Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:866/17.5BELSB
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:09/20/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
ÓNUS DA PROVA
DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS
Sumário:I. Do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares:

i) Periculum in mora - receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120.º, n.º 1, 1ª parte);

ii) Fumus boni iuris (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120.º, n.º 1, 2.ª parte); e

iii) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120.º, n.º 2, do CPTA).

II. É ao requerente da providência que compete demonstrar – ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova –, o prejuízo derivado da imediata execução do acto suspendendo.

III. O que passa pela invocação de factos concretos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.

IV. A mera alegação de que a devolução da quantia reclamada, ainda que de montante muito elevado, causaria prejuízo irreparável ou de difícil reparação, sem a mínima referência às razões concretas que determinariam a impossibilidade da sua devolução ou sequer a dificuldade dessa devolução e das respectivas concretas consequências para a Recorrente e inviabilização da prossecução dos seus fins, é insuficiente para aferir da impossibilidade e da insustentabilidade material da devolução do montante em causa.

V. Não se demostrando a existência do periculum in mora, tem a providência cautelar que ser indeferida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

L.............................. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa providência cautelar contra o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social - Autoridade de Gestão do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (que sucedeu à Autoridade de Gestão do Programa Operacional Potencial Humano) peticionando a medida cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo que determinou a revisão do saldo final com a redução e o consequente reembolso do montante de EUR 580.275,74, recebido no âmbito do financiamento ao Programa Operacional Humano (candidatura nº ........../2010/...).

Foi proferida sentença em 29.05.2018, na qual foi indeferido o pedido cautelar, com fundamento na não demonstração do necessário periculum in mora.

Com aquela não se conformando, a Autora, ora Recorrente, recorre para este Tribunal Central, retirando-se da sua alegação as conclusões que infra se reproduzem:

(i) B1 - Antes, contudo, de partir para a análise da decisão em crise, cumpre requerer a este Tribunal se digne admitir o presente recurso com efeito suspensivo.

B2 - A norma do artigo 143.º/2 do CPTA não é aplicável neste caso, em que a sentença recorrida foi no sentido da rejeição (e não a adoção) da providência, devendo ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, nos termos do artigo 143.º/1 do CPTA.

B3 - De facto, contra tal pretensão não milita o teor literal do artigo 143.º, CPTA. Com efeito, como este TCAS tem admitido, que em certas situações esse efeito pode vir a ser alterado - o que não resulta literalmente do disposto no artigo 143.º do CPTA, mas pode impor-se pela interpretação sistemática e teleológica do preceito - em casos em que o tribunal não aprecie o mérito da providência e em que se limite a apreciar a forma e pressupostos do decretamento da mesma, como é o caso.

B4 - Mais se permite salientar a recorrente que a decisão em crise vai sustentada apenas na não verificação de um requisito (formal) de decretamento da providência, qual seja, o periculum in mora.

B5- A sentença em crise, logo no seu introito, indefere liminarmente os requerimentos de prova para, a final, indeferir o decretamento da providência por … falta de prova.

B6 - Para que possa considerar-se o receio de lesão grave e dificilmente reparável que venha a ocorrer na esfera do requerente, é necessário alegar factos integradores de uma situação de “periculum in mora”, o que exige a quantificação e qualificação dos danos decorrentes da conduta do requerido.

B7 - Acontece que essa quantificação resulta evidente dos autos, resultando sobejo o prejuízo que, no mais, vai alegado e provado.

B8 - Por se tratar de Confederação Nacional que congrega associações humanitárias, federações e entidades públicas e privadas de corpos de bombeiros, a requerente, ora recorrente, não tem fins lucrativos, pelo que se assoma evidente o prejuízo e os danos que tal restituição lhe poderiam significar. Uma entidade sem fins lucrativos não tem, por certo, mais de meio milhão de euros para disponibilizar a título de uma restituição que não lhe é assacável.

B9 - Mais ainda, a probabilidade séria de existência do direito basta-se, como infra melhor se deixará evidenciado, com um juízo de verosimilhança. Ora, por certo, tal juízo de verosimilhança resulta, desde logo, do facto de não subsistirem à recorrente fins lucrativos.

B10 - Mas, resultaria, igualmente, do rol testemunhal apresentado, caso este fosse inquirido e que mais não consubstancia do que membros dos corpos de bombeiros destinatários da formação objeto de celeuma nos autos e, bem assim, funcionários e dirigentes da requerente, ora recorrente, que cabalmente ilustrariam, com os seus depoimentos, o perigo do (não) decretamento de tal providência.

B11 - Como, outrossim, não se vislumbra motivo para se não atender à documentação contabilística junta aos autos e que atesta a realização das ações de formação.

B12 -Não se antolha como podem ir os requerimentos probatórios indeferidos, tout court, sem mais e sem qualquer motivo. Na verdade, e na senda da melhor jurisprudência, sempre se dirá que o despacho em crise carece, além de falta de razoabilidade lógica – salvo o revido respeito, que muito é! – de falta de fundamento. Com efeito, apesar da tendência ser, e muito bem, a de conferir maiores poderes de gestão processual ao juiz, não pode ele, com base nesses poderes, descurar o dever de fundamentação que sempre sobre si impende e que, de facto, tem reflexo no disposto no nº 5 do artigo 118.º, CPTA.

B13 - Como, em situação idêntica, refere este mesmo TCA- Sul, “o despacho proferido ao abrigo do artigo 90.º/2 do CPTA, que indefere requerimentos dirigidos à produção de prova testemunhal sobre certos factos, não se mostra devidamente fundamentado quando não permite perceber as razões pelas quais se verifica a “clara desnecessidade” da prova requerida, nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção dessa prova, o que tornava imprescindível essa fundamentação.” - cf. o aresto datado de 18/12/014, relatado por Esperança Mealha, disponível em www.dgsi.pt.

B14 - A ser assim, o despacho em crise encontra-se inquinado de vício, qual seja, o da falta de fundamentação que, atenta a sua gravidade, afeta toda a sentença em crise, razão pela qual deve a mesma soçobrar – o que, desde já, se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

B15 - Para o decretamento das providências cautelares, em geral, basta que se prove sumariamente - summaria cognitio - a probabilidade séria da existência do direito invocado ou aparência do direito - fummus bonus juris - e a justificação do receio de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação, ou perigo de insatisfação desse direito - periculum in mora.

B16 - Ora, já se viu que essa prova sumária estava feita e que, caso assim não se entendesse, sempre assistiria ao Tribunal Recorrido a possibilidade de ordenar a produção de prova – aliás, requerida – o que não fez nem fundamentou.

B17 - O fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável (periculum in mora) não é um facto naturalístico, mas um conceito normativo que carece de concretização jurisprudencial em função da factualidade demonstrada, da função instrumental da tutela cautelar, do princípio da efetividade dos direitos e do princípio da utilidade da intervenção judicial.

B18 - Queremos com isto significar que a tutelar, que é precária e que é instrumental, inerente a uma providência cautelar, nunca exigiria, como se exige na decisão em crise, uma prova inabalável.

B19 - De resto, como vem defendendo a melhor jurisprudência, o tribunal decretará a providência se a prova produzida revelar a probabilidade séria (e não, diremos nós, a certeza absoluta!) da verificação dos requisitos legais, bastando, porém, que exista uma probabilidade séria de que existe o direito invocado, não sendo necessária uma averiguação tal que possa pôr em perigo a eficácia da providência, pois esta justifica-se essencialmente porque a ação principal pode demorar alguns anos a ser decidida e assim, perder, pelo menos em parte, a sua eficácia – cf., por todos, o aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 20 de janeiro de 2015, relatado por Pimentel Marcos, disponível em www.dgsi.pt.

B20 - A ser assim - e além da já assinalada incongruência: não se aceita a prova requerida mas indefere-se a providência por falta de prova! – resulta vastamente verificado aquele requisito, bastando, e com isto retomamos o ponto de partida, verificar que a recorrente não tem fins lucrativos pelo que não tem, outrossim, ao seu dispor, quantia superior a meio milhão de euros, nem sequer o teria se, de um momento para o outro, vendesse o seu património – aliás, escasso!

B21- De resto, cumpre sublinhar, na senda da melhor jurisprudência que os danos de difícil reparação “são aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo, e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente”.

B22 - Faz-se notar que estamos perante uma providência cautelar conservatória, que está intimamente ligada aos autos principais, sendo que é nestes que a pretensão da Requerente será analisada de decidida em profundidade, tratando-se, em sede cautelar, apenas de assegurar a utilidade da sentença que aí venha a ser proferida, mediante adoção das medidas urgentes baseadas necessariamente numa apreciação sumária e perfuntória do caso.

B23 - Daí que ao julgador de um processo cautelar em que é solicitada uma providência conservatória se imponha que proceda a uma apreciação sucinta e sumária das ilegalidades apontadas pelo requerente cautelar ao ato impugnado ou a impugnar com o objetivo de constatar se ocorre a sua manifesta ilegalidade, não lhe competindo analisar e apurar com exaustão se as ilegalidades imputadas ao ato impugnado ocorrem ou não.

B24 - Assim, permite-se que a providência cautelar conservatória seja concedida caso haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora) e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito (fumus non malus juris).

B25 – Sendo que com o periculum in mora, pretendeu-se impedir que durante a pendência da ação principal a situação de facto se altere e se consolide de forma a que a sentença nela proferida, sendo favorável, se esvazie de eficácia prática.

B26 – Assim, deverá ser concedida sempre que se preveja esta impossibilidade de reintegração devido à demora do processo principal, quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso da providência ser recusada e isto, quer porque, a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque, pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar, total ou parcialmente.

B27 – Em síntese, a apreciação judicial sobre a evidência da procedência da pretensão formulada no processo principal deve ser feita em moldes de summaria cognitio, materializada num juízo de manifesta viabilidade ou inviabilidade da acção principal cujo efeito útil se pretende acautelar através da providência cautelar requerida – veja-se, a este respeito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 10/10/2014, relatado por Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão, disponível em www.dgsi.pt.

B28 - Assim, resulta evidente que cometeu o tribunal recorrido erro de julgamento de direito, pelo que deve a sentença em crise ser substituída por outra que, acolhendo o argumentário ora esgrimido, decrete a providência cautelar requerida e, assim, suspensa a eficácia do ato administrativo.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.


Neste Tribunal Central, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta não emitiu pronúncia.

A questão relativa ao efeito do recurso foi decidida por despacho de 20.08.2018, mantendo-se o efeito devolutivo que vinha fixado pela Mma. juiz a quo.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao indeferir o requerimento probatório apresentado e que permitiria demonstrar a fundada existência do periculum in mora alegado; e

- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao não ter decretado a providência requerida.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

1) A Requerente é a Confederação Nacional que congrega associações humanitárias de bombeiros, federações de bombeiros e entidades públicas, sociais e privadas que mantêm corpos de bombeiros (cfr. doc. 1 junto com a p.i.);

2) A Requerente tem âmbito nacional e prossegue fins não lucrativos (cfr. doc. 1 junto com a p.i.)

3) Em 30.10.2009, a Requerente submeteu a candidatura o projecto nº ........../2010/… à tipologia de intervenção nº 3.1 “Programa de Formação Acção”, eixo 3 “Gestão e Aperfeiçoamento Profissional” do Programa Operacional Potencial Humano (POPH), para formação e consultoria - Projecto INOV Bombeiros –, com montante de custo total elegível de financiamento público de € 690 126,25 (cfr. ficheiro A do p.a.);

4) Em 15.04.2010, a candidatura referida no ponto antecedente foi aprovada por decisão da Comissão Directiva do POPH, tendo havido uma alteração posterior, aprovada em conformidade, em 17.11.2010 (cfr. ficheiro A – págs. 91 e 125 do p.a.);

5) Foram efectuados pela Requerente diversos pedidos de reembolso (1/2010, 1/2011, 2/2011, 3/2011, 1/2012, 2/2012), os quais foram aprovados pela Autoridade de Gestão do POPH, sendo a Requerente informada, designadamente, do seguinte: “O financiamento agora provisoriamente considerado pode, nos termos legais, ser objecto de posteriores verificações, a efectuar pelos órgãos nacionais e comunitários competentes, ou em sede de análise do pedido de pagamento de saldo final” (cfr. ficheiros B e C do p.a.);

6) Por despacho de 29.08.2012 do Sr. Presidente da Comissão Directiva do POPH, foi aprovado o pedido de pagamento de saldo final relativo ao projecto nº ........../2010/… (cfr. pág. 1 do ficheiro D do p.a.);

7) A Requerente foi inspeccionada através de visitas ao local ocorridas nos dias 21.05.2013 e 05 e 06.08.2013, que deu lugar à elaboração do Relatório de Verificação no Local nº …/NRN-VOS/2013, com as seguintes conclusões finais: “(…).

A análise e verificação do suporte documental, tanto técnico-pedagógico como das despesas imputadas no âmbito da amostra seleccionada para a realização da presente acção de verificação, assim como as acções de circularização das entidades destinatárias e os autos de declarações a consultores elou formadores, permitiu-nos detectar a existência de uma série de desconformidades que deram origem ao apuramento:

- Da não elegibilidade de 2.536 horas mais 11.111 horas de volume de formação, conforme exposto nas referências s) e t), o que corresponde à totalidade das acções de formação registadas;

- Da inelegibilidade das respectivas horas de monitoria, 256 horas da formação de workshops mais 575 horas da formação em UFCD’s;

- Da inelegibilidade de 6.302,5 horas da componente de consultoria;

- E, de despesas não elegíveis no valor total de 307.714,34€, conforme indicado no quadro abaixo, as quais deverão ser tidas em consideração em sede de reabertura do pedido de pagamento de saldo final:

[…]

Cumpre-nos mencionar que, de acordo com o estipulado na alínea j) do artigo 44° do Decreto Regulamentar nº 84-A/2007, de 10 de Dezembro, as declarações inexactas, incompletas ou desconformes sobre o processo formativo são motivo para revogação da decisão de 2012 da candidatura.

Acresce referir que em sede de reabertura de saldo final o técnico de análise deverá proceder em conformidade com o apresentado no presente relatório relativamente às despesas apresentadas a financiamento no âmbito dos pedidos de reembolso não amostrados assim como nas despesas que já foram objecto de verificação administrativa sistemática.

A entidade foi convidada a pronunciar-se sobre o conteúdo do relatório produzido em sede de audiência prévia, (…).

(…).

No decorrer desse período, a entidade veio contestar, através de carta recepcionada em 2015/06/17 a não elegibilidade das horas de formação associadas às UFCD's, das horas de consultoria cujos registos de sumários/presenças apresentam cópia da assinatura do consultor bem como das horas de consultaria não elegíveis que resultam da aplicação dos questionários aos responsáveis das Associações de Bombeiros (e/ou seus representantes).

Considerando o exposto nas referências p), t) e u) do presente relatório sobre os argumentos apresentados pela entidade em sede de audiência prévia, propomos a manutenção da proposta de redução de financiamento do montante acima mencionado”.

(cfr. ficheiros D e E do p.a.);

8) No “Resumo de Análise Técnico-Financeira”, elaborado pelo POPH, foi consignado o seguinte:

“Decisão: Proposto para Aprovação

Parecer: [...] REABERTURA DO SALDO ___: Procedeu-se à presente reabertura do pedido de saldo final na sequência de uma Verificação no local que se traduz no relatório nº …/NRN-VOS/2013. Decorrente das conclusões do relatório foram apuradas diversas irregularidades (…). No referido relatório foi apurado um montante não elegível de 307.714,34€ (…). Face ao exposto, propõe-se a aprovação do presente Pedido de Saldo com uma despesa aprovada no montante de 17 550,00€. (...)” (cfr. pág. 109 do ficheiro F do p.a);

9) Por ofício com a referência nº …/POPH/SI/…../NOR/2017, de 10.01.2017, a Autoridade de Gestão do POPH notificou a Requerente nos seguintes termos:

“De acordo com o previsto no artigo 41º do Decreto-Regulamentar nº 84-A/2007, de 10 de Dezembro de no uso dos poderes conferidos pela alínea e) do seu artigo 9º e pelo nº 4 do artigo 16º do Decreto-Lei nº 312/2007, de 17 de Setembro, fica V. Exa. por este meio notificado de que, por despacho de 2016/11/03 do/a Presidente da Comissão Directiva, foi revista a decisão de aprovação do pedido de pagamento de saldo final relativo ao projecto supra mencionado, pelos montantes que a seguir se indicam:

FINANCIAMENTO PÚBLICO:

Contribuição do FSE: 13 878,54 €

Contribuição Pública Nacional: 3 671,46 €

CUSTO TOTAL: 17 550,00 €

Os fundamentos da revisão da redução constam do parecer técnico anexo ao nosso ofício n.º …../POPH/SI/…../NOR/2012, de 2016/10/19, bem como do parecer emitido no mapa de análise financeira, agora junto.

(…) Considerando que a contestação apresentada nada acrescenta aos argumentos analisados em sede de audiência prévia do relatório acima referido, cuja análise se encontra reflectida no relatório final de verificação, mantém-se a proposta de redução do financiamento, nos termos aí expostos.

Face à estrutura de custos aprovada e aos pagamentos efectuados tem essa entidade a obrigação de devolver o montante de 580 275.74€, sendo -458 882.06 € do FSE e -121 393.68€ da contribuição pública nacional.

Assim sendo e na impossibilidade de compensação, será comunicado à Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. o montante a restituir, conforme determina o nº 2 do artigo 45º do citado Decreto Regulamentar nº 84-A/2007, cabendo àquele organismo, nos termos da parte final do mesmo nº 2 e do nº 3 do mencionado artigo 45º, promover, em execução da decisão da autoridade de gestão, a recuperação das verbas indevidamente pagas.

Salienta-se que, de acordo, com estabelecido no artigo 41º do mesmo Decreto Regulamentar, a decisão que ora se notifica pode ser novamente revista, nomeadamente com fundamento em auditoria contabilístico-financeira no prazo referido no artigo 33º deste diploma, explicitado no Termo de Aceitação da decisão de aprovação da candidatura. (…)”

(cfr. doc. 1 junto com p.i.);

10) Em 10.04.2017, foi apresentado, presencialmente, neste Tribunal, o presente pedido de providência cautelar (cfr. registo nº 00.......... no SITAF).

Consta ainda da sentença recorrida que:

Quanto aos factos indiciariamente provados, a convicção do Tribunal fundou-se nos articulados das partes e nos documentos juntos aos autos, conforme indicado em cada uma das alíneas.

Inexistem factos indiciariamente não provados com relevo para a decisão da causa.



II.2. De direito

A Recorrente afirma que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por indeferir os requerimentos de prova e, a final, indeferir o decretamento da providência por falta de prova. Alega que resultaria dos depoimentos do rol testemunhal apresentado, caso este fosse inquirido (membros dos corpos de bombeiros destinatários da formação objecto dos autos e funcionários e dirigentes da ora recorrente), o perigo do não decretamento da providência. E, por outro lado, discorda a Recorrente de não se atender para o efeito à documentação contabilística junta aos autos e que atesta a realização das acções de formação.

O tribunal a quo fundamentou o indeferimento da prova requerida, nos seguintes moldes:

Compulsados os autos, verifica-se que o Tribunal dispõe, face ao alegado pelas partes e à prova documental produzida, dos elementos necessários à decisão a proferir em sede cautelar, razão pela qual indefiro o requerimento de prova testemunhal e documental formulado pela Requerente, bem como o requerimento de prova testemunhal formulada pela Entidade requerida.

Vejamos então do acerto do decidido.

Lida a petição inicial, verifica-se que a ora Recorrente, neste ponto alegou que se o acto em crise viesse a produzir efeitos, tal impossibilitaria a prossecução do interesse público subjacente às funções por si desempenhadas. Que enquanto associação sem fins lucrativos que é, seria absolutamente insuportável, de um ponto de vista financeiro, devolver o montante de EUR 580.275,74, o que acarretaria a sua “morte”. Que ocorreria uma disrupção na cadeia de comando dos bombeiros portugueses, o que, por sua vez, inviabilizaria no terreno o combate aos incêndios, num país sobejamente reconhecido por padecer de tal flagelo, para não mencionar os postos de trabalho que teriam que ser extintos. Pelo que conclui existir um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, a qual acarretaria prejuízos incalculáveis de difícil ou impossível reparação, encontrando-se, por isso, preenchido o pressuposto previsto na 1ª parte do nº1 do artigo 120º do CPTA.

Neste capítulo, consta da sentença recorrida:

No caso sub judice, não resultam comprovados ou demonstrados pela Requerente os factos concretos que permitam concluir por uma situação de risco de facto consumado, nem tão pouco os prejuízos de difícil reparação.

Com efeito, resulta da leitura do requerimento inicial que a Requerente apenas tece considerações de índole conclusiva, sem alegar ou provar os factos que subjazem a tais conclusões.

De notar que não é controvertido nos autos que se trata de uma entidade sem fins lucrativos (cfr. alínea 2 do probatório), nem tão pouco se coloca em causa o interesse público e a relevância das funções que a Requerente desempenha.

Contudo, tal não basta para presumir que a redução do montante de financiamento – cujo reembolso se determina – possa colocar em causa a sobrevivência da Requerente ou a prossecução dos respectivos fins.

Neste segmento, a Requerente limita-se a referir que “enquanto associação sem fins lucrativos que é, seria absolutamente insuportável, de um ponto de vista financeiro, devolver o montante de €580 275,74”, acrescentando que “tal devolução (injusta e indevida), a verificar-se, acarretaria a completa morte da Requerente”. No entanto, não oferece quaisquer provas da sua situação financeira actual, em particular indicando as fontes de financiamento/rendimento e os gastos (o que poderia ser feito através de elementos contabilísticos – os quais não se confundem com os elementos que integram o doc. 2 junto com o r.i.), permitindo, portanto, aferir da (im)possibilidade ou (in)sustentabilidade material da devolução do montante em causa.

Declarar que a devolução deste montante acarreta a “completa morte da Requerente” é uma afirmação demasiado vaga e genérica, além de infundada, por não encontrar sustentação em qualquer facto concreto.

Prossegue a Requerente alegando que o seu desaparecimento acarretaria um “impacto desmoralizador – e quiçá desmobilizador – nos milhares de elementos das corporações associadas”, a “disrupção na cadeia de comando dos bombeiros portugueses” ou o “caos social que daí adviria”, que consubstanciam meras consequências hipotéticas, sem qualquer facto concreto associado, consequências que não estando minimamente sustentadas e não sendo passíveis de serem presumidas, não podem relevar para efeitos do preenchimento do periculum in mora.

Faz ainda alusão à extinção de postos de trabalho, sem, no entanto, qualquer referência ao número e natureza dos mesmos.

Também não se vislumbra em que medida o desaparecimento da Requerente – a verificar-se –, “inviabilizaria no terreno o combate a incêndios”, uma vez que tais funções pertencem às associações de bombeiros, que não deixariam de existir nem de actuar.

Ora, ainda que se tenha como referência o critério da sumariedade que caracteriza a tutela cautelar, o requisito do periculum in mora não se basta com meras declarações genéricas e conclusivas, como as que constam dos autos. Antes se exige uma alegação e concretização, ainda que mínima dos prejuízos (de facto) que a Requerente sofrerá na respectiva esfera jurídica.

Em suma, resulta do exposto que a devolução de um montante provindo de um financiamento não pode ser considerado, de per se, e sem mais, um prejuízo sério (pelo menos, repita-se, sem qualquer referência à situação financeira actual da Requerente), sendo ainda necessário que viesse invocado, em concreto, em que termos esse montante prejudica e afecta a esfera da Requerente.

Na falta de tal alegação e prova, resulta manifestamente incumprido o ónus que impende sobre a Requerente (em conformidade com a regra geral, estabelecida no artigo 342º, nº 1, do Código Civil)”.

E bem vistas as coisas a decisão de indeferimento da prova testemunhal é de manter.

Com efeito, a ora Recorrente no requerimento inicial limitou-se a alegar generalidades e juízos conclusivos, sem procurar demonstrar, como o mínimo de assertividade, quais os concretos prejuízos – não aqueles meramente hipotéticos - que resultariam da imediata execução do acto suspendendo. Ónus de alegação que lhe competia. Aceita-se que a devolução da quantia de EUR 580.275,74 reclamada pela Entidade Requerida constitua uma fonte de perturbação ao nível da sua tesouraria e das finanças, mas nada de concreto vem alegado que permita concluir pela existência de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal e, muito menos, da ocorrência de uma situação de facto consumado.

Veja-se que nos artigos do requerimento inicial que são dedicados ao periculum in mora (dos art.s 33.º ao 47.º), as únicas realidades de facto que foram alegadas prendem-se com a sua natureza jurídica, de associação de fins não lucrativos e fins que lhe estão estatutariamente atribuídos, e com a identificação do montante a devolver. Ora, como afirmado pelo tribunal a quo, nunca esteve em causa que “se trata de uma entidade sem fins lucrativos (cfr. alínea 2 do probatório), nem tão pouco se coloca em causa o interesse público e a relevância das funções que a Requerente desempenha. E a mera indicação da quantia a devolver – que se aceita tratar-se de montante muito elevado -, sem a mínima referência às razões concretas que determinariam a impossibilidade da sua devolução ou sequer a dificuldade dessa devolução e das respectivas concretas consequências para a Recorrente e inviabilização da prossecução dos identificados fins, é manifestamente insuficiente. Como se disse na sentença recorrida a Recorrente alega que: “tal devolução (injusta e indevida), a verificar-se, acarretaria a completa morte da Requerente”. No entanto, não oferece quaisquer provas da sua situação financeira actual, em particular indicando as fontes de financiamento/rendimento e os gastos (o que poderia ser feito através de elementos contabilísticos – os quais não se confundem com os elementos que integram o doc. 2 junto com o r.i.), permitindo, portanto, aferir da (im)possibilidade ou (in)sustentabilidade material da devolução do montante em causa.

Na verdade, é incontornável que a requerente da providência não invocou factos concretos que, se provados, permitissem concluir pela sua insuficiência económica de modo a sustentar os prejuízos que genérica e conclusivamente alega (cfr., neste sentido, i.a o ac. de 30.03.2017 deste TCAS, proc. n.º 1239/16.2BESNT).

Sendo que, como se concluiu no ac. de 1.10.2015 deste TCAS, proc. n.º 12457/15: “(…) A prova do “fundado receio” a que a lei faz referência deve ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos concretos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada. // III – As diligências probatórias a realizar em sede de providências cautelares, designadamente a inquirição das testemunhas indicadas, incidem sobre a concreta factualidade que tenha sido alegada pelas partes nos respectivos articulados, não podendo ser utilizadas para suprir a omissão ou deficiência que se verifique nos mesmos”.

Improcede, assim, o recurso nesta parte, não ocorrendo o erro de julgamento assacado à sentença recorrida.

Continuando, a Recorrente assaca à sentença recorrida erro de julgamento quanto a não ter atendido o tribunal a quo à documentação contabilística junta aos autos e que atestaria a realização das acções de formação.

Mas também aqui o recurso está votado ao insucesso.

Ao imputar à sentença sob recurso um erro de julgamento da matéria de facto, a Recorrente vinculou-se a cumprir os ónus que sobre si incidem, nos termos do artigo 640º do CPC, sob a epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Porém, a Recorrente não indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a matéria de facto, nada avançado de concreto neste capítulo: Limita-se a uma vaga remissão para a “documentação contabilística”. A este propósito, tem que relembrar-se que não é a este Tribunal de recurso que está cometida a tarefa de descortinar qual a factualidade que deve ser dada como provada por referência a documentação que não vem sequer especificada.

Insiste a Recorrente, a propósito do periculum in mora, que a quantificação dos danos “resulta evidente dos autos, resultando sobejo o prejuízo que, no mais, vai alegado e provado (conclusão B7); que “Por se tratar de Confederação Nacional que congrega associações humanitárias, federações e entidades públicas e privadas de corpos de bombeiros, a requerente, ora recorrente, não tem fins lucrativos, pelo que se assoma evidente o prejuízo e os danos que tal restituição lhe poderiam significar. Uma entidade sem fins lucrativos não tem, por certo, mais de meio milhão de euros para disponibilizar a título de uma restituição que não lhe é assacável (B8)”.

Porém, salvo o devido respeito, não só não é verdade que tenha sido feita uma demonstração do prejuízo, como este não é evidente. E mais, não constitui facto notório – longe disso, como a realidade tantas vezes o demonstra - que uma entidade sem fins lucrativos não tenha mais de meio milhão de euros, no caso para disponibilizar a título de uma restituição que lhe vem exigida por imputado incumprimento.

Donde, não poder dar-se como verificado, in casu, o requisito do periculum in mora, tal como decidido pela Mma. Juiz a quo.

Tratando-se de critérios cumulativos de acordo com o disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA (periculum in mora, fumus boni iuris e ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade), o não preenchimento de um deles, determina inexoravelmente a improcedência do pedido cautelar, sem necessidade, por prejudicada, da verificação dos demais.

Improcede igualmente por esta via o recurso.

Assim, nada mais cumprindo apreciar, tem que negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a sentença recorrida, a qual aplicou correctamente o direito.




III. Conclusões

Sumariando:

I. Do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares:

i) “Periculum in mora”- receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120.º, n.º 1, 1ª parte);

ii) “Fumus boni iuris” (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120.º, n.º 1, 2.ª parte); e

iii) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120.º, n.º 2, do CPTA).

II. É ao requerente da providência que compete demonstrar – ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova –, o prejuízo derivado da imediata execução do acto suspendendo.

III. O que passa pela invocação de factos concretos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.

IV. Não se demostrando a existência do periculum in mora, tem a providência cautelar que ser indeferida.




IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 20 de Setembro de 2018



____________________________

Pedro Marchão Marques


____________________________

Nuno Coutinho


____________________________

Cristina Santos