Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:380/17.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/19/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA DEVIDO A FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO.
ARTº.615, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DA DECISÃO JUDICIAL. REQUISITOS LEGAIS.
NULIDADES PROCESSUAIS.
NULIDADES PROCESSUAIS SECUNDÁRIAS. REGIME DE ARGUIÇÃO.
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. DECISÕES-SURPRESA.
PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL.
PENHORA. NOÇÃO. NATUREZA.
PENHORA DE CRÉDITOS. ARTº.224, DO C.P.P.T.
ATITUDES POSSÍVEIS DO DEVEDOR DO CRÉDITO A PENHORAR.
PENHORA DE CRÉDITOS FUTUROS.
SITUAÇÃO DE CRÉDITO LITIGIOSO.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.
2. Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil.
3. Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária.
4. As nulidades processuais consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil). As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
5. Tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Mais, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição da nulidade neste último.
6. Estabelece-se no artº.3, nº.3, do C.P.C., que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Com o aditamento desta norma, operado pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12, visou-se a proibição da prolação de decisões-surpresa, aplicando-se tal regra, não apenas na 1ª. Instância, mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos. Deve, pois, concluir-se que o princípio do contraditório, o qual se configura como um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como é um instrumento destinado a evitar as decisões-surpresa.
7. Constituindo o acervo normativo jurídico-tributário um ramo próprio do direito público, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direccionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
8. A penhora consubstancia-se numa apreensão judicial de bens/direitos do executado e sua posterior afectação aos fins do processo de execução, revestindo a natureza de garantia real a favor do exequente e restantes credores concorrentes no processo executivo (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil).
9. As específicas formalidades da penhora de créditos encontram-se previstas no artº.224, do C.P.P.T., mais se devendo observar, subsidiariamente, o disposto no C.P.Civil, nos termos do nº.1 do citado preceito (cfr.artº.773 e seg. do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; anterior artº.856 e seg.).
10. De harmonia como preceituado no art.773, nº.2, do C.P.C., o devedor do crédito a penhorar (“debitor debitoris”) tem a obrigação de declarar se ele existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Se o devedor nada disser, findo o prazo, entende-se que reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora (cfr.artº.773, nº.4, do C.P.Civil). Por último, pode o devedor contestar a existência do crédito, contestação essa que pode assumir diversos âmbitos, nomeadamente, invocando qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado (v.g.negação do próprio crédito; negação apenas dos seus termos; prescrição). No entanto, havendo contestação, qualquer que seja o seu âmbito, tal gera que a penhora em causa se transforme num crédito litigioso, situação em que também a Fazenda Pública pode promover a acção declaratória respectiva, suspendendo-se, entretanto, a execução se o executado não possuir outros bens penhoráveis (cfr.artº.224, nº.3, do C.P.P.T.; artº.775, do C.P.Civil).
11. Prevê o artº.224, do C.P.P.T., a possibilidade de penhora de créditos futuros, nos casos de não existir o crédito que se pretendia penhorar ou ele ser insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Neste sentido, o devedor pode ser notificado da penhora de créditos do executado sobre ele que venham a existir no período de um ano, até ao valor da dívida exequenda e do acrescido, com possibilidade de renovação da penhora com nova notificação (cfr.artº.224, nº.1, al.f), do C.P.P.T.).
12. “In casu”, a Fazenda Pública não observou o quadro legal aplicável em face da litigiosidade do crédito e supra descrito (cfr.artº.224, nº.3, do C.P.P.T.; artº.775, do C.P.Civil), o que se impunha, previamente à aplicação do disposto no artº.233, do C.P.P.T. É que, a responsabilização do depositário (infiel) pelo incumprimento pressupõe a obrigação de cumprimento pelo mesmo e, no caso, tal obrigação não foi, sequer, reconhecida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“... & ASSOCIADOS - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, R.L.”, com os demais sinais dos autos, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.197 a 207-verso do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo recorrente, enquanto infiel depositário constituído no âmbito do processo de execução fiscal nº...., o qual corre seus termos no ... Serviço de Finanças de Sintra, visando despacho que o notificou, enquanto infiel depositário e para regularizar a situação de reconhecimento de um crédito no montante de € 56.388,54.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.221 a 243-verso dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 25/02/2018, que julgou a reclamação de acto de órgão de execução fiscal totalmente improcedente, mantendo, consequentemente, a constituição da recorrente como infiel depositária de créditos sobre o devedor Paulo ..., no valor de € 56.388,54;
2-Uma vez que a reclamação de actos do órgão de execução fiscal tramita nos mesmos termos dos processos urgentes, conforme decorre do n.º 6 do artigo 278.º do CPPT, também ao recurso da sentença que se pronuncia do mérito de tal reclamação se aplicam tais regras, conforme disposto no artigo 283.º do mesmo Código;
3-Decorre do disposto no n.º2 do artigo 286.º que os recursos terão efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada a garantia nos termos do CPPT, casos em que ao recurso será atribuído efeito suspensivo. Uma vez que é da vontade da recorrente que ao presente recurso seja atribuído, nos termos do citado artigo, efeito suspensivo, desde já a recorrente apresenta a sua disponibilidade para prestação de garantia-bancária, a qual se encontra actualmente a ser constituída, sendo o atraso imputável ao Serviço de finanças, e relativamente à qual a recorrente protesta juntar os respectivos comprovativos assim que efectuada;
4-A sentença recorrida é, em primeiro lugar, nula por violação do princípio do contraditório, uma vez que, como resulta da própria sentença recorrida, dos onze factos que constituem a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo, apenas dois desses factos não decorrem da documentação que constituí o “PEF apenso”, apensação da qual a recorrente nunca foi notificada, não lhe tendo sido concedido, em nenhuma fase dos autos, o direito ao contraditório relativamente a tal documentação;
5-Ademais, e caso à recorrente tivesse sido dado o devido conhecimento do “PEF apenso”, nunca a mesma teria concordado com o Tribunal a quo pela dispensa da diligência de inquirição de testemunhas pois que, do referido documento, surgem incongruências com o alegado pela recorrente em sede de p.i., as quais careciam, indubitavelmente, da referida diligência de prova!
6-A falta do convite ao exercício do contraditório relativamente à documentação que constitui o “PEF apenso” constitui uma preterição do princípio do contraditório, a qual influiu, per si, na decisão (erradamente) proferida, constituindo uma verdadeira nulidade do processado, neste caso, uma nulidade da sentença, nos termos do art. 195.º do CPC, aplicável ex vi do da al.e) do artigo do CPPT, a qual fica desde já expressamente arguida!
7-De outra banda, e em sede de fixação da matéria de facto provado, assiste-se a mais uma nulidade cometida pelo Tribunal a quo, já que, por um lado, foi incorrecta a forma como Tribunal a quo selecionou a matéria de facto - pois que em desrespeito ao disposto no artigo 607.º, nº 3 do CPC, aplicável ex vi do art.º 2.º, alínea e) do CPPT, não individualizou/discriminou os factos que no seu entender considerava provados, limitando-se a transcrever trechos de informações constantes no processo de execução fiscal alegadamente apenso, e relativamente ao qual, relembrando-se o que acima ficou exposto, a recorrente nunca tomou conhecimento; e por outro, entende-se que a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida é deficiente, por terem sido omitidos factos que foram oportunamente alegados nos autos;
8-Sendo certo que tais erros e omissões influem no exame da causa e constituem NULIDADES de todo o processado, nos termos do artigo 201.º do CPC, ex vi do art. 2.º, alínea e), do CPPT, ficam desde já as mesmas expressamente arguidas, para todos os efeitos legalmente e consequentemente aplicáveis;
9-Para além das arguidas nulidades, a sentença sob recurso merece censura a vários títulos, por ter mantido o acto reclamado, na medida em que tal acto - constituição da recorrente no estatuto de infiel depositária de créditos sobre o devedor Paulo ..., no valor de € 56.388,54 - tem na sua génese um acto de notificação de penhora de créditos futuros que se afigura totalmente ilegal, ilegalidade essa que, necessariamente, se verificou nos actos subsequentes;
10-O Tribunal a quo aceitou a argumentação da ATA quanto à constituição da recorrente num tal estatuto, por via da aplicação analógica do incumprimento previsto no artigo 233.º do CPPT ao caso sub judice, aplicação analógica que, nos termos do n.º4 do artigo 11.º da LGT, se encontra expressamente proibida relativamente às normas de cariz tributário;
11-Assim, não só o disposto no artigo 233.º do CPPT não pode aplicar-se à recorrente porque apenas aplicável a depositários - qualidade para a qual nunca a recorrente foi formalmente constituída - como a mesma, a aplicar-se, seria consequência de uma notificação de penhora de créditos futuros ilegal, pelo que seria ela própria, consequentemente, ilegal!
12-A ATA não podia nem pode pedir à recorrente a entrega das quantias descriminadas no acto reclamado na medida em que i) quando interpelada para o efeito, a recorrente não reconheceu qualquer crédito sobre o executado Paulo ..., já que inexistiam créditos àquela data; ii) a notificação para penhora de créditos futuras não foi efectuada nos termos e com a ordem prevista pelo legislador na a. f) do n.º1 do artigo 224.º do CPPT; iii) não sendo a penhora de créditos futuros legal, a mesma não carecia de impugnação, não se tendo, para todos os efeitos, e independentemente de impugnação, consolidado no ordenamento jurídico; e iv) assentando a constituição da recorrente no estatuto de infiel depositária numa notificação de penhora de créditos futuros ilegais, tal acto afigura-se, consequente e necessariamente, ferido da mesma ilegalidade!
13-De acordo com o teor literal daquela disposição, a aplicação do mecanismo previsto nesse artigo 224.º do CPPT implica, em conjugação com o regime do CPC a seguinte sequência, que é vinculativa para o órgão de execução fiscal:
a) A Fazenda Pública começa por notificar o devedor do executado em execução fiscal, de que todos os créditos do executado até ao valor da dívida exequenda e acrescido ficam à ordem do órgão de execução fiscal;
b) Essa notificação assume a natureza de uma oportunidade de tomada de posição quanto à existência ou não do crédito, devendo o notificado pronunciar-se quanto à existência/reconhecimento ou inexistência de crédito;
c) Se o notificado reconhecer a obrigação o que pode acontecer expressamente ou tacitamente (no caso de o notificado nada dizer no prazo indicado na notificação), fica constituído na obrigação de depositar o crédito à ordem do órgão de execução fiscal no prazo de 30 dias;
d) Se o notificado reconhecer a obrigação e não fizer o pagamento, será executado pela importância respectiva, no processo;
e) Se o notificado não reconhecer a obrigação, o órgão de execução fiscal pode fazer nova notificação ao devedor do executado, para nova penhora, agora de créditos futuros até àquele valor, mantendo-se válida essa nova notificação (para penhora de créditos futuros) por período não superior a um ano, sem prejuízo de renovação;
f) O mesmo regime, ou seja, possibilidade de penhora de créditos futuros, vale para o caso de o valor do crédito reconhecido ser insuficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido;
14-Assim, al. f) do n.º1 do artigo 224.º do CPPT implica, em conjugação com o regime do CPC, uma interpretação sucessiva e sequencial, na medida em que, só pode notificar-se para a penhora de créditos futuros “inexistindo o crédito ou sendo o seu valor insuficiente”, factos a que a ATA só terá acesso após uma notificação ao possível terceiro devedor do executado, no momento de um primeira notificação para a penhora de créditos presentes/actuais;
15-Não tendo essa lógica sido respeitada pela ATA no caso sub judice, só se pode concluir pela ilegalidade da penhora de créditos futuros, a qual, por ser ilegal, não produz quaisquer efeitos na ordem jurídica!
16-Notificada para se pronunciar sobre a existência/inexistência de créditos sobre o executado Paulo ..., a recorrente respondeu pura e simplesmente a verdade: àquela data, inexistiam quaisquer créditos (o que aliás foi considerado facto provado - cfr. nº.3 da matéria de facto provada constante da sentença recorrida), pelo que, e nesta senda, querendo a ATA penhorar à recorrente quaisquer créditos futuros que sobre aquele executado se viessem a vencer, teria de ter diligenciado no sentido de nova notificação, desta feita, nos estritos termos definidos na referida alínea f) do n.º1 do artigo 224.º do CPPT, o que não se verificou;
17-Assim, não tendo a penhora de créditos futuros sido efectuada nos termos fixados na lei, a mesma afigura-se totalmente ilegal, porque contrária ao entendimento e vontade do legislador, e, sendo tal notificação ilegal, inexistia qualquer ónus por parte da ora recorrente de a impugnar; sendo que a falta dessa impugnação nunca produziria os efeitos assacados pela ATA e pelo Tribunal a quo, ou seja, a consolidação no ordenamento jurídico da notificação de penhora de créditos futuros ilegalmente efectuada e a constituição da recorrente no estatuto de infiel depositária!
18-Por outro lado, e ainda que se entendesse que a recorrente era devedora de quaisquer quantias à ATA (o que não se concede mas apenas por cautela se admite), sempre o seria nos estritos limites dos valores pagos por esta ao executado Paulo ..., e não pelo valor total da dívida exequenda como lhe pretende a ATA imputar. Assim, e reiterando-se, apenas para o caso de não ser revogado o acto reclamado proceder, desde já se requer que seja proferido acórdão que considere que a recorrente seria infiel depositária (que não é!) da quantia de € 54.070,8, ao invés da quantia que vem peticionada pela ATA no acto reclamado!
19-Por último, sempre cumpre acrescentar que o acto reclamado, não obstante violar frontalmente o princípio da segurança jurídica, porque levado a cabo nos termos da discricionariedade e livre arbítrio do órgão de execução fiscal, ao invés do que ficou estabelecido pelo legislador criando na esfera do contribuinte não devedor um ónus de impugnação excessivo, acaba igualmente por violar o princípio da proporcionalidade nos termos em que o mesmo vem imposto nos artigos 18.º, n.º2 e 266.º, n.º2, ambos da CRP, na medida em que não se afigura o meio adequado ou sequer legítimo para o alcance do objectivo pretendido - cobrança de créditos que a ATA detém sobre terceiros;
20-Termos em que deverá ser proferido acórdão que:
a) Declare a NULIDADE da Sentença proferida em 25/02/2018, por violação do principio do contraditório fixado no artigo 3.º do CPC, nos termos previstos no artigo 195.º do CPC ex vi do artigo 1º do CPTA, e, consequentemente revogue a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue a reclamação de acto de órgão de execução fiscal totalmente procedente, anulando, em conformidade, o acto de constituição da recorrente como infiel depositária de créditos sobre o devedor Paulo ..., no valor de € 56.388,54, e, subsidiariamente, e apenas para o caso de improceder a nulidade invocada (o que não se concede mas se pondera); ou, e apenas para o caso de improceder a nulidade invocada;
b) Anule todo o processado nos termos do artigo 201.º do CPC, ex vi do art. 2.º, alínea e) do CPPT;
c) Apenas para o caso de não ser procedente o pedido de revogação do acto reclamado (o que não se concede mas por cautela se pondere), deverá ser proferido acórdão que condene a recorrente à entrega à ATA apenas no montante equivalente ao montante entregue ao executado Jorge ..., no montante total de € 54.070,8.
Com o que se fará a devida, JUSTIÇA!
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Tribunal “a quo” admitiu o recurso deduzido, mais lhe fixando o efeito suspensivo da decisão recorrida, visto que prestada garantia por parte da sociedade recorrente (cfr. despacho exarado a fls.264 do processo físico).
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.274 a 278 dos autos) no sentido de se negar provimento ao recurso.
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.198 a 200-verso do processo físico - numeração nossa):
1-Em 04.05.2012, foi instaurado no ... Serviço de Finanças de Sintra (...), contra Paulo ..., o processo de execução fiscal nº...., para cobrança coerciva de dívida de € 1.356,89, relativa a Imposto Sobre Veículos, ao qual foram apensados outros processos de execução fiscal, relativos a dívidas de Imposto Único de Circulação (IUC) dos veículos com as matrículas ..., relativo aos anos de 2014 e 2015; taxas de portagem devidas nos anos de 2014 e 2015 à Brisa-Concessão Rodoviária, S.A., Auto-estradas do Atlântico Concessões Rodoviárias Portugal, S.A. e Auto-estradas do Litoral Oeste, S.A.; coimas; IVA dos anos de 2014 e 2015; e IRS de 2015 (cfr.processo de execução fiscal apenso);
2-Com data de 16.05.2016, e no âmbito do referido processo de execução fiscal e apensos, o Chefe do ... Serviço de Finanças de Sintra (...) dirigiu à sociedade aqui reclamante, “... & Associados, Sociedade de Advogados, R.L.” um ofício com a seguinte referência “Notificação de Penhora Créditos Incluindo Futuros - Artigo 224º do Código de Procedimento e de Processo Tributário/ Artigo 856º do Código de Processo Civil/ Nº Ordem de Penhora: ...”, e com o seguinte teor:
“Nos termos e para os efeitos do nº 1 do artº 224º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) fica notificado(a), que deve considerar penhorado à ordem deste Serviço de Finanças o saldo credor (incluindo: lucros; dividendos; rendimentos resultantes de partilha qualificados como de aplicação de capitais ou amortização de partes sociais sem redução de capital; rendimentos que o associado aufira na associação à quota e na associação em participação), até ao montante de € 56.388,54, a favor do executado (a) infra indicado, para pagamento da quantia exequenda e acréscimos legais exigidos no processo de execução fiscal supra. Nos termos do nº 3 do artigo 773º do Código de Processo Civil (CPC) deverá, no prazo de 10 dias, contados da presente notificação, declarar através do sítio da AT na Internet (www.portaldasfinancas.gov.pt) na opção “Consultar» Execuções Fiscais» Penhoras» Direitos e Rendimentos”, se o crédito existe, qual o valor do saldo penhorado, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Na falta de declaração, entende-se que reconhece a existência da obrigação nos termos da nomeação do crédito à penhora (nº 4 do artº 773º do CPC). Fica ainda notificado para efectuar o depósito do valor penhorado no prazo de 30 dias a contar da penhora ou vencimento, caso o crédito ainda não se encontre vencido [als. b) e c) do nº 1 do artigo 224º do CPPT], podendo fazê-lo através das caixas ATM, do sistema de homebanking ou nos CTT, mediante guia(s) a obter no sítio da Internet (www.portaldasfinancas.gov.pt) na opção “Consultar» Execuções Fiscais» Penhoras» Direitos e Rendimentos”. Fica advertido(a) que, existindo crédito não se exonera pagando diretamente ao (à) executado(a) [al. d) do nº 1 do artigo 224º do CPPT]. Mais se adverte para o facto de, não sendo feitas as declarações, apresentadas provas ou efetuado o depósito, será executado (a) nos próprios autos pela importância respectiva, sem prejuízo de eventual procedimento criminal [al. b) do nº 1 do artigo 224º do CPPT, al. a) do artigo 233º do CPPT e nº 2 do artigo 771º do CPC]. Inexistindo crédito ou sendo o seu valor insuficiente para garantir a dívida exequenda e o acrescido, fica notificado(a), nos termos da al. f) do nº 1 do artº 224º do CPPT, que se consideram penhorados eventuais créditos futuros até à concorrência com aquele montante, os quais deverão ser depositados nos termos expressos nos parágrafos anteriores. Esta notificação é válida pelo período de um ano, contado da presente notificação, sem prejuízo de eventual renovação.(…) IDENTIFICAÇÃO DO EXECUTADO: Paulo ... (…)”
(cfr.documento junto a fls.33 do processo de execução fiscal apenso);
3-Em 17.05.2016, a sociedade aqui reclamante respondeu à notificação referida no número antecedente, tendo o resultado da resposta sido registado no Sistema de base de dados da AT como “Não reconhece a obrigação” (cfr.documentos juntos a fls.35 e 36 do processo de execução fiscal apenso);
4-Em 07.02.2017, foi efectuada consulta ao Sistema de base de dados da AT - Gestão de Documentos Comerciais por Emitente - da qual resultou ter o emitente Paulo ... registado duas facturas com data de 30.12.2016, com os valores de € 27.841,05 e € 26.229,75, a favor do adquirente com o NIF ..., correspondente ao da sociedade aqui reclamante (cfr.documento junto a fls.34 do processo de execução fiscal apenso);
5-Em 09.02.2017, foi prestada no processo de execução a seguinte informação (cfr.documento junto a fls.21 do processo de execução fiscal apenso):
“(…) Em 2016-05-17, foi a entidade ... E ASSOCIADOS SOCIEDADE DE ADVOGADOS notificada nos termos e para os efeitos do nº 1, do artº 224º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) da penhora do saldo credor até ao montante de € 56.388,54 a favor do executado Paulo ..., através da ordem de penhora nº ...;
- Ficou ainda notificado de que, inexistindo o crédito ou sendo o seu valor insuficiente, considerar penhorados eventuais créditos futuros, nos termos da alínea f) do nº 1 do artº 224º do CPPT;
- Na mesma data a entidade notificada respondeu que não reconhecia a obrigação;
- Consultada a base de dados da AT verificou-se que a entidade notificada efectuou pagamentos ao executado, sem que efectuasse o depósito a que estava obrigado na ordem de penhora nº ...;
- Assim, proponho que seja a entidade ... E ASSOCIADOS SOCIEDADE DE ADVOGADOS, seja notificada para efectuar o depósito até ao montante de € 56.388,54. (…);
6-Sobre a informação referida no número anterior recaiu o seguinte despacho do Chefe de Finanças (cfr.documento junto a fls.21 do processo de execução fiscal apenso):
“Em face da informação que antecede e dos elementos constantes dos autos, proceda-se à notificação da entidade ... E ASSOCIADOS SOCIEDADE DE ADVOGADOS, NIF ..., nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 223º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”;
7-Em 16.02.2017, a reclamante foi notificada do ofício nº 01048, datado de 14.02.2017, e subscrito pelo Chefe do ... Serviço de Finanças de Sintra, com o seguinte teor (cfr. documentos juntos a fls.23, 24 e 25 do processo de execução fiscal apenso):
“(…)
Assunto: NOTIFICAÇÃO DO INFIEL DEPOSITÁRIO.// Nos termos do artigo 233º Código de Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) 771º Código de Processo Civil (CPC), pela presente fica notificado do estatuto de infiel depositário, tendo o prazo de 30 dias para regularizar a situação no que concerne ao reconhecimento de um crédito no montante de € 56.388,54 sobre o devedor Paulo ..., efectuado pela ordem de penhora nº ....
Poderá querendo, apresentar reclamação nos termos do artigo 276º do CPPT no prazo de 10 dias a contar da presente notificação.
Mais fica notificado de que o não cumprimento desta notificação implica ficar sujeito às penalidades cominadas aos infiéis depositários, prescritas no artigo 233º do já referido CPPT, conjugado com o artigo 771º do Código de Processo Civil.
(…)”;
8-Em 23.02.2017, por correio electrónico e por correio registado, a reclamante, com referência ao ofício referido no número anterior, apresentou requerimento (que recebeu a referência de entrada nº 707739) confirmando que não reconheceu qualquer crédito e questionando se deveria entender tal ofício como o acto de “constituição no estatuto de infiel depositário” ou se existiu um despacho prévio, ordenando a constituição nesse estatuto e elencando os respectivos fundamentos, mais solicitando que nos termos do artº 37º do CPPT lhe fosse remetido tal despacho, sob pena de não se considerar devidamente notificada (cfr.documentos juntos a fls.43 a 47 dos presentes autos);
9-Com data de expedição de 27.02.2017, a reclamante enviou o articulado inicial do presente processo, o qual foi recebido em 01.03.2017 no ... Serviço de Finanças de Sintra (cfr.data de registo postal constante do documento junto a fls.51 dos presentes autos; teor do documento junto a fls.28 do processo de execução fiscal apenso);
10-Por ofício datado de 01.03.2017, foi a reclamante notificada do seguinte (cfr. documento junto a fls.64 dos presentes autos; informação constante de fls.5 a 7 dos presentes autos):
“(…)
Assunto: Penhora de Créditos
Em seguimento ao vosso requerimento com a entrada nº 70739 de 24 de Fevereiro de 2017, cumpre-me informar que a penhora de créditos nº ... no valor de € 56.388,54 foi respondida a 17 de Maio de 2016 tendo como base o não reconhecimento da obrigação. No entanto informo que a notificação faz referência, que não havendo créditos ou o seu valor seja insuficiente para garantir a dívida exequenda e acrescido fica notificado nos termos da al. f) do nº 1 do artigo 224 do CPPT, que se consideram penhorados eventuais créditos futuros, até à concorrência com aquele montante; sendo essa penhora válida pelo período de um ano.
Todavia face à consulta das aplicações informáticas constata-se do pagamento de valores de € 54.070,80, por essa entidade o que implica que a nossa notificação; e recebido por V. Exa em 16 de Fevereiro de 2017, tem fundamento legal, bem como não se mostra ilícita.
Atento ainda ao requerido por força do disposto no artº 37º do CPPT e para os efeitos do artº 77º da LGT, junta-se cópia devidamente autenticada da informação e despacho proferido nos autos e ora requerido.
(…);
11-Em anexo ao ofício referido no número anterior foi junta cópia da informação e despacho referidos nos números cinco e seis supra (cfr.documentos juntos a fls.64 e 65 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não há factos relevantes para a discussão da causa que importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente reclamação de acto de órgão de execução fiscal, mais mantendo o acto reclamado (cfr.nº.7 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Começa o apelante por pugnar pela fixação do efeito suspensivo da decisão recorrida ao recurso interposto, para tanto querendo prestar garantia (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso), matéria e decisão já tomada pelo Tribunal “a quo” (cfr.despacho exarado a fls.264 do processo físico), desnecessário se tornando o exame do presente esteio da apelação.
Defende o recorrente, igualmente e em sinopse, que em sede de fixação da matéria de facto provada o Tribunal “a quo” cometeu uma nulidade, dado ser incorrecta a forma como seleccionou a matéria de facto, pois que em desrespeito ao disposto no artº.607, nº.3, do C.P.Civil. Que a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida é deficiente, por terem sido omitidos factos que foram oportunamente alegados nos autos (cfr. conclusões 7 e 8 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um vício de nulidade da sentença recorrida, devido a falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Desde logo, se deve recordar que, relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
Por outro lado, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
Revertendo ao caso dos autos, não tendo o apelante cumprido com o ónus consagrado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio do recurso, na eventual vertente de impugnação da matéria de facto provada constante da decisão recorrida.
Avancemos, pois, para o conhecimento da supra aludida nulidade da sentença recorrida, devido a falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13).
Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).
Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.321 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.1115/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.197 a 207-verso do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se improcedente a alegação do recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (tanto na vertente factual como no aspecto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
No que, especificamente, se refere ao exame crítico das provas produzidas, dado que nos encontramos perante prova documental, nenhum vício vislumbra este Tribunal de que padeça a sentença recorrida, visto que o apelante também não questiona o valor probatório concreto de qualquer documento relevado pela decisão objecto do presente recurso.
Concluindo, a decisão do Tribunal “a quo” não padece da nulidade acabada de examinar, assim se julgando improcedente este esteio do recurso.
Aduz o recorrente, em terceiro lugar, que ocorreu a violação do princípio do contraditório, uma vez que, como resulta da própria sentença recorrida, dos onze factos que constituem a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal “a quo”, apenas dois desses factos não decorrem da documentação que constituí o “processo de execução apenso”, apensação da qual a recorrente nunca foi notificada, não lhe tendo sido concedido, em nenhuma fase dos autos, o direito ao contraditório relativamente a tal documentação. Que a falta do convite ao exercício do contraditório relativamente à documentação que constitui o “processo de execução apenso” constitui uma preterição do princípio do contraditório, a qual influiu na decisão (erradamente) proferida, constituindo uma verdadeira nulidade do processado (cfr.conclusões 4 a 6 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, a preterição de uma formalidade legal e consequente existência de uma nulidade processual no âmbito dos presentes autos.
Deslindemos se o presente processo padece de tal vício.
Abordando as nulidades processuais, dir-se-á que as mesmas consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6393/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.176; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.79).
As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
Mais, tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Por outro lado, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição das ditas nulidades neste último (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,14/5/2013,proc.6018/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.86 e seg.).
No entanto, relativamente às nulidades processuais que se consumam com a prolação da sentença (omissão de actos que deveriam ser praticados antes dela), o S.T.A. tem vindo a entender que, embora se trate de nulidades processuais, a respectiva arguição pode ser efectuada nas alegações do recurso jurisdicional que for interposto da sentença. Entende a jurisprudência do S.T.A. que a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que se situa a montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação, e que, sendo o meio próprio de a atacar o do seu recurso, a sua arguição se mostra feita atempadamente por situada no prazo deste. Por outras palavras, as nulidades do processo que sejam susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa e forem conhecidas apenas com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades desta (cfr.artº.615, do C.P.C.) e devem ser arguidas em recurso desta interposto, quando admissível, que não em reclamação perante o Tribunal “a quo” (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/7/2002, rec.25998; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 6/7/2011, rec.786/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/2/2012, rec.684/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6393/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/12/2014, proc.8153/14; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.183; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.355 e seg.).
Passemos ao exame do invocado princípio do contraditório.
Estatui o artº.3, nº.3, do C.P.Civil, que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório (actualmente entendido como "direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo"), não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Com o aditamento desta norma, operado pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12, visou-se a proibição da prolação de decisões-surpresa e aplicando-se tal regra não apenas na 1ª. Instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos. Deve, pois, concluir-se que o princípio do contraditório, o qual se configura como um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as citadas decisões-surpresa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/1/2014, rec.663/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/5/2011, proc.3514/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6900/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/05/2015, proc.8167/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2017, proc.2035/09.9BELRA; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.368).
Revertendo ao caso dos autos, manifestamente, não se verifica qualquer violação do princípio do contraditório e a consequente estruturação de uma decisão-surpresa, pelos seguintes motivos, os quais passamos a enumerar:
1-Encontramo-nos perante processo de reclamação de acto de órgão de execução fiscal com natureza urgente, o que implica a subida a Tribunal com a cópia do processo executivo, conforme dispõe o artº.278, nº.5, do C.P.P.T., reclamação esta deduzida pela sociedade ora recorrente, a qual solicitou que à mesma fosse fixada tal natureza, conforme se retira do articulado inicial junto a fls.8 a 38 do processo físico;
2-Consta do processado no Sitaf dos presentes autos a apensação do processo de execução (cfr.fls.59 do processo físico), tudo conforme dispõe a lei e supra se menciona, sendo que os doutos mandatários da apelante tiveram oportunidade de consultar o processo de execução e tomar conhecimento do seu teor, o que fizeram, dado que, em diversas ocasiões juntaram aos presentes autos cópia de documentos constantes do processo executivo (cfr.v.g.documentos juntos a fls.41 a 48 dos presentes autos; documentos juntos a fls.64 e 65 dos presentes autos);
3-Os documentos mencionados no probatório foram, na sua quase totalidade (cfr.nºs.2 a 11 da factualidade provada), do conhecimento directo da sociedade recorrente, assim não se consubstanciando qualquer violação do princípio do contraditório, o mesmo se devendo concluir quanto à factualidade constante do nº.1 do probatório, a qual apenas nos remete para as condições de autuação do processo de execução fiscal nº....;
4-Mesmo que se verificasse a omissão de qualquer formalidade legal, esta nenhuma influência teve no exame e decisão da causa, matéria que constitui pressuposto da qualificação deste tipo de irregularidade como verdadeira nulidade processual, conforme estatui o artº.195, nº.1, do C.P.Civil, aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.
Concluindo, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente esteio do recurso.
Defende, igualmente e em síntese, o apelante que o disposto no artº.233, do C.P.P.T., não se lhe pode aplicar, porque apenas aplicável a depositários, qualidade na qual o recorrente nunca foi formalmente constituído. Que não foram cumpridos os mecanismos previstos na lei para a penhora de créditos presentes ou futuros. Que o recorrente não reconheceu qualquer crédito sobre o executado Paulo .... Que é ilegal a consolidação no ordenamento jurídico da notificação de penhora de créditos futuros efectuada e a constituição do recorrente no estatuto de infiel depositário. Que o acto reclamado viola frontalmente o princípio da segurança jurídica, tal como o princípio da proporcionalidade (cfr.conclusões 9 a 19 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à sentença recorrida um erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
Constituindo o acervo normativo jurídico-tributário um ramo próprio do direito público, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direccionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/08/2012, proc.5859/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9100/15; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.28).
A penhora consubstancia-se numa apreensão judicial de bens/direitos do executado e sua posterior afectação aos fins do processo de execução, revestindo a natureza de garantia real a favor do exequente e restantes credores concorrentes no processo executivo (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/09/2017, proc. 94/17.0BELRA; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, II, Coimbra Editora, 1985, pág.106; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2011, pág.205 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1986, pág.97; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.581 e seg.).
As específicas formalidades da penhora de créditos encontram-se previstas no artº.224, do C.P.P.T., mais se devendo observar, subsidiariamente, o disposto no C.P.Civil, nos termos do nº.1 do citado preceito (cfr.artº.773 e seg. do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; anterior artº.856 e seg.).
Importa, antes de mais, considerar o disposto no artº.224, do C.P.P.T., na redacção aplicável à data dos factos (cfr.Lei 82-B/2014, de 31/12):
1 - A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que todos os créditos do executado até ao valor da dívida exequenda e acrescido ficam à ordem do órgão da execução fiscal, observando-se o disposto no Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações e ainda as seguintes regras:
a) (Revogada)
b) O devedor, se reconhecer a obrigação imediata de pagar ou não houver prazo para o pagamento, depositará o crédito em operações de tesouraria, à ordem do órgão da execução fiscal, no prazo de 30 dias a contar da penhora, e, se o não fizer, será executado pela importância respectiva, no próprio processo;
c) Se reconhecer a obrigação de pagar, mas tiver a seu favor prazo de pagamento, aguardar-se-á o seu termo, observando-se seguidamente o disposto na alínea anterior;
d) O devedor será advertido na notificação de que não se exonera pagando directamente ao credor;
e) (Revogada)
f) Inexistindo o crédito ou sendo o seu valor insuficiente para garantir a dívida exequenda e acrescido, o órgão da execução fiscal pode notificar o devedor da penhora de créditos futuros até àquele valor, mantendo-se válida a notificação por período não superior a um ano, sem prejuízo de renovação.
2 - Não sendo possível a forma de comunicação prevista no número anterior, a mesma deve ser feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta.
3 - No caso de litigiosidade do crédito penhorado, pode também a Fazenda Pública promover a acção declaratória, suspendendo-se entretanto a execução se o executado não possuir outros bens penhoráveis.

Antes de mais, devem chamar-se à colação as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
A notificação da penhora de crédito ao indigitado devedor deverá ser efectuada com as formalidades e conteúdo previstos no nº.1, do preceito. E recorde-se que o que se pretende penhorar é o crédito detido pelo executado sobre terceiro. Contudo, não há a certeza de que o indicado crédito exista ou de que, existindo, tenha a conformação que é, “a priori”, indicada.
Neste sentido, prevêem-se, expressamente, neste artigo as situações em que o indigitado devedor do crédito do executado (“debitor debitoris”) reconhece ou nega a existência do mesmo no próprio acto da penhora.
De harmonia como preceituado no art.773, nº.2, do C.P.C., o devedor do crédito a penhorar tem a obrigação de declarar se ele existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Se o devedor nada disser, findo o prazo, entende-se que reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora (cfr.artº.773, nº.4, do C.P.Civil). Por último, pode o devedor contestar a existência do crédito, contestação essa que pode assumir diversos âmbitos, nomeadamente, invocando qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado (v.g.negação do próprio crédito; negação apenas dos seus termos; prescrição). No entanto, havendo contestação, qualquer que seja o seu âmbito, tal gera que a penhora em causa se transforme num crédito litigioso, situação em que também a Fazenda Pública pode promover a acção declaratória respectiva, suspendendo-se, entretanto, a execução se o executado não possuir outros bens penhoráveis (cfr.artº.224, nº.3, do C.P.P.T.; artº.775, do C.P.Civil).
Ainda, prevê a norma sob exegese a possibilidade de penhora de créditos futuros, nos casos de não existir o crédito que se pretendia penhorar ou ele ser insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido. Neste sentido, o devedor pode ser notificado da penhora de créditos do executado sobre ele que venham a existir no período de um ano, até ao valor da dívida exequenda e do acrescido, com possibilidade de renovação da penhora com nova notificação (cfr.artº.224, nº.1, al.f), do C.P.P.T.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.615 e seg.; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, II, Coimbra Editora, 1985, pág.188 e seg.; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2011, pág.248 e seg.; Manuel Januário da Costa Gomes, Penhora de Direitos de Crédito, Breves Notas, Revista Themis, ano IV, nº.7, 2003, pág.105 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, o acto reclamado (cfr.nº.7 do probatório), ao fundamentar-se no disposto no artº.233, do C.P.P.T., visou a responsabilização do depositário/reclamante pelo incumprimento do dever de apresentação dos bens e, como tal, a sua execução pela importância respectiva, no próprio processo. O mesmo é dizer que, ao accionar tal preceito legal, o O.E.F. partiu do pressuposto que a sociedade reclamante/recorrente era depositária de determinado montante (de um crédito sobre Paulo ...) e que estava obrigada ao cumprimento do depósito correspondente, ou seja, assumiu que o crédito havia sido reconhecido e, como tal, não era litigioso.
No entanto, do probatório se retira que o crédito em causa é litigioso e, nessa medida, impunha-se uma diferente actuação por parte da A. Fiscal que não foi observada (cfr.nº.3 do probatório). Por outras palavras, a Fazenda Pública não observou o quadro legal aplicável em face da litigiosidade do crédito e supra descrito (cfr.artº.224, nº.3, do C.P.P.T.; artº.775, do C.P.Civil), o que se impunha, previamente à aplicação do disposto no artº.233, do C.P.P.T. É que, repita-se, a responsabilização do depositário (infiel) pelo incumprimento pressupõe a obrigação de cumprimento pelo mesmo e, no caso, tal obrigação não foi, sequer, reconhecida. A decisão recorrida violou, portanto, o regime previsto no examinado artº.224, do C.P.P.T.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o recurso, desnecessário se tornando o exame da alegada violação de princípios constitucionais e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A SENTENÇA RECORRIDA, mais se anulando o despacho reclamado (cfr.nº.7 do probatório).
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Condena-se a Fazenda Pública em custas, sem prejuízo da dispensa do pagamento da taxa de justiça nesta instância de recurso, visto não ter contra-alegado.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 19 de Julho de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Paulo Pereira Gouveia - 1º. Adjunto)



(Ana Celeste Carvalho - 2º. Adjunto)