Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3337/15.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PAGAMENTO POR CONTA
FALTA DE PREENCHIMENTO DO TIPO
INEXISTÊNCIA DE IMPOSTO
Sumário:I- O pagamento por conta assume uma natureza cautelar relativamente à obrigação que resultará da determinação definitiva do imposto a entregar nos cofres do Estado.

II-O conceito de “imposto devido a final” que releva para este efeito é o que resulta das deduções previstas na legislação aplicável pois, se as entregas pecuniárias efetuadas a título de pagamento por conta o são por conta do imposto devido a final, o conceito de imposto que releva para este efeito não pode deixar de ser aquele para cujo apuramento estas relevam.

III-Não releva para o efeito do tipo contraordenacional, o facto de a inexistência de apuramento de imposto a entregar nos cofres do Estado dimanar da dedução por efeitos de crédito de dupla tributação internacional.

IV-O teor do artigo 107.º n.º1 do CIRC, no sentido de que pode ser dispensado o pagamento da terceira prestação, se o agente verificar que o montante a pagar é igual ou superior ao imposto que será devido, não é suficiente para “a contrario” se considerar que se impõe considerar praticada, no caso, a contraordenação prevista e punida, conjugadamente, pelos artigos 104.º n.º 1 a) do CIRC, 114.°, n.º 2, f), e 26.°, n.º 4, do R.G.I.T.

V-Não havendo imposto a final a pagar, não ocorre a lesão do interesse jurídico que a norma punitiva visa proteger, logo não havendo infração, nenhuma coima pode ser aplicada.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente o recurso apresentado contra a decisão administrativa de aplicação da coima proferida no processo de contraordenação nº ..... que correu termos no Serviço de Finanças de Oeiras 2, pela prática da contraordenação prevista no artigo 104.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, e punida pelos normativos 114.º, n.ºs 2, 5, alínea a) e 26.º, nº4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“CONCLUSÕES

A) À Recorrente foi aplicada no âmbito do Processo Contra-ordenacional n.º .....coima no valor de € 38.569,09, acrescida de custas processuais, pela prática de infracção ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do CIRC, por falta de entrega de pagamento por conta, referente ao período de 2014/07, cujo prazo terminou em 31-07-2014, no montante de € 124.819,09, punível nos termos do disposto na alínea f) dos n.ºs 2 e 5 do artigo 114.º e n.º 4 do artigo 26.º do RGIT.

B) Julgou o tribunal a quo procedente o recurso de contra-ordenação, com anulação da decisão de aplicação da coima, por concluir “que a Recorrente não cometeu a infracção que lhe é imputada, porquanto a sua conduta não preencheu todos os elementos constituintes da infracção tipificada na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, não tendo sido apurado IRC em falta, verificando-se uma causa de exclusão da ilicitude no tocante à sua conduta omissiva, motivo pelo qual deverá ser absolvida, determinando-se a anulação da coima recorrida.”, aderindo integralmente a entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 19-11-2015, no âmbito do recurso n.º 08920/15.

C) Salvo o devido respeito, diverge a Fazenda Pública do entendimento vertido na douta sentença, porquanto se mostra a mesma proferida em erro de julgamento de facto e de direito.

D) Desde logo, pelo que, de acordo com os factos transcritos temos notícia de que o recurso de contraordenação foi apresentado a 29-04-2015, e que teve por objecto a decisão de aplicação à Recorrente de coima no montante de € 38.569,09 proferida por meio de despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Oeiras 2 datado de 20-03-2015, mas não temos notícia nos factos assentes, facto que entendemos pertinente para efeitos da verificação da tempestividade do recurso de contra-ordenação interposto, da data da notificação da decisão de aplicação de coima em análise nos presentes autos à arguida.

E) Se a Recorrente foi notificada da decisão de aplicação da coima em 30-03-2015, conforme alegado pela Recorrente em sede de petição inicial – vide artigo 14.º da p.i. (vide doc. 3 da p.i.), o término do prazo de 20 dias (n.º 1 do artigo 80.º do RGIT) a 28-04-2015, pelo que, atendendo ao facto constante da alínea H), dos factos assentes, o recurso será intempestivo.

F) Sendo a caducidade do direito de acção de conhecimento oficioso, uma vez que excluída da disponibilidade das partes, estamos assim perante excepção peremptória de conhecimento oficioso, determinante da absolvição do pedido, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 576.º do CPC ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

G) Por outro lado, mais divergimos da fundamentação da douta sentença, que apela integralmente a fundamentação constante do citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, por entendermos não se mostrar ser tal douto acórdão passível da aplicação pretendida dar pela douta sentença.

H) Assim, ao contrário do quadro fáctico vertido no citado Acórdão, não estamos nos presentes autos perante um caso de suspensão do pagamento dos pagamentos por conta, mas sim perante o não pagamento do primeiro pagamento por conta referente ao mês de Julho de 2014 no montante de €124.819,09, e mais verificamos que não estamos aqui perante um caso de inexistência de lucro tributável.

I) Efectivamente, o imposto liquidado pela Recorrente no exercício de 2013, líquido das retenções na fonte, ascende ao montante de €394.165,54, e o imposto liquidado no exercício de 2014, líquido das retenções na fonte, ascende ao montante de € 46.134,52.

J) E, assim, a consideração feita pelo tribunal a quo no sentido de que, apesar da Recorrente ter tido no exercício de 2014 lucro tributável no montante de € 204.497,93, com uma colecta no valor de € 46.134,52, foi tal valor integralmente consumido pela aplicação de benefício fiscal de igual montante, o que justifica a falta de entrega do pagamento por conta, não tem acolhimento no Acórdão a que apela.

K) Vejamos que, o acórdão citado em momento algum se refere ao valor da colecta deduzida do valor de qualquer benefício fiscal, como o referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC e considerado pela douta sentença, do mesmo se deduzindo antes que pertinente, para efeito de determinação do pagamento por conta a efectuar, é o imposto liquidado com referência ao ano anterior, imposto esse líquido apenas e tão-só das retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso.

L) Ademais, a obrigação legal de proceder a pagamentos por conta resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do CIRC, sendo que, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 105.º do CIRC “Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquidos da dedução a que se refere a alínea e) do n.º 2 desse artigo.”. (realce nosso)

M) Pelo que, não poderia a douta sentença apelar a tal norma, e considerar o montante deduzido à colecta pela Recorrente a título de dupla de tributação jurídica internacional a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, para com isso a isentar da obrigação de pagamento.

N) Por outro lado, podem os sujeitos passivos, nos termos do n.º 4 do artigo 104.º do CIRC, ser dispensados de efectuar tais pagamentos por conta quando o imposto do período de tributação de referência para o cálculo seja inferior a € 200, no entanto, esta norma não é aplicável nos presentes autos por ascender o imposto a considerar ao montante de € 394.165,54.

O) Podem ainda, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 107.º do CIRC, os sujeitos passivos suspender os pagamentos por conta, mas tal possibilidade está limitada ao terceiro pagamento por conta, desde que o pagamento por conta já efectuado seja igual ou superior ao imposto que seria devido pelo sujeito passivo com base na matéria colectável do período de tributação.

P) Pelo que, apenas com referência ao terceiro pagamento por conta, nas condições exigidas pela norma, é possível suspender os pagamentos por conta devidos e calculados nos termos do referido artigo 105.º do CIRC, sem que tal omissão se consubstancie na falta de entrega de prestação tributária devida, face à exclusão de ilicitude que deriva do preenchimento dos requisitos vertidos na norma em questão.

Q) Caso contrário, o não pagamento constitui uma infracção tributária punida por força do disposto na alínea f) do n.º 5 e do n.º 2 do artigo 114.º do RGIT, sendo irrelevante, só por si, o facto de que não seja devido a final imposto pelo sujeito passivo obrigado ao pagamento por conta, se não se preencher o circunstancialismo exigido no n.º 1 do artigo 107.º do CIRC.

R) Resulta, deste modo, da lei, e de forma expressa e peremptória, que a possibilidade de suspensão do pagamento por conta apenas é configurável tendo por referência o terceiro pagamento por conta, nas condições previstas na norma, sendo que a alteração da norma em questão decorreu de alteração introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2013).

S) Na redacção anterior da norma seria, à data, possível não proceder a qualquer um dos três pagamentos por conta devidos, caso se considerasse verificado o condicionalismo constante da norma legal, sendo que, a partir da referida alteração legislativa tal faculdade foi suprimida, deixando de ser possível suspender ou não efectuar pagamentos por conta em quadro fáctico que extravase o previsto na norma alterada e que aponta para o terceiro pagamento por conta.

T) Refere-se também o n.º 3 do art.º 107.º do CIRC, para efeito de limitação das entregas a efectuar por conta do pagamento por conta, e apenas, ao terceiro pagamento por conta.

U) Assim, considerando o disposto no n.º 1 e 3 do artigo 104.º do CIRC e o n.º 1 do artigo 105.º do CIRC, conjugado com a não aplicabilidade ao caso concreto do n.º 1 do artigo 107.º do CIRC, a Recorrente não se poderia ter abstido de proceder ao pagamento por conta, e tal pagamento por conta ascendia ao valor de €124.819,09, uma vez que correspondente a 95% do montante do imposto liquidado – no exercício imediatamente anterior - nos termos do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, repartido por três montantes iguais (€394.165,54 x 95% / 3).

V) E desta conclusão não sai beliscado o princípio da tributação do lucro real, uma vez que depois de efectuados os primeiro e segundo pagamentos por conta, poderá o contribuinte fazer cessar os pagamentos, não procedendo ao terceiro pagamento por conta nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 107.º do CIRC, atendendo precisamente à matéria colectável do período de tributação, sempre sendo os pagamentos por conta considerados para efeitos de determinação do imposto a pagar a final, conforme disposto no n.º 2 do artigo 104.º do CIRC, o que reitera a tributação pelo lucro real.

W) Face ao exposto, incorreu pois a Recorrente na prática de ilícito contra-ordenacional por falta de entrega do pagamento por conta devido nos termos dos normativos legais citados, contra-ordenação tipificada na alínea f) do n.º 5 e no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT e n.º 4 do artigo 26.º do RGIT.

X) E, assim, a douta sentença foi proferida em erro de julgamento de facto, por não consideração do facto atinente à notificação à recorrente da decisão de aplicação da coima, determinante, quando conjugado com o facto constante na alínea H). dos factos assentes, da absolvição do pedido por intempestividade do recurso, mais padecendo de deficiente apreciação da matéria de facto, e subsequente errónea interpretação das normas legais aplicáveis, com violação do disposto no n.º 1 do artigo 104.º, do n.º 1 e 3 do artigo 105.º e do n.º 1 do artigo 107.º a contrario, todos do CIRC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e o recurso interposto da decisão de aplicação da coima ser julgado improcedente.

Sendo que V. Exas. Decidindo farão a Costumada Justiça.”


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído como segue:

1ª A douta decisão recorrida julgou procedente o recurso da decisão de aplicação de coima, proferida pelo Exmo. Senhor Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Oeiras-2, no âmbito do processo de contraordenação n.º ....., a qual aplicou à ora Recorrida uma coima no valor de € 38.569,09, acrescida das custas processuais, pela não entrega de pagamento por conta referente ao período 2014/07, em virtude da violação ao disposto no artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, infração prevista e punível nos termos dos artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea f) e 26.º, n.º 4, todos do RGIT;

2.ª Considerou o Tribunal recorrido que, não obstante se ter provado que a ora Recorrida não procedeu ao pagamento por conta do período de 2014/07, resulta igualmente provado que em 2014 apesar de ter sido apurado um lucro tributável de €204.497,93 tal não se traduziu num montante de imposto a pagar, tampouco a recuperar, em virtude da existência do crédito de dupla tributação internacional;

3.ª O Tribunal recorrido entendeu não se verificarem cumpridos os pressupostos da infração, plasmados no artigo 114.º, n.º 5, alínea f) do RGIT, porquanto in casu não existia imposto a pagar no final do exercício e, neste sentido, a falta de entrega do pagamento por conta não consubstancia uma ilicitude, conforme entende também o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 19.11.2015, proferido no âmbito do recurso n.º 08920/15, citado pela douta sentença recorrida;

4.ª Inconformada com a douta sentença, a Recorrente deduziu o respetivo recurso, no âmbito de cujas alegações defende que o recurso da decisão de aplicação de coima é intempestivo, por ter sido apresentado em 29.04.2015, quando o prazo de 20 dias terminou em 28.04.2015, o que determina a absolvição da ora Recorrente do pedido à luz dos artigo 576.º, n.º 3 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT;

5.ª Continua a Recorrente, no sentido de que, o que releva para efeitos de determinação do pagamento por conta é o lucro tributável e não o valor do imposto devido a final que reflete as deduções à coleta que, entende a Recorrente, não encontra consagração legal tampouco acolhimento no acórdão citado pela douta sentença recorrida, ao abrigo do qual entende a Recorrente sempre seria devido o pagamento por conta por a ora Recorrida apresentar, nos exercícios de 2013 e 2014, lucro tributável;

6.ª Por outro lado, entende a ora Recorrente não se verifica qualquer situação de dispensa ou suspensão dos pagamentos por conta, nos termos dos artigos 104.º, n.º 4 e 107.º do Código do IRC;

7.ª Por conseguinte, perfilha a Recorrente que a ora Recorrida “(…) incorreu na prática do ilícito contraordenacional por falta de entrega do pagamento por conta devido nos termos dos normativos legais citados, contraordenação tipificada na alínea f) do n.º 5 e no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT e do n.º 4 do artigo 26.º do RGIT.”;

8.ª E que “(…) a douta sentença foi proferida em erro de julgamento de facto, por não consideração do facto atinente à notificação à recorrente da decisão de aplicação da coima, determinante, quando conjugado com o facto constante na alínea H), dos factos assentes, da absolvição do pedido por intempestividade do recurso (…) Mais padecendo de deficiente apreciação da matéria de facto e subsequente errónea interpretação das normas legais aplicáveis, com violação do disposto no n.º 1 do artigo 104.º. do n.º 1 e 3 do artigo 105.º e do n.º 1 do artigo 107.º a contrario, todos do CIRC.”;

9.ª Contudo, não pode o Recorrido aceitar os fundamentos tecidos nas alegações da Recorrente na medida em que, desde logo, relativamente à intempestividade do recurso da decisão de aplicação de coima, foi o mesmo apresentado em 28.04.2015 e não em 29.04.2015, porquanto a data em que se considera apresentado é a data da expedição da peça processual, i.e. em 28.04.2015, como, aliás, resulta inequívoco da informação elaborada pelo serviço de finanças de Oeiras – 2;

10.ª No que concerne à data da apresentação do recurso, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao dar como como provado, na alínea H), a apresentação do recurso a 29.04.2015, razão pela qual a Recorrida impugna tal facto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do CPC, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 3.º, alínea b) do RGIT, 41.º, n.º 1, do RGCO e artigo 4.º do CPP;

11.ª De facto, tendo em consideração os elementos juntos aos autos, em concreto a informação elaborada pelo serviço de finanças de Oeiras-2, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que: “O presente recurso foi apresentado em 28.04.2015. (cf. informação do serviço de finanças de Oeiras-2);

12.ª Por outro lado, no que se refere à alegada obrigatoriedade de efetuar o pagamento por conta não podemos deixar de ter presente que este pagamento constitui um adiantamento ou antecipação do imposto a pagar com referência ao exercício, conforme resulta do artigo 33.º da LGT, e no exercício de 2014 não se apurou qualquer imposto a pagar na declaração modelo 22 de IRC;

13.ª Note-se que o conceito de “imposto devido a final” que releva para este efeito é o que resulta da dedução à coleta das deduções previstas na legislação aplicável pois, se as entregas pecuniárias efetuadas a título de pagamento por conta o são por conta do imposto devido a final, o conceito de imposto que releva para este efeito não pode deixar de ser aquele para cujo apuramento estas relevam;

14.ª Acresce que, o valor atendível para efeitos de cálculo dos pagamentos por conta em sede de IRC sempre será o da autoliquidação de IRC do ano anterior porquanto no momento do pagamento da primeira prestação de Julho a mesma já ocorreu, pelo que no caso sub judice tendo sido apurado no exercício anterior, 2013, o valor de € 11.705,70 a recuperar pela ora Recorrida, inexiste base para cálculo do pagamento por conta de 2014;

15.ª Por outro lado, no que se refere à alegada incompatibilidade entre a sentença recorrida e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.11.2015, proferido no âmbito do recurso n.º 08920/15, refira-se que o aresto citado na sentença não consagra o lucro tributável como único fundamento do pagamento por conta, antes se limita a exemplificar que no caso de inexistência de lucro tributável os pagamentos por conta se esvaziam de sentido e daí que utilize a expressão “mormente”, no sentido de que chegados à fase do cálculo do imposto sem que houvesse lucro, não faria sentido haver pagamento por conta, o que não significa que este juízo de adequação apenas se faça aquando do apuramento do lucro tributável, isto porque como vimos o pagamento por conta é um adiantamento do imposto devido a final e o imposto a final comporta as deduções à coleta;

16.ª Ainda a este propósito, entendendo a Recorrente que não poderia ter sido utilizada esta decisão para fundamentar a sentença recorrida por assentarem em factos díspares, tal entendimento reflete uma incorreta interpretação da intenção do Tribunal recorrido na medida em que, o que este procurou fazer ao refletir na sentença um excerto do acórdão em apreço, foi exclusivamente solucionar a questão decidenda – i.e., se a falta de entrega do pagamento por conta, nas situações em que não resulte imposto a pagar a final no exercício, constitui uma infração nos termos do artigo 114.º, n.º 5, alínea f) do RGIT;

17.ª A intenção foi tão-só esclarecer que o pagamento por conta tem de ter subjacente um fundamento que se traduz no imposto a pagar a final, isto porque inexistindo matéria coletável ou imposto a pagar a final não haverá lugar ao pagamento por conta e não havendo fundamento para este, não se verifica qualquer infração pelo seu não pagamento;

18.ª Acresce que, a ora Recorrida sempre estaria dispensada dos pagamentos por conta referentes ao exercício de 2014, nos termos do n.º 4 do artigo 104.º do Código do IRC, porquanto em 2013, ano de referência para calcular o pagamento por conta de 2014, apurou um montante de imposto a recuperar de € 11.705,70 e, por conseguinte, inferior ao limite de € 200,00 (a pagar ao Estado) previsto na disposição em apreço;

19.ª Por outro lado, reconhecendo-se a aproximação do conceito de infração contraordenacional ao conceito de crime e sendo certo que a punibilidade, no sentido de desnecessidade preventiva de punição ou carência de tutela, é um dos elementos constitutivos do crime a sanção contraordenacional deve assentar, também, na verificação de pressupostos de punibilidade;

20.ª No caso sub judice, não existindo imposto em falta, inexiste lesão jurídica que justifique a punibilidade da presente contraordenação e deixa de existir qualquer exigibilidade na aplicação de uma sanção contraordenacional pois não se atingem os limiares mínimos de exigência preventiva de punibilidade, nem existe qualquer conduta que ainda seja digna de sanção;

21.ª Sem prejuízo do exposto, na determinação do sentido e alcance do artigo 114.º do RGIT verifica-se que a falta de entrega dos pagamentos por conta não implica, de per si, a prática da infração ali prevista porquanto, o bem jurídico que a norma em causa visa proteger é o interesse da Autoridade Tributária na arrecadação do imposto devido no exercício sendo que só assim se compreende que, no n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, se prevejam como falta de entrega da prestação tributária situações em que não há propriamente falta de pagamento do imposto, mas omissões que podem ter como consequência a falta de cobrança do imposto devido isto porque, o fim visado com aquela norma não é o de salvaguardar a singela entrega do pagamento por conta, mas o da arrecadação do imposto devido a final no exercício;

22.ª Só se estará perante uma infração suscetível de punição quando ocorre uma efetiva lesão do interesse protegido pela norma, impõe-se assim, para que haja lesão do interesse protegido pela norma e, por conseguinte, o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição, que a Autoridade Tributária tenha deixado de receber imposto que era devido;

23.ª Ora, in casu não se estimando que dos correspondentes campos previstos no Quadro 10 da declaração periódica de rendimentos modelo 22 referentes ao “IRC liquidado”

e ao “IRC a Pagar” conste algum montante, dúvidas não restam de que não há imposto devido a final no exercício ao qual aqueles pagamentos por conta seriam abatidos pelo que, não havendo imposto a final no exercício, não pode ser imputada à Recorrida a prática de qualquer infração, por inexistência de lesão do interesse protegido pelo artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT;

24.ª Com efeito, o artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT não pode deixar de ser interpretado no sentido de que apenas quando o Estado tenha deixado de arrecadar o imposto que lhe seria devido é que deve ser punida a falta de entrega da prestação de pagamento por conta, sob pena de violação dos princípios constitucionalmente consagrados da proporcionalidade, da tributação pelo lucro real e da igualdade contributiva (cf. artigos 13.º, 18.º, 104.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa), como, aliás, é assente na jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais (cf. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos no âmbito do recurso n.º 0877/06, em 07.03.2007, e do processo n.º 01221/06, em 28.01.2007);

25.ª Para se atingir tal conclusão importa fazer referência aos vários subprincípios em que o princípio da proporcionalidade, quando dotado de cobertura constitucional, assume e que se concretizam na adequação, na necessidade e na justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito;

26.ª Desde logo, no que se refere às mencionadas vertentes da adequação e da necessidade, embora se reconheça que o interesse legítimo na arrecadação do imposto devido no exercício possa justificar a previsão e punição da falta de entrega dos pagamentos por conta, já nada justifica que, quando o Estado não tenha ficado lesado, essa responsabilidade continue a existir tampouco que os contribuintes sejam igualmente punidos pela falta de entrega de pagamentos por conta, quer o Estado tenha ou não ficado lesado na cobrança do imposto devido a final;

27.ª Por fim, também na sua vertente mais estrita ocorre a violação do princípio da proporcionalidade na medida em que, a interpretação da aludida norma no sentido de que qualquer falta de entrega dos pagamentos por conta deve ser punida nos termos previstos na norma abre a porta para a aplicação de coimas em valores que poderão exceder 4400 vezes o eventual imposto devido a final e numa situação limite e hipotética, o contribuinte poderá ver-se obrigado a pagar uma coima de €110.000,00, quando o imposto devido a final foi de apenas € 25,00, o que é manifestamente desproporcional face ao bem jurídico que a norma visa tutelar;

28.ª Efetivamente, o direito do Estado a arrecadar o imposto devido e à punição da falta de entrega do pagamento por conta do imposto devido a final não pode implicar uma punição desligada quer do resultado da infração, quer dos valores em causa, sob pena de manifesta violação do princípio da proporcionalidade, pelo que o artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT, se interpretado no sentido de que qualquer falta de entrega dos pagamentos por conta deve ser punida, independentemente da existência de imposto devido a final, incorre em violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

29.ª Acresce que, também ao nível do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real vertido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e o da igualdade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, o artigo 114.º, n.º 5, do RGIT e a interpretação que dele se efetua no caso vertente são inconstitucionais;

30.ª Com efeito, a imputação da responsabilidade infracional pela falta de entrega do pagamento por conta, independentemente de haver ou não imposto devido a final, encerra uma presunção inilidível de imposto devido no exercício, para além de um tratamento desigualitário dos contribuintes face ao resultado fiscal apurado no exercício, culminando estes por ser tratados em desrespeito da sua capacidade contributiva no exercício em causa (cf. TC, no Acórdão n.º 348/97, de 29 de Abril de 1997);

31.ª Deste modo, o artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT, se interpretado no sentido de que toda e qualquer falta de entrega de pagamentos por conta deve consubstanciar falta de entrega da prestação tributária prevista e punida por aquela norma, padece de inconstitucionalidade por do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e nessa medida, manter-se a sentença recorrida, assim se cumprido com o DIREITO e a JUSTIÇA.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

“A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova documental encontram-se assentes, por provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

A) A Recorrente é uma sociedade que tem por objecto social a prestação de serviços de logística operacional, gestão de aprovisionamento e equipamento na área da construção civil e obras públicas, quer para o mercado interno, quer para o mercado externo [não controvertido].

B) Em 15.05.2014, a Recorrente procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22, referente ao exercício de 2013, na qual apurou um montante a pagar de €14.247,60, a título de derrama e tributações autónomas, constando no quadro 9 e 10, nomeadamente, o seguinte:

   

[cf. cópia da declaração mod. 22 a fls. 25 a 29 dos autos].

C) No ano de 2014 a Recorrente não efectuou qualquer pagamento por conta, com referência ao exercício fiscal de 2014 [cf. campo 360 da cópia da declaração mod. 22 a fls. 61 a 64 dos autos].

D) Em 19.05.2015, a Recorrente procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22, referente ao exercício de 2014, constando do quadro 9 e 10:

   

[cf. cópia da declaração mod. 22 a fls. 61 a 64 dos autos].

E) Relativamente ao exercício de 2014, e na sequência da apresentação da declaração identificada em D) supra, foi emitida a liquidação n.º ....., em nome da Recorrente, da qual consta nomeadamente o seguinte:

 

[cf. fls. 65 dos autos].

F) Em Março de 2015, a Recorrente foi notificada da instauração do processo de contra-ordenação n.º ....., do Serviço de Finanças de Oeiras 2, com base em auto de notícia levantado, por falta de entrega de pagamento por conta, referente ao ano de 2014/07, cujo prazo limite de entrega terminou em 31.07.2014, infringindo o disposto no artigo 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, punível nos termos dos artigos 114.º, n.º 2 e 5, alínea f) e 26.º, n.º 4, todos do RGIT [cf. fls. 31 dos autos].

G) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, datado de 20.03.2015, foi aplicada à Recorrente a coima de €38.569,09 (acto recorrido), no processo de contra-ordenação identificado no ponto anterior [cf. fls. 33 dos autos].

H) O presente recurso foi apresentado a 29.04.2015 [cf. fls. 4 dos autos].


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada: “Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”

***

A motivação da matéria de facto, assentou na “convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório”.

***

Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.[1]

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

G) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, datado de 20.03.2015, foi aplicada à Recorrente a coima de €38.569,09 (acto recorrido), no processo de contraordenação identificado no ponto anterior, a qual foi objeto de notificação no dia 30 de março de 2015 [cf. fls. 33 dos autos; facto não controvertido e expressamente assumido pela Recorrente].

H) O presente recurso foi remetido, via postal registada, para o Serviço de Finanças de Oeiras 2, a 28.04.2015 [cf. fls. 4 dos autos].


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente o recurso interposto contra a decisão administrativa de aplicação da coima proferida no processo de contraordenação nº ....., pela prática da contraordenação prevista no artigo 104.º, nº1, alínea a), do CIRC, e punida pelos normativos 114.º, n.ºs 2, 5, alínea f) e 26º, nº4, ambos do RGIT.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 411.º, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se o recurso judicial de decisão de aplicação de coima é intempestivo, e em caso negativo se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, ao ter decidido que a Recorrente não cometeu a infração tipificada no artigo 114.º, nº5, alínea f), do RGIT, por não ter sido apurado imposto em falta.

Apreciando.

Comecemos pela arguida intempestividade do recurso contraordenacional.

A Recorrente defende que tendo a decisão administrativa de aplicação de coima sido notificada, conforme a Recorrente expressamente reconhece na sua p.i., em 30 de março de 2015, e tendo o recurso de contraordenação sido apresentado a 29 de abril de 2015, conforme resulta da factualidade assente, tal determina que foi apresentado extemporaneamente face ao prazo consignado no artigo 80.º do RGIT, o qual expirava a 28 de abril de 2015.

Dissente a Recorrida, relevando para o efeito que, contrariamente ao consignado na factualidade assente, mormente, na alínea H), a petição de recurso não foi interposta a 29 de abril de 2015, mas sim a 28 de abril de 2015, mediante expedição por via postal registada para o respetivo Serviço de Finanças, razão pela qual a mesma é tempestiva.

Vejamos, então, a quem assiste a razão.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que para os autos releva:

Ab initio, importa convocar o disposto no artigo 80.º, n.º 1, do RGIT, o qual sob a epígrafe de “Recurso das decisões de aplicação das coimas” dispõe que:

“1 - As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objeto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação.”

Em termos de cômputo do prazo, importa, igualmente, ter presente o consignado no artigo 60.º do RGCO:
“1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”

Ora, da conjugação dos citados normativos dimana inequívoco que o recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima deve ser interposto no prazo de vinte dias a contar da sua notificação.

Visto o direito que releva para o caso dos autos, atentemos no recorte probatório dos autos.

Do acervo fático, devidamente alterado por este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição, resulta que a Recorrida foi notificada da decisão administrativa de aplicação de coima a 30 de março de 2015, logo o termo do prazo dos vinte dias expirava a 28 de abril de 2015-conforme, aliás, ambas as partes anuem- pelo que tendo a petição de recurso sido expedida via carta registada para o Serviço de Finanças de Oeiras 2, precisamente nessa data, dimana perentório que o mesmo é tempestivo.

E por assim ser, improcede a arguida extemporaneidade da ação.

Atentemos, ora, no erro de julgamento por falta de preenchimento dos elementos do tipo.

A Recorrente defende que no caso vertente não nos encontramos perante um caso de suspensão de pagamento dos pagamentos por conta, mas sim perante o não pagamento do primeiro pagamento por conta referente ao mês de julho de 2014 no montante de €124.819,09, sendo que existe lucro tributável.

Com efeito, aduz que tendo o imposto liquidado no exercício de 2013, líquido das retenções na fonte, ascendido ao montante de €394.165,54, e o imposto liquidado no exercício de 2014, líquido das retenções na fonte, ao valor de €46.134,52, não se pode concluir, conforme expendido pelo Tribunal a quo, que não obstante essa coleta o que importa é que inexistiu imposto a entregar nos cofres do Estado, face à aplicação de benefício fiscal de igual montante.

Mais enfatiza que, por um lado a situação fática não se subsume no artigo 104.º, nº4 do CIRC, e por outro lado, a suspensão dos pagamentos por conta só está limitada ao terceiro pagamento por conta, e nas condições legalmente exigidas no disposto no artigo 107.º, n.ºs 1 a 3 do CIRC.

Conclui, assim, que a Recorrente incorreu, contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, na prática de ilícito contraordenacional por falta de entrega do pagamento por conta, logo na contraordenação tipificada na alínea f), do n.º 5, e no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT e n.º 4 do artigo 26.º do RGIT.

Dissente a Recorrida alegando que o conceito de “imposto devido a final” que releva para este efeito é o que resulta das deduções previstas na legislação aplicável pois, se as entregas pecuniárias efetuadas a título de pagamento por conta o são por conta do imposto devido a final, o conceito de imposto que releva para este efeito não pode deixar de ser aquele para cujo apuramento estas relevam.

Acresce que, o valor atendível para efeitos de cálculo dos pagamentos por conta em sede de IRC sempre será o da autoliquidação de IRC do ano anterior porquanto no momento do pagamento da primeira prestação de julho a mesma já ocorreu, pelo que no caso sub judice tendo sido apurado no exercício anterior, 2013, o valor de € 11.705,70 a recuperar pela ora Recorrida, inexiste base para cálculo do pagamento por conta de 2014.

Mais sustenta, que o artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT não pode deixar de ser interpretado no sentido de que apenas quando o Estado tenha deixado de arrecadar o imposto que lhe seria devido é que deve ser punida a falta de entrega da prestação de pagamento por conta, sob pena de violação dos princípios constitucionalmente consagrados da proporcionalidade, da tributação pelo lucro real e da igualdade contributiva (cf. artigos 13.º, 18.º, 104.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa), como, aliás, é assente na jurisprudência.

Apreciando.

Vejamos, então, se há lugar ao preenchimento do tipo contraordenacional, importando, para o efeito e antes de mais, atentar quais os elementos constitutivos de uma infração tributária.

Decorre do teor do artigo 2.º nº 1 do RGIT, que “constitui infração tributária todo o facto típico, ilícito e culposo, declarado punível por lei tributária anterior”.

Assim sendo, tem de existir um facto, ou seja, para haver uma infração tributária tem de haver uma conduta humana («nullum crimen sine actione»).

Segundo Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos[2] “por conduta entende-se um comportamento humano expresso de forma voluntária e consciente (não é conduta o acto meramente reflexo ou inconsciente), activo (isto é, expresso de forma positiva, actuante) ou negativo (ou seja, expresso pela inactividade, a abstenção, a omissão, o não fazer), que produz um resultado (o mesmo é dizer, uma alteração do mundo exterior”.

Por sua vez, o facto tem que preencher um tipo descrito na lei, ou seja, tem de ser típico («nullum crimen sine lege»). Daí que, a tipicidade possa ser entendida como a adequação de uma conduta ao tipo, rigorosamente, diz-se que o facto é típico quando há o enquadramento de um comportamento real ao comando legal.

Mais acresce que o facto típico tem de ser ilícito, dimanando a antijuricidade da circunstância de que nos elementos do tipo deve constar que tal comportamento é contrário à lei ou ao direito.

E tem, necessariamente, de ser um facto culposo, isto é, o comportamento deve ser subjectivamente imputável ao seu autor («nullum crimen sine culpa»).

De notar que, pese embora a letra da lei não o refira expressamente, o facto ilícito e culposo deve ser adequado à produção de um resultado quando o resultado for um elemento do tipo. É o que resulta do artigo 10.º nº 1 do Código Penal, segundo o qual, quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a ação adequada a produzi-lo como também a omissão da ação adequada a evitá-lo.

In fine, tem de ser declarado punível por lei.

Em face da matéria de direito supra expendida, importa, ora, transpor a mesma para o caso dos autos de forma a aferir, em concreto, se temos um facto típico que se subsuma no ilícito contraordenacional invocado pelo Serviço de Finanças de Oeiras 2, ou seja, no artigo 114.º nº 5, alínea f), do RGIT.

Apreciando.

Comecemos, então, por convocar os preceitos legais que relevam para o caso dos autos.

De harmonia com o disposto no artigo 104.º, n.º 1, alínea a), do CIRC:

 “As entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”, como a Recorrida, “devem proceder ao pagamento do imposto em “três pagamentos por conta, com vencimento nos meses de julho, setembro e dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável”.

Quanto ao modo de cálculo do pagamento por conta dispõe o artigo 105.º, do CIRC, no seu nº 1, que:
“ Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquidos da dedução a que se refere a alínea e) do n.º 2 desse artigo”.

Preceituando, por seu turno, o convocado artigo 90.º do CIRC, quanto à liquidação o seguinte:
1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;
(…)
2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;
b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;
c) A relativa a benefícios fiscais;
d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.”

Acrescenta, por seu turno, o artigo 107.º, n.º 1 do mesmo Código que se:
 “O contribuinte verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria coletável do exercício, pode deixar de efetuar o terceiro pagamento por conta”.

A final, importa atentar na letra da norma punitiva, concretamente no artigo 114.º, nº5, alínea f), do RGIT, segunda a qual será punível como falta de entrega de prestação tributária, “A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta”.

Ora, em face do supra expendido resulta, inequívoco, que os pagamentos por conta funcionam como forma de antecipação das receitas fiscais.

Com efeito, como expendido no Acórdão do Tribunal Constitucional, referente ao processo nº 494/2009 de 23 de outubro de 2009:

A finalidade dos pagamentos por conta (do PEC mas, do mesmo modo, do pagamento normal por conta - PNC) é a de, concretizando a máxima pay as you earn, aproximar a data do pagamento, neste caso, do IRC, da data da produção ou obtenção dos rendimentos, sendo certo que a obrigação tributária apenas estará efectivamente definida e quantificada no final do respectivo período de imposição, por referência aos factos tributários que fundam a emergência da obrigação do imposto. Imposições deste género correspondem juridicamente, numa perspectiva estrutural, a actos tributários provisórios e, funcionalmente, a actos cautelares ou caucionais.

Sem prejuízo do reconhecimento de uma certa autonomia do pagamento antecipado da dívida tributária, é necessário que se verifique uma relação de instrumentalidade entre o pagamento especial por conta (o seu nascimento e quantificação) e o facto tributário gerador da obrigação fiscal. (…)

Significa, portanto, que o pagamento por conta assume uma natureza cautelar relativamente à obrigação que resultará da determinação definitiva do imposto.” (destaques e sublinhados nossos).

Como evidenciado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0877/06, de 07 de março de 2007:

“Da definição legal de “pagamento por conta” retira-se uma imbricação inevitável, necessária e essencial entre “pagamento por conta” e “imposto devido a final”.

Por modo tal que o “título” (palavra da lei) do “pagamento por conta” é o “imposto devido a final”.

O que significa que o “pagamento por conta” é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido a final, no período de formação do facto tributário.

O que significa, ainda, que o “pagamento por conta” tem de ser aferido com referência à situação contabilística da empresa no fim do período a que se refere o pagamento por conta.

O que decididamente quer dizer que, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente período de formação do facto tributário (a que se refere o “pagamento por conta”) – mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo –, aquele “pagamento por conta” não tem fundamento substantivo.(…)

(…) de harmonia com a tipificação da infracção tributária prevista na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, a falta de prestação de pagamento por conta constitui uma “infracção de resultado” (não, simplesmente, “de perigo”).

Com a falta de “pagamento por conta” há certamente o perigo de lesão do interesse protegido pela norma. Há realmente o perigo de a Administração Fiscal deixar de receber o imposto que lhe é devido.

Mas o que é importante, na economia da norma de punição em foco, não é o perigo de lesão do interesse protegido. O que verdadeiramente importa, para a norma de punição, é o resultado, ou seja, a efectiva lesão do interesse protegido. Isto é: a presença de imposto devido que não tenha sido entregue.

E, assim, se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição – porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma.
A falta de entrega da prestação por conta pode existir, mas, se não ocorrer a efectiva lesão do interesse protegido pela norma incriminadora, a infracção não se verifica, e, não se verificando infracção, não pode haver punição
[3].”

Ora, visto o direito e os entendimentos jurisprudenciais supra expendidos, regressemos ao caso dos autos.

In casu, a Recorrida não procedeu à entrega do pagamento por conta referente à primeira prestação concernente ao exercício de 2014, sendo que na declaração de Rendimentos Modelo 22, respeitante ao exercício de 2014, pese embora tenha existido lucro tributável apurado, a verdade é que não resultou qualquer imposto a final  a entregar nos cofres do Estado, conforme dimana da Declaração de Rendimentos e bem assim da correspondente nota de liquidação.

Ora, sufragando os entendimentos expendidos anteriormente, resulta que o pagamento por conta não pode estar desligado do princípio da tributação do lucro real e não pode violar o princípio da proporcionalidade, sob pena, como visto, de violação de lei constitucional.

Porquanto, a falta do pagamento por conta deve ser aferida em função, quer do exercício anterior, quer da concreta atividade desenvolvida pelo sujeito passivo. Donde, resultando provado nos autos, que a empresa não teve qualquer imposto final a pagar, conclui-se que não estão preenchidos os elementos típicos integradores da contraordenação.

Com efeito, a manutenção de uma coima de €38.569,09 e a obrigação de um pagamento por conta no montante de €124.819,09, tomando como termo de comparação o valor pago no exercício anterior face ao valor do imposto a pagar no exercício seguinte, seria efetivamente um “empréstimo forçado” ao Estado, incompatível com um Estado de Direito[4].

De salientar, neste particular, que não releva para o efeito o facto de a inexistência de apuramento de imposto a entregar nos cofres do Estado dimanar da dedução por efeitos de crédito de dupla tributação internacional. Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do artigo 90.º, nº 1, do CIRC, ou seja, tendo por base a matéria coletável constante na declaração periódica de rendimentos apresentada pelo sujeito passivo. É certo que é feita expressa menção à dedução da alínea e), mas a verdade é que o que importa reter é que independentemente do cálculo dos pagamentos por conta, os termos do processo contraordenacional só são preenchidos quando exista, efetivamente, imposto a entregar nos cofres do Estado, como claramente se infere do disposto na alínea f), do nº5, do artigo 114.º do RGIT.

Ademais, o conceito de “imposto devido a final” que releva para este efeito é o que resulta da dedução à coleta das deduções previstas na legislação aplicável pois, se as entregas pecuniárias efetuadas a título de pagamento por conta o são por conta do imposto devido a final, o conceito de imposto que releva para este efeito não pode deixar de ser aquele para cujo apuramento estas relevam.

Destarte, não havendo imposto a final a pagar, não ocorre a lesão do interesse jurídico que a norma punitiva visa proteger, logo não foi praticada qualquer infração e não havendo infração, nenhuma coima pode ser aplicada.

É certo que a Recorrida aduz, outrossim, que face à redação do citado artigo 107.º, nº1 do RGIT, só pode ser dispensada a terceira prestação, e nunca a primeira prestação que é a que está na génese da presente coima, mas a verdade é que essa circunstância, per se, não pode acarretar o preenchimento do tipo contraordenacional. Com efeito, o que importa aferir e ponderar é que não havendo imposto a pagar, inexiste efetividade da lesão do interesse protegido pela norma punitiva, donde conduta passível de integrar o tipo de ilícito contraordenacional.

Neste particular, importa convocar o Aresto do STA, proferido no processo nº 0461/18, de 16 de janeiro de 2020, o qual doutrina na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“É certo encontrar-se previsto no art. 107.º n.º1 do C.I.R.C., na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, poder ser dispensado o pagamento da terceira prestação, se o agente verificar que o montante a pagar é igual ou superior ao imposto que será devido.

Contudo, tal não é suficiente para “a contrario” se considerar que se impõe considerar praticada, no caso, a contraordenação p.ª e p.ª, conjugadamente, pelos artigos 104.º n.º 1 a) do CIRC, 114.°, n.º 2, f), e 26.°, n.º 4, do R.G.I.T..

A proteção do erário público, a que se destina o tipo legal em causa é relativo a uma tributação a que se tem de proceder fundamentalmente segundo o rendimento real – art. 104.º n.º 2 da C.R.P..

Consideramos que, resultando apurado haver no respetivo exercício imposto a recuperar - e não a pagar-, não existe a contrariedade com a ordem jurídica considerada na totalidade.

No caso de não vir a ocorrer o pagamento da segunda prestação por conta, prevista para o mês de setembro, é de excluir a ilicitude e a punição.

Com efeito, tal está de que acordo com o art. 31.º n.º 1 do C. Penal, bem como com o art. 2.º n.ºs 1 e 2 do R.G.I.T..” (destaques e sublinhados nossos).

De relevar, in fine, que não havendo imposto devido a final, para além, de como visto, a punição não respeitar a norma tipificadora da infração, a verdade é que sempre acarretaria o desrespeito da valoração jurídica decorrente da harmonia do sistema fiscal, e a capacidade contributiva do devedor.

 De resto, só com essa interpretação serão respeitados os princípios constitucionais basilares da tributação do lucro real, da justiça, da legalidade e da proporcionalidade, porquanto o artigo 114.º, nº5, alínea f), do RGIT, tem de ser interpretado no sentido de que apenas quando o Estado tenha deixado de arrecadar o imposto devido é que deve ser punida a falta de entrega da prestação tributária.

Até porque, “[o]s pagamentos por conta revestem natureza provisória, apenas se podendo tornar definitivos quando o montante de imposto a pagar estiver efectivamente determinado, pelo que se verifica apenas um adiantamento do pagamento do imposto devido a final. Deste modo, o pagamento antecipado produzirá os seus efeitos se couber dentro da dívida de imposto, a qual apenas ficará determinada no momento da liquidação, sendo que a estruturação desta, em regra, implica a existência de uma obrigação acessória declarativa do sujeito passivo (cfr.v.g.artºs.89, al.a), e 90, nº.1, al.a), do C.I.R.C.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.291). [5]“.

Conclui-se, assim, que a conduta da Recorrente é insuscetível de preencher o tipo da contraordenação prevista e punida pelo aludido normativo 114.º, n.º 5, alínea e), do RGIT, impondo-se a sua absolvição por falta de preenchimento do tipo, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.


***

IV. DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida.

Sem custas.

Registe e notifique.


Lisboa, 29 de abril de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

______________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[2] Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado. 3.ª edição: 2008, Áreas Editora, p. 39.
[3] No mesmo sentido, vide, designadamente, Aresto do TCA Sul, proferido no processo n.º 08920/15, datado de 19.11.2014.
[4] Vide, neste particular, o Acórdão do STA, proferido no processo nº 01221/06, de 28.02.2007.
[5] Acórdão do STA, proferido no processo nº 0329/18, de 09.10.2019.