Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:521/14.8BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:01/25/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMI
IMPUGNAÇÃO DA 2ª AVALIAÇÃO DO VPT
FUNDAMENTO IDÓNEO DA IMPUGNAÇÃO
COEFICIENTE MINORATIVO DE QUALIDADE E CONFORTO
Sumário:1) O erro nos pressupostos de facto relativo ao número de divisões não é, só por si, fundamento idóneo de impugnação do acto de avaliação, sem que se demonstre que o mesmo se repercute, de forma comprovada, num erro na aferição dos coeficientes de avaliação do VPT do prédio em causa.
2) A omissão da consideração do coeficiente minorativo de qualidade e conforto, consistente na falta de ligação à rede pública de esgotos, constitui fundamento idóneo de anulação do acto avaliativo questionado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 195/205, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por V..., contra o acto de fixação do valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 6408.

Nas alegações de recurso de fls. 224/233, a recorrente formula as conclusões seguintes:
«I. Na douta sentença ora sob recurso, o Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação e determinou a anulação do ato de fixação do VPT do prédio em causa;
II. Para decidir pela procedência da presente impugnação judicial entendeu a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” que se comprovou a existência de um prédio com apenas duas divisões suscetíveis de utilização independente;
III. Para assim decidir a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” valorou a prova testemunhal e, implicitamente, desvalorou a prova documental, apesar de deixar expresso na sentença que proferiu que “Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados (…)”;
IV. No entanto, a prova documental junta pelo impugnante aos autos, nomeadamente os documentos n.ºs 16, 17, 18 e 19, que constituem plantas dos quatro andares do prédio em causa, provam a possibilidade de utilização independente de todos os andares do prédio; Se no entender da Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” tais plantas não refletem a realidade ao tempo da avaliação esse facto deveria ter sido fixado no probatório da douta sentença aqui em apreço, pois aqueles documentos não podem servir de prova apenas em parte;
V. Deveria ainda ter sido fixado no probatório da sentença ora sob recurso que entre a data da entrega da declaração modelo 129, em 4 de junho de 1998, e a data da avaliação no âmbito da avaliação geral (10 de fevereiro de 2014), o prédio foi objeto de alterações, sem que as mesmas tenham sido comunicadas à matriz;
VI. Ao decidir como decidiu incorreu o Tribunal “a quo” em erro de julgamento de facto e de direito, razão pela qual não pode a sentença manter-se na ordem jurídica nos termos em que foi proferida;
VII. Com efeito, entende a Fazenda Pública que nos presentes autos não se provou que o prédio objeto da avaliação impugnada, e anulada pela sentença aqui em apreço, possui apenas duas divisões suscetíveis de utilização independente;
VIII. De acordo com as plantas juntas aos autos, todos os andares do prédio em causa são suscetíveis de utilização independente, uma vez que, para além do acesso ao 1.º e 2.º andar através de escada interior que começa no R/C, também é possível aceder àqueles andares a partir de uma outra escada exterior localizada junto ao elevador;
IX. De qualquer modo, a eventual existência, no referido prédio, de apenas duas divisões suscetíveis de utilização independente e não de quatro divisões suscetíveis de utilização independente, nenhuma relevância tem quanto ao resultado final da avaliação impugnada;
X. Correspondendo a área da alegada fração destinada a comércio à soma da área dos diferentes pisos que alegadamente a compõem (R/C, 1.º andar e 2.º andar), também o VPT dessa fração há de corresponder à soma do VPT dos três pisos que a compõem; Mesmo que se considere que o prédio apenas tem, agora, duas divisões economicamente independentes, enquadráveis em mais do que uma das classificações previstas no n.º 1, do artigo 6.º, do CIMI, o VPT da divisão composta pelo R/C, 1.º e 2.º andar (todos destinados a comércio), resultará da soma do VPT desses 3 andares e o VPT total do prédio resultará da soma do VPT das divisões que o compõem. (Cfr. art.º 7.º, n.º 2, alínea b), do CIMI);
XI. In casu, a eventual alteração do número de divisões suscetíveis de utilização independente, de quatro para duas, não implica nenhuma alteração ao VPT total do prédio, e apenas impõe uma correção da inscrição matricial;
XII. Para esse efeito teria bastado ao sujeito passivo apresentar uma reclamação nos termos do n.º 3, do artigo 130.º, do CIMI, não implicando tal declaração uma nova avaliação;
XIII. Assim, mesmo que se comprovasse que a avaliação em apreço nos autos padece efetivamente de erro sobre os pressupostos de facto, porque o prédio apenas tem duas divisões suscetíveis de utilização independente e não quatro, o que apenas se admite como mera hipótese de raciocínio, embora sem conceder, sempre o Tribunal “a quo” deveria ter atendido aos princípios do aproveitamento do ato e da economia processual e não atribuir relevância anulatória a esse facto, uma vez que a renovação do mesmo, há de conduzir à fixação, ao prédio, de um VPT exatamente igual ao que foi fixado no ato anulado;
XIV. A douta sentença ora sob recurso não pode manter-se na ordem jurídica por se revelar contrária ao disposto no artigo 124.º do CPPT;
XV. Caso assim não se entenda, deve entender-se que a referida sentença não pode manter-se na ordem jurídica, pois violou os princípios do aproveitamento do ato e da economia processual;
XVI. Assim sendo como de facto é, e está devidamente provado nos presentes autos, tendo a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo”, ao decidir como decidiu, incorrido em erro de julgamento de facto e de direito, impõe-se a revogação da sentença ora sob recurso, com todas as devidas e legais consequências;
Mais se requer a V.as Ex.as que, a final, atendendo ao facto do valor da causa ser superior a € 275 000,00, determinem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo presente recurso, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.»

X

A fls. 237/245, o recorrido proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

Formulou as conclusões seguintes:
«A) A entidade recorrente apresentou as suas alegações de recurso, e ao invés de transcrever os factos dados como assentes na decisão sob recurso, transcreveu os factos articulados pelo impugnante, aqui recorrido, nos articulados 5.º, 20.º, 28.º, 31.º, 35.º, 44.º, 48.º, 50.º, 65.º, 67.º 76.º, 78.º, 79.º (repetido) 91.º, 105.º, 106.º, 107.º, 108.º, 110.º, 111.º, 120.º, 121.º, 122.º, 123.º, 126.º, 156.º e 161.º do requerimento inicial.
B) Ora, se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto da sentença recorrida como aparentemente resulta do teor das suas conclusões, deveria concretizar os meios de prova dos quais resultaria matéria de facto diferente, o que no caso concreto não sucedeu.
C) Limita-se o recorrente a dizer de forma genérica que o Tribunal valorou a prova testemunhal em detrimento da prova documental consubstanciada nos documentos 16, 17, 18 e 19 que constituem plantas dos quatro andares do prédio, o que, no nosso modesto entendimento, não ·cumpre um dos ónus impostos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, o que determina a rejeição do recurso nessa parte.
D) Caso assim não se entenda, sempre se dirá que no domínio da valoração da prova testemunhal, bem como na valoração da prova documental (nos casos em que a tal prova não seja atribuída força probatória plena), vigora o princípio da livre convicção do julgador, estatuído no artigo 607.º, n.º 5, do CPC.
E) A apreciação das provas resolve-se na formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da atividade intelectual e, portanto, segundo as máximas de experiência e as regras da lógica.
F) Logrou o impugnante provar em audiência de julgamento que o prédio em causa, não obstante ser composto por r/c, 1.º andar, 2.º andar e 3.º andar, tão só são, ao tempo do ato de fixação do valor patrimonial suscetíveis de utilização independente, duas das 4 divisões que o compõem.
G) Se na douta sentença ficou provado que o acesso para o l.º e 2.º andar é exclusivamente feito através de escada de interior que começa no R/C e que foi fechada pelo Impugnante do l.º para o 2.º andar (facto provado em J), e que o elevador existente no prédio é de uso exclusivo da unidade hoteleira que funciona no 3.º andar (facto provado em K) não se percebe o que pretende o recorrente ao colocar em crise a justa e acertada decisão da Mma. Juiz a quo, tanto mais, que não impugnou a matéria de facto.
H) Procedente que foi o alegado vício de erro sobre os pressupostos de facto, andou bem o Tribunal ao anular o ato de fixação do valor patrimonial.
I) Sem razão, também manifesta a recorrente a sua discordância à decisão de anulação do ato de fixação do valor patrimonial concluindo que mesmo que se considere que o prédio apenas tem duas divisões economicamente independentes, tal não implica nenhuma alteração ao VPT total do prédio, e apenas impõe uma correção da inscrição matricial.
J) Na tese do recorrente o local e momentos próprios para suscitar tal questão seria, na sua ótica, a simples reclamação nos termos do n.º 3 do artigo 130.º do CIMI, o que contradiz o seu anterior comportamento.
K) Esqueceu-se o recorrente que o recorrido notificado que foi em 13/02/2014 do resultado da avaliação e do VPT de 4 divisões consideradas de utilização independente (facto provado em D)), que em 14/03/2014 o mesmo requereu 2.ª avaliação (facto provado em E)) onde defendeu que o prédio apenas tinha 2 divisões suscetíveis de arrendamento em separado, não tendo tal argumento sido atendido (vide facto provado em F)), o que determinou a apresentação da impugnação judicial.
L) O erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do ato administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria substância do ato administrativo que contraria a lei.
M) Tal vício consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do ato partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efetiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativos factos não provados ou desconformes com a realidade.
N) Se o pressuposto de que o ato recorrido partiu - de que o prédio tinha quatro divisões economicamente independentes -, apesar da aparência, não se mostra verificado, o mesmo encontra-se inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
O) O processo de impugnação é o meio próprio para obter o reconhecimento judicial da existência de todos os vícios que possam inquinar um ato administrativo lesivo, e, assim, obter a sua anulação contenciosa.
P) No caso concreto, e de acordo com o disposto nos artigos 77º do CIMI e 134º do CPPT, do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, a deduzir no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte.
Q) Andou bem o Tribunal de 1.ª instância ao decidir como decidiu.
Nestes termos, não deverá ser dado provimento ao presente recurso, mantendo­ se, na íntegra, a douta sentença recorrida.»


X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 254/255), no sentido da procedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

X

II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A) O Impugnante é proprietário do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo 6408, da freguesia de ..., concelho de ... (cfr. fls. 78 dos autos);
B) Em 04/06/1998 foi apresentada pelo Impugnante, Declaração Mod. 129, onde referiu como “descrição do prédio: Edifício comercial constituído por R/C, 1º e 2º andar para comércio, 3º andar destinado a hospedaria” (cfr. fls. 78 a 81 dos autos);
C) Em 10/02/2014, foi realizada avaliação ao prédio referido na alínea anterior (cfr. fls. 58 do p.a.);
D) Em 13/02/2014, o Impugnante foi notificado do resultado da avaliação e o do VPT de quatro divisões consideradas de utilização independente, constantes do prédio urbano referido na alínea anterior, nos seguintes termos:

“imagens no original”

No valor total de €2.583.220 (cfr. fls. 58 a 61 e 69 dos autos);

E) Em 14/03/2014, o Impugnante requereu segunda avaliação (cfr. fls. 62 a 66 dos autos);
F) Em 27/04/2014, o Serviço de Finanças de ..., fixou o VPT de quatro divisões consideradas de utilização independente, constantes do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 6408 e notificou o Impugnante, em 29/04/2014, nos seguintes termos:

“imagens no original”

O que totaliza o valor de €3.607.590
(cfr. fls. 48 a 51 dos autos e 120 a 127 do .p.a);
G) O Perito Independente efetuou “Termos de Avaliação” referente à 2ª avaliação, em 24/04/2014 (cfr. fls. 53 a 56 dos autos);
H) Em 01/07/2012 foi celebrado contrato de arrendamento entre o Impugnante e “C..., Lda,” do r/c, 1º andar e armazém na parte de trás do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 6408 (cfr. fls. 70 a 76 dos autos);
I) O contrato de arrendamento ainda se mantém, hoje, em vigor (cfr. depoimento das testemunhas e fls. 71 dos autos);
J) O acesso para o 1º e 2º andar é exclusivamente feito através de escada de interior que começa no R/C e que foi fechada pelo Impugnante do 1º para o 2º andar (cfr. depoimento das testemunhas em confronto com as plantas de fls. 101 dos autos);
K) O elevador existente no prédio é de uso exclusivo da unidade hoteleira que funciona no 3º andar (cfr. depoimento das testemunhas);
L) Em 21/08/2015, a Empresa Municipal de Ambiente de ..., EM, enviou ao Impugnante ofício a informar que;
“a rede pública de saneamento existente na Av. ..., não abrange a zona onde está implantado o edifício da M... (…) por este motivo a ligação à rede pública a partir das instalações do edifício da M... só é possível de ser feita através da existência de um poço de bombagem que permita a elevação destas águas residuais” (cfr. fls. 159 dos autos);
M) O prédio urbano referido na alínea A) dispõe de fosse sética, sem ligação à rede pública de esgotos (cfr. depoimento das testemunhas e documento de fls.192 dos autos);
N) Em 19/02/2015 foi impressa caderneta predial urbana do artigo matricial nº 6408, onde consta: “Tipo de prédio”: Prédio em Prop. Total com Andares ou Div. Susc. De Utiliz. Independente. Descrição: Prédio urbano de quatro pisos composto de:
Rés-do-Chão – Destinado a comércio, composto de uma divisão assoalhada, casa de banho e logradouro;
Primeiro andar – Destinado a comércio, composto de uma divisão assoalhada e casa de banho;
Segundo andar – Destinado a comércio, composto de uma divisão assoalhada;
Terceiro andar – Destinado a indústria hoteleira, composto de quarenta e duas divisões assoalhadas, uma cozinha, quarenta e quatro casas de banho, dois corredores e terraço” (cfr. fls. 137 do p.a.);»

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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, no processo administrativo junto aos autos cuja veracidade não foi posta em causa e ainda no depoimento das testemunhas.
As testemunhas arroladas pelo Impugnante, têm conhecimento direto dos factos, uma vez que duas das testemunhas eram funcionários da residencial que se encontra no prédio urbano em causa e a outra testemunha é o arrendatário do r/c e 1º andar. Pelo conhecimento demonstrado dos factos e pela sua clareza, o depoimento das testemunhas contribuiu para a prova dos factos alegados pelo impugnante.
Do depoimento dos funcionários do Impugnante, em confronto com as plantas juntas aos autos e ainda caderneta predial atualizada junto ao p.a., resultou provado, que a residencial “A...” ocupa o 3º piso do prédio urbano em causa, com uma entrada pelo R/C, onde se encontra a receção e o acesso ao elevador. Ficou demonstrado que essa entrada é própria e independente da loja chinesa que também ocupa o r/c e que o acesso ao 3º andar é feito ou pelo elevador de utilização exclusiva para o efeito, uma vez que, não faz qualquer paragem nos restantes andares, ou por uma escada interior. Existe ainda uma escada exterior, mas de emergência.
Também do confronto do depoimento da testemunha H... e documento de fls. 192 dos autos, ficou demonstrada a veracidade do facto alegado pelo Impugnante referente à falta de saneamento público e utilização de fossa sética.

Mais contribuiu para a prova dos factos alegados pelo Impugnante, constantes do probatório, o depoimento da testemunha arrolada pela Fazenda Pública, já que, confirmou que, não obstante ter visitado o local, efetuou a avaliação impugnada com base nas plantas e processo constante da Repartição de Finanças, tendo reconhecido que teve em conta um prédio com 4 unidades diferentes, mas fisicamente, na realidade, não seria bem assim, mas não lhe caberia a si, fazer correções ao que estava descrito na matriz. Mais afirmou que presumiu o acesso ao saneamento público, pois a zona estaria servida de acesso ao mesmo, não tendo verificado tal situação, no local, bem como, também não visitou o 2º andar, o que, em confronto com os documentos juntos pelo Impugnante a fls. 192 e com o depoimento das restantes testemunhas permitem concluir que este logrou demonstrar a falta de acesso a saneamento público e ainda, a inexistência de utilização independente do 2º andar.».


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
O) Dos termos de avaliação referidos em F) e G) não consta o coeficiente minorativo de qualidade e conforto, no valor de 0,05, relativo a “Inexistência de rede pública e privada de esgotos” – fls. 53/55, fls. 120/127, e artigos 68.º a 76.º da contestação.

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2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 195/205, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por V..., contra o acto de fixação do valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 6408.

2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Resulta dos documentos juntos aos autos, bem como, do depoimento das testemunhas que o prédio em causa, não obstante ser composto por r/c, 1º andar, 2º andar e 3º andar, tão só são, ao tempo da fixação do ato de fixação do valor patrimonial, suscetíveis de utilização independente, duas das 4 divisões que o compõem.
De facto, do depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante decorre que no edifício se encontra uma residencial, com entrada exclusiva pelo r/c e independente da loja chinesa que se encontra também do R/C, mas com outra entrada. Que essa residencial funciona no 3º andar, com acesso interior exclusivo (escada e elevador).
Para além desta residencial, o referido prédio é ainda ocupado, desde 2012, por uma loja chinesa, no r/c e 1º andar, sendo o acesso por uma escada interior. No que diz respeito ao 2º andar, foi claramente referido pelas testemunhas que trabalham no local, que este não está a ser utilizado, sendo o único acesso feito por escada interior com origem no 1º andar e que se encontrava fisicamente vedado, por determinação do Impugnante  antes da avaliação feita.
Também a testemunha arrolada pela Fazenda Pública, à míngua de comprovação da realidade física da utilização independente das quatro divisões, contribui para a demonstração do erro sobre os pressupostos de facto».
2.2.3. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida.
As questões objecto do recurso são as seguintes:
i) Saber se o alegado erro nos pressupostos detectado afecta a avaliação do vpt os prédios em causa, de forma a invalidar a mesma;
ii) Saber se o erro em causa não pode ser superado, através do princípio do aproveitamento do acto administrativo, atendendo ao mecanismo objectivo de avaliação do vpt dos prédios.
A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Assaca ao mesmo erro de julgamento da matéria de facto.
Alega que não se provou que o prédio objecto da avaliação impugnada, e anulada pela sentença aqui em apreço, possui apenas duas divisões susceptíveis de utilização independente; que de acordo com as plantas juntas aos autos, todos os andares do prédio em causa são susceptíveis de utilização independente, uma vez que, para além do acesso ao 1.º e 2.º andar através de escada interior que começa no R/C, também é possível aceder àqueles andares a partir de uma outra escada exterior localizada junto ao elevador; que a eventual existência, no referido prédio, de apenas duas divisões susceptíveis de utilização independente e não de quatro divisões susceptíveis de utilização independente, nenhuma relevância tem quanto ao resultado final da avaliação impugnada;
Vejamos.
Está em causa em causa a avaliação geral do prédio, efectuada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro (versão conferida pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro), cujo regime resulta dos artigos aditados 15-A a 15.º-P do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
Dos normativos em presença extraem-se os incisos seguintes.
«Artigo 15.º-A Princípios da avaliação geral
1 - A avaliação geral é promovida de acordo com os princípios gerais do procedimento tributário e os princípios técnicos da avaliação imobiliária.
2 - A avaliação geral é regida pelos princípios da legalidade, da simplicidade de termos e da celeridade do procedimento, da economia, da eficiência e da eficácia, no respeito pelas garantias dos contribuintes.
3 - Os peritos locais e os peritos avaliadores independentes actuam ao abrigo dos princípios da independência técnica, da imparcialidade e da responsabilidade, devendo interagir nos locais da situação dos prédios urbanos numa relação de proximidade com as populações, com recurso aos meios de informação ao seu dispor.
4 - As partes interessadas no procedimento de avaliação geral de prédio urbano devem agir de boa-fé e estão sujeitas a um dever de cooperação especial, prestando a assistência adequada e tempestiva e as informações necessárias à determinação do respectivo valor patrimonial tributário».

«Artigo 15.º-C Iniciativa do procedimento
1 - A iniciativa da avaliação de um prédio urbano no âmbito da avaliação geral cabe aos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos.
2 - Os documentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 37.º do CIMI são enviados, por via electrónica, pelas câmaras municipais aos serviços de finanças da área de situação dos prédios urbanos, nos 10 dias subsequentes à sua solicitação.
 3 - Nos casos em que não seja possível o envio por transmissão electrónica dos documentos referidos no número anterior, as câmaras municipais procedem ao seu envio em formato papel, no mesmo prazo.
4 - Nos prédios urbanos em que se verifique a impossibilidade da entrega dos documentos mencionados no n.º 2, devem as câmaras municipais proceder, com a cooperação dos proprietários, à determinação da área bruta de construção do edifício ou da fracção e da área excedente à de implantação, previstas no artigo 40.º do CIMI.
5 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o perito local deve proceder à determinação das referidas áreas no local de situação do prédio sempre que se mostre necessário».
«Artigo 15.º-D Valor patrimonial tributário

1 - Os valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos objecto da avaliação geral são determinados por avaliação directa, nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI.
2 - Para efeitos da avaliação geral, o valor base dos prédios edificados (Vc), o coeficiente de localização (Cl) e o coeficiente de vetustez (Cv), previstos nos artigos 39.º, 42.º e 44.º do CIMI, são os vigentes e determináveis em 30 de Novembro de 2011.
3 - Na avaliação geral não é obrigatória a vistoria do prédio a avaliar (…)».
«Artigo 15.º-F Segunda avaliação de prédios urbanos
1 - Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordem com o resultado da avaliação geral de prédio urbano, podem, respectivamente, requerer ou promover a segunda avaliação, no prazo de 30 dias a contar da data em que o sujeito passivo tenha sido notificado.
2 - A segunda avaliação é realizada nos termos do artigo 15.º-D, por um perito avaliador independente designado pela Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (CNAPU) e é concluída no prazo de 60 dias após a entrada do pedido.
(…)».

2.2.4. O segmento decisório sob censura considerou que o acto de avaliação do VPT do imóvel enfermava do vício de erro nos pressupostos de facto, porquanto o mesmo desconsiderou que o 2.º andar do prédio se encontra devoluto, não assumindo qualquer utilização. Ou seja, o acto avaliativo foi anulado porque se entendeu que labora em erro quanto aos pressupostos de facto, dado que a realidade avaliada é diversa da que foi considerada pelo acto questionado.

Dos elementos coligidos nos autos, não se afigura seguro que a circunstância de a fracção do 2.º andar se encontrar devoluta tenha determinado, só por si, a ocorrência de erro na aferição dos coeficientes de avaliação, com vista ao apuramento do vpt, nos termos do CIMI.

A presente situação «nenhuma relevância terá no resultado final da avaliação em apreço pois, como o próprio impugnante implicitamente reconhece, correspondendo a área da alegada fracção destinada a comércio à soma da área dos diferentes pisos que a compõem, também o VPT dessa fracção há de corresponder à soma dos VPTs dos pisos que a compõem». O mesmo é válido em relação à fracção destinada a hospedaria.

Mais se refere que, seja do probatório, seja da alegação do impugnante, não resulta que a existência de duas divisões (em vez das quatro declaradas na matriz) tenha determinado erro na aferição dos coeficientes de avaliação do vpt do prédio em causa (artigos 38.º a 46.º do CIMI). Pelo que o alegado erro nos pressupostos de facto não se mostra idóneo para determinar a anulação da avaliação impugnada.

Ao julgar em sentido diverso do referido, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter, devendo ser substituída por decisão que não acolha o presente fundamento da impugnação.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.5. Havendo elementos nos autos, observado o contraditório prévio, impõe-se conhecer dos demais fundamentos da impugnação.

As partes foram notificadas para proferirem, querendo, alegações, nos termos do disposto no artigo 665.º, n.º3 do CPC.

A recorrente apresentou alegações a fls. 266/270, pugnando pela improcedência da impugnação.

Formula as conclusões seguintes:

I. Contrariamente ao que alega o impugnante, o Serviço de Finanças de ... não cometeu a nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, pois no âmbito da avaliação geral determinada pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, a qual aditou ao do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, os artigos 15.º-A a 15.º-P, não se encontra prevista a possibilidade de requerer a segunda avaliação com o fundamento no VPT distorcido relativamente ao valor normal de mercado, previsto nos atuais n.os 3 a 7, do artigo 76.º, do CIMI;

II. A norma da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, não tem aplicação na situação em apreço, pois, in casu, não estamos na presença de qualquer sentença;

III. Nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 15.º-F, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, no âmbito da avaliação geral a segunda avaliação é realizada por um perito avaliador, nos termos do artigo 15.º-D, ou seja, de acordo com o disposto nos artigos 38.º e seguintes, do CIMI;

IV. Nos termos do n.º 3, do artigo 76.º, do CIMI, a avaliação por VPT distorcido, no caso de edifícios, deve ser efetuada de acordo as regras constantes do n.º 2, do artigo 46.º, do CIMI, ou seja, através do método do custo adicionado do valor terreno;

V. O Chefe de Finanças de ..., ao decidir não apreciar o requerimento apresentado pelo impugnante, em 9 de maio de 2014, não cometeu qualquer ilegalidade pois, tal como resulta da leitura conjugada do disposto nos artigos 15.º-F, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, 77.º, n.º 1, do CIMI, e 134.º, n.º 1, do CPPT, não se conformando o contribuinte com o VPT fixado em sede de segunda avaliação, e pretendendo contra ele reagir, apenas pode lançar mão da impugnação judicial e não da reclamação graciosa prevista nos artigos 68.º e seguintes, do CPPT;

VI. Quanto ao valor base dos prédios edificados (Vc), considerado na avaliação subjudice, não se verifica qualquer ilegalidade, pois o VPT global de um prédio com partes que sejam economicamente independentes corresponde ao somatório dos VPT's dessas partes, tal como se encontra estabelecido na alínea b), do n.º 2, do artigo 7.º, do CIMI, independentemente do número de pisos que o constituam;

VII. Relativamente ao coeficiente de localização (Cl) utilizado na avaliação em apreço também não se verifica qualquer ilegalidade, pois o mesmo está de acordo com o licenciamento de que foi objeto o prédio em causa que, claramente, não está afeto a qualquer atividade industrial;

VIII. O Cl utilizado no cálculo do VPT de todas as frações do referido prédio, no valor de 1,3, é o correto e é legal, pois corresponde ao Cl fixado na Portaria n.º 1119/2009, de 30 de setembro, para os prédios destinados a serviços e a comércio;

IX. Na escolha daquele valor de Cl o perito avaliador atuou de forma vinculada e não discricionária;

X. As áreas consideradas na avaliação em apreço foram apuradas pelo perito avaliador independente com base em plantas do prédio em tudo idênticas às juntas à PI como Docs. 16, 17, 18 e 19;

XI. A área de 1 172,65m2, constante das plantas relativas ao R/C, ao 1.º e ao 2.º andar, não corresponde à área bruta privativa de cada um daqueles pisos, a qual, nos termos do n.º 2, do artigo 40.º, do CIMI, é a superfície total medida pelo perímetro exterior e eixos das paredes ou outros elementos separadores do edifício ou fração;

XII. O 1º e o 2.º andares (2.º e 3.º pisos), não têm a mesma área que o R/C (1.º piso) pois este piso está ocupado, também, por dependências da unidade hoteleira que se encontra instalada no prédio;

XIII. O coeficiente de afetação (Ca) utilizado na avaliação em apreço, no valor de 1,10, está correto e é legal pois corresponde ao Ca fixado para os prédios afetos a serviços e está de acordo com o disposto no artigo 41º, do CIMI;

XIV. Resulta da jurisprudência do STA (Acórdão proferido em 2012-02-14, no processo nº 04950/11) que o Ca a aplicar na avaliação de estabelecimentos hoteleiros é o da afetação "Serviços";

XV. Estando provado nos autos que o prédio em apreço possui elevador (Cfr. plantas e depoimentos de todas as testemunhas), contrariamente ao pretendido pelo impugnante, não podia ser considerado, na sua avaliação, o elemento de qualidade e conforto minorativo "Inexistência de elevador em edifícios com mais de três pisos";

XVI. A não inclusão daquele elemento de qualidade e conforto minorativo, na avaliação do prédio, por um lado, e mais concretamente na avaliação dos andares ou divisões que o

compõem, por outro, está de acordo com o disposto do n.º 1, do artigo 43.º, do CIMI, e na correspondente Tabela II;

XVII. Estando igualmente provado nos presentes autos que o prédio em apreço possui uma rede de esgotos (Cfr. depoimentos de todas as testemunhas e declaração da Ambi... junta aos autos pelo impugnante), e que a ligação à rede pública é feita através da existência de um poço de bombagem, não pode ser considerado, na sua avaliação, o elemento de qualidade e conforto minorativo "Inexistência de rede pública ou privada de esgotos";

XVIII. No que diz respeito ao coeficiente de vetustez aplicado na avaliação subjudice não se verifica qualquer incorreção;

XIX. Não logrou o impugnante provar na presente impugnação que a idade do prédio, à data da avaliação era, de facto, de 26 anos;

XX. Na avaliação suo judice, foram respeitados todos os pressupostos legais quanto à da designação do perito independente que a realizou, o Eng.º F..., o qual possui as habilitações legalmente exigidas para o efeito e foi nomeado pela CNAPU, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 15.º-F, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro;

XXI. Porque os atos avaliação impugnados não padecem de nenhum dos vícios que lhe são imputados pelo impugnante, devem os mesmos ser mantidos na ordem jurídica, nos exatos termos em que foram praticados (mantendo-se igualmente o VPT fixado às divisões do prédio em causa) e produzir todos os consequentes efeitos legais.

Por seu turno, o recorrido reiterou o alegado na petição inicial (fls. 273).

Vejamos.

Na presente petição inicial de impugnação, o acto em crise é contestado com base nos argumentos seguintes:
i) Omissão de pronúncia sobre a questão da distorção do valor de mercado;
ii) Erro quanto ao número de divisões susceptíveis de utilização independente;
iii) Erro quanto ao valor base dos prédios edificados (Vc);
iv) Erro quanto aos coeficientes de localização utilizados na avaliação (CL);
v) Erro quanto à área do prédio;
vi) Erro quanto ao coeficiente de afectação (Ca);
vii) Erro quanto ao coeficiente de qualidade e conforto (Cq);
viii) Erro quanto ao coeficiente de vetustez (Cv).

Compulsado o teor do alegado na petição inicial de impugnação, cumpre referir o seguinte.

«O sistema de avaliações do I.M.I. consta dos artºs.38 a 70, do respectivo Código. O objectivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, a partir de uma fórmula matemática enunciada no artº.38, do C.I.M.I. // A avaliação assenta em seis coeficientes, todos eles de carácter objectivo, os quais se podem agregar em dois conjuntos: a) Os coeficientes macro, de enquadramento ou de contexto - trata-se dos coeficientes que não dependem especificamente de cada prédio individual que vai ser avaliado, mas do contexto económico e urbanístico em que se insere. São factores de variação do valor que não são intrínsecos a cada prédio, mas exteriores, apesar de serem sempre dele indissociáveis. Estes coeficientes aplicam-se, por natureza, a vários prédios e não apenas a um. São eles o valor base dos prédios edificados (Vc) e o coeficiente de localização (CL); // b) Os coeficientes específicos ou individuais - são os que respeitam a características intrínsecas dos próprios imóveis concretamente avaliados. Estamos a falar da área (A), do coeficiente de afectação (Ca), do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) e do coeficiente de vetustez (Cv)»[1].

Mais se refere o seguinte:

«O coeficiente de qualidade e conforto tem por função relevar o aumento ou diminuição do valor que o mercado incorpora nos prédios em função da presença, ou ausência, de determinados elementos ou características que estão associados ao próprio imóvel. Estamos perante elementos que melhoram ou reduzem a funcionalidade e comodidade do prédio, ou a qualidade de gozo que proporcionam ao seu utilizador. Os indicadores de qualidade e conforto consagrados na lei podem ter carácter positivo, dado contribuírem para uma maior eficiência e comodidade da utilização do imóvel (factores majorativos) ou, pelo contrário, diminuírem o valor do prédio, por se tratar de situações que restringem as condições básicas da utilização do mesmo (factores minorativos). Por outro lado, o legislador consagrou indicadores de qualidade e conforto típicos dos prédios urbanos destinados a habitação e outros específicos dos imóveis destinados ao comércio, indústria e serviços, mais definindo na lei o conceito de cada um desses indicadores, tudo no artº.43, do C.I.M.I. // Os vectores de qualidade e conforto a levar em consideração na avaliação de imóveis destinados a habitação constam da tabela I, a qual faz parte integrante do citado artº.43, do C.I.M.I. // A enunciação taxativa e a quantificação dos coeficientes de qualidade e conforto são bem demonstrativas da preocupação de rigor verdadeiramente matemático que o legislador usou na construção do sistema de avaliações, preocupação essa que vai também ao ponto de no artº.43, nº.2, do C.I.M.I., se definir o conceito de quase todos estes indicadores»[2].

A propósito do coeficiente de qualidade e conforto, cumpre referir que o mesmo «destina-se a aumentar ou diminuir o valor dos prédios, pelo que os elementos que o determinam devem estar associados ao próprio prédio ou fração autónoma e não ao seu titular. Trata-se de distinguir elementos que melhorem a funcionalidade e a comodidade do prédio, ou a qualidade do gozo que proporcionam ao utilizador do prédio ou da fração autónoma. Devem ser sempre elementos objetivos e distintivos que derivam diretamente da fruição do prédio, da sua envolvência, do ambiente em que se encontra, bem como das suas características intrínsecas»[3].

No caso em exame, do probatório resultam os elementos seguintes:
i) O prédio em causa não possui ligação à rede pública de esgotos (alíneas L) e M), do probatório);
ii) Na avaliação em exame não foi considerado, em relação a cada fracção em causa, o coeficiente minorativo de qualidade e conforto, no valor de 0,05, relativo a “Inexistência de rede pública e privada de esgotos” (alínea O) do probatório).

A desconsideração do factor minorativo em presença acarreta a ofensa do disposto no artigo 43.º/1, e tabelas anexas do CIMI, pelo que o acto avaliativo em apreço enferma de vício de violação de lei, não podendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.

Termos em que se impõe julgar procedente a presente impugnação, com a consequente anulação do acto impugnado. O que se determinará no dispositivo.

2.2.5. No que respeita ao pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, cumpre referir que nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento»[4].

«A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes»[5].

Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».

No caso em exame, o valor da causa corresponde €3.607.590,00.

Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que: «[o] direito fundamental de acesso aos Tribunais, que o artº.20, nº.1, da C.R.P., previne, comporta, numa das suas ópticas, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio. Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor), patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14].

No caso em exame, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, em particular da ora requerente, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual.

Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final.

Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, em relação a ambas as partes.

Termos em que se procederá no dispositivo.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
a)  conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida, e, em substituição, julgar a impugnação procedente, com a consequente anulação do acto avaliativo impugnado.
b) deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP, em relação a ambas as partes.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(Vital Lopes - 1º. Adjunto)

(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)



[1] Acórdão do TCAS, de 26.01.2017, P. 516/15.4BELLE.
[2] Acórdão do TCAS, de 13.02.2014, P. 07223/13
[3] José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3.ª Ef. 2016, p. 96.
[4] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
[5] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.