Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2490/17.3BELRS-S1
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
Sumário:I. Nos termos do n.º 3 do art. 11.º do CPTA o poder de designar o representante em juízo da pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, do Ministério compete ao auditor jurídico ou ao responsável máximo pelos serviços jurídicos da pessoa coletiva ou do Ministério, e nos termos do n.º 5 daquele preceito legal, estando em causa a atuação ou omissão de um órgão subordinado a poderes hierárquicos, a designação do representante em juízo pode ser feita por esse órgão, ainda que sob a imposição de que a existência do processo é imediatamente comunicada ao ministro ou ao órgão superior da pessoa coletiva;
II. O Diretor de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso tem a competência para proceder à designação de juristas como representantes em juízo no âmbito dos processos de contencioso administrativo, tributário e aduaneiro, no uso de poderes delegados pela Diretora-Geral da Autoridade Tributária.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem recorrer da decisão proferida a 17/02/2020, a qual indeferiu o seu pedido para que a sentença fosse validamente efetuada na pessoa da Jurista designada nos autos, sob pena de ser preterido o correspondente direito ao recurso.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:

«a) O presente recurso tem por objecto a decisão de 17 de fevereiro de 2020 que indeferiu o requerimento de 12/02/2020 a suscitar a nulidade da notificação da sentença proferida a 03/01/2020 por erro da notificação em pessoa diferente da Jurista designada, pedindo que a sentença fosse validamente efectuada à Jurista designada nos autos.
b) Entende a ora Recorrente que a decisão sob recurso enferma de erro de julgamento quanto aos factos e quanto ao direito, devendo, por conseguinte, ser anulada, e em substituição ser proferida decisão que determine a notificação da sentença à Jurista designada nos autos, com todas as consequências legais.
c) Quanto à matéria de facto com interesse para o presente recurso, consta devidamente provado nos autos o seguinte:
a. De harmonia com o disposto no n° 1 e n° 5 do art. 11° do CPTA, por despacho de designação de 15/01/2018, do Sr. Director de Serviços da Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso (adiante DSCJC), foi designada a Jurista A..... para intervir nos presentes autos, “com a faculdade de nos seus impedimentos se fazer substituir por Jurista da mesma Direcção de Serviços ”.
b. Ao abrigo deste despacho de designação, a Jurista designada para o efeito assegurou a representação em juízo da Recorrente ao longo do processo, até à produção de alegações finais.
c. A 17/10/2019, a Sra. Coordenadora da DSCJC, a Jurista F....., dirigiu o seguinte requerimento ao Sr. Oficial de Justiça:
E.x Mo/a Senhor/a Oficial de Justiça. Sendo imprescindível, para cabal conhecimento do presente processo judicial, o acesso ao mesmo via SITAF, e na ausência temporária do/a Jurista designado/a nos termos do artigo 11.° do CPTA, vem a Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira por esta via solicitar a atribuição do referido acesso do Chefe de Divisão de Contencioso e da Jurista/Coordenadora (ora signatária). A Jurista F.....
d. Na sequência deste pedido, foi facultado acesso à Jurista signatária daquele pedido para aceder à plataforma electrónica do SITAF e assim poder consultar os autos.
e. A 03/01/2020 foi proferida sentença nos autos em causa, julgando o pedido totalmente procedente, anulando a decisão do Sr. Diretor de Finanças de Lisboa, de 06/12/2017, que fixou rendimentos por avaliação indirecta da matéria colectável, com referência a IRS de 2013 e 2014, num total de € 4.351.356,17.
f. A sentença foi objecto de notificação electrónica à Jurista F.....;
g. A Jurista com despacho de designação nos autos, A....., não foi notificada da referida sentença, a qual chegou ao seu conhecimento na sequência do pedido de custas de parte apresentado pelos Autores, ora Recorridos, a 04/02/2020.
h. Na data em que a Jurista designada nos auto teve conhecimento da sentença já tinham terminado os prazos para reagir contra a mesma, caso assim entendesse, vendo assim preterida a possibilidade de exercer o direito de recurso.
i. A 12/02/2020, a ora Recorrente dirigiu um requerimento ao Tribunal suscitando a nulidade daquela notificação e requerendo que a sentença lhe fosse validamente notificada, na pessoa da Jurista expressamente designada para a representar em juízo, conforme despacho de designação junto aos autos que lhe confere poderes para intervir no processo.
j. Por decisão de 17/02/2020, entendeu o Tribunal indeferir aquele requerimento, nos termos de facto e de direto que à frente se analisam.

d) Quanto ao pedido apresentado pela Sra. Coordenadora da DSCJC, a Jurista F....., é verdade que a mesma pediu “o acesso ao processo, na ausência temporária” da Jurista designada, “por imprescindível”.
e) Cumpre salientar também quanto ao teor daquele requerimento, que o mesmo é dirigido ao Sr. Oficial de Justiça e dele consta que esse pedido, “imprescindível”, se destina ao “cabal conhecimento do presente processo judicial ”,
f) Ou seja, o pedido, imprescindível dada a ausência temporária da Jurista designada,
g) É um pedido que visa apenas e tão-somente a mera consulta dos autos e não a prática de qualquer acto processual de intervenção nos autos, o qual teria sempre, por força da lei que rege a representação em juízo de entidades públicas, de estar legitimado por substabelecimento da Jurista designada, no caso a Jurista A....., ou por designação expressa em despacho emitido para o efeitos nos termos do art. 11° do CPTA que designasse o Chefe de Divisão e a Jurista Coordenadora da DSCJC para intervir no processo na qualidade de licenciados em direito.
h) Na ausência de um despacho de designação emitido ao abrigo do art. 11° do CPTA ou de um substabelecimento da Jurista A....., a qual tem igualmente a “faculdade de nos seus impedimentos se fazer substituir por Jurista da mesma Direcção de Serviços ”, não existe suporte legal para, conforme entendeu a sentença sob recurso, a Sra. Jurista Coordenadora ficar “indefinidamente associada ao processo, necessariamente da qualidade de Jurista designada, ou talvez mais rigorosamente fazendo as suas vezes.”
i) Mais, a sentença padece de um claro erro quanto aos factos em que assenta ao dizer que “era a própria Senhora Diretora Coordenadora quem ficava com essa incumbência, ou seja, quem designa um concreto Jurista - como se observa do despacho de designação junto após a oposição - era precisamente quem pedia aquela substituição”.
j) Tal como se disse, não resulta minimamente do teor daquele pedido apresentado pela Jurista/ Coordenadora que se pretendesse uma substituição, ainda que temporária, da Jurista com despacho de designação nos autos, uma vez que não estava em causa a intervenção nos autos, que só pode ser assegurada por Jurista com despacho de designação ou por Jurista da DSCJC em quem este substabeleça, mas apenas uma mera consulta do mesmo.
k) Mas mais importante, dado o desfasamento entre aquilo que é contemplado na decisão sob recurso e aquela que é a realidade dos factos, a Jurista Coordenadora da DSCJC não está investida de quaisquer competências na designação de Juristas, como, aliás, resulta do teor do despacho de designação de Jurista junto aos autos e do disposto no art. 11° do CPTA.
l) Assim resulta forçoso concluir que o Requerimento apresentado 17/10/2019 em nada alterou a representação em juízo da ora Recorrida pela Jurista designada nos autos A......
m) A questão que ora se discute não é de todo despicienda uma vez que está em causa o direito da ora Recorrente poder recorrer daquela sentença.
n) , ou seja, o direito de reagir contra a sentença proferida nos autos supra, direito este que lhe foi coartado ao não ser dado cumprimento ao disposto no art. 11° do CPTA e art 229°, n° 1 do CPC, provocando a nulidade da notificação da sentença nos termos do n° 6 do art. 254° do CPC.
o) Resulta das próprias circunstâncias de funcionamento do Serviço e do volume e complexidade de trabalho que o mesmo integra, que não é possível ao Chefe de Divisão ou à Jurista/Coordenadora acrescentarem às funções que lhes estão atribuídas também a função de representação em juízo da ora Recorrente, designadamente, como entende a decisão sob recurso, substituindo-se aos Juristas expressamente designados para esse efeito nos processos judiciais que lhes são distribuídos.
p) Em síntese, a decisão sob recurso incorreu em erro de julgamento quanto aos factos ao extrair do requerimento apresentado pela Sra. Jurista Coordenadora da DSCJC que o mesmo se destinava a substituir a Jurista A..... com despacho de designação nos autos, o que não resulta minimamente do referido requerimento,
q) E, em simultâneo, ocorreu em erro de direito, ao considerar que esse requerimento poderia ser um meio idóneo a operar uma eventual substituição de Juristas, conclusão para a qual não existe qualquer suporte legal por duas ordens de razão: 
a. A Sra. Jurista Coordenadora da DSCJC não tem competências para designar Juristas;
b. A designação de Juristas, ao abrigo do art. 11° do CPTA, e conforme resulta do despacho de designação da Jurista A....., é da competência do Director de Serviços da DSCJC.
Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as devidas consequências legais.»

Os recorridos apresentaram as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«A. Entre a conclusão dos autos para sentença e a sua prolação, a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, na pessoa da Senhora Jurista Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso, pediu a 17 de outubro de 2019, que lhe fosse permitido o acesso ao processo, na ausência temporária da RFP, por imprescindível, tendo o mesmo acesso sido deferido.
B. A sentença foi correctamente notificada na pessoa da Senhora Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso, reitera-se, por ter sido a mesma a solicitar o acesso ao processo por ausência da RFP designada.
C. Como bem dispõe o despacho do Tribunal Tributário, o requerimento apresentado pela Senhora Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso só pode entender-se e significar uma substituição da jurista designada.
D. Em momento algum momento, a Senhora Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso veio informar aos autos da duração ou cessação da ausência da RFP designada primeiramente.
E. Não poderiam ser imputáveis ao Tribunal, ou a esta parte, qualquer vicissitude ou circunstancia que motivou o pedido de substituição da jurista designada, nem essas vicissitudes poderiam produzir efeitos na lide, por simplesmente, ser contrário ao princípio da estabilidade da instância a que se refere o art.° 260.° do CPC ex vi o art.° 2.° do CPPT.
F. Não se conformando com a decisão proferida a 17 de Fevereiro de 2020 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que inferiu o requerimento a suscitar a nulidade da notificação, veio a RFP, jurista primeiramente designada para os autos em causa, interpor recurso para este venerando Tribunal. 
G. Alega a RFP, que por despacho de designação de 15 de Janeiro de 2018, o Senhor Director de Serviços da Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso, designou a Jurista Dra. A....., a RFP, para intervir nos autos sub judice.
H. Decorre do despacho que a designou, que a mesma, detém a faculdade de se fazer substituir dentro dos seus impedimentos, por jurista da mesma Direção de Serviços.
I. A 17 de Outubro de 2019, a Sra. Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso, dirigiu o já mencionado requerimento ao Sr. Oficial de Justiça, solicitando pela Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira a atribuição do referido acesso, com fundamento na ausência temporária da jurista designada, e para “cabal conhecimento do presente processo judicial”, tendo o mesmo sido permitido.
J. Como já foi referido, nunca foi comunicado ao processo a cessação do impedimento que motivou o requerimento para o acesso ao processo.
K. Porém, alega a RFP primeiramente designada e ora recorrente, que na data em teve conhecimento da sentença, já tinham terminado os prazos para reagir contra a mesma, caso assim entendesse, e portanto preterida a possibilidade de exercer o direito de recurso.
L. No próprio articulado, revela a respeitável RFP que o acesso requerido era imprescindível dada a ausência temporária da Jurista designada, indicando contudo, que o acesso ao processo visava apenas e tão-somente a mera consulta dos autos e não a prática de qualquer acto processual de intervenção nos autos inexistindo suporte legal para se entender que a Coordenadora da Direção de Serviços e de 
Consultadoria Jurídica e Contencioso ficar associada ao processo na qualidade de Jurista designada.
M. A argumentação da RFP não pode colher, pois sendo certo que não constam dos autos substabelecimento ou despacho de designação, o próprio despacho que designa a RFP signatária do presente recurso prevê precisamente a faculdade de se fazer substituir perante impedimentos, e naturalmente, o processo não pode ficar deserto de representação forense.
N. Não faria qualquer sentido, que indicado o impedimento pela Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso como fundamento para aceder via SITAF ao processo, esse aceso e a prática de actos dependesse da junção de substabelecimento do impedido, pois a ser assim, o impedimento não se verificaria.
O. O despacho que designou a RFP para o processo em causa, dispõe que a mesma se pode fazer substituir de acordo com os seus impedimentos, mas faculdade para se fazer substituir não é confundível com os poderes para substabelecer, por não lhe terem sido conferido pelo despacho que a designou, vide, um mandato strictu senso.
P. Em bom rigor, teria de ser emitido novo despacho, que revogasse o anterior despacho de designação atribuindo o processo a outro jurista pelo que, o argumento assente na inexistência de substabelecimento deve cair, por não aplicável ao caso concreto, a jurista Dra. A....., não tem, nem poderia ter, os poderes para substabelecer, mas tinha certamente, a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Q. Se o impedimento tivesse uma natureza organizada ou logisticamente antecipável, de facto, ditaria a boa prática que se juntasse aos autos o substabelecimento ou nota de substituição da mandatária para que se fizesse substituir, porém, mesmo que a situação se verificasse, quer o Tribunal quer o aqui signatário não tinham conhecimento desse cenário que se admite por mero exercício académico
R. Ora não pode fazer crer a RFP primeiramente designada, por uma questão de igualdade de armas, que o impedimento só se verificaria caso informasse as partes dessa factualidade, pois em bom rigor, não se trataria de real impedimento.
S. O pedido de acesso foi realizado e acedido pelo Tribunal por conta do impedimento que se verificou, impedimento este previsto como fundamento para a substituição do jurista designado e mesmo que não existissem poderes para a prática do acto, teria então a RFP primeiramente designada que vir ratificar aos outos o acesso a juristas não designados para o processo.
T. Em bom rigor, só teria a Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso acesso o processo, legitimada pela RFP primeiramente designada.
U. Não estaria certamente em causa a dúvida sobre a qualidade em que a Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso tem acesso ao processo, que é certo, não é de mero terceiro, pois como bem se reiterou, o acesso nesses termos, não poderia ter sido conferido.
V. Ora estando um jurista designado para aquele mandato forense, perante o seu impedimento, a natureza de quem solicita o acesso aos autos não pode assumir diferenças à figura do mandato, isto é, é na qualidade de mandatária, que surge a Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso, portadora de uma mandato mais além que presumido. 
W. Nunca se poderia admitir, que no caso em apreço estaria em causa a mera consulta dos autos, pois a bem ver, não foi o requerido, nem assim, foi indicado o fundamento para a consulta tratando-se então de um terceiro ao processo, e se assim não fosse mantinha-se o interesse em agir e a legitimidade na entidade que solicitou a agregação no SITAF.
X. Seria sempre a Directora Geral da Autoridade Tributária e a Aduaneira quem detinha competência para representar em juízo a Fazenda Pública, e in casu, foi a própria que requereu, pela pessoa da Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso, que fosse dado o acesso à segunda por impedimento da jurista designada para o processo.
Y. E na mesma senda cognitiva, a entidade que correctamente foi notificada da sentença, que julgou procedente o recurso dos então recorrentes, tinha conhecimento da sentença, quer por lhe ter sido correctamente notificado, quer porque tinha acesso aos autos como mandatária, conforme o que requereu.
Z. A isto se alia a queda do argumento da falta de poderes para a prática de actos, já que, se não tinha poderes para a prática dos actos, para além de manter o interesse em agir e os deveres de informação e conhecimento dentro da própria divisão que coordena, manter-se-iam os deveres de informação ao jurista designada, o quer nunca aconteceu.
AA. Não pode recair sobre os ombros dos recorridos, que as vicissitudes internas da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso ponham em causa a posição processual que adquire, porque a bem ver, a sentença transitou em julgado.
BB. A Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso, notificada da sentença, cuja correctude nunca foi posta em causa, não informou a jurista designada da referida notificação, tendo a decisão transitado em julgado.
CC. Não ter existido coordenação interna, não obstante o volume de trabalho que se acredita existir, não pode ser imputado aos recorrentes ou a estes prejudicar.
DD. O princípio da igualdade de armas é manifestamente, pela própria natureza, simbiótico.
EE. Imagine-se, tratar-se da situação inversa em sede de sociedade de advogados, onde face a um impedido colega, outro mandatário se junta ao processo e é notificado, sem informar o primeiro. A perda do prazo não seria ultrapassável.
FF. Certamente, não seria admissível que um mandatário forense, representante em juízo, verificasse um impedimento que fundamentasse o acesso de outro mandatário, para depois sustentar que continuaria a reunir os poderes, com reserva, para a prática dos actos, alegando que o mandatário em substituição pelo impedimento não teria poderes por não conseguir comportar no seu quotidiano a prática de actos judiciais.
GG. Admitir que outro mandatário tivesse acesso aos autos sem lhe atribuir qualquer obrigação ou dever, traria, salvo melhor opinião, nada mais que o despeito pela regra positivada do procedimento.
HH. Alega ainda a RFP signatária do recurso, que não é da competência da Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso designar juristas para os processos mas, é a Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que solicita a atribuição do referido acesso do Chefe de Divisão de Contencioso e da Jurista/Coordenadora. 
II. Ora não se suscita em momento algum, que não assistiam os poderes à Directora-Geral da AT, para solicitar o acesso da Coordenadora dos Serviços ao processo em causa.
JJ. Naturalmente, não pode acompanhar-se o entendimento de que, nunca as partes sabendo da duração do impedimento, apenas do seu início e nunca do seu fim, dado o acesso o acesso a outro jurista, coordenador da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso, ultrapassado o prazo para o exercício do direito ao recurso, o mesmo ainda se permitisse.
KK. Não deixa de se dizer, que roça quase a litigância de má-fé, que pretenda a RFP deduzir recurso depois de transitada em julgado a sentença, por uma vicissitude relacionada com a organização interna dos serviços.
LL. A assim ser, não restariam às partes a segurança que quer o Princípio da estabilidade da lide quer o Princípio da igualdade de armas conferem.
MM. Restaria antes ao contribuinte, no que toca ao contencioso tributário, conhecer que à Fazenda Pública é permitida a substituição de mandatários, a preclusão de prazos pelo substituto, e ainda assim, permitir-lhes, extemporaneamente, o direito ao recurso.
NN. Não se verificaria, de forma alguma, justiça tributária.
PEDIDO
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas que se pronunciem pela improcedência do presente recurso, por manifesta violação do princípio da estabilidade e do princípio da igualdade de armas, com todas as consequências legais.»
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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

A questão a decidir consiste em aferir se a decisão recorrida enferma erro de julgamento de facto e de direito. Entende a Recorrente que o requerimento dirigido ao oficial de justiça datado de 17/10/2019 foi apenas para consulta dos autos, e não de substituição da jurista designada, ainda que temporária, nada alterando a representação em juízo, e nessa medida não poderia ter ficado associada ao processo pessoa diversa da designada por despacho de 15/01/2018 do Diretor de Serviços de Consultoria Jurídica e Contencioso (DSCJC), sem que para tanto tivesse havido um despacho de designação nos termos do art. 11.º do CPTA ou de um subsestabelecimento da jurista designada.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

O despacho recorrido tem o seguinte teor:

“Notificada da nota de custas de parte que os Recorrentes lhe apresentaram, a Ex.ma Representação da Entidade Recorrida, Jurista designada, arguiu a omissão da sua notificação da sentença proferida e pediu, em consequência, lhe fosse notificada.
No seu extenso petitório omite porém a Ilustre Jurista designada algo que, se não sabia, certamente com isso se deparou: entre a conclusão dos autos para sentença e a sua prolação, a Senhora Jurista Coordenadora da Direção de Serviços e de Consultadoria Jurídica e Contencioso, em que a ora Requerente exerce funções e se integra, pediu a 17 de outubro de 2019 lhe fosse permitido o acesso ao processo, na ausência temporária da ora Requerente, por imprescindível.
Não foi dito qual o tempo durante o qual duraria, ainda que provavelmente, aquela ausência, pelo que a Senhora Jurista Coordenadora ficou indefinidamente associada ao processo, necessariamente na qualidade de Jurista designada, ou talvez mais rigorosamente fazendo as suas vezes. E foi na sua pessoa, em representação da Entidade Recorrida, que a sentença foi notificada.
Ora, pese embora a especiosidade daquele requerimento, s. m. o. ele só pode entender-se e significar uma substituição [temporária, mas sem que seja indicado um limite temporal…] do Jurista a dado momento designado pelo Jurista substituto – aliás, desconhece-se se aquando da notificação da sentença, aquela ausência perdurava ou não. E foi nesses exatos termos que ele foi – e só podia ser – entendido. Acresce que era a própria Senhora Diretora Coordenadora quem ficava com essa incumbência, ou seja, quem designa um concreto Jurista – como se observa no despacho de designação junto após a oposição –, era precisamente quem pedia aquela substituição.
Assim e em face do exposto, entendemos que quando a sentença é notificada diretamente à Senhora Jurista Coordenadora, sem que entretanto houvesse já sido cessada a situação cuja alteração fora por ela antes requerida, o foi corretamente a entidade com poderes e deveres de representação da Entidade Recorrida, como Jurista [substituto do Jurista] designado com funções de patrocínio judiciário desta, nos exatos termos do disposto no art.11ºnº2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Cumpre ainda referir que as vicissitudes e as circunstâncias internas que motivaram o requerimento gerador da situação em apreço são de todo estranhas ao processo (e nem sequer foram especificadas) no qual, como se sabe, o patrocínio é obrigatório.
E, assim, a notificação da sentença produziu de forma válida os efeitos a que tendia, porque observou o disposto no art.40ºnº1 corpo e alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 247ºnº1 do Código de Processo Civil, em correlação aqui como citado art.11ºnº2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em consequência do que não reconhecemos a inoperância dos seus efeitos, ou antes disso a própria nulidade da sua concreta efetivação, designadamente por erro na pessoa [Jurista designado] notificada. Indeferimos por isso a sua realização ex novo.”

A Recorrente não se conforma com o decidido, invocando erro de julgamento de facto e de direito na medida em que o requerimento dirigido ao oficial de justiça datado de 17/10/2019 foi apenas para consulta dos autos, e não de substituição da jurista designada, ainda que temporária, nada alterando a representação em juízo, e nessa medida não poderia ter ficado associada ao processo pessoa diversa da designada por despacho de 15/01/2018 do Diretor de Serviços de Consultoria Jurídica e Contencioso (DSCJC), sem que para tanto tivesse havido um despacho de designação nos termos do art. 11.º do CPTA ou de um substabelecimento da jurista designada. Mais ivoca que, por um lado, a jurista coordenadora da DSCJC não tem competência para designar juristas, por outro lado, a designação de juristas é da competência do Diretor de Serviços da DSCJC.

Na verdade, assiste razão à Recorrente.

Com efeito, e desde logo, do requerimento datado de 17/10/2019, e que foi dirigido ao oficial de justiça, não resulta qualquer pedido de substituição da jurista designada nos autos. O que foi requerido foi o acesso ao SITAF, para conhecimento do processo judicial pela coordenadora da DSCJC, ou seja, para efeitos de consulta, apresentando-se como fundamento a ausência temporária da jurista designada.

Ora, a verdade é que, sem se ter solicitado qualquer esclarecimento sobre o teor do requerimento, o que poderia ter sido feito, o acesso requerido ao SITAF, bem ou mal, foi facultado. Contudo, não se poderá desse facto concluir como no despacho recorrido, que estamos perante uma “substituição temporária”, descurando-se as regras jurídicas em matéria de representação em juízo e as competências para a designação de juristas.

In casu, estamos perante a representação da AT por mandatário judicial designado (v. art. 15.º, n.º 3 do CPPT, 146.º-B, n.º 4 e 5 do CPPT). Nos termos do n.º 3 do art. 11.º do CPTA o poder de designar o representante em juízo da pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, do ministério compete ao auditor jurídico ou ao responsável máximo pelos serviços jurídicos da pessoa coletiva ou do ministério. Não obstante, nos termos do n.º 5 daquele preceito legal, estando em causa a atuação ou omissão de um órgão subordinado a poderes hierárquicos, a designação do representante em juízo pode ser feita por esse órgão, ainda que sob a imposição de que a existência do processo é imediatamente comunicada ao ministro ou ao órgão superior da pessoa coletiva.

Ora, é neste contexto jurídico que o Diretor de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso tem a competência para proceder à designação de juristas como representantes em juízo no âmbito dos processos de contencioso administrativo, tributário e aduaneiro, no uso de poderes delegados pela Diretora-Geral da Autoridade Tributária (cf. despacho n.º 5546/2016, de 13 de abril, publicado em Diário da República n.º 80, Série II, de 26/04/2016).

Portanto, a jurista coordenadora da DSCJC, signatária do requerimento em causa, não tem competência para designar juristas como representantes em juízo, e nessa medida, a interpretação que o Meritíssimo juiz a quo faz do requerimento apresentado como de “substituição” não tem qualquer respaldo na lei, porque aquela jurista não tem competência para tal.

Ora, não existe nos autos qualquer substabelecimento da jurista designada, uma vez que esta tem faculdade de se fazer substituir por jurista da mesma Direção de Serviços, nem uma nova designação de jurista pelo Diretor de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso.

De todo o modo, perante tal requerimento, sempre caberia ao tribunal clarificar o seu teor junto da requerente, no sentido de determinar se estaríamos, ou não perante um pedido de substituição temporária por impedimento, ou ao invés, para mera consulta dos autos, e se necessário para a regularização da representação em juízo. O princípio da tutela jurisdicional efetiva impõe que assim seja, pois a não regular notificação da sentença coloca em causa o acesso aos tribunais, e sob esse prisma não existe qualquer litigância de má-fé ou violação do princípio da segurança jurídica ou da igualdade de armas.

Neste contexto, importa concluir que a jurista regularmente designada nos autos pelo Diretor de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso é A....., e nessa medida, esta deveria ter sido notificada da sentença proferida nos presentes autos.

Deste modo, ao contrário do que se decidiu no despacho recorrido, estamos perante uma nulidade processual, nos termos do art. 195.º, n.º 1 do CPC, por se tratar da omissão de um ato que a lei prevê, notificação da sentença à Fazenda Pública de forma regular, com influência na decisão da causa, na medida que contende com o direito ao reexame da decisão por meio da interposição de recurso.

Por conseguinte, revoga-se o despacho recorrido, declarando-se a nulidade processual pela omissão da notificação da sentença à Fazenda Pública, e ordenando-se que se proceda à notificação omitida à recorrente, devendo, posteriormente, o processo seguir os demais trâmites legais.

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Nos termos do n.º 3 do art. 11.º do CPTA o poder de designar o representante em juízo da pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, do Ministério compete ao auditor jurídico ou ao responsável máximo pelos serviços jurídicos da pessoa coletiva ou do Ministério, e nos termos do n.º 5 daquele preceito legal, estando em causa a atuação ou omissão de um órgão subordinado a poderes hierárquicos, a designação do representante em juízo pode ser feita por esse órgão, ainda que sob a imposição de que a existência do processo é imediatamente comunicada ao ministro ou ao órgão superior da pessoa coletiva;

II. O Diretor de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso tem a competência para proceder à designação de juristas como representantes em juízo no âmbito dos processos de contencioso administrativo, tributário e aduaneiro, no uso de poderes delegados pela Diretora-Geral da Autoridade Tributária.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, declarando-se a nulidade processual, revogar o despacho recorrido, baixando os autos à 1.ª instância para que se ordene a notificação omitida à Recorrente, e posteriormente deve o processo seguir os demais trâmites legais.
Custas pela Recorrida.
D.N.
Lisboa, 14 de janeiro de 2021.


A Juíza Desembargadora,

Cristina Flora



A Juíza Desembargadora Relatora Cristina Flora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.