Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05431/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/05/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. DESPACHO DE REVERSÃO. FUNDAMENTAÇÃO. PROVA.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. A fundamentação (formal) do despacho de reversão deve conter os pressupostos apurados pela AT e que legitimam que o revertido passe a figurar como executado nessa execução, por ser responsável subsidiário pelo pagamento dessa dívida exequenda, bem como a falta de bens do devedor originário para a solver, incluindo se essa dívida lhe é exigível por o revertido ter dado causa à insuficiência do património da sociedade originária devedora para a solver ou por a mesma não ter sido paga ou entregue pelo revertido ao tempo em que foi gerente dessa sociedade – art.º 24.º, n.º1, alíneas a) e b) da LGT];
2. Porém, se a fundamentação utilizada no despacho de reversão se revelar insuficiente face aos seus pressupostos legais, mas o revertido os apreender na sua totalidade e mesmo contra a parte omitida vier a exercer plenamente a sua defesa, então, tal insuficiência, não equivale à falta de fundamentação do acto, por o fim legal que com ela se visa atingir, ter sido, não obstante, alcançado;
3. A falta de fundamentação formal do despacho de reversão deve-se autonomizar da falta dos pressupostos ou requisitos legais para o exequente poder dirigir a execução fiscal também contra o responsável subsidiário, já que aquele primeiro momento se afere pela enunciação da existência daqueles, enquanto este segundo momento se afere pela real existência desses mesmos pressupostos enunciados.

O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida, veio da mesma recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo o qual, por despacho do Relator de 18-1-2011 (trata-se de lapso manifesto no ano, já que os autos lhe foram conclusos em 12-01-2012), transitado em julgado, se declarou incompetente em razão da hierarquia para do mesmo conhecer, por a competência para o efeito se radicar neste Tribunal, para onde os autos vieram a ser remetidos, formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls. . . . dos presentes, nos termos do qual o Tribunal a quo determinou a procedência da oposição judicial e em consequência a anulação da reversão relativamente à oponente.
2. Bem como, decidiu ainda o Tribunal a quo, no sentido da falta de fundamentação do despacho de reversão.
3. Ora, estabelece o art. 23.º da LGT que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão, dependendo esta da fundada insuficiência de bens penhoráveis.
4. Na verdade, por despacho de 21-08-2009 foi ordenada a reversão fiscal contra A..., e a sua consequente citação.
5. Sendo que, a reversão de A... teve como fundamento a fundada insuficiência de bens penhoráveis.
6. Bem como, teve ainda como fundamento, o exercício da administração da devedora principal durante o período entre 06/2005 e 09/2008.
7. Assim, relativamente à insuficiência patrimonial, salvo o devido respeito, esta é demonstrada pela declaração de insolvência do TRANSPORTES B...LDA., proferida em 09-01-2009.
8. Donde, não se entende o porquê da douta sentença considerar de forma relevante a referência aos actos concretos susceptíveis de demonstrar a fundada insuficiência, uma vez que nos autos é demonstrado e invocado o desconhecimento da existência de bens móveis ou imóveis registados em nome da executada devedora principal.
9. Na verdade, a existência de bens sé se poderia cingir a bens móveis, ou a bens imóveis, e estes de facto eram insuficientes, sendo que, dos autos não consta qualquer indicação de bens ou créditos oferecidos à penhora, quer pelo devedor originário, quer pela responsável em reversão.
10. Relativamente ao exercício da gerência, a verdade é que a reversão foi ordenada com fundamento não na al a) do n.º 1 do art. 24.º da Lei Geral Tributária, mas com fundamento na al. b) do referido artigo.
11. O órgão executivo considerou que a oponente seria subsidiariamente responsável face à sociedade TRANSPORTES B...LDA., pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento terminou no período do exercício do seu cargo, uma vez que a oponente nunca demonstrou ou provou nos autos que a falta de pagamento não lhe era imputável.
12. Considerando que, “as sociedades comerciais não possuem um organismo físico-psíquico», é obvio que necessitam de alguém que intervenha por elas e no seu interesse, formando e manifestando a sua vontade social. Essa formação e manifestação da vontade social tem lugar através de órgão sociais”. (Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica" pag. 114;)
13. Logo, ao não considerar M A...responsável subsidiária, estaríamos a arrepiar as elementares regras do direito societário, nomeadamente o disposto nos art. 405.º a 409.º do CSC, no sentido em que as sociedades por quotas são representadas pela gerência.
14. A gerência de uma sociedade é um verdadeiro-poder, e não um simples direito a favor de quem é conferido, criando para efeitos fiscais e para-fiscais, simultaneamente direitos e obrigações, pelo que, não se pode criar a convicção e o costume em que tal nomeação pode ser efectuada apenas por conveniência para assegurar o normal funcionamento da sociedade, e manter-se quem a exerce formalmente alheio ao que se passa na devedora principal.
15. Esta situação permite uma certa impunidade, não se podendo admitir, como se pretende, que o eventual afastamento no condução dos negócios da sociedade, como meio de defesa logre limitar a responsabilidade de gerente.
16. Assim, a ter existido alguma omissão de actuação ou de conhecimento, a verdade é que tal implicou o não pagamento das contribuições e cotizações durante o período da sua gerência, e consequentemente a falta de entrada de tais valores no sistema nacional de segurança social!
17. Aliás, as regras relativas à atribuição da representação das sociedades comerciais constituem um significativo contributo do Código das Sociedades Comerciais, desde logo vantajoso para os terceiros que contactam ou pretendem contactar com a sociedade.
18. Uma vez que, evidenciam para com a sociedade e eventuais terceiros, a titularidade de uma posição contratual.
19. A realidade é que M A...não provou nem demonstrou nos autos que não foi por culpa sua que o património social se tornou insuficiente
20. Com efeito, parece certo que, tendo o prazo de pagamento voluntário do tributo exequendo terminado no período de administração da recorrida, a falta de pagamento da obrigação exequenda, ser-lhe-ia imputável.

Nestes termos, e nos que mais V. Exc.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, ainda que quanto ao fundamento de insuficiência de bens o mesmo se encontre preenchido, restando contudo, o de falta de prova da gerência efectiva da ora recorrida, ao tempo a que se reportam as dívidas exequendas.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão a decidir: A única questão a decidir consiste em saber se o despacho de reversão não padece do vício da sua falta de fundamentação formal.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1) O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - IP (IGFSS-IP), instaurou contra a devedora originária, "Transportes José Luís Duque & Gomes, Lda", com NIPC 503 031 844, o processo de execução fiscal (PEF) nº 1001200601246658 e Aps, por dívidas de cotizações e contribuições para a Segurança Social, de 2005 a 2008, juros e custas, com base nas certidões de dívidas juntas - fls. 2/ss e 59/ss;
2) Em 24/09/2010, cfr. fls. 56 a 58 e 38/ss, o IGFSS proferiu despacho de reversão contra a oponente, A..., com o NIF 112 133 394, com domicílio na Urbanização dos Areias, Lt. 28, 8365-204 Pêra, Silves, cujo teor dou por reproduzido, do qual se destaca, no que interessa para a causa, o seguinte (de que faz parte a informação nele contida a que pertence o transcrito): «(...) Não são conhecidos bens móveis ou imóveis registados em nome do executado que sejam suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescidos, pelo que se encontra impossibilitada de pagar o valor da dívida.
Da informação constante no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação verifica-se que M A..., NIF ..., NISS ... é responsável subsidiário(a), tendo desenvolvido actividade de gerente na empresa executada desde 1996/09 até pelo menos ao último mês constante da certidão de dívida que originou a instauração dos presentes autos.
Notificado(a) o(a) gerente/administrador(a) M A..., NIF ... para exercer o direito de audição prévia nos termos do disposto nos normativos do n.º4 do artigo 23.º e do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, pelo(a) mesmo(a), nada foi dito.
Da nomeação para gerente ou administrador (gerente ou administrador de direito) de uma sociedade comercial resulta uma presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo que o exerça na realidade, Ora, dos autos nenhum elemento consta que abale esta convicção do(a) signatário(a).
Para efeitos de culpa (A culpa é apreciada in casu pela diligência de um normal gerente, em face das circunstâncias do caso) não resulta dos autos que o(a) gerente/administrador(a) M A...tenha gerido a executada de molde a evitar que o seu património se tomasse insuficiente para a satisfação das dívidas exequendas. Inclusive, não resulta dos autos que a sociedade devedora tenha capitais próprios, o que significa que não apresenta autonomia financeira. Ou seja, perante uma situação financeira crítica, decorrente de uma suspensão generalizada (...) Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o(a) gerente M A...deveria de imediato ter convocado a assembleia geral (ou, tratando-se de uma sociedade anónima, o(a) administrador(a) (...) tendo em vista a apresentação da sociedade devedora à falência/insolvência (...).
Ao não ter agido como deveria, o(a) gerente/administrador(a) M A...violou de forma culposa, ainda que a título de negligência, as normas legais que tutelam os interesses dos credores, designadamente a norma legal contida no artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais e ainda as normas legais do CPEREF e do CIRE identificadas no ponto anterior. Assim, (...»).
3) Em 30/09/2010, a oponente foi citada do despacho de reversão, referido supra, em "2", cfr. o pelo ofício de 24/09/2010, de fls. 43 e A/Rs de fls. 44;
4) Em 28/07/2010, foi proferido projecto de decisão, para audição prévia, de fls.28, cujo teor dou por reproduzido, o qual foi comunicado à oponente, para audição
prévia, em 04/08/2010, cfr. fls. A/R de fls. 29;
5) No Tribunal Judicial de Leiria, 3° juízo cível, no dia 9 de Janeiro de 2009, foi proferida sentença de declaração de insolvência da referida sociedade "Transportes
B...Lda" NIPC 503031 844, cfr. fls. 17;
6) a presente oposição deu entrada em 27/10/2010, cfr. fls. 47.

Factos não provados:
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos além dos fixados.

Motivação:
A convicção do tribunal fundou-se na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto antecedente e nos demais dos autos, bem como no alegado pelas partes, tudo ponderado com as regras da experiência comum da vida.


4. Para julgar procedente a oposição à execução fiscal e decretar a anulação do despacho de reversão considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a todas as dívidas exequendas era aplicável o regime geral dos art.ºs 23.º e 24.º da LGT, mas que a AT não esteou o despacho de reversão, no tocante à inexistência ou insuficiência de bens, em elementos precisos e concretos que permitam concluir pela sua fundada insuficiência, não tendo mencionado que concretas diligências empreendeu para o efeito pelo que tal requisito se não mostra preenchido, bem como a gerência de facto por mera decorrência da gerência de direito não constitui, esteio suficiente para alicerçar tal imputação, e que a falta de culpa na insuficiência do património para solver tais dívidas, não cabe à revertida mas tão só a falta de culpa no pagamento das mesmas dívidas.

Para o recorrente IGFSS, é contra parte desta fundamentação que vem a esgrimir argumentos em ordem a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre a sentença recorrida em ordem à sua revogação, pugnando que o despacho de reversão se encontra fundamentado, quer no tocante à fundada insuficiência de bens da devedora originária, quer quanto ao exercício da gerência efectiva e bem assim, quanto à insuficiência de bens para solver tais dívidas ser imputável à mesma, e que a reversão foi efectivada pela alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, que não pela sua alínea a).

Vejamos então.
No caso, todas as dívidas exequendas se reportam aos anos de 2005 em diante – cfr. matéria do ponto 1. do probatório da sentença recorrida – pelo que o regime aplicável quanto à responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes, no que ao seu pagamento tange, se rege por aquele que estiver em vigor ao tempo do seu nascimento, como constitui jurisprudência corrente, ou seja, o actual regime da LGT, seus art.ºs 23.º e 24.º, ainda que de cotizações em dívida à Segurança Social se tratem, por estas, na parte a cargo da entidade patronal, terem vindo a ser pacificamente qualificadas como de verdadeiros impostos, carece de qualquer utilidade para este efeito, deixar de aplicar o regime comum dos citados art.ºs 23.º e 24.º da LGT e 153.º e segs do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Mas quer no anterior regime do art.º 13.º do CPT, quer no regime do art.º 24.º da LGT que lhe veio a suceder, a responsabilidade subsidiária pelo pagamento das dívidas da sociedade por si gerida ou administrada, apenas poderia impender sobre os gerentes ou administradores que tivessem exercido as correspondentes funções(1) – gerentes de facto ou efectivos – ou seja, que os mesmos tivessem sido nomeados gerentes ou administradores dessas sociedades, e na realidade, com é normal, as tivessem vindo efectivamente a exercer, como igualmente constitui jurisprudência corrente.

Neste aspecto, quer o regime do CPT quer o regime da LGT, nenhuma diferença apresentam, aliás, ambos até utilizam a mesma expressão ...e outras pessoas que exerçam ... constituindo pois, tal exercício efectivo ou de facto, um dos pressupostos para poder haver lugar à responsabilidade subsidiária.

Nos termos do disposto nos art.ºs 22.º e 24.º da LGT, a responsabilidade tributária abrange, quer os sujeitos passivos da obrigação tributária (cfr. art.º 18.º, n.º3 da mesma LGT), quer as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo respectivo pagamento, como os gerentes ou administradores, desde que, quer num regime quer no outro, os mesmos tenham exercido as correspondentes funções, sendo que no âmbito da LGT, duas situações distintas podem ainda ter lugar (o que não tinha paralelo no anterior regime), subsumíveis nas alíneas a) e b) do citado art.º 24.º: sendo que a alínea a) abarca as dívidas cujo prazo de pagamento voluntário ou entrega tenha terminado depois do exercício do seu cargo desse responsável subsidiário (ónus da insuficiência a cargo da AT); e que na alínea b), abrange as dívidas cujo prazo legal de pagamento voluntário ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (ónus da prova da não imputabilidade da falta de pagamento a cargo do revertido).

Quanto à fundamentação do despacho de reversão, desde logo, por se tratar de um despacho proferido no âmbito de um processo judicial como hoje é expressamente qualificado o processo de execução fiscal – cfr. art.º 103.º, n.º1 da LGT - ainda que por uma entidade não judicial (órgão da execução fiscal ou outra autoridade da administração tributária), não constituindo por isso um despacho de natureza jurisdicional, mas o mesmo não pode deixar de carecer de ser fundamentado, por directa aplicação da norma do art.º 125.º do CPA, que exige a fundamentação em geral de todos os actos administrativos, especialmente para os despachos que não sejam de mero expediente como no caso, como também, no âmbito tributário em que nos encontramos, tal fundamentação dimana directamente da norma do art.º 23.º, n.º4 da LGT que, além da audição prévia do responsável subsidiário, impõe que a mesma comporte a declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, ou seja, a enunciação dos pressupostos legitimadores de tal direito à reversão por banda da AT, para que o revertido passe a ocupar (também) o lugar de executado, como parte processual passiva nessa acção de pretensão insatisfeita.

E esses pressupostos enunciadores do direito de reversão por banda da AT, e que no despacho de reversão devem ser invocados enquanto legitimidores do mesmo consistem, legalmente, no caso, desde logo, em a revertida ter exercido as correspondentes funções de administradora/gerente para que fora nomeada, no caso, donde dimana que possa ser responsável subsidiária pelo pagamento da dívida da sociedade originária executada, e quanto a todas as dívidas relativas ao período em causa, segundo uma ou as duas situações tipificadas nas normas das alíneas a) e b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT (dívidas nascidas no exercício do seu cargo de gerente ou de administrador, e que tenha sido por culpa sua que o património da sociedade se tenha tornado insuficiente por culpa sua, ou dívidas cujo falta legal de pagamento ou de entrega, tenha terminado no período do exercício do seu cargo) e que o património da sociedade originária devedora seja insuficiente para solver tal dívida, nos termos do disposto nos art.ºs 23.º, n.º2 da LGT e 153.º, n.º2 do CPPT.

Volvendo ao despacho escrutinado, cuja factualidade relevante foi feita inserir na matéria do ponto 2. do probatório fixado, aliás de acordo com o seu conteúdo constante de fls 56 a 58 destes autos, dele se pode ver que apenas dele consta, como sua fundamentação formal, a invocação da insuficiência de bens da sociedade devedora originária e a existência da gerência efectiva ou de facto por banda da ora recorrida ...Não são conhecidos bens móveis ou imóveis registados em nome do executado que sejam suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescidos, pelo que se encontra impossibilitada de pagar o valor da dívida.
Da informação constante no Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação verifica-se que M A..., NIF ..., NISS ... é responsável subsidiário(a), tendo desenvolvido actividade de gerente na empresa executada desde 1996/09 até pelo menos ao último mês constante da certidão de dívida que originou a instauração dos presentes autos..., desta forma, desde logo, lhe faltando subsumir tal reversão na alínea a) ou na alínea b) do citado art.º 24.º da LGT, desta forma não esclarecendo concreta e completamente as razões da decisão, no que a todas estas circunstâncias tangem, o que equivale à sua falta de fundamentação, nos termos do disposto no n.º2 do mesmo art.º 125.º do CPA.

É certo que o conceito de fundamentação é um conceito algo fluído e de dimensão relativa, que deve ser aferido em função do concreto tipo de acto, assumindo um carácter instrumental em relação à realização do direito em causa, devendo por isso a sua suficiência ser aferida pelo comprometimento da possibilidade de reacção judicial ou graciosa contra o mesmo, apenas devendo ser reservada a declaração dessa insuficiência com o consequente fulminar da sua anulação, quando a gravidade seja tal que a um normal destinatário do acto lhe seja difícil ou mesmo impossível contra ele esgrimir as directas e imediatas razões de facto e/ou de direito que no seu entender conduzem à respectiva ilegalidade(2).

Doutrina esta que tem aplicação no caso concreto, sendo que para todas as dívidas exequendas, por força do disposto no seu art.º 24.º da LGT, também o administrador ou gerente, apenas era responsável pelas dívidas do ente colectivo por si gerido ou administrado, desde que tivesse exercido as correspondentes funções de gerência ou de administração (salvo se apenas tivesse sido apenas gerente de facto, o que contudo, também sempre o despacho de reversão lho deveria imputar), para além dos outros requisitos legalmente necessários para tal direito puder ser exercido pelo órgão da execução fiscal no processo de execução fiscal – cfr. art.ºs 153.º e 160.º do CPPT – sendo que eram estes os requisitos que o despacho de reversão deveria conter, imputando ao revertido os legais pressupostos que, enquanto exequente, lhe permitiam dirigir a execução também contra o mesmo, desta forma legitimando a sua forma de actuação e, ao mesmo tempo, permitindo ao chamado, aferir se tais invocados pressupostos ocorriam ou não no caso, em ordem à sua impugnação se com os mesmos não concordasse.

Voltando a perscrutar o despacho revertido proferido no caso, com o conteúdo relatado na matéria fixada no ponto 2. da matéria provada, da sentença recorrida, tal despacho de reversão - quer ele próprio, quer por referência a outros elementos constantes nos autos de execução - não é imputada à ora recorrida, a sua situação em nenhuma das duas alíneas do n.º1, do art.º 24.º da LGT, sabido que os pressupostos legais das mesmas é diverso, consoante a situação seja subsumível à alínea a) ou à alínea b), pelo que tal despacho não contém a fundamentação (formal) suficiente, o que equivale à sua falta de fundamentação nos termos do n.º2 do art.º 125.º do mesmo CPA.

É que também a ora recorrida não demonstra ter apreendido a totalidade das circunstâncias porque tal reversão poderia ter lugar contra si, já que como se vê da matéria dos artigos da sua petição inicial de oposição, constante de fls 47 a 51 dos autos, para além da invocada falta de fundamentação de tal despacho de reversão por não gerência de facto, apenas tendo vindo em substância, contra ele, contraditar esse fundamento invocado da reversão, ou seja a sua não gerência de facto da sociedade originária devedora, pugnando que a mesma não existe e que não foi demonstrada, nada tendo vindo articular quanto aos requisitos subsumíveis às alíneas a) e b) do art.º 24.º da LGT, pelo que não demonstra, desde logo, que tenha apreendido que tal reversão repousava, para além de tal exercício efectivo de funções, também nos requisitos de tais alíneas, pelo que a manifesta insuficiência da fundamentação do despacho de reversão e a concreta motivação do acto para a ora recorrida não se pode deixar de considerar como colocado em causa, já que em nenhuma dessas vertentes, veio a articular factualidade tendente a infirmá-las, pelo que o acto não pode deixar de ser anulado, por o fim que com tal fundamentação se visava atingir, não foi, por outro lado, alcançado, qualquer seja o de esclarecer e de poder legitimamente motivar o destinatário a com ele se conformar ou a poder impugná-lo, se com ele se não conformar, sendo de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu, ainda que com a presente fundamentação.

Ainda que nos mereça concordância a parte da fundamentação da sentença recorrida, quanto afirma que não há uma inteira dissociação entre a falta de fundamentação e os seus pressupostos, aliás, fundada em doutrina que nos merecem inteira concordância, como a do Prof. Mário Esteves de Oliveira, constante no seu CPA, anotado, que, a propósito, cita, não podemos deixar de ter presente que, no caso, a falta de fundamentação do despacho de reversão tem por efeito anular tal despacho, deixando incólume o restante processado da execução fiscal, que assim não é extinta (como bem no caso se decidiu), consistindo este num vício formal do acto que pode vir a ser renovado pela entidade com competência para o efeito(3), com ele podendo prosseguir a mesma execução fiscal, ao passo que a existência dos seus pressupostos, ali invocados, a não existirem, já conduzem à existência de um vício de fundo ou de substância, o qual não só inquina tal acto de reversão como levam à procedência desta contra-acção da revertida (a oposição) e à extinção da execução, por o direito invocado pela AT contra a mesma, no caso, inexistir, subsumível na alínea b) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT (ilegitimidade da revertida, por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida), ou, eventualmente, em um outro, sendo este resultado correspondente àquele outro que no âmbito do direito administrativo se denomina por violação de lei, por erro nos pressupostos de facto ou de direito(4).

Assim, diversamente do entendimento que nos parece vazado na fundamentação da sentença recorrida, a falta de provas, quer da invocada fundada insuficiência de bens da devedora originária, quer as relativas à gerência efectiva da ora recorrida, não constituem vícios formais invalidantes de tal despacho de reversão que levem à sua anulação, antes constituindo e se integrando na real existência de tais invocados pressupostos que no decurso da oposição, a qual constitui a contestação pela revertida (papel que esta também assume em relação à execução, como se sabe(5), na sua fase de instrução, serão carreados para os autos e aquilatada da sua verificação ou não, no âmbito do desenrolar processual de tal acção, nos termos do disposto nos art.ºs 208.º e segs e 114.º e segs do CPPT, para no final se concluir pela procedência ou não de tal pretensão da revertida.

Em suma, para este efeito, devem-se autonomizar os vícios do acto de reversão, enquanto colocados como seus vícios formais que apenas têm por efeito levar à sua anulação, dos vícios desse mesmo acto, enquanto pressupostos ou requisitos do direito à exequente poder dirigir também a execução contra o responsável subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda que, uma vez inverificados, acarretam a inexistência de tal direito e a procedência da oposição, como vícios de fundo ou de substância que são, e que levam à extinção dessa mesma execução (ou eventualmente, hoje, também à sua suspensão).


Desta forma, ainda que o despacho de reversão não padeça dos invocados vícios formais atinentes à fundada insuficiência de bens e à gerência efectiva ou de facto da ora recorrida, porém, já padece dos demais, acima invocados, consistentes em concreto, em não esclarecer a que título a mesma era chamada à execução, em relação às citadas alíneas a) e/ou b) do art.º 24.º da LGT, de molde a com ela se poder conformar ou a permitir-lhe impugná-la, se com a mesma se não conformasse, assim sendo de negar provimento ao recurso e de confirmar a sentença recorrida, ainda que com a presente fundamentação.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 05/06/2012

Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pedro Vergueiro


1- Desinteressando no caso, tratar do regime das pessoas que exerçam tais funções, mas somente de facto, que tais normas também contemplam.
2- Cfr. neste sentido os acórdãos do TCAN de 8-1-2009, recurso n.º 432/07 e do STA de 19-3-2009, recurso n.º 890/08. Na doutrina Direito Administrativo de Mário Esteves de Oliveira, de acordo com as lições proferidas durante o ano lectivo de 1979/1980, na FDL, págs. 796/797.
3- Desde que não funde tal despacho renovado nos mesmos fundamentos que ora foram afastados.
4- Cfr. neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo (De acordo com as lições proferidas durante o ano lectivo de 1979/80 aos 3.º e 4.º anos da licenciatura em Direito), Universidade de Lisboa, pág. 610 e segs.
5- Cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, 2000, VISLIS, pág. 891, nota 15.