Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:332/18.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO
EXECUÇÕES NÃO APENSADAS
OPOSIÇÃO ÚNICA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:Não tendo sido proferida decisão da apensação requerida, não pode o juiz do tribunal tributário indeferir liminarmente a petição inicial com fundamento na impossibilidade de dedução de uma única oposição contra execuções fiscais não apensadas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

R... e outra, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão liminar proferida pelo Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, que julgou verificada a exceção dilatória inominada de apresentação de uma única oposição a vários processos de execução fiscal que não se encontram apensos e, consequentemente, indeferiu liminarmente a petição inicial.

A oposição em causa foi deduzida contra as execuções fiscais nºs 1465..., 14652013..., 1465201..., 14652..., 146520130..., 1465201301..., 14652014..., 146520140..., 1465201401... e 14652014010..., que tinham como devedora originária a sociedade S... -Transportes, Lda.

Nas suas alegações, os Recorrentes, Fazenda Pública, formularam as conclusões seguintes:

A

Os ora Recorrentes não se conformam com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa – Unidade Orgânica 3, o que motivou a apresentação do recurso, e porquanto a mesma declarou verificada a excepção dilatória inominada de apresentação de uma única oposição a vários processos de execução fiscal que não se encontram apensos, e indeferiu liminarmente a petição inicial.

B

Na verdade a decisão e partindo do pressuposto que os processos não foram apensados entre si decidiu que não podia ser conhecido do mérito da oposição, o que fez ignorando que sob o órgão de execução fiscal recaía o dever de se pronunciar sob o requerido previamente à apresentação da oposição no que se referida à apensação das execuções.

C

Ora, ao permitir-se que o órgão de execução fiscal omita por completo a pronuncia sobre a questão da apensação das execuções fiscais, depois de suscitada pelos interessados, o que aconteceu no presente processo, constitui uma violação grosseira dos princípios da legalidade e da igualdade que enformam todo o direito fiscal.

D

Também nunca poderá ser admitido que se forme um deferimento ou indeferimento tácito a exemplo do que se passa no processo administrativo, pois aqui temos um processo judicial e as questões nele colocadas, directa ou indirectamente, devem ser decididas pelo Juiz ou pelo órgão de execução fiscal.

E

Assim, entendemos que a apensação de diversas execuções que corram contra o mesmo executado, nos termos do artigo 179.º do CPPT, deve ser conhecida pelo órgão de execução fiscal oficiosamente, ou a requerimento logo que tal questão seja suscitada pelo executado no processo de execução fiscal ou num dos seus apensos – vide neste sentido o recente Acordão do STA de 04.10.2017, com o n.º de processo 0373/17, disponível em www.dgsi.pt.

G

Razões pelas quais se entende que o Meritíssimo Juíz do Tribunal a quo deveria ter solicitado ao órgão de execução fiscal que se pronunciasse sobre a requerida apensação, e apenas após esta decisão transitar em julgado poderia decidir. E ao não o fazer incorreu na violação do disposto no artigo 179.º do CPPT. De onde se conclui que deverá sempre ser revogada a decisão aqui sindicada!

Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença de que ora se recorre nos termos requeridos, com o que se fará justiça.


*

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção de Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A decisão recorrida, correspondente a uma decisão liminar, não autonomizou a factualidade subjacente à mesma, pelo que se deixa transcrito o seu teor integral.

Assim:

“R... e mulher, A..., melhor identificados nos autos, vêm intentar a presente oposição tendo por base os processos de execução fiscal com os nºs. 1465..., 14652013..., 1465201..., 14652..., 146520130..., 1465201301..., 14652014..., 146520140..., 1465201401... e 14652014010..., de que foram citados por reversão da devedora originária S... Transportes, Lda.

Pedem: a procedência da oposição, absolvendo-se os executados da instância executiva.


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O Serviço de Finanças de Lisboa 8, emitiu a competente informação prevista no art. 208º do CPPT.

Refere, para o efeito, que a presente oposição foi deduzida contra os processos de execução fiscal, identificados na p.i., os quais não se encontram apensados, são autónomos entre si.


*


Cumpre apreciar, liminarmente.

Em causa estão diversos processos de execução fiscal instaurados à sociedade originária devedora “S... Transportes, Lda.”, os quais foram objeto de reversão aos, ora Oponentes.

Os processos de execução fiscal com os nºs. 1465..., 14652013..., 1465201..., 14652..., 146520130..., 1465201301..., 14652014..., 146520140..., 1465201401... e 14652014010..., a correr termos no Serviço de Finanças de Alenquer, não se encontram apensados entre si.


*


Apreciando.

Resulta dos autos que os processos de execução fiscal, objeto dos presentes autos não estão apensados entre si, apesar dos Oponentes terem requerido ao Chefe do Serviço de Finanças de Alenquer a respectiva apensação.

Ora, apesar de ter tramitação processual autónoma, a oposição à execução fiscal caracteriza-se como uma contestação à execução. Por isso, a oposição a vários processos de execução fiscal distintos não pode ser concretizada através de uma única oposição, mesmo considerando a circunstância de a fundamentação de facto e de direito poder ser idêntica no que se reporta à causa de pedir da oposição (neste sentido, cfr. os acs. do STA, de 5/12/2007 e 9/9/2009, nos recs. nºs. 795/07 e 0521/09, respectivamente, in www.dgsi.pt).

Todavia, é legalmente permitida a apensação de processos de execução, nos termos do art. 179º do CPPT (desde que corram contra o mesmo executado e se encontrem na mesma fase), essa decisão de apensação inscreve-se na competência do órgão da execução fiscal [ao qual compete, não obstante a natureza judicial do processo de execução fiscal (nº 1 do art. 103º da LGT), praticar no processo os actos de natureza não jurisdicional, designadamente os relativos à apensação de execuções fiscais (arts. 151º e 179º do CPPT), apreciando a conveniência e oportunidade da apensação e devendo fazê-lo se as execuções se encontrarem na mesma fase (nºs. 1 e 2 do art. 179° do CPPT)].

Apesar de solicitado o Serviço de Finanças de Alenquer não procedeu à apensação dos processos executivos pelo que cabia aos Oponentes, reclamar da não apensação de processos executivos.

Assim, não cabe a este Tribunal, através do presente meio processual, verificar os pressupostos e decidir a apensação dos processos executivos em causa.

Nestes termos, a dedução da presente oposição a várias execuções fiscais que não estão apensadas entre si, constitui «razão obstativa do conhecimento do mérito daquela e, por isso, uma excepção dilatória inominada, nos termos do artigo 493º do CPC, excepção dilatória inominada, porque não consta do elenco meramente exemplificativo do artigo 494º do mesmo CPC e que, evidentemente, determina o indeferimento liminar da oposição, nos termos do artigo 234º-A do CPC» (cfr. Acórdão do STA, de 5/12/2007).

Cabe realçar, que nada impede os Oponentes de virem a deduzir oposições autónomas contra as mencionadas execuções, nos termos do disposto nos arts. 590º e 560º do CPC, ex vi do art. 2º, al. e) do CPPT, no prazo aí estabelecido, sendo as mesmas consideradas interpostas na data da apresentação da petição inicial desta Oposição.

Face ao exposto, atenta a fase processual, ora em causa, tal obsta à admissão desta oposição e conduz, assim, ao indeferimento liminar da petição inicial.

DECISÃO:

Termos em que, declaro verificada a exceção dilatória inominada de apresentação de uma única oposição a vários processos de execução fiscal que não se encontram apensos, pelo que indefiro liminarmente a presente petição inicial.

(…)”



*

- De Direito

A oposição foi deduzida contra dez processos executivos que correm termos no Serviço de Finanças (SF) de Alenquer.

Logo na p.i de oposição foi afirmado que havia já sido requerida a apensação dos processos de execução fiscal em causa, aguardando-se decisão.

A fls. 14 e 15 dos autos mostra-se junto documento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças, requerendo a dita apensação.

Na informação prestada pelo SF, previamente à subida ao TT da oposição, vem dito, além do mais, o seguinte:

“Não obstante, de se verificar que, os processos executivos se encontram na mesma fase (F695), não foi possível, por impossibilidade do sistema informático, este Serviço de Finanças proceder à apensação dos processos executivos”.

Após a subida dos autos, foi proferida a decisão recorrida, tal como ficou transcrita.


*


Lidas as conclusões, é inequívoco que o Oponente pretende a apensação das execuções fiscais, insurgindo-se contra o entendimento do TT de Lisboa já que “o Tribunal a quo deveria ter solicitado ao órgão de execução fiscal que se pronunciasse sobre a requerida apensação, e apenas após esta decisão transitar em julgado poderia decidir. E ao não o fazer incorreu na violação do disposto no artigo 179.º do CPPT”.

Sem delongas, adiantamos, desde já, que os Recorrentes estão com a razão do seu lado.

A questão que aqui se coloca tem sido por diversas vezes analisada pelos Tribunais Superiores, em termos uniformes. O caso que aqui é posto não apresenta qualquer especificidade que leve a não seguir, tal e qual, o que reiteradamente a jurisprudência tem vindo a decidir, no sentido de que, não tendo sido proferida decisão da apensação requerida, não pode o juiz do tribunal tributário indeferir liminarmente a petição inicial com fundamento na impossibilidade de dedução de uma única oposição contra execuções fiscais não apensadas.

Uma vez que – repete-se – esta questão se apresenta pacifica na jurisprudência, passaremos a seguir, transcrevendo, um recente acórdão do STA cujo teor, com as devidas adaptações, é aqui inteiramente aplicável. Assim, lê-se no acórdão de 23/02/19, no processo nº 461/17.9BESNT, o seguinte:

“Como é sabido, o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, uma vez que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (Princípio do contraditório, hoje entendido, não na sua dimensão negativa, de direito de defesa, oposição ou resistência à actuação alheia, mas na sua dimensão positiva, de direito de influir activamente, no desenvolvimento e no êxito do processo, é um dos mais elementares princípios que enformam todo o direito adjectivo e também o processo tributário. Para maior desenvolvimento quanto ao princípio do contraditório, designadamente com aprofundados considerandos de natureza doutrinal e citação de jurisprudência, vide o seguinte acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 3 de Março de 2010, proferido no processo n.º 63/10, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f4bfa574b6a7515802576e10040e44b.) (cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» ( Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373.).

Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado (Neste sentido, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 9 de Agosto de 2017, proferido no processo n.º 927/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9f99540e3f3d0d2e8025817f0032803e;

- de 19 de Setembro de 2018, proferido no processo n.º 350/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/afb23f359fab0977802583120050a7d7;

- de 17 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 646/17.8BEAVR (121/18), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e959fb7614ed2abf8025832e003aca97.).

Afigura-se-nos que no caso sub judice não estão verificados os requisitos para a rejeição liminar da petição inicial. Vejamos:

Como a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 11 de Janeiro de 2017, proferido no processo n.º 54/16, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8d68bee6de05a055802580a7003bc29f;

- de 21 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 883/14, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c6058ea75887d01a8025814c004938b9;

- de 11 de Abril de 2018, proferido no processo n.º 1027/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/985f8a0346f29b15802582790049b5a2;

-de 4 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 373/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cf40d9853dba91b0802581b4004eb9bb;

- de 7 de Novembro de 2018, proferido no processo n.º 490/18 (1762/17.1BEPRT), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a9d19c898d3d6633802583430043403c..) tem vindo a afirmar, a apensação de diversas execuções que corram contra o mesmo executado, deve ser apreciada e decidida pelo órgão de execução fiscal, oficiosamente ou logo que tal questão seja suscitada pelo executado no processo de execução fiscal ou num dos seus apensos, nos termos do disposto no art. 179.º do CPPT; mais do que isso, nalgumas situações em que não houve decisão de apensação, mas a tramitação dos processos seguiu como se a tivesse havido, deverá admitir-se a dedução de uma única oposição deduzida contra mais do que uma execução fiscal.

Seja como for, no caso dos autos, sendo inquestionável que a questão da apensação foi suscitada, a Juíza do Tribunal a quo, ao invés de ordenar inequivocamente ao órgão da execução fiscal que a apreciasse e decidisse, ficou-se pelo pedido de informação sobre «quais as razões que justificam a “insusceptibilidade” de apensação invocada na informação de fls. 94, dos processos de execução fiscal a que se reportam os presentes autos». É certo que também ordenou que «se a tal nada obstar, que [o órgão da execução fiscal] proceda à sua apensação e informe os presentes autos», o que levou o Serviço de Finanças de Cascais-2 a tecer alguns considerandos impertinentes.

Salvo o devido respeito, o que o Tribunal a quo deveria ter ordenado, de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, é que o órgão da execução fiscal decidisse a pretendida apensação das execuções fiscais e não, como ordenou, que se limitasse a informar sobre se entende possível tal apensação.

Porque o não fez e porque o Serviço de Finanças de Cascais-2 também não decidiu essa questão e se limitou a informar sobre os motivos por que entende que a apensação não é possível, não pode ter-se como estabelecida a impossibilidade de apensação.

Assim, cumpre revogar o despacho recorrido e ordenar a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, o qual deverá ordenar ao Serviço de Finanças de Cascais-2 que decida sobre a pretensão do Oponente, de apensação das execuções fiscais – que deve reportar-se a todas as que são referidas no ofício com cópia a fls. 12 dos autos – e, depois, notificar dessa decisão o aqui Oponente e Recorrente, notificação que, designadamente, deverá indicar ao Executado que pode reclamar da decisão ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT, como impõe o n.º 2 do art. 36.º do CPPT.

(…)

Por tudo o que deixámos dito, o recurso será provido, o despacho recorrido será revogado e os autos regressarão ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, o qual, se a tal nada mais obstar, deverá proferir despacho a ordenar ao Serviço de Finanças de Cascais-2 que profira decisão sobre a pretendida apensação de execuções fiscais.”

Ora, o que vem dito no acórdão transcrito é inteiramente aplicável no caso que nos ocupa.

Assim, sem necessidade de outros considerandos, fácil é concluir que as conclusões procedem e que o recurso deve ser provido e a decisão revogada, impondo-se a devolução dos autos ao TT de Lisboa, o qual, se a tal nada obstar, deve proferir despacho a ordenar ao SF de Alenquer que profira decisão sobre a requerida apensação dos processos de execução fiscal.



*

III- Decisão




Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para aí ser proferido despacho nos termos supra referidos.

Sem custas

Registe e Notifique.

Lisboa, 11/02/21


Catarina Almeida e Sousa

Hélia Gameiro

Ana Cristina Carvalho