Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4/06.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRETOS
VENDA DE IMÓVEIS
Sumário:
I. Não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

II. O recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável não pode ter inerente a inércia instrutória da administração tributária.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A….., SA (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 14.11.2012, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) relativa ao exercício de 2000.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A. O presente Recurso jurisdicional vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, 3.a Unidade Orgânica, no âmbito do processo n.° 4/06.0BELRS, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra o acto de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.° ….., referente ao exercício de 2000, no montante total de € 438.809,07, correspondendo € 72.141,42 a juros compensatórios;

B. Com efeito, entendeu a Douta Sentença recorrida que a Administração Fiscal estava legitimada, no exercício de 2000, a recorrer à aplicação de métodos indirectos (“M.I.”) para a determinação da matéria colectável da Recorrente, entendimento relativamente ao qual a Recorrente não pode aderir;

C. Ainda que a Administração Fiscal tenha detectado discrepâncias quanto aos valores declarados nos contratos de compra e venda de lotes de terreno para construção, no exercício de 2000, procedendo à elaboração de proposta de correcções aritméticas no montante de € 779.163,14 e à proposta de correcções por M.l. no montante de € 189.045,05, utilizando como valor de venda por m2 dos lotes de terreno, a média dos valores de venda por m2 declarados pelos clientes de € 170,48, a Recorrente efectuou, durante o prazo para o exercício do direito de audição, autodenúncia, mediante a entrega das declarações modelo 22 de IRC de substituição para os exercícios de 2000;

D. Neste sentido, a Recorrente procedeu à regularização de toda a sua situação tributária, tendo declarado e reflectido, na sua contabilidade, os valores reais e efectivos de todas as transacções, e apresentando à Administração Fiscal cópias de todos os documentos comprovativos dos pagamentos recebidos relativos à diferença entre os valores declarados em escritura pública de compra e venda e os correspondentes valores reais;

E. Assim, no que se refere aos lotes n.os 136 e 155, relativamente aos quais a Administração Fiscal diz ter aplicado M.I., declarou a Recorrente que os mesmos foram na realidade transaccionados a PTE 35.000$00 (o equivalente a € 174,58) por metro quadrado, valor esse superior ao da presunção constante do Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção, fixada em € 170,48 por metro quadrado;

F. Contudo, em 15 de Dezembro de 2004 foi a ora Recorrente notificada do Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção, sendo que a Administração Fiscal concluiu que “Apesar da autodenúncia efectuada pelo contribuinte relativa aos valores de venda de alguns lotes de terreno, são de manter os pressupostos para a realização da avaliação indirecta previstos na alínea b) do Art. 87° e na alínea a) do Art. 88° da Lei Geral Tributária, na determinação do lucro tributável por métodos indirectos nos termos do Art. 52° do CIRC, resultando dessas correcções o Lucro Tributável corrigido por M.l. de € 1.062.304,30” (destaque da Recorrente);

G. No entanto, se atentarmos às correcções alegadamente realizadas com fundamento em M.l. é possível verificar que as mesmas foram efectuadas no exacto montante dos valores declarados pela ora Recorrente na sequência de apresentação de declaração modelo 22 de substituição para o exercício de 2000, ou seja, no montante de € 1.062.304,30;

H. Ora, na apreciação que a Douta Sentença recorrida faz sobre a questão decidenda, resulta evidente o erro de julgamento quanto à matéria de facto, isto porque, tendo a Administração Fiscal fundamentado o recurso à aplicação de M.l. com base no disposto na alínea b) do n.° 1 do art.º 87.° da LGT e ainda com base na alínea a) do art.º 88 ° deste diploma legal, exigia-se, para o efeito, a verificação da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável em sede de IRC, bem como se a insuficiência dos elementos de contabilidade ou da declaração de rendimentos, e eventuais irregularidades, foram ou não supridas no prazo legal;

I. A Douta Sentença recorrida omite factos relevantes, e devidamente provados, que sustentam a posição da Recorrente no sentido de que não estavam reunidos os pressupostos para o recurso à aplicação de M.l. relativamente ao exercício de 2000;

J. Assim, desde logo, não resulta da matéria de facto provada que a ora Recorrente veio, nos termos do art.° 60.° da LGT e artºs 58.° e 60.° do RCPIT, proceder à regularização de toda a sua situação tributária;

K. Resulta de toda a prova produzida, documental e testemunhal, que a Recorrente procedeu efectivamente à regularização total da sua situação tributária;

L. Ainda neste sentido, na óptica da Recorrente, deveria resultar absolutamente claro da matéria de facto dada como provada na Douta Sentença recorrida o facto de a Administração Fiscal ter fixado a matéria colectável da Recorrente no exacto montante dos valores declarados pela própria Recorrente;

M. Resulta do disposto no n.° 1 do art.° 62.° do RCPIT que o procedimento de inspecção se considera concluído com a elaboração de um relatório final em que se identifiquem e sistematizem os factos detectados e se efectue a sua qualificação jurídico-tributária;

N. O art.° 58.° do RCPIT prevê que a entidade inspeccionada pode, no decurso do procedimento de inspecção, proceder à regularização da sua situação tributária;

O. Situando-se o direito de audição, previsto no art.° 60.°, n.° 1, alínea e) da LGT e art.°60.° do RCPIT, em momento anterior à conclusão do procedimento de inspecção, é absolutamente relevante a regularização tributária por parte da Recorrente efectuada dentro do prazo para o exercício do direito de audição sobre o Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção, equivalendo esta regularização à efectuada dentro do prazo legal, para efeitos do disposto na alínea a) do art.° 88.° da LGT (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.03.2006, Proc. N.° 888/05, Secção do Contencioso Tributário);

P. Neste sentido, resulta essencial o depoimento do Técnico Tributário que conduziu a inspecção tributária em questão tendo em vista a prova de que o mesmo não cuidou de analisar a contabilidade da Recorrente após a elaboração do Projecto de Relatório, no entanto, o Tribunal a quo não valorou o depoimento em questão, nem tão pouco apresentou os motivos para o facto de não ter valorado tal depoimento;

Q. Atendendo a que todos os factos supra descritos são essenciais para a decisão sobre a legitimidade para aplicação de M.I., ou mesmo para se apurar se a Administração Fiscal aplicou, de facto, M.l. ou se limitou a aderir aos valores declarados pela ora Recorrente, não podia o Tribunal a quo ter deixado de apreciar tal matéria factual;

R. O Tribunal a quo tinha o dever de seleccionar os factos relevantes para a decisão, tomando em consideração a causa ou causas de pedir que fundamentam o pedido formulado pela ora Recorrente (art.ºs 511,° e 659.° do Código de Processo Civil);

S. Ainda neste sentido, a Douta Sentença recorrida fundamenta a legitimidade para o recurso a métodos indirectos, pese embora a regularização total da situação tributária da Recorrente, com base no facto de a Recorrente não ter apresentado os contratos-promessa referentes ao lotes de terreno para construção n.os 136 e 155;

T. No entanto, e como bem sustentou o Digno Magistrado do Ministério Público no seu Parecer junto aos autos a fls... a Administração Fiscal não fez qualquer prova no sentido de que tais contratos-promessa sequer existiam;

U. Neste sentido, ganha especial relevo, tendo em vista a análise jurídica da vexatio quaestio, o facto de se encontrar demonstrado e provado nos autos que existiram outras alienações de lotes de terreno para construção em que a Recorrente não procedeu à celebração de quaisquer contratos-promessa;

V. Julga a Recorrente ser essencial dar como não provado o facto de a mesma ter procedido à celebração de contratos-promessa relativamente aos lotes n.os 136 e 155°;

W. Assim, torna-se necessária a reapreciação pelo Tribunal ad quem da matéria de facto invocada pela Recorrente, nos termos do n.° 1 do art.° 712.° do CPC, para que se dêem por assentes, relevantes e provados, ou não provados, os factos necessários à apreciação da questão referente à legitimidade para aplicação de M.l. e se, de facto, a Administração Fiscal aplicou M.l. ou se limitou a aderir aos valores declarados pela Recorrente;

X. Acresce que, com a devida vénia, a Douta Sentença recorrida, para além de ter procedido a uma errada valoração da matéria factual, incorreu num manifesto erro de julgamento quanto à aplicação do Direito ao caso concreto;

Y. Com efeito, resulta da Douta Sentença recorrida que as irregularidades praticadas pela Recorrente na execução da sua contabilidade impossibilitam a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável de IRC, do exercício de 2000, e são os pressupostos para a realização da avaliação indirecta previstos na alínea b) do art.° 87.° e na alínea a) do art.° 88.° da LGT, na determinação do lucro tributável por métodos indirectos nos termos do art.° 52.° do Código do IRC;

Z. No entanto, errou a Douta Sentença recorrida ao não considerar que a ora Recorrente regularizou, em autodenúncia e durante o período para exercício do direito de audição, nos termos do art.° 60.° da LGT e art.os 58.° e 60.° do RCPIT, a sua situação tributária relativa ao exercício de 2000;

AA. Acresce que, se atentarmos às correcções alegadamente realizadas com fundamento em M.l. é possível verificar que as mesmas foram efectuadas no exacto montante dos valores declarados pela ora Recorrente na sequência da apresentação de declaração modelo 22 de substituição para o exercício de 2000, ou seja, no montante de € 1.062.304,30;

BB. Atendendo a que o apuramento do valor tributável por M.l. consiste em inferir a partir de um facto conhecido (facto-índice) e com recurso a regras da experiência (comum, técnicas) um facto desconhecido (o rendimento tributável), e verificando-se, in casu, que a Administração Fiscal adoptou os valores de alienação declarados pela própria Recorrente, não podia a Douta Sentença recorrida afirmar que era legítimo o recurso a M.l. quando, na óptica da Recorrente, a Administração Fiscal procedeu a uma mera quantificação directa da sua matéria colectável;

CC. Apenas seria legítimo o recurso a M.l. nos termos dos art.os 87.°, n.° 1, alínea b) e 88.°, ambos da LGT, se a Administração Fiscal tivesse reunido indícios suficientes e fundados que a Recorrente auferiu rendimentos que continuou a não declarar e que não era possível apurar directamente, o que não sucedeu, até porque a Administração Fiscal não recorreu a factores de quantificação como os que se referem no art.° 90.° da LGT, uma vez que os valores declarados pela Recorrente, e suportados através dos comprovativos de pagamento juntos aos autos, eram superiores aos factores de quantificação inicialmente apurados;

DD. A Douta Sentença recorrida viola ainda o disposto no art.° 74.° da LGT, uma vez que afirma a legitimidade no recurso a M.l. atendendo a que a Recorrente não fez prova inequívoca de que não teria recebido outros valores (prova negativa), isto porque não apresentou os contratos-promessa de compra e venda, no entanto, nos termos da referida disposição legal, o ónus da prova de quais contratos existem cabe à Administração Fiscal;

EE. Resulta ainda claramente ilegal e violador do princípio da colaboração, previsto no art.° 59.° da LGT, o facto de a Douta Sentença recorrida aceitar as correcções aritméticas, entretanto assumidas pela ora Recorrente, calculadas com base nos valores declarados pelos adquirentes dos restantes lotes de terreno, e que correspondem a um valor médio por metro quadrado de € 170,48, e, por outro lado, não aceitar as correcções promovidas pela ora Recorrente, em claro benefício da Administração Fiscal, que correspondem a um valor médio por metro quadrado superior-€ 174,58;

FF. A interpretação que a Douta Sentença recorrida faz sobre a questão decidenda é ainda manifestamente contrária à presunção contida no n.° 1 do art.° 75.° da LGT, segundo a qual “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”

GG. Com efeito, não tendo a Administração Fiscal logrado fazer prova de que os documentos contabilísticos da ora Recorrente não estão conformes com a legislação comercial e fiscal em vigor, nem sequer esteve perto de o conseguir, e não tendo provado que a Recorrente procedeu à celebração de contratos-promessa referentes aos lotes n.os 136 e 155, deverá à contabilidade da ora Recorrente ser aplicada a presunção do art.° 75.° n.° 1 da LGT;

HH. Após as correcções promovidas pela Recorrente e declaração dos valores reais das transacções superiores aos valores inicialmente presumidos pela Administração Fiscal, exigia-se um segundo momento de fundamentação por parte da Administração Fiscal no sentido de justificar a aplicação de M.I., o que implicava a apresentação de indícios suficientes e fundados de que os valores corrigidos pela Recorrente continuavam a não ter aderência à realidade, apenas desta forma se cumprindo o disposto no n.° 1 do art ° 74.° da LGT;

II. O que a Administração Fiscal pretende fazer crer como a sua actuação, e a Douta Sentença recorrida não censura, foi aplicar, de forma indiscriminada, correcções aritméticas e métodos indirectos a situações que são manifesta e objectivamente idênticas: a primeira, aos valores corrigidos e a posteriori declarados pelos adquirentes dos lotes de terreno e as correcções daí decorrentes; a segunda, aos valores corrigidos e a posteriori declarados pela ora Recorrente com base na contabilidade desta, comportamento este claramente violador do princípio constitucional da igualdade previsto no art.0 13.° da Constituição da República Portuguesa;

JJ. A Douta Sentença recorrida, ao aderir à argumentação apresentada pela Administração Fiscal, impede que a ora Recorrente possa, nos termos do n.° 1 do art.º 47.° do Código do IRC, deduzir aos seus lucros tributáveis, respeitantes ao exercício de 2000, os prejuízos fiscais apurados em exercícios anteriores;

KK. Assim, porque a Douta Sentença recorrida não vê obstáculo a que a Administração Fiscal tenha adoptado os valores efectivamente declarados pela Recorrente para a determinação da sua matéria colectável, ao mesmo tempo que afirma que tais valores foram fixados através de M.I., permite um aumento ilegal da receita tributária, numa clara violação dos princípios da justiça e imparcialidade previstos no art.º 55ºda LGT;

LL. A Douta Sentença recorrida invoca como fundamento para a desconsideração dos elementos contabilísticos, já corrigidos, da ora Recorrente, o facto de esta não fazer prova de que não recebeu outros valores para além dos declarados, no entanto, este tipo de suspeitas ou suposições, desprovidas de qualquer prova, não poderão nunca legitimar o recurso pela Administração Fiscal a métodos de avaliação indirecta (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 03.06.2003, Proc. N.° 7440/02, Secção do Contencioso Tributário, in Inforfisco);

MM. Não podem, face ao exposto, restar quaisquer dúvidas quanto à ilegitimidade do recurso a métodos de avaliação indirecta por parte da Administração Fiscal, pelo que a Douta Sentença recorrida, ao decidir da forma que o fez, incorreu num manifesto erro de julgamento de Direito;

NN. Acresce que, resulta ainda da Douta Sentença recorrida que “o critério quantitativo de que a AT se serviu, com origem na declaração de substituição e nas fotocópias dos meios de pagamento apresentados pela Impugnante em sede de audição prévia (cf. Números 4 e 5 do probatório), se não chega para afirmar que era possível o recurso aos métodos directos de avaliação da matéria colectável no caso vertente, é o que melhor se coaduna com os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais” (destaque da Recorrente);

OO. Ora, se a Recorrente bem apreendeu o sentido de tal consideração, será forçoso concluir que a Douta Sentença recorrida confirma que a Administração Fiscal apurou a matéria colectável da Recorrente apenas com base no recurso à declaração por esta apresentada e às fotocópias dos meios de pagamento que constam da sua contabilidade, no entanto, apesar de ter quantificado, de forma directa, a matéria colectável da Recorrente, com base, exclusivamente, em elementos por esta fornecidos, tal não chega para afirmar que era possível o recurso aos métodos directos de avaliação da matéria colectável (?);

PP. Face a tudo o exposto, a Douta Sentença recorrida viola o disposto nos art.os 87.°, n.° 1, alínea b), 88.°, alínea a), 55.°, 74.° e 75.° da LGT, bem como os art.os 52.° e 54.° do Código do IRC e ainda os art.os 13.° e 104.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências Senhores Juízes Desembargadores, deve o presente Recurso ser julgado procedente, com todas as legais consequências, designadamente, devendo a Douta Sentença recorrida ser objecto de revogação, declarando-se a ilegalidade do acto tributário impugnado:

(i)           em virtude da necessária reapreciação da matéria de facto invocada pela Recorrente, nos termos do n.° 1 do art.° 712.° do CPC, para que se dêem por assentes, relevantes, provados ou não provados os factos que suportam a questão referente à ilegitimidade para o recurso a M.I.; e,

(ii)          por erro de julgamento de Direito em virtude da violação do disposto nos art.os 87.°, n.° 1, alínea b), 88.°, alínea a), 55.°, 74.° e 75.° da LGT, bem como os art.ºs 52.° e 54.° do Código do IRC e ainda os art.ºs 13.° e 104.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa;

Assim se fazendo JUSTIÇA!”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir
a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?
b) Há erro de julgamento, na medida em que não se reúnem os pressupostos de recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante tem como actividade principal a “compra e venda de bens imobiliários” e encontra-se enquadrada em sede de IRC no regime normal mensal (cf. informação, a fls. 858 e segs. do PAT apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido);

2. Por ordens de serviço n.°s …..e ….., de 7 de Abril de 2004, a Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção aos exercícios de 2000 e 2001 (cf. informação, a fls. 858 e segs. do PAT apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido);

3. No âmbito da referida acção de inspecção, foram efectuadas correcções à matéria colectável da Impugnante, relativamente ao exercício de 2000, com recurso a métodos indirectos, no montante de € 189.045,05 (cf. informação, a fls. 858 e segs. do PAT apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido);

4. Para fundamentar as correcções efectuadas, os serviços de inspecção concluíram, entre mais, o seguinte:

“(...)

Apesar da autodenúncia efectuada pelo contribuinte relativa aos valores de vendas de alguns lotes de terreno, são de manter os pressupostos para a realização da avaliação indirecta previstos na alínea b) do Art. 87° e na alínea a) do Art. 88° da Lei Geral Tributária, na determinação do lucro tributável por métodos indirectos nos termos do Art. 52° do CIRC, resultando dessas correcções o Lucro Tributável corrigido por M. I. de € 1.062.304,30.

(...)

Embora tivéssemos tomado conhecimento dos valores autodenunciados pelo contribuinte, este não faz prova clara e inequívoca de que não recebeu outros valores para além dos referidos, nomeadamente não apresentou os Contratos Promessa de Compra e Venda celebrados com os adquirentes. No exercício do Direito de Audição apresentado, o contribuinte não destrói os motivos que levaram a Administração Fiscal a apurar por métodos indirectos, o resultado fiscal declarado no exercício de 2000.

(...)

Mais ainda, o contribuinte nos exercícios de 2000 e 2001 declarou vendas (com excepção dos lotes para a C….. e do lote 168) no valor de € 1.030.666,12 (2000 de € 289.911,32 e 2001 de € 740.754,80), quando os valores de venda efectivamente recebidos para os mesmos lotes foram de € 2.825.017,43, ou seja contabilizou apenas 36,48% dos valores das vendas efectivamente recebidas e sonegou à conta de Proveitos - Vendas, e consequentemente fugiu à tributação em sede de IRC, de 63,52% das vendas efectivamente recebidas.

Como já se disse atrás as irregularidades praticadas pelo contribuinte na execução da sua contabilidade, impossibilitam a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável de IRC, dos exercício de 2000 e 2001, e são os pressupostos para a realização da avaliação indirecta previstos na alínea b) do Art. 87° e na alínea a) do Art. 88° da Lei Geral Tributária, na determinação do lucro tributável por métodos indirectos nos termos do Art. 52° do CIRC.

(...)

Perante os factos relatados no «Projecto de Conclusões de Relatório» verifica-se que relativamente à venda em 2000 de dois lotes de terreno (136 e 155), a Administração Fiscal corrigiu por M. I. o valor de 189.045,05 €, e o contribuinte vem acrescer no Quadro 07 da Declaração de substituição Mod. 22 - IRC, para além daquele valor mais 5.984,94 €, ou seja acresceu o valor de 195.029,99 €.

(…)

As regularizações a que o contribuinte procedeu não retiram as fragilidades apresentadas pela sua escrita nos anos de 2000 e 2001, nem eliminam os pressupostos para a aplicação dos métodos/indirectos, pressupostos esses que já constavam da Informação vinda da D. F, Faro - Anexo IX de 14 fls.

Capítulo VII - Infracções verificadas

As irregularidades praticadas pelo contribuinte nos exercícios de 2000 e 2001, simulação de 23 negócios jurídicos (simulação quanto ao valor), constituem infracções fiscais previstas e puníveis pelo Art 23° do RJIFNA - Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras aprovado pelo Dec. Lei n° 20-A/90 de 15/01 com as alterações introduzidas pelo D.L. n.° 394/93 de 24 de Novembro, para o exercício de 2000, e pelo Art. 103° do RG1T - Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei 15/2001 de 05/07, para o exercício de 2001.

(...)

Como se pode constatar dos factos relatados, os valores de aquisição declarados pelos adquirentes dos lotes de terreno, são bastante superiores aos declarados nas escrituras de compra e venda, sendo que alguns clientes exibiram os CPCV e outros apresentaram comprovativos das importâncias pagas.

Aceitando esses valores como os efectivamente praticados, procedemos à correcção das vendas declaradas nos exercícios de 2000 e 2001 com base em correcções de natureza meramente aritméticas.

(...)

Como se conclui pelos factos relatados, apoiados em documentação idónea, o contribuinte não possui argumentos que possam contrariar a aplicação dos Métodos Indirectos na determinação dos lucros tributáveis dos exercícios de 2000 e 2001.

O contribuinte tem plena consciência que, na venda de lotes de terreno de Almancil denominados «Varandas do Lago», lesou o Estado em milhares de contos, quando declarou em escrituras notariais de compra e venda, preços de venda manifestamente inferiores àqueles que recebeu dos promitentes compradores.

Confrontado com os factos e perante as consequências que iriam recair sobre si, quando foi informado pelo Projecto de Relatório, das correcções propostas e das penalidades que iriam ser instauradas, decidiu apresentar Declarações de substituição Mod. 22 IRC exercícios de 2000 e 2001, o que fez em 05/11/2004.

E verificámos que os preços de venda «supostamente» praticados, relativos aos lotes de terreno (6, 136, 152, 155, 159, 175, 193 e 196) que tinham sido objecto de correcção por M. I., foram superiores aos estimados pela Inspecção Tributária.

Dizemos «supostamente», porque podem existir outros valores que não foram revelados à A F! Não foram facultados os CPCV!” (cf. relatório, a fls. 381 e segs. do PAT apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido);

5. Em 10 de Dezembro de 2004, o Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa emitiu, sobre o relatório referido no número anterior, parecer com o seguinte teor essencial:

“A fiscalização ao IRC e aos exercícios de 2000 e 2001 da A….. SA, teve por base o ofício n°….., de 19/01/2004, da Direcção de Finanças de Faro, enviando Informação sobre a venda em 2000 e 2001 de 33 lotes de terreno para construção (adquiridos à F…..-sede em Loulé), em que verificou que os valores de venda efectivos eram bastantes superiores aos declarados nas escrituras públicas, e isto porque os clientes de A….. vieram a pagar a sisa adicional. Confrontado com esta situação, e não tendo como negá-la, o contribuinte, e durante o decurso do prazo para o exercício do direito de audição, entregou em 5/11/2004 duas DR mod. 22, acrescentando, entre outros, os valores de € 946 469,01 (2000) e € 847 882,47 (2001), referentes aos valores omitidos em vinte e três escrituras e na contabilidade. Contudo, e conforme se explicita no relatório da inspecção, e apesar de em autodenúncia o contribuinte ter acrescido aquelas verbas (que incluem correcções técnicas e por M.I. propostos pela AF), verificam-se reunidas as condições previstas no art° 87°, alínea b) e art° 88°, alínea a), ambos da LGT, para que os resultados fiscais dos exercícios de 2000 e 2001, e por força do art° 90° da mesma disposição legal sejam apurado por métodos indirectos. Neste contexto, e como consta do Relatório Final, os resultados fiscais fixados por M.L são os de 1062304,30 € (2000) e de 3 766 241,34 € (2001).

É proposta, ainda, ao exercício de 2001, uma correcção aritmética de € 19413,21, referente à diferença verificada entre o somatório das fotocópias dos cheques não registados na contabilidade (venda do lote n° 6 a N…..), enviadas com o contraditório escrito (Anexo VI de 230 tis) e o valor acrescido pelo contribuinte na DR de substituição entregue em 5/11/2004.

No contraditório escrito o contribuinte diz não concordar com as correcções por MI efectuadas às vendas em 2001 dos 9+1 lotes de terreno, invocando «o princípio do preço de plena concorrência utilizado» (pontos 67° a 83° da petição apresentada), mas sem nada de concreto que nos levasse a aceitar como verdadeiro o preço de venda por m2 de Esc. 16 000$00, quando todas as evidências apontam para os Esc. 35 000$00! Assim, e não tendo sido invocados erros de facto, ou de direito, praticados pela AF, e mantendo-se os pressupostos para a aplicação dos M.l. para determinação dos volumes de negócios nos dois exercícios, mantêm-se as fixações acima referidas, conforme amplamente se comenta nos capítulos IV, V e VIII do Relatório Final.

Não obstante o contribuinte tenha entregue DR de substituição para os dois exercícios, acrescendo nos respectivos Quadros 07 valores omissos nas respectivas escrituras de venda dos lotes de terreno, a verdade é que o mesmo celebrou 23 (vinte e três) negócios jurídicos simulados (simulados quanto ao valor), sendo tal conduta considerada crime de fraude fiscal, tipificada no art° 23° do RJIFNA (2000) e art° 103° do RGIT (2001)” (cf. parecer, a fls. 379 e 380 do PAT apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido);

6. Em 13 de Dezembro de 2004, o Director de Finanças da Direcção de Finanças de Lisboa emitiu despacho concordante com o parecer e o relatório referidos nos números anteriores, com o seguinte teor essencial:

“Dos fundamentos dele constante resulta que se encontram verificados os pressupostos estabelecidos no art. 52° do Código do IRC e nos art°s 87° al. b) e 88° da Lei Geral Tributária, para o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, não sendo, também, possível a quantificação e comprovação directa e exacta da matéria colectável.

Desta forma, com os fundamentos referenciados, determino que se proceda, nos termos dos preceitos legais citados, bem como do art.° 90° da LGT e art.° 54° do CIRC, à determinação da matéria colectável de IRC, com recurso à aplicação de métodos indirectos para o seu apuramento relativamente aos exercícios acima enunciados.

Determino, ainda, a fixação da matéria colectável de IRC, referente aos exercícios em referência, nos montantes propostos” (cf. despacho, a fl. 378 do PAT apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido);

7. Na sequência do que foi elaborada a declaração Mod. DC 22 da Impugnante, referente ao exercício de 2000, passando a matéria colectável a acrescer o montante de € 5.984,94, correspondente à diferença entre o montante apurado com recurso a métodos indirectos e o montante declarado pela Impugnante (cf. informação, a fls. 870 e segs. do PAT apenso, cujo teor se considera integralmente reproduzido);

8. Requerida a revisão da matéria colectável, foi lavrada a acta n.° ….., na qual consta, entre o mais, que “não houve acordo, conforme lavrados pelo Perito do Contribuinte, pelo Perito da Fazenda Pública e pelo Perito Independente, relativamente ao ano de 2000” (cfr. doc. 32, junto com a p. i., a fls. 351 e segs., cujo teor se considera integralmente reproduzido);

9. Em 13 de Junho de 2005, foi emitida a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.° ….., referente ao exercício de 2000, no montante total de € 438.809,07, correspondendo € 72.241,42 a juros compensatórios (cf. doc. 33, junto com a p. i., a fl. 370, cujo teor se considera integralmente reproduzido);

10. Em 19 de Agosto de 2005, foi emitida a demonstração de acerto de contas n.° ….., de acordo com a qual foi apurado o montante a pagar de € 436.363,99 (cf. doc. 34, junto com a p. i., a fl. 372, cujo teor se considera integralmente reproduzido);

11. Em 5 de Janeiro de 2006, foi deduzida apresente impugnação judicial”.

II.B. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Assenta a convicção do Tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados e bem assim das informações constantes do PAT apenso, tal como referido em cada número do probatório”.

II.C. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC (correspondente ao art.º 712.º, n.º 1, do CPC/1961), ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­‑se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração[1].

Nesse seguimento, para a ser a seguinte a redação do facto 7. referido em II.A.:

7. Foi preenchido, pelos serviços da administração tributária (AT), modelo DC 22, relativo ao exercício de 2000, do qual consta designadamente o seguinte:

a) Resultados líquidos: 189.045,05 Eur.;

b) Correções técnicas – juros de financiamento: 11.323, 54 Eur.;

c) Resultado final da 1.ª D.R.: 104.511,75 Eur.;

d) Correções técnicas acrescidas – lotes de terreno: 751.439,02 Eur.;

e) Outros acréscimos: 5.984,94 Eur.;

f) Soma: 1.062.304,30 Eur. (cfr. fls. 846 do processo administrativo).

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC (correspondente ao art.º 712.º, n.º 1, do CPC/1961), ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

12. O relatório de inspeção tributária (RIT) mencionado em 4. e 5. continha nove anexos, concretamente:

a) Anexo I: mapa resumo;

b) Anexo II: Informação elaborada pela direção de finanças de Faro, relativa a recolha e cruzamento de elementos junto dos clientes da Impugnante;

c) Anexo III: autos de declarações de adquirentes, contratos-promessa, cópias de meios de pagamento, liquidações de imposto municipal de Sisa;

d) Anexo IV: mapa;

e) Anexo V: notificações remetidas pela AT a clientes da Impugnante e respostas respetivas;

f) Anexo VI: exercício do direito de audição;

g) Anexo VII: prints dos sistemas informáticos da AT;

h) Anexo VIII: extratos de conta da Impugnante, escrituras de compra e venda, talões de depósitos bancários, cópias de meios de pagamento;

i) Anexo IX: comunicação da direção de finanças de Faro (cfr. fls. 406 a 839, do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

13. No âmbito do pedido de revisão apresentado pela Impugnante, mencionado em 8., foi elaborada decisão, pelo diretor de finanças de Lisboa, datada de 04.04.2005, da qual consta designadamente o seguinte:

“Com base no relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, concluído em 22 de Novembro de 2004 foi fixado, em 13 de Dezembro de 2004, pelo Director de Finanças, o lucro tributável no valor de € 1.062.304,30 para o exercício de 2000 e de € 3.766.241,34 para o exercício de 2001.

Tudo, com os fundamentos constantes do já referido relatório.

(…)

Analisados o relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, o Pedido de Revisão apresentado pelo Sujeito Passivo e considerando as posições tomadas pelos peritos nos seus laudos, evidenciam-se os seguintes factos:

A. do Procedimento de Inspecção

1. A acção de inspecção externa teve por base as Ordens de Serviço n°s …..e ….., de 07/04/04 com o PNAIT ….., emitidas pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), Divisão I, a partir de elementos recolhidos pela Direcção de Finanças de Faro, no âmbito da fiscalização efectuada ao sujeito passivo — F….., SA., com a finalidade de proceder à análise da situação tributária aos exercícios de 2000 e 2001, conforme consta do relatório de inspecção tributária que a partir de agora se designa por Relatório.

2. O sujeito passivo exerce a actividade de “Compra e Venda de Bens Imobiliários”, a que corresponde o CAE 70 120, dedicando-se a empresa à construção e exploração de um parque industrial na área de Torres Vedras denominado “P…..”.

3. O sujeito passivo adquiriu à sociedade “F…..” em 27 de Agosto de 1999, 50 lotes de terreno para construção urbana, sitos no concelho de Loulé na localidade de Ancão, com o valor de compra e venda declarado de 244.749.000$00 (Capítulo II - flh 7 do Relatório), sendo o pagamento realizado através de uma conta-corrente que inclui facturas relativas à realização dos trabalhos de infra-estruturas e cheques.

4. Nos exercícios de 2000 e 2001, foram vendidos 33 daqueles lotes de terreno para construção, sendo omitidos valores de venda na contabilidade bem como nas escrituras efectuadas. Em 15 destes lotes de terreno foram conseguidos elementos de prova quanto ao valor efectivo de venda tendo os respectivos adquirentes pago a sisa adicional (Capítulo IV - flhs 8 a 12 do Relatório).

5. O próprio sujeito passivo, durante o decurso do prazo para o exercício do direito de audição, efectuou autodenúncia, através da entrega da declaração modelo 22 de IRC de substituição para os exercícios de 2000/01, onde acrescentou valores referentes a omissões praticadas na contabilidade (Capítulo IV - flhs 9 a 12 do Relatório).

6. No que respeita aos restantes lotes de terreno (2 vendidos em 2000 e 16 vendidos em 2001), não foi possível obter o valor real da venda, dado a não apresentação de contratos de Compra e Venda, celebrados com os adquirentes e/ou outros elementos (Capítulo IV - flh 10 do Relatório).

7. Em face da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, dos exercícios de 2000 e 2001 foi considerado encontrarem-se reunidos os pressupostos para a determinação do lucro tributável por métodos indirectos, nos termos dos artigos 52° e 54° do Código do IRC e artigos 87° e 88° da LGT.

8. De conformidade com o disposto no Art° 90° da LGT, os Serviços de Inspecção Tributária procederam à determinação do lucro tributável (conforme o desenvolvido no Capítulo V - flh 13 do Relatório), tendo por base:

• o valor de venda por m2 dos lotes de terreno, apurado através da média dos valores declarados pelos clientes.

9. Assim, com base no exposto foram apurados os valores constantes no seguinte quadro:

Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas


10. O sujeito passivo foi notificado em 29 de Outubro de 2004 através do ofício n° ….., nos termos previstos no artigo 60° da Lei Geral Tributária e no artigo 60.° do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária, para exercer o direito de audição, tendo exercido o referido direito. No entanto, as justificações apresentadas não puseram em causa a aplicação de métodos indirectos, pelo que foram mantidas as correcções, no âmbito da aplicação dos métodos indirectos, mencionadas no projecto de relatório da inspecção tributária, conforme fundamentos constantes do relatório.

B. do Procedimento de Revisão

No pedido de revisão e em resumo, a reclamante contesta a fixação do lucro tributável IRC por métodos indirectos, para os exercícios de 2000 e 2001, por considerar não estarem reunidos os requisitos para a sua aplicabilidade.

Mais, refere que a Administração Fiscal não pode aplicar rigorosamente a todas as compras e vendas um valor unitário por metro quadrado, não tendo em atenção as características de cada operação em concreto, nomeadamente, a situação de venda de vários lotes de uma só vez a uma mesma entidade e a venda a um dos administradores do sujeito passivo, em que se aplicaria o mecanismo das relações especiais.

No pedido de revisão o sujeito passivo, alega ainda que dado o facto de ter regularizado a sua situação perante a Administração Fiscal, uma vez que sanou as faltas referentes às situações que originaram o recurso a tributação por métodos de avaliação indirecta, não são, agora, aplicáveis métodos de avaliação indirecta para a determinação da matéria tributável.

Após o debate contraditório

O Perito do Sujeito Passivo, considera que para o exercício de 2000 não estão minimamente verificados os pressupostos da fixação da matéria colectável por métodos indirectos, e vem referir na ausência de acordo e em síntese que:

• O contribuinte corrigiu os respectivos resultados na declaração modelo 22 apresentada em 05/11/2004 tendo pago integralmente o imposto em dívida para este exercício;

• Apresentou toda a documentação dos respectivos meios de pagamento;

• A Administração Fiscal efectuou correcções aritméticas aos valores das vendas com base nas declarações dos compradores e não o fez quanto às correcções declaradas pela contribuinte.

Relativamente ao exercício de 2001, o representante do sujeito passivo entendeu não fazer comentários, tendo em conta o estabelecimento de acordo.

O Perito da Fazenda Pública, entende que os fundamentos para apuramento da situação tributária, com recurso a métodos indirectos, se encontram justificados, e não se esgotaram na regularização efectuada pelo sujeito passivo em autodenúncia.

O sujeito passivo apenas veio corrigir a sua declaração de rendimentos quando em direito de audição se confrontou com as correcções propostas e os factos que não tinha como negar (tendo em conta os autos de declarações de vários clientes, cópias de contratos de promessa de compra e venda, cópias de cheques e sisas pagas adicionalmente).

Relativamente ao exercício de 2001, verificou-se a existência de acordo (…).

O Perito Independente refere que o desacordo entre o representante do contribuinte e a administração fiscal se baseia no método de apuramento da matéria tributável.

Considera, na sua opinião que a matéria tributável é fruto de métodos indirectos, uma vez que o contribuinte ao entregar a declaração modelo 22 com matéria colectável ajustá-la aos preços de venda reais, se limitou a introduzir na linha 225 do referido modelo em acréscimo, sem rectificar qualquer outro dado, nem submeter nova declaração anual e sem corrigir a contabilidade.

C. Decisão

Quanto aos pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta

Pelo exposto e pelos elementos constantes do processo, Relatório da Inspecção Tributária, Pedido de Revisão e as posições dos Peritos intervenientes no Debate Contraditório, que aqui se dão como inteiramente reproduzidos, os quais foram abordados supra, conclui-se que:

• O sujeito passivo não elaborou a sua contabilidade de acordo com a normalização contabilística conforme se refere no artigo 17° e 115°, ambos do CIRC, nomeadamente no que respeita aos registos das contas de Disponibilidades e Proveitos uma vez que não fez aí reflectir os valores reais por que foram efectuadas as transmissões de bens -terrenos para construção urbana.

Estas situações não foram validamente postas em causa, quer no pedido de revisão quer no debate entre os peritos pois nem o contribuinte, nem o perito por si nomeado, vieram a destruir os argumentos, mantendo-se os mesmos sem contestação.

Mais, obtém-se de todo o processo que os fundamentos para aplicação de métodos indirectos para os anos de 2000 e 2001 foram exactamente os mesmos. E relativamente aos dois exercícios a actuação do sujeito passivo foi idêntica. Confrontado com o projecto de decisão para os dois exercícios, veio o sujeito passivo a apresentar declarações de substituição que colocam elas próprias em causa a validade do explicitado pela contabilidade.

Note-se que, destinando-se o quadro 07 da Modelo 22 à aplicação do efeito fiscal ao resultado líquido contabilístico, vieram a ser inseridos na linha 225 valores para 200o e 2001, os quais não são passíveis de comprovação pela contabilidade elaborada pelo sujeito passivo, colocando em causa a veracidade desta.

Tal é identificado no respectivo laudo pelo perito independente.

Vieram ainda os peritos do sujeito passivo e da Administração Tributária a estabelecer acordo para o ano de 2001. (…) Não se vislumbra que, perante idêntica situação, o perito do sujeito passivo venha a entender que para 2000 não se encontram verificados os pressupostos para igual aplicação de métodos indirectos.

Por tudo isto, não restam quaisquer dúvidas de que os métodos indirectos estão plenamente justificados.

Conclui-se, assim, que se encontram verificados os pressupostos de aplicação de métodos de avaliação indirecta para a determinação do lucro tributável nos termos dos artigos 52° e 54° do Código do IRC, relativamente aos exercícios de 2000 e 2001, de conformidade com o disposto nos Art°s 87° e 88° da LGT.

Quanto à quantificação

Justificada a determinação da matéria tributável por métodos de avaliação indirecta, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, em conformidade com o disposto na parte final do n° 3 do Art° 74° da LGT.

A quantificação foi efectuada com base nos valores de venda por m2 dos lotes de terreno, apurado através da média dos valores declarados pelos clientes.

Tendo em consideração todos os elementos apresentados é indubitável que estão reunidos os pressupostos para a avaliação indirecta, nos termos da alínea b) do artigo 87° e alíneas a) e b) do artigo 88° da LGT. No que respeita à quantificação não foram apresentados pelo sujeito passivo e pelo seu perito elementos concretos que permitam pôr em causa os valores apurados pelos Serviços de Inspecção Tributária, confirmados pelo Perito da Fazenda Pública e com os quais o perito Independente também concorda e que permitam fazer prova do excesso na quantificação no tocante ao exercício de 20o0, em que não houve acordo. Aliás o valor em causa foi o autodenunciado pelo sujeito passivo na declaração de substituição.

(…) [R]esultam para os anos de 2000 e 2001, os seguintes valores, dos quais fixo o: relativo a 2000:

” (cfr. fls. 413 a 419 dos autos – numeração em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

A Recorrente insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, entendendo, ao longo das suas alegações, que da mesma não constam factos relevantes para o conhecimento dos autos, concretamente:
a) Nos termos do art.º 60.º da LGT e art.ºs 58.° e 60.º do RCPIT, procedeu à regularização de toda a sua situação tributária, o que decorre da prova documental e testemunhal produzida;
b) A AT fixou a matéria coletável no exato montante dos valores declarados pela própria Recorrente;
c) O técnico que elaborou o relatório de inspeção não analisou a contabilidade da Recorrente após a elaboração do projeto de relatório, como decorre do depoimento do mesmo;
d) Existiram outras alienações de lotes de terreno para construção em que a Recorrente não procedeu à celebração de quaisquer contratos-promessa, como decorre do Anexo II do Relatório de Inspeção Tributária.

Entende ainda que deve ser dado como não provado o facto de a Recorrente ter procedido à celebração de contratos-promessa relativamente aos lotes n.ºs 136 e 155.

Considerando o disposto no art.º 685.º-B do CPC/1961 (aplicável para efeitos de análise das alegações de recurso, atenta a data de apresentação das mesmas, correspondendo, em grande medida, ao disposto no art.º 640.º do CPC/2013), a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[2].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 685.º-B, n.º 1, al. a), do CPC/1961, equivalente ao art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC/2013];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 685.º-B, n.º 1, al. b), do CPC/1961, equivalente ao art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC/2013], sendo de atentar nas exigências constantes dos n.ºs 2 e 4 do mesmo art.º 685.º-B, do CPC/1961.

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispunham os n.ºs 2 e 4 do art.º 685.º-B do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.

(…) 4 - Quando a gravação da audiência for efetuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[3].

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se, da leitura conjunta das alegações com as conclusões, que a Recorrente cumpriu minimamente com os ónus que lhe são impostos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:
¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea a):
Considera a Recorrente que deve ser aditado o seguinte facto:
“Nos termos do art.º 60.º da LGT e art.ºs 58.° e 60.º do RCPIT, procedeu à regularização de toda a sua situação tributária, o que decorre da prova documental e testemunhal produzida”.
Desde já se refira que a formulação adotada pela Recorrente, na redação proposta, é uma formulação eminentemente conclusiva, sendo que saber se, face aos atos praticados, houve ou não regularização da situação tributária é uma conclusão de direito, que cabe ao Tribunal extrair.
No entanto, a decisão proferida sobre a matéria de facto é absolutamente omissa quer quanto ao exercício do direito de audição (ainda que parte se possa extrair do facto 4. relativo ao RIT), quer quanto à declaração de substituição apresentada, factos que sustentam o requerido pela Recorrente.
Assim, considera-se serem de aditar os seguintes factos:

14. A Impugnante apresentou, a 05.11.2004, declaração modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao exercício de 2000, na qual:

a) Apurou um lucro tributável de 1.062.304,30 Eur., considerando proveitos no valor total de 3.142.194,62 Eur.;

b) Deduziu prejuízos de exercícios anteriores;

c) Apurou matéria coletável no valor de 10.007,00 Eur.;

d) Apurou imposto a pagar no valor de 6.569,27 Eur. (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e fls. 665 a 667 e 673, do processo administrativo).

15. No âmbito da ação inspetiva mencionada em 2., após elaboração de projeto de relatório de inspeção tributária, foi apresentado pela Impugnante, junto dos serviços da AT, a 09.11.2004, documento relativo ao exercício do direito de audição, no qual, designadamente, aceitou as correções aritméticas propostas, declarou o valor alegadamente real das vendas relativas aos lotes n.ºs 136 e 155 e afirmou ter procedido à correção da respetiva contabilidade (cfr. fls. 392 e 566 a 663 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea b):

Entende a Recorrente que deve ser aditado o seguinte facto:

“A AT fixou a matéria coletável da Recorrente no exato montante dos valores declarados pela própria Recorrente”.

Também aqui a formulação adotada pela Recorrente é eminentemente conclusiva, sendo que a conclusão extraída decorre da comparação entre o teor da decisão proferida pela AT (desde logo do RIT e da decisão proferida em sede de procedimento de revisão) e os elementos apresentados pela Impugnante (quer em sede de direito de audição quer com a apresentação da declaração modelo 22 de substituição), o que já consta da matéria de facto.

Como tal, indefere-se o aditamento requerido.


¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea c):

Entende a Recorrente que deve ser aditado o seguinte facto:

“O técnico que elaborou o relatório de inspeção não analisou a contabilidade da Recorrente após a elaboração do projeto de relatório”.

De facto, atenta a prova testemunhal produzida, concretamente o depoimento de F….., autor do RIT mencionado em 4., o mesmo perentoriamente afirmou não ter sido feita qualquer análise à contabilidade da Recorrente em momento ulterior ao exercício do direito de audição.

Como tal, defere-se o requerido, ainda que com a seguinte formulação:

16. A AT não analisou a contabilidade da Impugnante após a elaboração do projeto de relatório e na sequência do exercício do direito de audição.


¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea d):

Considera ainda a Recorrente que deve ser aditado o seguinte facto:

“Existiram outras alienações de lotes de terreno para construção em que a Recorrente não procedeu à celebração de quaisquer contratos-promessa”.

Sustenta a pretensão no teor do Anexo II do Relatório de Inspeção Tributária.

Este anexo, constante de fls. 408 a 417, do processo administrativo, consubstancia-se numa informação que elenca o resultado de diligências realizadas junto de clientes da Recorrente (e que motivaram as correções aritméticas efetuadas).

Dessa mesma informação, consta, efetivamente, que alguns dos clientes declararam não ter sido celebrado qualquer contrato-promessa de compra e venda (CPCV) com a Recorrente (e isto mesmo em situações nas quais os adquirentes assumiram que o preço real foi superior ao declarado na escritura pública).

Como tal, entende-se ser de deferir o requerido, mas com a seguinte formulação:

17. Alguns dos clientes da Impugnante declararam perante a AT não ter celebrado com aquela quaisquer contratos-promessa de compra e venda atinentes a lotes referidos no RIT mencionado em 4.

Quanto ao facto não provado, refira-se que, ao contrário do sustentado pela Recorrente, não cumpre à AT demonstrar a (in)existência de contratos-promessa, bastando referir que não lhe foram apresentados. Cumpre-lhe, sim, demonstrar a existência de pressupostos para o recurso a métodos indiretos. Se tal é ou não suficiente, trata-se de matéria de direito, a aferir infra, a propósito do conhecimento do erro de julgamento. Como tal, quanto ao aditamento do facto não provado, indefere-se o requerido.

Assim, e em suma, são de aditar os seguintes factos provados:

14. A Impugnante apresentou, a 05.11.2004, declaração modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao exercício de 2000, na qual:

a) Apurou um lucro tributável de 1.062.304,30 Eur., considerando proveitos no valor total de 3.142.194,62 Eur.;

b) Deduziu prejuízos de exercícios anteriores;

c) Apurou matéria coletável no valor de 10.007,00 Eur.;

d) Apurou imposto a pagar no valor de 6.569,27 Eur. (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e fls. 665 a 667 e 673, do processo administrativo).

15. No âmbito da ação inspetiva mencionada em 2., após elaboração de projeto de relatório de inspeção tributária, foi apresentado pela Impugnante, junto dos serviços da AT, a 09.11.2004, documento relativo ao exercício do direito de audição, no qual, designadamente, aceitou as correções aritméticas propostas, declarou o valor alegadamente real das vendas relativas aos lotes n.ºs 136 e 155 e afirmou ter procedido à correção da respetiva contabilidade (cfr. fls. 392 e 566 a 663 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

16. A AT não analisou a contabilidade da Impugnante após a elaboração do projeto de relatório e na sequência do exercício do direito de audição.

17. Alguns dos clientes da Impugnante declararam perante a AT não ter celebrado com aquela quaisquer contratos-promessa de compra e venda atinentes a lotes referidos no RIT mencionado em 4.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Entende a Recorrente que a decisão sob apreciação padece de erro de julgamento, em virtude de não se reunirem os pressupostos para recursos a métodos indiretos de fixação da matéria coletável.

In casu, como resulta provado, a Recorrente foi objeto de ação inspetiva, relativa aos exercícios de 2000 e 2001.

Do projeto de relatório da ação inspetiva decorreram, no que respeita ao exercício de 2000:
a) Correções aritméticas, no valor de 751.439,02 Eur.;
b) Correções por métodos indiretos, no valor de 189.045,05 Eur., respeitantes a dois lotes de terreno, com os n.ºs 136 e 155.

Em sede de direito de audição, e após ter apresentado declaração de substituição, a ora Recorrente veio aceitar as correções aritméticas efetuadas pela AT e autodenunciar os valores relativos aos lotes n.ºs 136 e 155, que declarou terem sido vendidos por valor superior ao calculado pela AT (total de 195.029,99 Eur.). Nessa sequência, a AT considerou que os elementos trazidos em sede de direito de audição não eram suficientes, mantendo a correção por métodos indiretos calculada primitivamente (189.045,05 Eur.).

Não obstante, a DC 22 preenchida pela AT espelha a diferença entre o valor autodenunciado (195.029,99 Eur.) e o valor obtido pela administração através de presunções (189.045,05 Eur.), sob a descrição “outros acréscimos”, tendo, no fundo, a AT aceitado por esta via o valor autodenunciado em excesso face àquele que presumiu.

Foi apresentado pedido de revisão, no qual, quanto ao exercício de 2000, não foi obtido acordo, motivo pelo qual se mantiveram os valores fixados no RIT.

Feito este introito, cumpre apreciar.

É desiderato constitucionalmente consagrado o de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – CRP).

Com efeito, nos termos do art.º 104.º, n.ºs 1 e 2, da CRP:

“1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

O princípio da igualdade, evidenciado, desde logo, nos n.ºs 1 e 2 do supracitado art.º 104.º da CRP, abrange quer a vertente da igualdade perante a lei fiscal, no sentido de não haver discriminação dos cidadãos face à referida lei, quer a vertente da igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios; esta encontra-se estreitamente ligada ao princípio da capacidade contributiva, enquanto reflexo da igualdade material.

Como referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004, de 03.03.2004:

“A tributação segundo o rendimento real é, numa certa dimensão, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva. É ele que justifica que a Constituição estabeleça que o sistema fiscal não pode deixar de assegurar “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art.º 103º, n.º 1) e que especifique, posteriormente, que os impostos devem ter em conta as “necessidades e os rendimentos [concretos] do [de cada] agregado familiar” e, finalmente, que a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Mas o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei”.

O princípio da tributação pelo rendimento real admite, no entanto, exceções ou desvios (veja-se que o n.º 2 do art.º 104.º da CRP utiliza o advérbio “fundamentalmente”), devidamente fundados e justificados[4].

Reflexo do respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real é a circunstância de o recurso à aplicação de métodos indiretos de avaliação da matéria coletável ser subsidiária em relação à avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – LGT).

A este propósito, e para melhor densificação dos termos em que se admite o recurso a um ou outro método de determinação da matéria coletável, há que apelar, desde logo, ao art.º 81.º da LGT, nos termos do qual:

“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Por seu turno, o art.º 83.º do mesmo diploma determina que:

“1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

A avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Veja-se, não obstante, que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que justifica o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

Assim, se, apesar de haver irregularidades contabilísticas, for possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão de métodos diretos. Ou seja, sendo certo que a avaliação direta parte das declarações dos contribuintes ou dos dados constantes da contabilidade, pode fundar-se noutros elementos objetivos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta.

A aplicação de métodos diretos de avaliação da matéria coletável redunda nas chamadas correções técnicas ou meramente aritméticas[5].

Apelando às palavras de Casalta Nabais[6], “as correcções técnicas, são as correcções que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, como a correcção concretizada, por exemplo, na não consideração de determinadas verbas como custos fiscais assim qualificadas na declaração de rendimentos (…) [;] (…) as correcções aritméticas ou correcções meramente aritméticas, têm lugar quando a administração tributária se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações”.

Já a avaliação indireta deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT.

Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando­‑se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação[7].

Assim, nos termos do art.º 87.º, n.º 1, da LGT (redação à época):

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

(…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

A situação prevista na alínea b) supratranscrita remete-nos para o art.º 88.º da LGT, nos termos do qual:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.

Inerente às próprias caraterísticas da avaliação indireta, o legislador criou um procedimento próprio de reação à mesma, como resulta do disposto no art.º 86.º da LGT. Assim, se as liquidações de imposto decorrentes da avaliação direta são suscetíveis de impugnação direta (cfr. art.º 86.º, n.º 1, da LGT), já quanto haja recurso a métodos indiretos a situação é distinta. Com efeito, estando em causa o erro na quantificação ou nos pressupostos, é exigido que se desencadeie o procedimento de revisão previsto no art.º 91.º da LGT, procedimento esse de cariz sobretudo pericial.

Logo, quando se verificarem os pressupostos de recurso à avaliação indireta é possível o recurso a métodos presuntivos de determinação da matéria coletável, surgindo como mecanismo de reação contra a fraude e evasão fiscal, dando resposta, por esta via, à incumbência do Estado, prevista no art.º 81.º, al. b), da CRP[8] [segundo o qual “[i]ncumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: (…) b) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal”].

O recurso a estes meios de avaliação não é discricionário, como se conclui do que viemos expondo: estão legalmente definidas, de forma circunscrita, as situações em que é admissível à AT a sua utilização. Ademais, a presunção de rendimento que venha a funcionar é ilidível, podendo o contribuinte, desde logo, demonstrar o excesso na quantificação[9].

Portanto, o nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente, sendo que o recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta[10].

Posto isto, o recurso a uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção arbitrária da AT: ou se verificam condições para a avaliação direta ou, não existindo, nos termos já assinalados supra, é possível recorrer à avaliação indireta.

É ainda de sublinhar que, atento o disposto no então art.º 46.º, n.º 2, do CIRC, nos exercícios em que haja lugar ao apuramento do lucro tributável com base em métodos indiretos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis.

Feito este introito, cumpre apreciar.

In casu, como resulta do RIT, que remete para a informação elaborada pela direção de finanças de Faro, foram detetadas incongruências entre o declarado pela Recorrente e o referido por parte dos adquirentes dos lotes de terreno em causa, que permitiram concluir que houve vendas de valor superior ao declarado.

Portanto, não é controvertido, e a própria Recorrente admite, que a sua contabilidade, no momento que antecedeu a elaboração do projeto de RIT, não refletia a realidade inerente ao valor real das alienações dos lotes. Ou seja, a contabilidade tinha irregularidades.

No entanto, como já referimos supra, a existência de irregularidades na contabilidade não implica, per se, que se lance mão de métodos indiretos de avaliação da matéria coletável. É necessário, adicionalmente, que não seja possível a correção aritmética da mesma, cabendo, como referimos, à AT demonstrar tal impossibilidade.

Foi, desde logo, considerando tal circunstância que, para o exercício de 2000, a AT procedeu, sobretudo, a correções aritméticas, com base em informações obtidas junto dos compradores, correções essas, aliás, que a Recorrente sempre aceitou, como decorre de todo o procedimento administrativo tributário.

No entanto, no tocante aos lotes n.ºs 136 e 155, a AT limitou-se a concluir pela admissibilidade de recurso a métodos indiretos de avaliação em virtude de não terem sido apresentados contratos-promessa. Manteve essa posição em sede de RIT, mesmo após autodenúncia efetuada pela Impugnante, referindo não ter sido provado que a Recorrente não recebera outros valores para além dos declarados (nunca pondo, no entanto, em causa os elementos documentais apresentados relativos aos pagamentos). Esta posição da AT implicou que não tenham sido deduzidos os prejuízos da Recorrente, atento o disposto no art.º 46.º, n.º 2, do CIRC, já referido supra.

Ora, desde já se refira que se considera que a AT não logrou demonstrar que as limitações encontradas na contabilidade da Recorrente refletem impossibilidade de se proceder a correções aritméticas.

Com efeito, veja-se, desde logo, que a AT, num primeiro momento, se limitou a analisar os elementos que conseguiu coligir, junto dos compradores dos lotes, ao abrigo do dever de colaboração, considerando que, nos casos em que não lhe foi facultado qualquer elemento, se reuniam os pressupostos para aplicação de métodos indiretos, mas sem que tenha lançado mão de outros meios de que dispunha para efeitos de determinação direta da matéria coletável (v.g., nada consta no sentido de que sequer tenha analisado as contas bancárias da Impugnante).

Esta circunstância implica logo fragilidades em termos de uso de métodos presuntivos de determinação da matéria coletável, porquanto não está cabalmente sustentada a impossibilidade de se proceder a correções aritméticas, que se funda numa afirmação meramente conclusiva, o que não se compadece com o carater subsidiário deste tipo de método.

Aliás, quanto ao adquirente do lote 155, o mesmo, em resposta à AT, declarou justamente inexistir CPCV (cfr. anexo V do RIT; quanto ao adquirente do lote 136, refere a AT que apenas contactou a procuradora da adquirente, que não lhe facultou informações ao abrigo do sigilo profissional – cfr. Anexo II do RIT) – sendo que a notificação enviada pela AT foi apenas no sentido de remeter tal contrato promessa e comprovativo do pagamento adicional de Sisa (cfr. Anexo V do RIT, concretamente fls. 501 do processo administrativo), não constando qualquer pedido de meios de pagamento.

Ou seja, mesmo nos contactos feitos com os adquirentes, verifica-se que a AT ficou aquém do exigível em termos de diligências a realizar, para efeitos de obtenção de elementos visando a possibilidade de correções aritméticas. Conformou-se com as situações em que não lhe remeteram CPCV (mesmo nunca tendo solicitado cópia dos meios de pagamento ou indicação do valor real da transação) ou com a situação em que a procuradora não facultou informação, nada mais tendo sido feito.

Portanto, pela ausência de diligências adicionais que estava ao seu alcance fazer (desde logo, notificando os adquirentes de forma mais assertiva para indicarem os valores das transações e/ou recorrendo aos elementos bancários), desde logo fica demonstrado que não está cabalmente sustentado o recurso a métodos indiretos.

No entanto, e adicionalmente, no caso em análise, há que considerar que, em sede de direito de audição, a Recorrente afirma ter corrigido toda a sua contabilidade (o que não foi alvo de qualquer análise subsequente, como ficou provado) e indicou os valores das transações dos lotes n.ºs 136 e 155.

Paralelamente, apresentou declaração de substituição, na qual justamente faz constar quer os valores aritmeticamente corrigidos pela AT quer os valores que refere serem os reais, relativos aos lotes n.ºs 136 e 155.

É certo que, ao contrário do que sustenta a Recorrente, a declaração de substituição não goza da presunção de veracidade prevista no art.º 75.º, n.º 1, da LGT.

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.05.2016 (Processo: 0415/15), no qual se refere:

“[C]ontrariamente ao que sucede nos casos em que a declaração de rendimentos é apresentada nos termos previstos na lei – aí se incluindo o prazo legal para a sua apresentação, pois que os termos previstos na lei o incluem também - a declaração de rendimentos tardia não beneficia já de tal presunção estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada” (sublinhado nosso).

No entanto, isso não significa que a mesma não possa ser tida em conta pela AT, como de facto veio a ser, como se reflete no DC 22 que veio a ser preenchido e em que, de forma clara, se verifica que os valores totais corrigidos são no mesmo montante dos valores constantes da declaração de substituição (no RIT apenas se faz uma menção a que se fixam os resultados fiscais para 2000 no valor de 1.062.304,30 Eur., não sendo, no entanto, claro na aceitação do valor autodenunciado).

Não obstante o alegado pela Impugnante, em sede de RIT e em sede de decisão do pedido de revisão, a AT, perante esta nova realidade suscitada pela Recorrente, limita-se a reiterar que não foram apresentados CPCV e a referir que não foi provado que a Impugnante não recebeu mais do que aquilo que refere ter recebido. Paradoxalmente, como já referimos, aceitam-se como bons os valores declarados pela Recorrente, relativos aos lotes n.ºs 136 e 155, sendo acrescida a diferença entre a correção efetuada e o valor autodenunciado, como resulta claramente da DC 22 preenchida. No entanto, reitera-se, como a AT considera tratar-se em parte de correção por métodos indiretos, não foram deduzidos prejuízos.

Ora, naturalmente que a circunstância de a Impugnante não ter apresentado os CPCV relativos aos lotes n.ºs 136 e 155 não é fundamento suficiente para se fundar o recurso a métodos indiretos.

Desde logo, porque a celebração de tais contratos não é obrigatória.

Por outro lado, como resulta do RIT, no caso das correções aritméticas, alguns dos adquirentes apresentaram CPCV e outros não, como refere a Recorrente. Aliás, do Anexo II do RIT decorre, justamente, que, nalguns casos relativamente aos quais foram feitas correções aritméticas, os seus adquirentes declararam que não foram celebrados tais contratos (cfr. o referido, por exemplo, relativo aos lotes de terreno 12, 59, 60, 71,177) – o que nunca foi questionado pela AT e foi aceite. Portanto, daqui se conclui que nem sempre a Recorrente celebrava CPCV com os seus clientes.

Aliás, como já mencionamos, quanto ao adquirente do lote 155, o mesmo, em resposta à AT, declarou justamente inexistir tal contrato.

Portanto, a inexistência de CPCV não é, per se, fundamento de recurso a métodos indiretos.

Ademais, a afirmação de que nada garante que a Recorrente não tenha recebido mais do que refere ter recebido não é admissível em termos de recurso a métodos indiretos. Desde logo, como já sublinhamos supra, em momento anterior ao projeto de relatório nunca foram sequer analisadas as contas bancárias da Impugnante, o que se revelaria importante para efeitos de aferir da possibilidade de também no caso destes dois lotes se proceder a correções aritméticas. Adicionalmente, em sede de exercício do direito de audição, a Recorrente indicou os valores que refere serem os reais (superiores, aliás, aos calculados pela AT) e juntou cópias de meios de pagamento (que não foram postos em causa). Ora, se a AT entendia, ainda assim, subsistirem dúvidas, podia e devia ter procedido, por exemplo, à análise das contas bancárias da Recorrente, onde lograria, desde logo, aferir os fluxos bancários existentes, o que nem sequer foi feito, podia e devia ter confrontado os adquirentes com os valores autodenunciados, o que também não foi feito. O que não se pode é considerar, sem mais, que nada garante que não tenha sido recebido um valor superior ao declarado.

Em suma, considera-se que, tal como a Recorrente refere, a AT não logrou demonstrar que, quanto àqueles dois lotes em concreto, se reuniam os pressupostos para a avaliação da matéria coletável por métodos indiretos, tendo, aliás, acabado por aceitar os valores declarados pela Recorrente, a este propósito, na declaração de substituição apresentada, como refletido claramente da DC 22. No entanto, uma vez que manteve as correções por aplicação de métodos indiretos, tal foi impeditivo da dedução de prejuízos.

Como tal, assiste razão à Recorrente.

Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

Cumpre ainda, atento o valor dos autos, considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, considerando quer a conduta das partes, que se revelou sem mácula, quer a complexidade das questões, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e anulando os atos impugnados;
b) Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 03 de dezembro de 2020


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha

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[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[2] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[3] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
[4] V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.
[5] Para uma noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.09.2013 (Processo: 00120/03 – Porto).
[6] Direito Fiscal, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p.389.
[7] Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 17.10.2019 (Processo: 487/11.6BECTB), de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13).
[8] V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.
[9] Cfr. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2000 (Processo: 022428).
[10] V. a esse respeito José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 867 e 888.