Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:868/11.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REVERSÃO
GERÊNCIA DE FACTO
ATOS DE VINCULAÇÃO
CULPA
Sumário:
I-Inexiste presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas apenas da culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.

II-Subsumindo-se a realidade fática no artigo 24.º, nº1, alínea b), da LGT, a ilisão da culpa na insuficiência do património e no pagamento das dívidas revertidas compete ao Recorrente, não obstante a prova gerência de facto se encontrar na esfera jurídica da Administração Tributária.

III-Circunscrevendo-se, integralmente, as dívidas objeto de cobrança coerciva no período de gerência de direito do Recorrente, e tendo o mesmo nesse período praticado atos de vinculação societária, designadamente, requerimentos de pagamentos em prestações e pedidos de emissão de certidões de dívida, tendo, igualmente, estado presente em Assembleia da Sociedade devedora originária destinada a aprovar o Relatório de Contas e a proposta de aplicação de resultados, subscrevendo a respetiva ata e o relatório de Gestão do exercício de 2007 e estando, outrossim, provado que acompanhou a gestão financeira da sociedade devedora originária junto dos serviços de contabilidade, ter-se-á de concluir que o mesmo é gerente de facto e não meramente de direito.

IV-Nada impede que numa sociedade as funções de direção administrativa estejam entregues a alguém que nem sequer é sócio, sendo, outrossim, vulgar que numa sociedade, sobretudo quando há mais do que um gerente nomeado, formalmente ou não, determinados departamentos ou funções estejam afetas a sócios-gerentes diversos.

V-Se o Recorrente não alega factualidade e não demonstra, como legalmente se impunha, que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições, não ilide a presunção legal de culpa que sobre si impendia.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

R….., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a oposição intentada pelo Recorrente, no âmbito do processo de execução fiscal nº …..e apensos, inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Oeiras 3 contra a sociedade “S….., LDA”, e contra si revertido, para a cobrança de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao primeiro trimestre de 2008, cujo prazo de pagamento voluntário terminou no dia 15 de maio de 2008.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1.             A matéria de facto dada como provada, deverá ser alterada relativamente aos Factos E; F; G; H; I; J; M, nos termos que se seguem:

E)              Em março de 2007 o ora Oponente e M….., entrevistaram A….. para exercer funções de administrativa em várias sociedades nas quais o Oponente figurava como sócio, a qual passou a desempenhar o cargo de TOC no final de 2007.

F)               Por requerimento datado de 11.12.2007, apresentado no Serviço de Finanças de Oeiras 3 em 10.12.2007 pela sociedade "S….., Lda.", representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente de direito, solicitou o pagamento em prestações da dívida em cobrança no PEF identificado em A), oferecendo um bem imóvel do seu património pessoa como garantia.

G)              Em 31.03.2008 o ora Oponente, na qualidade de gerente de direito da sociedade "S….., Lda.", esteve presente em Assembleia da sociedade destinada a aprovar o Relatório de Contas do ano anterior, a proposta de aplicação de resultados por si apresentada e da sua atuação como gerente de direito, subscrevendo a respectiva ata e o relatório de Gestão do exercício de 2007 conjuntamente com o sócio M…...

H)              Por requerimento datado de 15.10.2008, a sociedade "SS….., Lda.", representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente de direito, solicitou o pagamento em prestações da dívida em cobrança no PEF n.° ….., oferecendo um bem imóvel do seu património pessoa como garantia.

I) Por requerimento datado de 21.11.2008, a sociedade "S….., Lda.", representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente de direito, solicitou o pagamento em prestações da dívida em cobrança no PEF n.° …...

J)               Por requerimento datado de 21.11.2008, a sociedade "S….., Lda.", representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente de direito, e por M….., requereu a emissão de certidão de dívida relativa aos PEF's n.° …..e n.° …..com vista à efetivação de escritura de constituição de hipoteca voluntária a favor da AT.

M) Entre 2007 e finais de 2009 a TOC da sociedade, A….., contactava com o ora Oponente para tratar de assuntos relacionados com as sociedades das quais este era um dos titulares do capital social ”.

2.               O Oponente não obstante ter outorgado o referido contrato promessa de compra e venda, e na sequência da gerência de direito e de facto que vinha exercendo, deixou, após aquela data (31.12.2006), de praticar actos concretos de gerência, à excepção dos actos formais.

3.               A única responsável pela gestão da sociedade, passou a ser a Sra. M….., que ficou a gerir o único estabelecimento que a sociedade explorava, sito no B…...

4.               A partir do dia 01.01.2007, a Sra. M….. foi a única pessoa a praticar todos os actos de gestão da sociedade (i), a tomar decisões patrimoniais e executivas (ii) e a controlar todas e quaisquer decisões com responsabilidades fiscais (iii). Veja-se a este propósito os documentos juntos ao processo, e que são cartas endereçadas a terceiros pela própria M….. agindo na qualidade de gerente.

5.               No que se refere a actos formais, como sejam o pedido de pagamento de impostos em prestações e prestação de garantia, teria que ser obrigatoriamente R….. a fazê-lo, uma vez que só pode requerer o pagamento de impostos em prestações, as sociedades representadas pelos gerentes que constam na certidão de registo comercial.

6.               O oponente nunca foi tido nem achado sobre qualquer questão administrativa ou financeira (i), nunca participou em reuniões de gerência (ii).

7.               O oponente nunca foi reconhecido como gerente de facto, tanto pelos trabalhadores, como pelos clientes ou fornecedores da empresa.

8.               A gerência de facto, durante o período a que estas dívidas dizem respeito, foi assumida por M….., em exclusivo.

9.               Como é consabido, não basta a mera gerência de direito para efeitos de responsabilidade subsidiária, sendo também exigida a demonstração da gerência efectiva ou de facto.

10.             A gerência é, por força da lei, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito.

11.             Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social).

12.             Neste sentido não deveria a Sentença em crise, apenas ter assinalado determinados actos que R….. praticou, mormente aqueles que teve de praticar por razões de ordem meramente formal, conforme decorre da própria matéria dada como provada.

13.             Todos os actos praticados por R….. que constam na Sentença, decorrem precisamente do facto dele ser o gerente de direito, ou seja, a pessoa que constava na certidão de registo comercial como gerente, e ter que ser essa pessoa a formalizar os pedidos de pagamentos prestacionais junto da AT.

14.             Não consta da Sentença qualquer acto praticado por R….., que seja caracterizador do exercício efectivo das funções de gerência, mesmo no caso da matéria de facto dada como provada se manter inalterada.

15.             E se bem atentarmos no plano dos poderes administrativos do gerente, não temos um único que lhe seja apontado.

16.             Apenas temos nota de factos atinentes a poderes representativos, e que em todo o caso, impostos por necessidade formal.

17.             Também não consta da Sentença qualquer referência à culpa do Oponente, que sempre teria de verificar-se, designadamente, que foi por acto culposo que lhe é imputável que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida.

18.             A culpa em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.art°s.487, n°.2, e 799, n°.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

19.             Sobre esta matéria não encontramos pronuncia na Sentença, o que reconduz à ausência de um dos pressupostos essenciais para que a execução por reversão prossiga contra o Oponente.

20.Os actos invocados na Sentença como praticados pelo Oponente - ainda que se mantenham por força da não alteração da matéria provada - são manifestamente débeis e insuficientes para demonstrar que exerceu a gerência efectiva da sociedade.

Termos em que, pelo que antecede e pelo muito que V. Exas. haverão doutamente de suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, e proferindo decisão no sentido de julgar procedente a oposição, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


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A Recorrida Fazenda Pública, devidamente notificada não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A. Pela Ap. ….. foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Cascais a sociedade por quotas com a firma “S….., Lda., com o capital social de €5.000,00 tendo como sócios M….. e R….., cada um titular de uma quota no valor de €2.500,00, tendo ambos sido designados como gerentes da referida sociedade, que se obrigava com a intervenção de dois gerentes (cfr. doc. a fls. 67 dos autos – processo físico);

B. No dia 31/12/2006 foi celebrado um contrato de promessa de compra e venda de quotas no qual consta como primeiro outorgante R….. e como segunda outorgante M….., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual se destacam os seguintes excertos:

 



  (cfr. Doc. 1 junto à petição inicial, de fls. 29 a fls. 32 dos autos, processo físico)

C. Pela Ap. ….. foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Cascais a renúncia de M….. à função de gerente, com efeitos à data de 20/12/2006 (cfr. doc. a fls. 61 verso dos autos – processo físico);

D. Pela Ap. …..foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Cascais alteração ao contrato de sociedade da Originária devedora, passando a constar como titulares das duas quotas de €2.500,00 R….. e M….., sendo esta última designada como gerente, por deliberação de 30/09/2009 (cfr. doc. a fls. 62 dos autos – processo físico);

E. Pela Ap. …..foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Cascais uma transmissão de quotas, na qual figura como sujeito passivo R….. e como sujeito activo M….. (cfr. doc. a fls. 63 dos autos – processo físico);

F. Pela Ap. …..foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Cascais uma transmissão de quotas, na qual figura como sujeito passivo M….. e como sujeito activo R….. (cfr. doc. a fls. 63 dos autos – processo físico);

G. Pela Ap. …..foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Cascais a renúncia de R…..à função de gerente, com efeitos à data de 2009/11/25 (cfr. doc. a fls. 62 dos autos – processo físico);

H. No serviço de Finanças de Oeiras 3 foram instaurados contra a sociedade originária devedora os processos de execução fiscal n.º …..e apensos, para cobrança de dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao 1º trimestre de 2008, cujo prazo pagamento terminou no dia 15/05/2008 (cfr. certidão de dívida constante de fls. 43 dos autos – processo físico)

I. No dia 09/03/2010 foi elaborada informação no Serviço de Finanças de Oeiras 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e da qual se destacam os seguintes excertos:
 

   (cfr. Documento de fls. 47 a fls. 48 dos autos – processo físico);

J. No dia 09/03/2010 foi proferido despacho determinando a preparação do processo para efeitos de reversão contra o Oponente e determinando a sua notificação para o exercício do direito de audição prévia, a qual foi efectuada via postal por carta com o registo CTT n.º RC…..de 11/03/2010 (cfr. documentos de fls. 49 a fls. 51 dos autos – processo físico);

K. No dia 26/03/2010 deu entrada no Serviço de Finanças de Oeiras 3 requerimento apresentado pelo Oponente exercendo direito de audiência prévia, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento de fls. 52 a fls. 58 verso dos autos –processo físico);

L. No dia 19/04/2010 foi elaborado no Serviço de Finanças de Oeiras 3 um Termo de Juntada/Informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual se destacam os seguintes excertos:
     


(cfr. Documentos de fls. 59 e fls. 59 verso dos autos – processo físico)

M. No mesmo dia 30/04/2010 foi proferido despacho no Serviço de Finanças de Oeiras 3 com o seguinte teor:
 


(cfr. documento a fls. 60 verso dos autos – processo físico)

N. O Oponente foi citado pessoalmente no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º …..e apensos, no dia 07/05/2010, pelo ofício n.º …..de 05/05/2010, remetido por carta com aviso de recepção sob o registo postal n.º RC….. (cfr. documentos de fls. 44 a fls. 46 do PEF apenso aos autos);

O. O Oponente deslocava-se regularmente ao Serviço de Finanças de Oeiras 3, no qual efectuava pagamentos de dívidas da sociedade originária devedora e apresentava requerimentos, nomeadamente para pagamento em prestações dessas dívidas, nos quais se identificava como gerente da sociedade originária devedora (cfr. Documentos juntos aos autos de fls. 64 a fls. 73 dos autos – processo físico);

P. Entre os anos de 2007 e 2009 o Oponente acompanhava a gestão financeira da sociedade originária devedora junto dos serviços de contabilidade da mesma (prova testemunhal, ver motivação infra);

Q. No dia 09/06/2010 deu entrada no Serviço de Finanças de Oeiras 3 a petição inicial que deu origem aos presentes autos (cfr. carimbo aposto no documento a fls. 2 dos autos – processo físico).


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte: “a convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na posição das partes vertida nos articulados e no teor dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento das testemunhas inquiridas.

No que concerne à prova testemunhal, foram ouvidas as testemunhas A….., P….. e M…...

Relativamente à matéria controvertida nos autos, nomeadamente no que concerne ao exercício (ou não) da gerência de facto da sociedade originária devedora no período a que se referem as dívidas em execução fiscal objecto de reversão por parte do Oponente foi particularmente esclarecedor o depoimento prestado pela testemunha A….., técnica oficial de contas da originária devedora até 2009, ano em que renunciou às suas funções enquanto tal.

Esta testemunha afirmou ter sido contratada em 2007 pelo Oponente e por M….. e que, nessa altura, o Oponente era o sócio-gerente da originária devedora. Mais afirmou que apesar de ter havido uma alteração da gerência da originária devedora em 2008, tendo esta ficado a cargo de M….., o Oponente continuou a acompanhar directamente a gestão financeira da sociedade originária devedora, sendo habitual a testemunha falar com ele e pedir-lhe conselhos quanto à resolução de problemas contabilísticos e financeiros da originária devedora, tendo chegado a acompanhá-lo ao Serviço de Finanças de Oeiras 3 para solicitar um pagamento em prestações.

O depoimento da testemunha P….., além de pouco relevante para a matéria controvertida nos autos, uma vez que o mesmo exercia as funções de gerente de bar no estabelecimento “E…..”, revelou-se eivado de imprecisões e incertezas, certamente devidos ao lapso de tempo entretanto decorrido.

Quanto ao depoimento da testemunha M….., cunhada do Oponente, apenas veio reiterar a celebração do contrato promessa de compra e venda de quotas entre o Oponente e M….., que resulta provado dos documentos juntos aos autos.”


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação da alínea O), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.[1]

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação da alínea O) que passa a assumir a seguinte redação:

O) A 10.12.2007, 15.10.2008, e 21.11.2008, foram apresentados junto do Serviço de Finanças de Oeiras 3 requerimentos assinados pelo oponente, na qualidade de gerente da sociedade “S….., LDA.”, através do qual requereu o pagamento em prestações no âmbito dos processos de execução fiscal n.º ….., …..e ….., oferecendo no primeiro um bem imóvel, sua propriedade, como garantia [cf. fls. 64, 65 e 66 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido].


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

R) A 4 de Março de 2007, M….. procedeu à assinatura de uma declaração emitida pela sociedade devedora originária, reportada ao assunto: “Cessação do contrato de arrendamento da Loja, …..” com o teor que se transcreve:

“Pela presente vimos liquidar os valores em dívida em relação as rendas da loja referenciada em assunto e rescindir de acordo com o proprietário Sr. J…..o contrato de arrendamento celebrado em 01 de Julho de 2004” (cfr. doc. de fls. 34 dos autos);

S) A 3 de outubro de 2009, M….. enviou a “E…..” a declaração emitida pela sociedade devedora originária da qual se extrai, designadamente, o seguinte:

“Vimos por este meio informar que os valores registados no restaurante do ….. Em B….., do dia 1 de Outubro a 11 de Outubro de 2009, são da S….., que por não ter a licença disponível para utilizar a segunda caixa, no final, passará uma factura ao B….. no valor das vendas registadas e receberá um cheque do valor das vendas”.

(cfr. doc. de fls. 33 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

T. Na Conservatória do Registo Comercial de Cascais foi registada, a 5 de março de 2010, a renúncia de M….. às funções de gerente referidas em D), com efeitos a 8 de novembro de 2009 (cfr. portal MJ-publicações on-line de ato societário);

U) Por requerimento datado de 21.11.2008, a sociedade “S….., LDA.”, representada pelo ora Oponente na qualidade de gerente, e por M….., foi requerida a emissão de certidão de dívida relativa aos processos de execução fiscal n.ºs …..e n.º …..com vista à efetivação de escritura de constituição de hipoteca voluntária a favor da Administração Tributária [cf. cópia do requerimento a fls. 73 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido].

V) Em 31.03.2008 o ora oponente, na qualidade de gerente da sociedade “S….., LDA.”, esteve presente em Assembleia da sociedade destinada a aprovar o Relatório de Contas do ano anterior, a proposta de aplicação de resultados por si apresentada e da sua atuação como gerente, subscrevendo a respetiva ata e o relatório de Gestão do exercício de 2007 conjuntamente com o sócio M….. (cf. doc. de fls. 70 a 72 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a oposição deduzida  no âmbito do processo de execução fiscal nº …..e apensos, inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Oeiras 3 contra a sociedade “S….., LDA”, e contra si revertida, para a cobrança de dívidas de IVA referente ao primeiro trimestre de 2008, cujo prazo de pagamento voluntário terminou no dia 15 de maio de 2008.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Em termos de delimitação do recurso importa, desde já, referir que pese embora o Recorrente, na sua petição inicial, tenha convocado diversos vícios, designadamente, de natureza formal, na presente lide recursiva apenas sindicou a ilegitimidade do responsável subsidiário.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento, em face de, por um lado, ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, a factualidade constante nos autos ser manifestamente insuficiente para julgar verificados os pressupostos da reversão, quer em sede da gerência efetiva, quer em sede de culpa.

Apreciando.

Comecemos por apreciar o erro de julgamento de facto.

O Recorrente impugna a matéria de facto, requerendo a alteração da factualidade elencada nas alíneas E), F), G), H), I), J) e M), porquanto defende que face à prova testemunhal produzida que, expressamente, convoca a mesma teria de revestir um conteúdo diferente, apresentando, para o efeito, o respetivo teor substitutivo.

Porém, atentando na aludida factualidade verifica-se que inexiste qualquer coincidência entre o teor dos factos impugnados e os constantes no acervo probatório dos autos, carecendo, por isso, a aludida impugnação de materialidade e pertinência para a presente lide, inviabilizando, per se, a sua apreciação, com a consequente rejeição liminar ao abrigo do disposto no artigo 640.º, nº1, do CPC.

De todo o modo, sempre importa relevar que tal não obstou a que o Tribunal ad quem no âmbito das suas faculdades e poderes de cognição e por entender relevante para a presente lide, tenha procedido ao aditamento oficioso ao probatório da matéria elencada em R) a V) supra.

Assim, face ao supra aludido e uma vez estabilizada a matéria de facto dos autos, importa aferir se assiste razão ao Recorrente quando assaca erro de julgamento por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Vejamos, então.

O Recorrente sustenta que na sequência da outorga do contrato de promessa de compra e venda datado de 31 de dezembro de 2006, e na sequência da gerência de direito e de facto que vinha exercendo, deixou, após aquela data de praticar atos concretos de gerência, à exceção dos atos formais.

Mais sublinhou que, a partir do dia 01 de janeiro de 2007, M….. passou a ser a única responsável pela gestão da sociedade, ficando a gerir o único estabelecimento que a sociedade explorava, sito no B….., tomando as decisões patrimoniais e executivas, controlando todas e quaisquer decisões com responsabilidades fiscais.

Mais aduzindo que a isso não obsta a assinatura de atos formais, como sejam pedido de pagamento de impostos em prestações e prestação de garantia, porquanto os mesmos teriam que ser obrigatoriamente assinados pelo Oponente, sendo que este nunca teve poder decisório em qualquer questão administrativa ou financeira, nunca participou em reuniões de gerência, nem foi reconhecido como gerente de facto, tanto pelos trabalhadores, como pelos clientes ou fornecedores da empresa.

Logo, não poderia o Tribunal a quo, ter assinalado determinados atos que o Recorrente praticou, para concluir pela gerência efetiva da sociedade devedora originária.

No tocante à culpa, alega que não consta da decisão recorrida, e como se impunha para efeitos de improcedência da oposição, qualquer referência à culpa do Oponente, sendo que teria de ser demonstrado que foi por ato culposo que lhe é imputável que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida.

O Tribunal a quo fundamenta a improcedência da oposição, por ajuizar que se encontram reunidos os pressupostos da reversão, quer em termos de prova da gerência de facto, quer em termos de prova de culpa na insuficiência do património.

E, de facto, nenhuma censura lhe pode ser atribuída, porquanto interpretou adequadamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição à realidade fática dos autos.

Vejamos porque assim o entendemos.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso vertente.

Dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, quanto à questão da ilegitimidade, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.

Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda. Quanto à questão da legitimidade do responsável subsidiário encontramo-nos face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.

É, com efeito, pacífica a jurisprudência no sentido da aplicação a cada situação da lei que rege sobre o ónus da prova vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, visto se estar perante norma de cariz substantivo e atento o princípio tradicional da não retroatividade da lei substantiva, consagrado no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.

In casu, é aplicável o regime constante no artigo 24.º LGT.

Convoquemos, então, o que o referido preceito legal refere.

De harmonia com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT:

“[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Do teor do normativo legal supra transcrito resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento.

Concretizando.

Enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24.º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT.

O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:

- as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT);

- as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

Convoque-se, neste particular, o Acórdão do STA proferido no recurso nº 0944/10, de 2 de março de 2011, segundo o qual:

“I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.”

Como doutrinado no citado Aresto, não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas apenas da culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.

In casu, as dívidas objeto de cobrança coerciva verificaram-se integralmente no período de gerência de direito do Recorrente, o qual como visto só renunciou em 25 de novembro de 2009. Neste particular, importa relevar o alcance da expressão “prazo legal de pagamento” convocando o Aresto do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, proferido no processo n.º 1087/14 de 15-04-2015, o qual doutrina: “As obrigações tributárias vencem-se no termo do prazo legal para pagamento voluntário, à semelhança do que sucede com as obrigações jurídicas em geral, que só podem ser objecto de acção executiva quando sejam certas e exigíveis.”

Subsumindo-se, por conseguinte, no citado artigo 24.º, nº1, alínea b), da LGT, logo, a ilisão da culpa na insuficiência do património e no pagamento das dívidas revertidas compete ao Recorrente, não obstante a prova gerência de facto se encontrar na esfera jurídica da Administração Tributária.

Assim, uma vez delimitado o regime jurídico que releva para o caso vertente, importa, então, aquilatar da bondade da posição perfilhada pelo Tribunal a quo neste e para este efeito.

Do recorte probatório dos autos resulta que:

A 23 de fevereiro de 2005 foi constituída a sociedade denominada “S….., LDA.”, tendo sido nomeados gerentes M….. e R….., obrigando-se a mesma com a intervenção de dois gerentes

Mais resulta assente que o Recorrente figurou como gerente da aludida sociedade até 25 de novembro de 2009, data em que renunciou às funções de gerência.

Dimanando, outrossim, que nesse período temporal praticou atos de vinculação societária, conforme resulta da factualidade assente, concretamente:
Ø Requerimentos de pagamentos em prestações;
Ø Pedidos de emissão de certidão de dívidas com vista a efetivação de escritura de constituição de hipoteca;
Ø Esteve presente em Assembleia da sociedade destinada a aprovar o Relatório de Contas do ano anterior, a proposta de aplicação de resultados por si apresentada e da sua atuação como gerente, subscrevendo a respetiva ata e o relatório de Gestão do exercício de 2007 conjuntamente com o outro sócio;
Ø Acompanhou a gestão financeira da sociedade devedora originária junto dos serviços de contabilidade.

Note-se que, contrariamente ao propugnado pelo Recorrente, os aludidos atos são exteriorizadores da vontade da sociedade devedora originária, representando-a e vinculando-a.

É certo que aduz que a partir de 31 de dezembro de 2006, após a outorga do contrato de promessa de compra e venda de quotas deixou de praticar atos concretos de gerência, à exceção dos atos formais, passando o poder decisório integralmente para a esfera jurídica de M….., que ficou a gerir o único estabelecimento que a sociedade explorava, sito no B…...

Porém assim o não entendemos, na linha, aliás, do Aresto deste Tribunal já proferido no processo nº 865/11.0 BESNT, que sufragamos e que iremos acompanhar de perto.

Senão vejamos.

Por um lado, porque a maior parte dos factos invocados no presente recurso não resultaram provados. Por outro lado, porque resultou provado que o Recorrente continuou e quis continuar, desde 2007 até 25 de novembro de 2009, data da sua renúncia, a exercer as funções de gestor de facto que a Administração Tributária lhe imputou.

A atestar o supra aludido está, desde logo, o teor do contrato de promessa de compra e venda de quotas, mormente, a cláusula sétima, ponto quatro no qual é, expressamente, clausulado que “A PRIMEIRA E A SEGUNDA OUTORGANTE, assumirão a gerência de facto da sociedade S….., LDA (…)”.

Com efeito, o que resulta do acervo fático dos autos é que, após a outorga do contrato de promessa manteve a gerência da sociedade, orientando e vinculando a sociedade, sendo perante si, no mínimo de forma privilegiada, que eram colocadas pela Técnica Oficial de Contas as questões financeiras da devedora, que o Recorrente cuidava de orientar e decidir, inclusive deslocando-se aos Serviços de Finanças onde procedia a pagamentos de dívidas, requeria e subscrevia planos de pagamento em prestações e perante sempre atuou e se identificou como o gerente em exercício de funções.

De sublinhar, para o efeito, que é o próprio Recorrente no artigo 11.º da sua p.i. que assume expressamente que: “O contrato foi rubricado e assinado pelos seus intervenientes, que conscientemente acordaram nas suas condições contratuais, e bem assim, declararam em conformidade um conjunto de factos que sabiam corresponder à realidade”.

Note-se, outrossim e ainda neste particular, que os atos de gestão supra evidenciados e a que é feita alusão nas alíneas O), U) e V) da factualidade assente, têm todos datas posteriores à outorga do aludido contrato de promessa.

De relevar, outrossim, que no requerimento de pagamento prestacional datado 10 de dezembro de 2007, o Recorrente assume-se não só enquanto tal, como oferece como garantia idónea para efeitos de suspensão do processo executivo um bem de sua propriedade, como resulta expressamente da asserção constante no aludido requerimento com o seguinte teor: “Como garantia do processo o gerente dá como o bem imóvel sito na ilha de Santa Maria Açores”.

É certo que, conforme resulta expresso da factualidade, ora, aditada, especificamente, dos pontos R) e S) a partir do dia seguinte à outorga do contrato promessa de compra e venda de quotas, mais concretamente, a partir de 1 de janeiro de 2007, a promitente compradora M….. passou a exercer funções de Diretora Administrativa, que cumulou, no mínimo, com as funções de gerente entre 30 de setembro de 2009 e 8 de novembro de 2009.

Porém, o facto de existirem atos de vinculação societária de M….. perante de terceiros, não elimina, per se, a vinculação societária do ora Recorrente, donde, a gerência efetiva.

Noutra formulação, dir-se-á que o Tribunal ad quem não descura, tendo ponderado, devidamente, que M….. passou a exercer uma função relevante a partir de 2007 na sociedade devedora originária e que foi durante cerca de um mês gerente de direito. Mas a verdade é que, pela circunstância de ter sido diretora administrativa a partir de 1 de janeiro de 2007 não se pode retirar, como pretende o Recorrente, que tenha sido ela e só ela a gerente de facto até novembro de 2009, quer porque a factualidade apurada nos autos permite concluir que o Recorrente foi no período visado nos presentes autos, um dos gerentes de facto, quer porque a gerência não se confunde com a Direção Administrativa, cargo que pode ser ou não exercido por quem detém a qualidade de gerente.

Aliás, tanto assim é, que o próprio Recorrente aceitou que, no mínimo, M….. assumiria essas funções de Diretora. Com efeito, é seguro que não se pode descurar que o Recorrente, pretendeu manter as funções de gerente de facto, reduzindo, como visto, a escrito que manteria essas funções, e que, independentemente da celebração do contrato prometido M….. persistira nessas funções meramente administrativas.

É certo, outrossim, que o Recorrente aduz que não podemos descurar e temos de ter sempre presente “[o] princípio de que não existem actos de gerência parciais.Para aferirmos se determinada pessoa exerceu a gerência efectiva, será sempre exigível a prática de actos no âmbito de funções de administração (i) e de gestão (ii).”

Contudo, mais uma vez tal esteira de entendimento não pode lograr provimento visto que, labora em erro quando afirma que não existem “actos de gerência parciais” e que a gerência efectiva pressupõe sempre o desempenho cumulativo de funções administrativas e de gestão.

Como expendido, no Aresto já citado “[n]ada impede que numa sociedade as funções administrativas estejam entregues a alguém que nem sequer é sócio, sendo, outrossim, vulgar que numa sociedade, sobretudo quando há mais do que um gerente nomeado, formalmente ou não, determinados departamentos ou funções estejam afectas a sócios-gerentes diversos, como, face ao probatório, se comprovou que era o caso.”

Ora, face a todo o exposto, conclui-se que o Tribunal a quo, ao extrair dos factos integrados no probatório que o Oponente, ora Recorrente, era gerente de facto e de direito pelo menos até 25 de novembro de 2009, não incorreu em erro de julgamento de facto nem de direito.

Aqui chegados atentemos, ora, na culpa.

O Recorrente começa por sustentar que “[n]ão consta da Sentença qualquer referência à culpa do Oponente, que sempre teria de verificar-se, designadamente, que foi por acto culposo que lhe é imputável que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida.”

Fazendo, depois, expressa menção que a mesma deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto, e concluindo depois que a inexistência de pronúncia nessa matéria reconduz-se “[à] ausência de um dos pressupostos essenciais para que a execução por reversão prossiga contra o Oponente”.

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que contrariamente ao invocado pelo Recorrente o Tribunal a quo pronunciou-se, expressamente, sobre a aludida questão, tendo fundado a improcedência no seguinte juízo de entendimento:

“No que concerne à alegada falta de demonstração da culpa do Oponente pela insuficiência/inexistência de bens da originária devedora para garantia do pagamento das suas obrigações tributárias, saliente-se que o apuramento da responsabilidade subsidiária operou ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24º da LGT, segundo o qual os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Ou seja, se à Administração Fiscal cabe o ónus de provar o efectivo exercício da gerência de facto por parte dos administradores, directores e gerentes, a estes cabe o ónus de provar que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

E quanto a esta questão, o Oponente nada demonstrou de tangível, limitando-se a imputar a incapacidade de pagamento à gestão de M…...

Contudo, tendo ficado demonstrado que este continuou a acompanhar directamente a situação financeira da sociedade originária devedora, da qual era gerente de facto também por compromisso contratual, e se dúvidas tinha sobre a gestão corrente da sociedade originária devedora, cabia-lhe ter diligenciado no sentido de evitar que a situação se agravasse e zelado pelo cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade originária devedora, como incumbe a um gestor diligente e consciencioso.

No entanto, nada demonstrou nesse sentido, chegando a referir que não era “tido nem achado sobre qualquer questão administrativa”, o que revela uma manifesta falta de zelo no exercício das funções para as quais estava nomeado e para as quais se identificava aquando da necessidade de efectuar pagamentos perante a Administração Fiscal. Aliás, a necessidade de efectuar o pagamento de tributos em atraso é, por si só, reveladora de que a sociedade originária devedora atravessava algum tipo de dificuldades e deveria ter alertado o Oponente, enquanto gerente, para a necessidade de intervir e verificar o que se passava, no sentido de tentar resolver a situação.

Cabendo-lhe demonstrar que não lhe é imputável a culpa pelo não pagamento das dívidas, e não o tendo feito, improcede também o alegado pelo Oponente quanto a esta matéria.”

Ora, face ao supra aludido nenhuma censura pode ser apontada ao Tribunal a quo, visto que, por um lado, analisou corretamente a questão inerente ao ónus probatório, e por outro lado, ponderou, acertadamente, a prova produzida nos autos.

Senão vejamos.

Com efeito, subsumindo-se a questão dos autos no artigo 24.º, nº1, alínea b), da LGT, a lei estatui uma presunção legal de culpa, competindo ao Recorrente o ónus de provar de que não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.

Dir-se-á, em abono da verdade, que o que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial as contempladas no artigo 64.º do Código das Sociedades Comercias (CSC), que lhe impõem a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade.

A culpa, aqui em causa, conforme bem evidencia o Recorrente, deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

Competindo, assim, aquilatar, apelando à teoria da causalidade, se a atuação do ora Recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos [2]

E de facto, atentando a sua p.i. verifica-se que o Recorrente nada alega no sentido que permita ilidir a presunção de culpa, donde inferir que é parte ilegítima.

Com efeito, atentando no seu articulado inicial, para além do Recorrente ter, erroneamente, colocado e interpretado o ónus probatório que impendia nesta matéria, não alegou factualidade e não demonstrou, como legalmente se impunha, que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições.

É certo que alega que era “[s]empre foi suportando, na medida das suas possibilidades, as dívidas que a sociedade foi contraindo sob a gestão exclusiva de M…..”, contudo, além de tal alegação ser genérica e sem a devida circunscrição espácio-temporal, nada nos autos resultou provado que permitisse inferir uma conduta diligente e zelosa, visto que as obrigações fiscais não foram objeto de pagamento no prazo de pagamento voluntário, não podendo, igualmente, desprezar-se a natureza das dívidas, ora, objeto de cobrança coerciva.

Com efeito, como expendido no Aresto que vimos acompanhando. “[n]ão resultando da factualidade apurada qualquer facto de que se possa extrair essa conduta conscienciosa do Oponente enquanto sócio-gerente de facto e de direito, o resultado jurídico alcançado não podia ter sido outro, independentemente do relevo que foi dado aos fortes indícios que no entender do Tribunal a quo resultavam do probatório no sentido de algum alheamento no acompanhamento das questões administrativas cujo controlo e gestão estava de forma mais directa estava afecto a M…...”

E por assim ser, resultando provado que o Oponente, ora Recorrente, foi, até 25 de novembro de 2009, gerente de facto e de direito da sociedade devedora originária, que o pagamento da dívida em causa terminava a 15 de maio de 2008, que a sua renúncia à gerência apenas produziu efeitos a partir de 25 de novembro de 2009 e que não ficou provado que não foi por sua culpa que a devedora originária não possui bens para solver a dívida em execução, há que concluir que a reversão ter-se-á de manter, pelo que a sentença que assim o decidiu não merece qualquer censura.

Resulta, assim, que face à prova produzida nos autos, a Administração Tributária estava legitimada a efetivar a reversão contra o Recorrente estando verificados os pressupostos da reversão no âmbito do processo de execução fiscal nº …..e apensos, assim se devendo confirmar a decisão recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas a cargo do Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 09 de julho de 2020


(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)


___________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[2] Vide Acórdão proferido pelo do TCA Sul, no processo n.º 3267/09, datado de 6 de outubro de 2009, disponível para consulta em www.dgsi.pt.