do número de dias de trabalho;

C. Dada a especificidade da actividade exercida e o período em que é efectuada, tendo ainda em conta que os respectivos contratos de trabalho consagram o período já referido (23 horas e manhã do dia seguinte), achamos exagerada a percentagem de ajudas de custo atribuída (75%); No entanto atendendo que a actividade é exercida em período nocturno, em localidades distantes da sede social (mais de 5 Km.s), parece-nos como razoável considerar 25 pontos percentuais do montante fixado para a F. Pública a atribuir como ajuda de custo;

D. As situações detectadas na sequência desta acção de inspecção e identificadas nas folhas de remunerações que se anexam e que constituem o doc. 1, consubstanciam remunerações supletivas (verdadeiros complementos de ordenado), prestadas ao abrigo de contrato individual de trabalho, sujeitas a IRS como rendimentos da categoria A (trabalho dependente), nos termos do al. e) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS;

E. Uma vez que a empresa não procedeu à correspondente retenção na fonte de IRS, relativo aos citados rendimentos, infringiu o disposto no art.º 93.º do CIRS, irregularidade punida pelo n.º 4 do art.º 29.° do RJIFNA;

F. Juntam-se em anexo como doc. 2, os mapas de apuramento mensal, com todas as remunerações corrigidas, o respectivo imposto em falta, bem como os mapas de apuramento do respectivo imposto que não foi objecto de retenção, relativamente aos trabalhadores da empresa em que foram detectadas anomalias.»

D) Na sequência das correcções efectuadas pela acção inspectiva foram emitidas a liquidações referentes a juros compensatórios nºs 641….., referente a 1996, no montante de € 77,55; nº 641….., referente a 1997, no montante de € 566,35; nº 641……, referente a 1998, no montante de € 566,88; 641....., referente a 1999, no montante de € 133,49, (cfr. fls. 248 a 163 dos autos).

E) A presente impugnação judicial foi deduzida em 03-04-2001, conforme carimbo aposto a fls. 2 da petição inicial.


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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.

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A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, constantes dos autos”.

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2.2. De direito

Como resulta das conclusões formuladas pela Fazenda Pública, vem-nos dirigida uma única questão: saber se a sentença é nula por excesso de pronúncia.

Com efeito, sustenta a Fazenda Pública que o vício correspondente à falta de fundamentação, o qual determinou a anulação das liquidações adicionais contestadas, jamais foi invocado pela Impugnante. Assim sendo, para a Recorrente, trata-se de questão que não podia ser, como foi, conhecida pelo Tribunal a quo.

Vejamos, então, lembrando que, nos termos do disposto no artigo 125º, nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença (…) a pronúncia sobre questões que não deva conhecer” e que de igual modo dispõe o artigo 615º, nº1, al. d) do CPC, segundo o qual “É nula a sentença quando o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Tal nulidade, como bem se percebe, está relacionada com o disposto sobre as questões a resolver na sentença, concretamente com o preceituado no artigo 608º, nº2 do CPC, na parte em que determina que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Quer isto dizer, pois, que o juiz não pode conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções que estejam na exclusiva disponibilidade das partes, sob pena de nulidade da sentença. Do mesmo modo, será nula a sentença, por excesso de pronúncia, quando o juiz, ao arrepio do princípio do dispositivo, no que à conformação objectiva da instância respeita, não considera os limites (da condenação) impostos pelo artigo 609º, nº 1 do CPC e condena ou absolve em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido.

Nos presentes autos, lida atentamente a p.i, conclui-se que efectivamente a Impugnante não suscitou o vício de falta de fundamentação das liquidações impugnadas.

Apesar de assim ser, desde já se adianta que a sentença não incorreu em excesso de pronúncia e, como tal, por este motivo, a sentença não é nula.

Vejamos com detalhe as razões que nos levam a concluir neste sentido.

Como resulta dos autos, concretamente de fls. 239, a falta de fundamentação foi um vício expressamente suscitado pelo Magistrado do Ministério Público junto do TT de Lisboa, no parecer emitido ao abrigo do disposto no artigo 121.º do CPPT. Com efeito, em tal parecer se pode ler, além do mais, que “… no caso dos autos, perante a fundamentação apresentada (…), não é possível saber qual a razão de ser da alteração da percentagem das ajudas de custo, não se entendendo, nomeadamente, porque motivo as mesmas foram fixadas 25% do montante fixado para a função pública e não, por exemplo, em 30% ou em 50% daquele montante. (…) fundado no apontado vício de forma de falta de fundamentação, emito parecer no sentido da procedência do acto impugnado”.

Como bem se percebe, no caso em apreciação, ao considerarmos que não estamos perante uma situação de excesso de pronúncia, está já este Tribunal a considerar o que, em seu entendimento, cabe dentro dos poderes do Ministério Público. Em concreto, estamos já a dar resposta à questão da possibilidade de invocação de outros vícios do acto impugnado para além dos que foram invocados pelo Impugnante.

Vejamos.

Nos termos do artigo 121º. nº 1, do CPPT, “[a]presentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais”.

Como se refere no acórdão do STA, de 31/10/12, proferido no processo nº 948/12, “Embora uma interpretação estritamente literal do art. 121.º do CPPT e que não atenda ao seu segmento final – «ou suscitar outras nos termos das suas competências legais» – possa sugerir que não é possível ao Ministério Público suscitar questões de legalidade que não tenham sido suscitadas no processo, não subscrevemos esse entendimento, sustentado pela Recorrente. Como demonstra JORGE LOPES DE SOUSA, o mesmo não obedece às melhores regras da hermenêutica jurídica. Comentando aquela norma legal, diz este Autor:

«No n.º 1 deste art. 121.º refere-se que a vista ao Ministério Público lhe é dada para se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que são objecto do processo ou suscitar outras que se enquadrem nas suas competências legais.

Assim, a referência a pronúncia «sobre as questões de legalidade suscitadas no processo» não tem um alcance restritivo das possibilidades de intervenção do Ministério Público, estendendo-se as suas possibilidades de intervenção processual a todas as que se coadunam com a sua função estatutária nos tribunais administrativos e fiscais.

Nestes termos, além das expressamente previstas possibilidades de se pronunciar sobre as questões de legalidade suscitadas no processo e suscitar questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido, o Ministério Público poderá também promover o que tiver por conveniente, como lhe é genericamente permitido pelo art. 6.º, n.º 1, do EMP, designadamente promover a regularização da petição e sanação de irregularidades processuais, deduzir excepções, arguir nulidades, e requerer a realização de diligências.

Do preceituado na alínea b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, conclui-se que o Ministério Público pode também arguir vícios do acto impugnado que não tenham sido arguidos pelo impugnante, possibilidade essa que estava expressamente prevista para os recursos contenciosos de actos administrativos, na alínea d) do art. 27.º da LPTA, e está também prevista para as acções administrativas especiais, nos n.ºs 3 e 4 do art. 85.º do CPTA» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 4 ao art. 121.º, pág. 300.).

É certo que, como referido nas alegações de recurso, CASALTA NABAIS defendeu que além das questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo, o Ministério Público só pode suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, portanto, levantar questões novas de legalidade (Direito Fiscal, 5.ª edição, Almedina, pág. 425.).

No entanto, essa tese não foi acolhida pela jurisprudência (Sobre a possibilidade de o Ministério Público arguir vícios não arguidos pelo impugnante, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: –de 22 de Março de 1995, proferido no processo n.º 18.996, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Julho de 1997 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1995/32210.pdf), págs. 880 a 883, com sumário disponível em -http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/191c800bdd5ec649802568fc00393d8f?OpenDocument; –de 29 de Outubro de 1997, proferido no processo n.º 18.997, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32240.pdf), págs. 2750 a 2752; –de 5 de Novembro de 1997, proferido no processo n.º 21.043, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32240.pdf), págs. 2849 a 2851; –de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 21.168, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1998/32210.pdf), págs. 952 a 954; –de 31 de Outubro de 2000, proferido no processo n.º 25.516, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Janeiro de 2003 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32241.pdf), págs. 3999 a 4002; –de 8 de Fevereiro de 2006, proferido no processo n.º 810/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 29 de Setembro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32210.pdf), págs. 239 a 243.) nem pela doutrina, sendo que JORGE LOPES DE SOUSA a criticou expressamente, pelos motivos que vimos de citar (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, volume I, nota de rodapé com o n.º (2), anotação 4 ao art. 121.º, pág. 861.)”

Assim, face ao disposto na lei e com apoio na jurisprudência citada, impõe-se concluir que nada obsta – antes sendo permitido – a que o Ministério Público argua vícios do acto tributário impugnado que não tenham sido invocados pelo Impugnante, como aqui aconteceu.

Assim sendo, como é, não poderemos deixar de concluir que a sentença recorrida se moveu dentro dos limites daquilo que lhe era possível conhecer, apreciando e decidindo um vício suscitado por quem, no processo, o poderia suscitar.

Por conseguinte, a sentença recorrida não padece de nulidade decorrente do excesso de pronúncia, por ter julgado procedente a impugnação judicial com base na falta de fundamentação, vício este – repita-se - unicamente invocado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público.

É verdade, e não o desconsidera este Tribunal, que o parecer proferido pelo Magistrado do Ministério Público não foi notificado às partes, sendo certo que tal notificação se impunha, já que, nos termos expostos, aí foi invocado um novo vício dos actos contestados.

Com efeito, não subsistem dúvidas que, num caso como aquele que nos ocupa, a falta de notificação do parecer às partes (concretamente, à Fazenda Pública) comprometeu a possibilidade de estas se pronunciarem sobre a nova questão invocada, o que não pode deixar de configurar uma nulidade processual, face ao disposto nos artigos 3º e 195º, do CPC.

Com efeito, o referido artigo 195º, nº 1 estabelece que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” e o artigo 3.º, nº3 do CPC estabelece que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Ora, as nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr. artigos 196º e 199º, do CPC). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artigo 199º, do CPC. “Mais, tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Por outro lado, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição das ditas nulidades neste último (cfr.ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 14/5/2013, proc. 6018/12; ac.T.C.A. Sul - 2ª.Secção, 14/11/2013, proc. 6971/13; ac.T.C.A. Sul - 2ª.Secção, 13/2/2014, proc. 7308/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.86 e seg.)” – cfr., entre muitos outros, o acórdão deste TCA Sul, de 08/03/18, no processo nº 541/14.2BELRA.

Em suma, configurando tal omissão de notificação e, nessa medida, a não observância do princípio do contraditório, uma nulidade processual secundária que não é do conhecimento oficioso, não poderia a Recorrente ter deixado de a arguir no momento em que interpôs o presente recurso jurisdicional, o que não foi feito.

Assim, a nulidade em causa ficou sanada, não podendo já ser conhecida.

Face a todo o exposto, e uma vez que a Recorrente não põe em causa o julgamento efectuado relativamente ao vício correspondente à falta de fundamentação, mas apenas que tal vício tenha sido conhecido, nada mais há a apreciar.

Nestes termos, e dispensando-nos de mais amplas considerações, julgam-se improcedentes as conclusões da alegação de recurso e nega-se provimento ao mesmo.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a decisão recorrida.

Sem custas, por delas estar isenta a Recorrente, Fazenda Pública (processo anterior a 2004).

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019.


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Lurdes Toscano)

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(Joaquim Condesso)