Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6/18.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:DECISÃO ARBITRAL;
CONTRADIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
Sumário:I. É nula a sentença quando: (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão» ( artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte e alínea d), do CPC - 28.º, n.º 1 alínea b) do RJAT), para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.

II. Haverá omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade de sentença (artigo 615.º n.º 1 al. d) do CPC - 28.º, n.º 1 alínea c) do RJAT) sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, nomeadamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO

G......., inconformado com a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº 231/2017, veio ao abrigo do disposto no artigo 27º do Decreto-lei n°10/2011, de 20 de Janeiro do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), interpor impugnação dessa decisão, que julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2012 e no montante de €47.355,10.

No articulado inicial, resumindo a sua pretensão, formulou a Impugnante as seguintes conclusões:

«1.ª - A decisão arbitral impugnada é nula por estar em oposição com os seus fundamentos que conduzem logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas sim ordenar a Administração Tributária a apresentar uma declaração de rendimentos do Impugnante em conformidade com a declaração de rendimentos apresentada no ano de 2012 pela respectiva cônjuge (art.615°/1/c) do CPC e do art.28.°, n°1, alínea b) do RJAT). - Cf. texto n.°s 1 a 8;

2.ª - A douta decisão arbitral ora impugnada é nula, devendo ser apreciada e decidida a questão suscitada nos arts°51° a 54° do r.i. sobre a alteração de entendimento pela Autoridade Tributária relativamente aos anos anteriores ao ano de 2012 (art. 615°/1/d) do CPC e do art.28°, n°1, alínea c) do RJAT). - Cf. texto n°s 9 a 16.

NESTES TERMOS,

Deve ser dado provimento à presente impugnação e, em consequência, ser anulada a douta decisão arbitral impugnada, com as legais consequências.

SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ

CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA!»


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Admitida a Impugnação e notificada a Impugnada, Fazenda Pública, veio esta apresentar a sua resposta que rematou nos seguintes termos:

«I- Não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, pelo que esta não é nula.

II- O facto de ser dado como provado que o Recorrente não permaneceu em Portugal mais de 183 dias não impede que seja considerado residente como foi, ao abrigo do artigo 16, n°1, al. b) do CIRS.

III - Sendo considerado residente, tinha de ter entregue a declaração de rendimentos, nos termos dos artigos 57º, 76°, nº3, 79º, 97º, nº3 e 104º do CIRS;

IV - Não o tendo feito em devida altura também não o pode agora fazer, tendo a AT cumprido com o seu dever legal de preencher oficiosamente a declaração de rendimento do Recorrente, nos termos dos preceitos atrás referidos, desconsiderando os seus filhos dependentes.

V - A decisão do Tribunal arbitral dedicou um capítulo inteiro a explicar porque é que a interpretação que a AT faz do artigo 16º, nº3 da ADT celebrado entre Portugal e França é aquela que é mais adequada ao texto e espírito da norma (cfr. B.4. da interpretação do artigo 16º do ADT).

VI - Assim, entendeu o Tribunal, a nosso ver bem, que "o artigo 16º, nº3 do ADT não diz "só podem ser tributados", mas "podem ser tributados" o que aponta para a existência de uma competência tributária cumulativa c não exclusiva do Estado Fonte (França)".

VII - Dessa forma o Tribunal arbitral apreciou a mudança de posição da AT como sendo válida, a AT adequou a sua actuação tendo por base o entendimento de vários organismos internacionais e da doutrina mais conseguida, assim como o princípio da legalidade.

VIII - Pelo que não há qualquer omissão de pronúncia, há, isso sim, pronúncia exaustiva e esclarecedora sobre todas as questões levantadas pelo Recorrente, sendo a decisão irrepreensível.

IX - O Recorrente apresentou um pedido de reforma da decisão do Tribunal Arbitral (cfr. Doc. 1 que se junta em anexo), pelo que deverá o douto Tribunal ad quem ter em conta tal pedido.

IX - O Recorrente apresentou Recurso de oposição de acórdãos (cfr.Doc.2 que se junta em anexo), nos termos do artigo 25°, nº2 e 3 do RJAT e 152º do CPTA, para o STA.

Termos em que, e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve ser negado provimento ao recurso deduzido pelo Recorrente, assim como deverá ser mantida a decisão do Tribunal arbitral com todas as legais consequências.»


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal, notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, nº1, do CPTA ex vi artigo 27.º, nº2, do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, nada disse.


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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO

Atentas as alegações vertidas na petição da presente Impugnação de decisão arbitral e, em especial, as conclusões aí formuladas, conclui-se que, no caso concreto, a questão é a de saber se a decisão impugnada padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte e alínea d), do CPC, que se reconduzem aos fundamentos inscritos no artigo 28.º, n.º 1 alíneas b) e c) do RJAT.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

DOS FACTOS

Na decisão impugnada fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«4. O Requerente é um cidadão de nacionalidade Francesa, casado, desde 2003, com I......., cidadã Portuguesa, sendo, pai de três filhos;

5. A mulher e os dependentes do Requerente residem em Portugal;

6. O Requerente exerce funções de oficial de piloto na companhia aérea Air France desde 2003;

7. Atualmente, o Requerente não tem domicílio fiscal em Portugal;

8. Em 2012, o Requerente tinha domicílio fiscal registado em Portugal;

9. Em 2012, o Requerente esteve ausente de Portugal mais de 183 dias;

10. O Requerente indicou, para efeitos de faturação, uma morada em Portugal, em diversos momentos do ano de 2012.

A.2. Factos dados como não provados

11.Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

12. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (Cfr.artigo 123º, nº2, do CPPT e artigo 607º, nº3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, nº1 alíneas a) e e), do RJAT);

13. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (Cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29º, nº1 alínea e), do RJAT);

14. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110º, nº7 do CPPT, a prova documental e o PA junto aos autos, e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 [Disponível em www.dgsi.pt.], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas” (no mesmo sentido, Ac. do CAAD de 25-08-2017, proferido no processo 57/2017-T [Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/.]);

15. No contexto do ponto 9. supra, importa salientar que, tal como aponta a Requerida (artigos 12.º a 15.º da Resposta), a documentação junta, sem qualquer explicação adicional por parte do Requerente, apenas demonstra que lhe são faturados montantes relativos a estacionamento de uma viatura num parque de estacionamento em Portugal. Não decorre, com efeito, sequer, que o Requerente tenha saído de Portugal. Poderia, eventualmente, demonstrar-se que o referido parque de estacionamento seria apenas, ou tendencialmente, utilizado por viajantes ou pelos tripulantes de aeronaves, mas não sendo os documentos acompanhados de uma explicação adicional sempre será de referir que a prova documental é insuficiente para comprovar a ausência do Requerente de Portugal. Aliás, o elemento que parece sair reforçado dos Documentos 3 a 5, juntos pelo Requerente no seu PPA, é o da total consonância da residência habitual do Requerente com o domicílio fiscal que este registou junto da AT, já que, todas as faturas, indicam que a morada deste se situa na Av……………, 2765 Estoril.

Contudo, no que respeita à permanência do Requerente em Portugal por mais de 183 dias (ponto 9.), foi tido em conta o depoimento prestado pela testemunha inquirida, I......., que revelou conhecimento direto dos factos tal como se consideraram provados, e depôs de forma lógica e coerente com a prova documental disponível, evidenciando credibilidade;

16. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente de direito ou conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.»


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B.DE DIREITO

Começando pelo necessário enquadramento jurídico, importa salientar que, o regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo Decreto-Lei n°10/2011, de 20 de Janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - (RJAT), sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artigo 2.º, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr. artigo 2.º, nº. 2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artigo 16.º, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artigo 25.º, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artigo 23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artigo 6.º, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artigo 28.º, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:

1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2-Oposição dos fundamentos com a decisão;

3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16º, do diploma. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artigo 28.º, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artigo 125.º, nº.1, do CPPT com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artigo 615.º, nº.1, do CPC.

Aqui chegados, analisemos, então, cada uma das invocadas nulidades.

No caso concreto a Impugnante defende que a decisão arbitral padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC (cfr. artigo 28.º, n.º 1 al. b) do RJAT) porquanto a mesma, está em oposição com os seus fundamentos que conduzem logicamente, « não ao resultado expresso na decisão, mas sim ordenar a Administração Tributária a apresentar uma declaração de rendimentos do Impugnante em conformidade com a declaração de rendimentos apresentada no ano de 2012 pela respectiva cônjuge

De acordo com o artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC «[é] nula a sentença quando: (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão».

Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.

Como escreve Amâncio Ferreira «[a] oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 56).

A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «[a] construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».

Mas não é o caso da decisão impugnada, que não padece deste vício, nem de qualquer contradição lógica nos seus fundamentos e a decisão.

Senão vejamos.

Escreveu-se na decisão, na parte que para aqui mais releva, o seguinte:

«36.Na opinião do presente Tribunal, que se crê em linha com a doutrina maioritária, o referido critério exige a verificação de dois elementos: (i) a presença em Portugal, ainda que por um período inferior a 183 dias, e (ii) a vontade / a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual, sendo este elemento verificado a 31 de dezembro;

37.Os dois elementos parecem verificar-se no caso concreto já que, efetivamente, o Requerente esteve em Portugal e manifestou a vontade de estabelecer a sua residência em Portugal;

38.Com efeito, sem prejuízo de o Requerente ter estado ausente de Portugal por um período superior a 183 dias, este esteve fisicamente em Portugal em 2012, ainda que por um período inferior;

39.Por outro lado, o elemento de animus decorre, nomeadamente, quer do registo da residência em Portugal junto da AT, em que o Requerente manifesta a sua vontade de estabelecer a residência no local declarado (é o próprio Requerente que vem afirmar este facto no artigo 10.º do PPA), quer até das faturas do parque de estacionamento juntas pelo Requerente como Documentos 2 a 5 ao PPA, em que foi indicada uma residência em Portugal, que se supõe habitual. Ou seja, supõe-se que a morada onde o Requerente pretende receber as faturas ou utilizar como morada de faturação é o local onde tem a sua vida organizada;

40.Adicionalmente, o Requerente é casado e pai de três filhos, todos eles residentes em Portugal, o que cria igualmente a convicção de que a sua residência habitual, o “quartel general”, o local de onde parte, mas para onde regressa após as suas deslocações ao estrangeiro, se situa em Portugal, sítio onde se encontra a sua família (a vertente pessoal do seu centro de interesses vitais);

41.Com efeito, todo o contexto aponta para uma situação em que o Requerente dispunha, a 31 de dezembro de 2012, de um local permanentemente à sua disposição, ou seja, de uma habitação de uso contínuo e apta a residir a qualquer momento o que, agregado às manifestações externas do Requerente (e.g., registo de um domicílio fiscal em Portugal, indicação de uma morada em Portugal como local de faturação) fazem supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

42.Desta feita, de acordo com a lei Portuguesa o Requerente é considerado residente em Portugal para efeitos fiscais;

43.Sendo o Requerente considerado residente em Portugal por força da verificação do critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS, torna-se até desnecessário tecer considerações adicionais sobre a verificação de qualquer outro critério de residência;

44.Em suma, pese embora o Requerente tenha permanecido em Portugal menos de 183 dias em 2012, para efeitos de IRS, é considerado residente em Portugal;»

Da leitura do transcrito constata-se, de forma inequívoca, que o decidido é a conclusão lógica da norma contida no artigo 13.º, n.º1, alínea b) do IRS com a factualidade dada por provada.

Se o Tribunal Arbitral errou no juízo formulado, tal poderá inquinar a decisão de erro de julgamento, mas não de nulidade, único vício de que este tribunal pode conhecer.

Pelo que vem dito, resulta que não se verifica, nos termos exigidos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.

Improcede, por isso, esta arguição de nulidade.

Mais entende o Impugnante que a decisão arbitral omitiu pronúncia sobre a questão suscitada em torno da inexistência de qualquer rendimento colectável em Portugal no ano de 2012.

Nos termos do preceituado no artigo 615.º, nº.1, alínea d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma).

Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608º, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de petitionem brevis, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).

No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, nº.1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.

Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas.

Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr. artigo 608.º, nº.2, do CPC), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento.

No caso sub judice, resulta da leitura do requerimento de impugnação, máxime os artigos 51.º a 54.º, que o Impugnante suscitou a questão quando à inexistência de qualquer rendimento em Portugal no ano de 2012.

Analisado o processo e apreciada a fundamentação incorporada na decisão arbitral, conclui-se que inexiste qualquer apreciação da invocada questão, nem a mesma foi considera prejudicada pela solução dada às demais questões apreciadas, ocorre nulidade da decisão.

Não se ignora a argumentação desenvolvida pelo Tribunal Arbitral em torno da interpretação do artigo 16.º, n.º3 da ADT celebrado entre Portugal e França (ponto B.4 da decisão). Todavia, o certo é que não tomou posição directa, como já o dissemos antes, nem o conhecimento da mesma resulta da decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui.

Tal conduta omissiva do Tribunal, violou frontalmente os deveres de pronúncia do mencionado Tribunal.

O que importa a nulidade da decisão ora impugnada, por força da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC e a procedência da presente Impugnação.

IV.CONCLUSÕES

I. É nula a sentença quando: (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão» ( artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte e alínea d), do CPC - 28.º, n.º 1 alínea b) do RJAT), para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.

II. Haverá omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade de sentença (artigo 615.º n.º 1 al. d) do CPC - 28.º, n.º 1 alínea c) do RJAT) sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, nomeadamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.

V.DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, declarar a nulidade de decisão arbitral impugnada.

Sem custas.


Lisboa, 13 de Maio de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês].


(Ana Pinhol)