Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07809/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:- IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
- MÉTODOS INDIRECTOS
- MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
- ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. O artigo 640.º do novo CPC vem reforçar a consagração de um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, o qual não foi satisfeito pela Recorrente, que não indicou as passagens da gravação em que se funda a mesma impugnação, nem procedeu à transcrição de qualquer excerto dos depoimentos das testemunhas.

II. Nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 3, da LGT, compete à AT o ónus da prova dos pressupostos que lhe permitem aplicar métodos indirectos na determinação da matéria tributável e, feita essa prova, compete ao contribuinte o ónus da prova do excesso na quantificação da matéria tributável efectuada.

III. Verificados os pressupostos legais de aplicação dos métodos indirectos, por força do disposto no artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT é ao sujeito o passivo que incumbe a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados.

IV.A interpretação teleológica da norma consagrada no art. 89.º-A da LGT sugere um elemento de conexão, uma relação causal, entre um certo rendimento e uma determinada manifestação de fortuna.
Faz essa prova o contribuinte que demonstra que no ano em causa detinha meios financeiros que lhe permitiam realizar os suprimentos efectuados (mais-valias resultantes da venda de acções e mútuo bancário contraído em 2009), bem como que os valores correspondentes foram disponibilizados para a realização desses suprimentos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A Fazenda Pública (Recorrente), não se conformando com a sentença da Mma. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente o recurso judicial apresentado por Pedro ……………………… (Recorrido) da decisão da Directora de Finanças de Lisboa de fixação da matéria colectável para o ano de 2009, em sede de IRS na categoria G, no valor de EUR 1.790.881,10, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, culminando com as seguintes conclusões:

I. Visa o presente recurso reagir contra a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente o recurso à margem referenciado, e, com fundamento em erro nos pressupostos de facto revogou a decisão da Directora de Finanças de Lisboa que fixou, através de métodos indirectos o rendimento colectável para o ano de 2009 no valor de € 1.790.881,10.

II. A questão em apreço nos presentes autos diz respeito a uma situação de divergência não justificada entre os rendimentos declarados para efeitos fiscais em 2009 pelo ora Recorrido Pedro ………………….. no valor de €14.112,00 e o valor dos suprimentos realizados no mesmo ano, à Sociedade ……… – SGPS SA, NIPC ……………. de que é administrador no valor de €3.581.762,19.

III. Considerou a sentença recorrida que no ano em que realizou os suprimentos, o Recorrido contraiu um empréstimo e recebeu avultadas quantias, as quais, no entender do Tribunal a quo “são adequadas” a ser utilizados na realização de suprimentos e para justificarem a origem das quantias prestadas a título de suprimentos.

IV. São manifestos os vícios de que enferma a sentença recorrida, que interpretou erroneamente a matéria de facto controvertida constante dos autos, bem como a prova sobre a mesma produzida e, igualmente, fez errada interpretação e aplicação da lei aplicável.

V. Dada a insuficiência da prova documental produzida, o Tribunal fundamenta a sua convicção com base no depoimento de uma única testemunha, Irene ………., a qual, no nosso entender não pode fundamentar com certeza e segurança a verdade dos factos.

VI. Isto porque a referida testemunha é trabalhadora ao serviço do Recorrido e foi administradora da sociedade M……….– Sociedade gestora de Participações Sociais, S.A., e, pese embora ter demonstrado um conhecimento muito detalhado de determinados factos, a mesma testemunhou que não se lembrava que tinha sido administradora da M………., Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. e desconhecia ter sido assinado um documento junto como Doc. n.º 27, fls. 205, o que só por si retira a coerência e afasta a segurança do seu testemunho.

VII. Daqui resulta que o seu conhecimento da matéria não é constante, uniforme, seguro, coerente e verosímil, e assim sendo, não pode, na ausência de outros meios de prova, fundamentar a verdade dos factos.

VIII. Acresce ainda que esta matéria é por natureza susceptível de ser comprovada documentalmente, pelo que deve ser privilegiado este meio de prova em relação à prova testemunhal .

Vejamos,

IX. Como de seguida se passa a demonstrar devem ser dados como não provado os factos constantes da alíneas H), J), K), L), M), P), S), T) e X).

X. Alínea H)- As acções de que o Recorrente era titular na referida S.P.L.A. foram adquiridas, parte no ano de 2008 e outra parte no ano de 2000.[…]” .

XI. A sentença recorrida considera esta matéria provada com base no depoimento da testemunha Irene Brazinha e no intitulado Livro de Registo de Acções da SPLA, junto a fls. 116 a 120.

XII. Contudo a Portaria n.º 290/2000, de 25.05 revogou o livro de registo de acções previsto no artigo 305.º do Código das Sociedades Comerciais e na Portaria n.º 647/93, de 7 de Julho.

XIII. Daqui resulta que o referido documento não tem validade jurídica nem força probatória suficiente para atestar a data em que as acções de que o Recorrido era titular na S.P.L.A. foram adquiridas

XIV. Acresce ainda que o depoimento da Irene …………., não é, de per si, pelas razões atrás aduzidas, suficiente para com certeza e segurança atestar a verdade dos factos.

XV. Alínea J) O Recorrente por força do contrato mencionado em G), recebeu em 2001 o valor de 349.160,00€ e em 2002 o valor de 548.678,00€ […].”

XVI. Da prova documental junta aos autos e que serviu de fundamento à decisão do Tribunal, Cfr. doc. denominado “Conferência dos Valores recebidos ao abrigo do Contrato de Venda de Acções” fls. 447 dos autos não se retira a informação que as referidas quantias eventualmente recebidas tenham sido respeitantes à execução do contrato referido na alínea G) .

XVII. Na verdade estas transferências podem corresponder a outro tipo de operações ou negócios jurídicos ou contabilísticos, de diferente natureza.

XVIII. Assim entende-se que esta matéria deve dar-se como não provada.

XIX. Alínea “K) O Recorrente fez um desconto final, relativamente ao contrato referido em G), no montante de 302.000,00€.”

XX. A convicção do Tribunal baseou-se numa carta escrita pelo próprio Recorrido fls 458 a 460 e no depoimentos das testemunhas, pelo que, na ausência de outros documentos ou depoimentos, de natureza contabilística ou outra que atestem o valor dos pagamentos recebidos, deve considerar-se que a prova apresentada é insuficiente para, com segurança e certeza, atestar a verdade dos factos, devendo igualmente considerar-se esta matéria como não provada.

XXI. Alínea “L) Entre o ano de 2003 e 2009 o Recorrente recebeu por força do contrato referido em G) um total de 12.018.307,00€ .”

XXII. Da prova documental junta aos autos e que serviu de fundamento à decisão do Tribunal, Cfr. documento denominado “Conferência dos Valores recebidos ao abrigo do Contrato de Venda de Acções” fls 447 dos autos não se prova que as referidas quantias eventualmente recebidas tenham sido respeitantes à execução do contrato referido na alínea G) ou a outros pagamentos de diversa natureza, pelo que se deve considerar esta matéria como não provada dada a inconsistência do depoimento da testemunha Irene Brazinha.

XXIII. Alínea“M) O Recorrente recebeu, nos anos de 2006,2007, 2008 e 2009, através de transferências bancárias ordenadas pela sociedade compradora (Sociedade ………….. Limited), efectuadas para a sua conta n.º …………., domiciliada no Banco ………….., a quantia total de 10. 7130282,00 segundo o seguinte desdobramento:

-no ano de 2006 a quantia de Euros 665.000,00 (doc. n.º 6 a fls. 128 dos autos e depoimento da testemunha Irene …………..);

-no ano de 2007, a quantia de Euros 2.219.876,00 (doc. n.º 7 a fls. 129 dos autos e depoimento da testemunha Irene ………….);

-no ano de 2008, a quantia de Euros 3.641,00 (doc. n.º 8 a fls. 128 dos autos e depoimento da testemunha Irene …………);”

-no ano de 2009, a quantia de Euros 4.187,00 (doc. n.º 9 a fls. 131 dos autos e depoimento da testemunha Irene …….

XXIV. Os docs. n.ºs 6, 7,8 e 9 juntos. - ofícios do …….. relativos à transferências da Sociedade ………………. Limited no valor de 665.000,00€, em 20.12.2006, 2.219.876,00€ em 09.03.2007 e 3.641.225,00€ em 26.02.2008 e 4.187.170,60€ em 09.03.2009-, não atestam a que título e para que efeito foi efectuado esta transferência daquelas verbas, pelo que destes documentos não resulta que as quantias transferidas as se destinam ao pagamento de uma eventual venda de acções.

XXV. Na verdade estas transferências podem corresponder a outro tipo de operações ou negócios jurídicos ou contabilísticos.

XXVI. Aliás, verifica-se que as transferências juntas nos doc.s n.ºs 6 a 9 não coincidem com o disposto na cláusula 2 do referido contrato referido na alínea G).

XXVII. Alínea“ P) As acções que o Recorrente era titular na referida G-Groupo haviam sido adquiridas parte em 1994, aquando da constituição da Sociedade, e a outra parte no ano de 2000 ( cfr. docs 12 e 13 a fls 142 2 ss dos autos , anexo G-1 da declaração de IRS do ano de 2005 a fls. 145 e depoimento da testemunha Irene …………..).”

XXVIII. Como atrás já se referiu, a listagem constante do livro de registo de acções não tem qualquer valor probatório quanto à titularidade das acções e data em que as mesmas foram adquiridas para efeitos de determinar se as mesmas estavam ou não excluídas de tributação, pelo que deve dar-se como não provada esta matéria.

XXIX. “S) Esta opção de compra das restantes 500 acções de que o Recorrente era titular na G-Groupo foi exercida pela BCA em 2006 ( cfr. doc. n.º 3 a fls. 148 e ss dos autos e doc. n.º 15 a fls. 171 e ss dos autos).”

XXX. O doc. referido a fls. 148 diz respeito ao livro de registos o qual foi revogado pela Portaria 290/2000, de 25.05, pelo que a informação nele constante não tem validade jurídica sendo este documento inapto para fazer prova da factualidade em causa.

XXXI. Por outro lado, a declaração de IRS de 2006 junta a fls. 171 e ss. não permite identificar as acções a que se referem as mais valias declaradas.

XXXII. Do exposto resulta, assim, que esta matéria não ficou provada.

XXXIII. Alínea “T) O ora Recorrente recebeu, por esta venda, nos anos de 2007 e 2008, através de transferências bancárias ordenadas pela sociedade compradora (a referida BCA), efectuadas para a sua conta n.º ……………….., domiciliada no Banco ………, a quantia total de 2.328.000,00€, segundo o seguinte desdobramento:

- no ano de 2007, a quantia de 738.000,00€ (Cfr. doc, n.º 16, a fls. 176 dos autos);

- no ano de 2008 a quantia de 1.590.000,00€ correspondente a duas transferências nos valores de 840.000,00€ (doc. 17, a fls. 177 dos autos) e 750.000,00 (doc. n.º 18, a fls. 178 dos autos).”

XXXIV. Os docs. n.ºs 16 a 18 não comprovam a que título foram efectuados os referidos pagamento, pelo que não ficou comprovado que os mesmos sejam relativas ao pagamento especificamente destinados à execução do contrato junto como doc. n.º 14 .

XXXV. Alínea “X) A totalidade da quantia mutuada referida na alínea anterior foi empregue na prestação de parte dos suprimentos efectuados pelo Recorrente à sociedade “M………… – SGPS, SA”.

XXXVI. O facto de o Recorrido ter passado dois cheques da referida conta bancária onde foi depositado o valor de € 2.800,00 não prova que esse valor tenha sido afecto a este fim.

XXXVII. Aliás, o montante disponibilizado pelo contrato de mútuo foi depositado na conta do ora Recorrido a 18.05.2009, Cfr. doc. 20 a fls. 198 dos autos e os cheques ……… e ………..no valor de 1.700.000,00€ e 300.000,00€ com que foram realizados os suprimentos têm data de movimento e data de valor de 05.05.2009.

XXXVIII. Ou seja, os cheques dos suprimentos não poderiam ter sido sacados sobre os montantes da quantia mutuada uma vez que à data em que foram emitidos a quantia mutuada ainda não tinha sido depositada.

XXXIX. Pelo que nunca se poderá concluir como se refere na sentença recorrida que o referido montante de € 2.8000, foi integralmente aplicado no suprimento em causa nos presentes autos.

XL. Resulta assim que também esta matéria se considera como não provada.

XLI. Pese embora o ora Recorrido tenha demonstrado possuir uma determinada capacidade económica, não conseguiu provar, como lhe compete por força da lei aplicável a totalidade da fonte de rendimentos que lhe permitiu realizar os suprimentos em causa nos presentes autos e que a mesma estava isenta de tributação.

XLII. Sendo matéria passível de prova documental, na sua ausência ou insuficiência o Tribunal fundamenta a sua decisão essencialmente com base no depoimento de uma testemunha que trabalha para o Recorrido e cujo testemunho se patenteou por inexplicáveis incoerências e lapsos de conhecimento em matérias relevantes como o facto de ter sido Administradora de uma das empresas.

XLIII. Donde se conclui que mal andou a sentença recorrida ao considerar que houve qualquer erro nos pressupostos de facto em causa nos presentes autos porquanto o ora Recorrido não justificou a totalidade da proveniência dos rendimentos no valor de €3.581.762,19 com que efectuou os suprimentos.

XLIV. Considera a sentença recorrida que: “De todo o modo no caso em apreço, resultando provado que, no mesmo ano em que o Recorrente efectuou os suprimentos, contraiu um empréstimo e recebeu quantias avultadas resultantes de contratos celebrados, sempre existirá um nexo de causalidade adequada, pois os fluxos financeiros ao ocorrerem no mesmo ano, e sendo desconhecidos da AT, mas legítimos, são adequados para a justificação da origem das quantias prestadas a título de suprimentos.”

XLV. Pronuncia-se pois a douta sentença sobre a adequação de determinada capacidade económica para a realização dos suprimentos,

XLVI. Contudo a questão a aferir não diz respeito à adequabilidade de determinados rendimentos para a realização de determinadas despesas - que resulta de uma mera operação de comparação de valores de grandeza económica-, mas sim a de saber que rendimentos foram afectos à realização dos suprimentos, fazendo prova do nexo de causalidade dentre aqueles e estes.

XLVII. Com efeito, nos termos do n.º 3 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, compete, ao sujeito passivo não só a prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade ou que os acréscimos de património provêm de fonte não sujeita a tributação em Portugal ou não sujeita a declaração,

XLVIII. Mas também na demonstração da relação directa entre a afectação desse rendimento e e os suprimentos realizados, concreto conforme aliás se pronunciou recentemente o Supremo Tribunal Administrativo, Acórdão n.º 035/14, de 29.01.2014.

XLIX. A não ser assim a mesma disponibilidade financeira poderia ser utilizada para a justificação de inúmeras manifestações de fortunas sem com as quais ter qualquer ligação.

L. Ou seja, nos termos do n.º 3 do artigo 89.ºA, cabe ao recorrente demonstrar, não só através de uma alegação circunstanciada, mas sobretudo documentada o percurso concreto dos montantes em causa que permita fazer o trato sucessivo das quantias dispendidas.

LI. Não basta como entendeu a sentença recorrida que os rendimentos auferidos sejam adequados, é necessário, como bem tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores que seja demonstrada e comprovada a relação directa de afectação de determinada capacidade económica ao acréscimo patrimonial evidenciado por via dos suprimentos realizados.

LII. O Recorrido, como atrás se demonstrou não fez prova da origem dos rendimentos utilizados para o empréstimo efectuado à sociedade M………. – SGPS SA.

LIII. Mas, mesmo que tivesse sido demonstrado, o que por mera hipótese se admite, a existência de meios financeiros, na análise e ponderação da documentação apresentada não ficou provado o nexo de causalidade entre a afectação dos rendimentos à manifestação de fortuna evidenciada.

LIV. Assim mal andou a sentença recorrida ao considerar a existência de um nexo de causalidade adequado pelo simples facto de o Recorrido ter contraído um empréstimo e supostamente obtido quantias avultadas resultantes de contractos celebrados, o que viola o disposto no art.º 89.º-A da Lei Geral Tributária.

LV. Do exposto resulta assim evidente que não merece qualquer censura, o acto praticado pela Directora de Finanças de Lisboa que fixou o rendimento tributável para efeitos de IRS referente ao ano de 2009 o valor de €1.790.881,10 correspondente à diferença entre o acréscimo de património evidenciado e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo nos mesmos períodos de tributação.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser considerado totalmente procedente e, em consequência, ser anulada a decisão recorrida, tudo com as devidas e legais consequências.


O Recorrido, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido (cfr. fls. 570-588) e concluindo do seguinte modo:

1. A Recorrente, refere nas suas alegações de recurso, quanto à impugnação da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, que a prova testemunhal produzida por uma das testemunhas “não pode fundamentar com certeza e segurança a verdade dos factos”.

2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 640.º do Código de Processo Civil [aplicável ex vi da alínea e) do art.º 2.º do CPPT], quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

3. Sucede que a Recorrente não indicou as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nem procedeu à transcrição de qualquer excerto.

4. Nessa medida, deve o recurso ser rejeitado na respetiva parte, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art.º 640.º do Código de Processo Civil (cfr. por todos o Acórdão do TCA Sul n.º 07625/14, de 15 de maio, disponível em www.dgsi.pt).

5. Como, in casu, todo o recurso é baseado no alegado erro de apreciação da matéria de facto, deve o mesmo ser rejeitado na sua totalidade.

Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio,

6. Face à prova produzida e dada como provada pelo Tribunal a quo, ficou cabalmente demonstrado que (i) os rendimentos declarados pelo Recorrido no ano de 2009 correspondem à realidade, (ii) sendo outra a fonte das alegadas manifestações de fortuna (cfr. nº 3 do artº 89º-A da LGT), em concreto dos alegados suprimentos feitos nesse ano, pelo Recorrido, à Sociedade M…………SGPS S.A. (adiante abreviadamente designada por M……….) e (iii) que a realização dos suprimentos foi feita com recurso a valores provenientes da venda de participações sociais e de um empréstimo contraído em 2009.

7. Provou-se efetivamente que, só no ano de 2009, os montantes relativos a rendimentos obtidos pelo Recorrido que não estavam sujeitos a tributação ascenderam a, pelo menos, Euros 6.987.181,00 (Euros 4.187.181,00 + Euros 2.800.000,00).

8. Pelo que resulta bem clara a real fonte dos rendimentos auferidos pelo Recorrido os quais, como é sabido, no caso das vendas de participações sociais, estavam excluídos de tributação por força do artº 10º do CIRS (na redação então aplicável), não estando o empréstimo obtido pelo Recorrido sujeito a tributação ou declaração em sede de IRS.

9. Da análise do detalhe de cada um dos respetivos montantes contabilizados a título de suprimentos na MGS, efetivamente prestados pelo Recorrido resulta de forma cristalina que os suprimentos foram realizados com recurso aos rendimentos e ao mútuo recebidos pelo Recorrido de que se fez abundante e cabal prova

10. Foi feita comprovação de que os rendimentos declarados pelo Recorrido no ano de 2009 correspondem à realidade e de que a fonte das alegadas manifestações de fortuna (consubstanciadas na realização e contabilização em 2009 dos referidos suprimentos, assim considerados pela Autoridade Tributária) é outra, ou seja (i) a alienação onerosa de ações nas sociedades S……….. e G-Grupo de que o Recorrido era titular, as quais foram adquiridas antes de 2001 e (ii) o empréstimo obtido pelo Recorrido junto do Deutsche Bank.

11. Relativamente ao nexo causal entre os meios financeiros que deram entrada nas contas bancárias do Recorrido e os meios financeiros utilizados para a prestação de suprimentos provou-se que, só no ano de 2009, deu entrada nas contas bancárias do Recorrido o montante de Euros 6.987.181,00.

12. Estas entradas tiveram origem na venda de participações sociais e num empréstimo contraído em 2009.

13. Estes valores foram utilizados pelo Recorrido para a realização de suprimentos no valor de Euros 5.346.270,93.

14. Estes valores saíram, por cheque ou por transferência bancária, das referidas contas do Recorrido diretamente para a prestação dos aludidos suprimentos.

Conforme se salienta no acórdão do STA de 5/7/2012,

“apesar da interligação existente entre os mecanismos da avaliação indirecta e das manifestações de fortuna, trata-se de mecanismos distintos e independentes, tendo estes últimos um carácter residual dado que, (...) ‘para se qualificar um determinado rendimento como acréscimo patrimonial não justificado, é imperativo desconhecer-se a natureza da fonte desse rendimento. Assim sendo, sempre que a fonte do rendimento é identificada, deixamos de estar no âmbito das manifestações de fortuna. Podemos ainda estar no domínio da avaliação indirecta propriamente dita, se estiver em causa um rendimento de determinada categoria do IRS, cuja declaração tenha sido defraudada, mas não no domínio das manifestações de fortuna, que, repita-se, pressupõem o desconhecimento da fonte do rendimento.”

15. E, como sublinha, o Acórdão do STA, de 7.11.2012:

“esta natureza residual reforça a necessidade de permitir a ilisão, ainda que parcial, da presunção de um determinado rendimento à luz do mecanismo das manifestações de fortuna. Como nos parece claro, se o sujeito passivo demonstra, ainda que parcialmente, a origem do rendimento que lhe é imputado, não mais se pode, face ao recorte residual do mecanismo em causa, sustentar a sua aplicação, pelo menos no que respeita a essa parcela, uma vez que a fonte do rendimento passa a ser conhecida.”

16. No caso dos presentes autos o contribuinte Recorrido demonstrou totalmente a origem do rendimento que lhe era imputado.

17. Demonstrou igualmente que a realização dos suprimentos foi feita com recurso a valores provenientes da venda de participações sociais e de um mútuo contraído em 2009.

18. Diga-se aliás que a relação causal que subjaz ao nº 3 do artº 89º-A da LGT nem tem que ser uma relação direta, sobretudo tendo em conta o caráter fungível do dinheiro depositado nas contas bancárias (que, por natureza, constitui moeda escritural).

19. Como se refere Acórdão do STA de 15.02.2012:

“a melhor interpretação do mencionado art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada. E, falamos de relação causal e não de relação directa por não lhes reconhecermos o mesmo significado, mas apenas proximidade. Na relação causal admitimos vias indirectas de prova. Em substância parece-nos que a relação causal tem uma maior correspondência verbal com os termos legais usados no nº 3 do artº 89-A da LGT ao referir-se a ‘é outra a fonte das manifestações de fortuna’, o que pode traduzir-se por ‘é outra a causa das manifestações de fortuna’. Com efeito, tal exigência de relação directa não vem expressa, minimamente, na letra do preceito que vimos analisando.

A exigência de relação causal parece-nos adequada à satisfação dos fins da norma, de prevenção da fraude fiscal e a mesma posiciona-se num nível de exigência de prova perfeitamente realizável e exigível ao sujeito passivo, que pode até ser mais rigorosa/exigente para o contribuinte, mas que não lhe coarcta a possibilidade de provar a afectação de certos rendimentos a um determinado consumo por outras vias, para além da directa, conhecidas as características da fungibilidade, transmissibilidade/meio de troca e até geradoras de crédito perante terceiros que o dinheiro possui.

Já a exigência, unicamente, da falada relação directa de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna pode conduzir a situações de prova muito difícil, que poderia obstar à elisão da presunção que o sujeito passivo contribuinte tem todo o direito de concretizar”.

20. No caso dos presentes autos tal relação causal resulta amplamente demonstrada e a exigência da prova de outro tipo de relação seria, face à documentação existente nos autos, totalmente desproporcionada.

21. Uma diferente interpretação do artº 89º-A, nº 3 da LGT, que exigisse uma prova diferente daquela que foi feita, conduziria à inconstitucionalidade da norma por violação do princípio da proporcionalidade (consagrado no artº 18º, nº 2 da CRP), nas suas vertentes de (i) adequação, (ii) exigibilidade e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.



Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos, dada a sua natureza urgente, o processo é submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões traduzem-se em apreciar:

i) Se o Tribunal a quo errou na apreciação da prova ao ter considerado que o ora Recorrido havia justificado a totalidade da proveniência dos rendimentos no valor de EUR 3.581.762,19 com que efectuou os suprimentos em causa;

ii) Se o Tribunal a quo errou na apreciação da prova ao concluir pela existência de nexo de causalidade entre a afectação dos rendimentos à manifestação de fortuna evidenciada;

iii) Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao ter considerado procedente o recurso judicial contra a fixação da matéria tributável nos termos do disposto no art. 89.º-A da LGT.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa e que aqui se reproduz:

A) O Recorrente é sujeito passivo de IRS com residência em território português (cfr. relatório de inspecção de fls. 23 e ss dos autos).

B) O Recorrente, relativamente ao ano de 2009, entregou a declaração de rendimentos de IRS, modelo 3, com os anexos A e H, tendo declarado a título de rendimento líquido de trabalho dependente pagos pela sociedade “M…………– SGPS, SA”, o montante de 14.112,99€ (cfr. relatório de inspecção de fls. 23 e ss dos autos).

C) O Recorrente, no ano de 2009, efectuou suprimentos à sociedade “M………..– SGPS, SA” no montante de 3.581.762,19€, conforme quadro constante de fls. 34 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzidos (Pese embora, inicialmente tenha sido calculado pela AT um valor de a título de suprimentos efectuados pelo Recorrente superior, a verdade é que esse valor foi corrigido pela própria AT para 3.581.762,19€, conforme resulta claramente de fls. 11 do relatório de inspecção, a fls. 33 dos autos - cfr. relatório de inspecção de fls. 23 e ss dos autos).

D) No ano de 2009 o Recorrente era gerente/administrador, entre outras, da sociedade “M……….. – SGPS, SA” (cfr. relatório de inspecção de fls. 23 e ss dos autos).

E) O Recorrente foi objecto de uma acção de inspecção, no âmbito da qual foi proferido despacho datado de 24/09/2013 que fixa o rendimento tributável em sede de IRS, do ano de 2009, por aplicação de métodos indirectos, com base no disposto no art. 65.º, n.º 2 do CIRS e al. d) do art. 87.º e art. 89.º_A da LGT, no montante de 1.790.881,10€, considerando que o rendimento líquido total declarado pelo Recorrente revelam uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão constante da tabela do n.º 4 do art. 89.º_A da LGT, tendo em conta os suprimentos mencionados na alínea anterior (cfr. relatório de inspecção de fls. 23 e ss dos autos).

F) Considerando o valor declarado pelo Recorrente para efeitos de IRS, referido na alínea B) e o valor fixado por aplicação de métodos indirectos referido na alínea E), apurou-se o montante de 1.776.769,10€ a acrescer ao montante declarado em 2009 (cfr. relatório de inspecção de fls. 23 e ss dos autos).

G) Por contrato celebrado em 21 de Junho de 2001, o Recorrente vendeu à Sociedade ……………………Limited, sociedade inglesa com sede em Londres, no Reino Unido, 21.000 (vinte e uma mil) acções de que era titular na S……….. Sociedade Portuguesa …………………., S.A, pessoa colectiva nº …………. pelo valor de Esc. 2.650.000.000 (13.218.144,27€) – cfr. doc. nº 4 a fls. 108 dos autos (contrato de compra e venda de acções) e doc. nº 5, a fls. 116 e ss dos autos (Livro de Registo de acções da SPLA) – e depoimento da testemunha Irene ………..

H) As acções de que o Recorrente era titular na referida S……….. foram adquiridas, parte no ano de 1998 (aquando da constituição da sociedade) e outra parte no ano de 2000 (cfr. Livro de Registo de acções da S………… - doc. nº 5 e depoimento da testemunha Irene …………).

I) Por força do contrato referido em G), o preço de venda das acções deveria ser pago em várias prestações anuais, a liquidar desde o ano de 2001 até ao ano de 2009 (cfr. cláusula segunda do doc. nº 4, a fls. 109 dos autos, e depoimento da testemunha Irene ………….).

J) O Recorrente, por força do contrato mencionado em G), recebeu em 2001 o valor de 349.160,00€ e em 2002 o valor de 548.678,00€ (cfr. documento de fls. 447 dos autos e depoimento da testemunha Irene Brazinha que explicou com detalhe, e de forma credível e consistente os pagamentos auferidos pelo Recorrente, uma vez que era a responsável pela conferência dos valores).

K) O Recorrente fez um desconto final, relativamente ao contrato referido em G), no montante de 302.000,00€ (cfr. carta datada de 27 de Fevereiro de 2009 e junta aos autos a fls. 458 a fls. 460 e depoimento das testemunhas).

L) Entre o ano de 2003 e 2009 o Recorrente recebeu por força do contrato referido em G) um total de 12.018.307,00€ (cfr. documento denominado “Conferência dos Valores Recebidos ao abrigo do Contrato de Venda de Acções”, a fls. 447 dos autos e depoimento da testemunha Irene …………, e ainda cfr. cópia de cheques e extractos bancários junto aos autos, documentos n.ºs 21 a 56, de fls. 199 a fls. 236 dos autos e ainda documento de fls. 457 dos autos, com os quais a testemunha Irene …………. foi confrontada, explicando e contextualizando de forma convicta e credível, cada um dos recebimentos, sendo certo que era quem estava encarregue do controle desses recebimentos).

M) O Recorrente recebeu, nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, através de transferências bancárias ordenadas pela sociedade compradora (Sociedade …………… Limited), efectuadas para a sua conta nº ……………, domiciliada no Banco …………..o, a quantia total de 10.713.282,00, segundo o seguinte desdobramento:

- no ano de 2006, a quantia de Euros 665.000,00 (cfr. doc. nº 6, a fls. 128 dos autos e depoimento da testemunha Irene …………);

- no ano de 2007, a quantia de Euros 2.219.876,00 (doc. nº 7 a fls. 129 dos autos e depoimento da testemunha Irene …………..);

- no ano de 2008, a quantia de Euros 3.641.225,00 (doc. nº 8 a fls. 128 dos autos e depoimento da testemunha Irene ……………);

- no ano de 2009, a quantia de Euros 4.187.181,00 (doc. n.º 9 a fls. 131 dos autos e depoimento da testemunha Irene ………).

N) Por contrato celebrado em 14 de Abril de 2005 o Recorrente vendeu à Sociedade B……….. - …………….Holdings B.V, sociedade de direito holandês, com sede na Holanda, 5.000 (cinco mil) acções de que era titular na G-Grupo Investimentos e Participações S.A., pessoa colectiva nº 503130265, pelo valor de Euros 2.747.785,00 (cfr. doc. nº 10, a fls. 132 e ss dos autos).

O) O Recorrente recebeu o valor de Euros 2.747.785,00, referente ao contrato mencionado na alínea anterior, por transferência bancária ordenada em 14 de Abril de 2005, pela sociedade compradora (a referida ………………), efectuada para a sua conta nº 0400 6160 0007 domiciliada no Banco ……….. (cfr. doc. nº. 11, a fls. dos autos).

P) As acções de que o Recorrente era titular na referida G-Grupo haviam sido adquiridas parte em 1994, aquando da constituição da Sociedade, e a outra parte no ano 2000 (cfr. docs. nº 12 e 13, a fls. 142 e ss dos autos, anexo G-1 da declaração de IRS do ano de 2005 a fls. 145 e depoimento da testemunha Irene …………).

Q) A transmissão das acções, mencionadas em N), foi declarada na respectiva declaração de rendimentos relativa ao ano de 2005, anexo G-1 (cfr. doc. 12, a fls. 142 e ss, em particular fls. 145 dos autos).

R) Por contrato celebrado em 14 de Abril de 2005 o Recorrente acordou com a referida Sociedade B……..- British …………….. B.V, a opção de compra, por parte desta, de mais 5.000 (cinco mil) acções de que era titular na G-Grupo Investimentos e Participações S.A., por um valor a determinar em função dos resultados desta sociedade (cfr. cláusula 7 do doc. nº 14, a fls. 155 e ss dos autos).

S) Esta opção de compra das restantes 5000 acções de que o Recorrente era titular na G-Grupo foi exercida pela B…………. em 2006 (cfr. doc. nº 13, a fls. 148 e ss dos autos e doc. nº 15, a fls. 171 e ss dos autos).

T) O ora Recorrente recebeu, por esta venda, nos anos de 2007 e 2008, através de transferências bancárias ordenadas pela sociedade compradora (a referida B………), efectuadas para a sua conta nº 0400 6160 0007, domiciliada no Banco ……………, a quantia total de 2.328,000,00€, segundo o seguinte desdobramento:

- no ano de 2007, a quantia de 738.000,00€ (cfr. doc. n.º 16, a fls. 176 dos autos);

- no ano de 2008 a quantia de 1.590.000,00€ correspondente a duas transferências nos valor de 840.000,00€ (doc. nº 17, a fls. 177 dos autos) e 750.000,00€ (doc. nº 18, a fls. 178 dos autos).

U) A transmissão das acções, mencionadas em R), foi declarada na respectiva declaração de rendimentos relativa ao ano de 2006, anexo G-1 (cfr. doc. 15, a fls. 171 e ss, em particular fls. 173 dos autos).

V) O Recorrente celebrou, em 18 de Maio de 2009, uma escritura de mútuo com hipoteca e mandato com o Deutsche Bank (Portugal) S.A., nos termos qual este Banco emprestou ao Recorrente 2.800.000,00€ (cfr. doc. n.º 19, a fls. 179 e ss dos autos).

W) De acordo com o documento complementar à referida escritura, o montante mutuado era destinado a “investimentos múltiplos não especificados” (cfr. n.º um do Artigo Primeiro do documento complementar, junto sob o doc. n.º 19, a fls. 179 e ss dos autos).

X) A totalidade da quantia mutuada referida na alínea anterior foi empregue na prestação de parte dos suprimentos efectuados pelo Recorrente à à sociedade “M………. – SGPS, SA” (cfr. prova testemunhal produzida - Irene …………. e Martiniano ………… explicaram que o valor deste mútuo foi, nesse mesmo ano de 2009, empregue na prestação de parte dos suprimentos ora em causa nos autos).

Y) O montante mutuado foi creditado em 18-05-2009 na conta à ordem do Recorrente, da conta n.º 0043.0100.04001000489.52, domiciliada no Deutsche Bank (banco mutuante) – cfr. extracto bancário, doc. n.º 20, a fls. 197 dos autos.

Z) A comissão relativa a este processo de mútuo tem data valor de 27.04.2009, data em que foi aprovada a operação de concessão de crédito (cfr. extracto bancário, doc. n.º 20, a fls. 197 dos autos).

AA) O Recorrente em 5.05.2009 passou dois cheques, respectivamente de 1.700.000,00€ e 300.000,00€, cheques esses cujo montante e respectivo número constam dos suprimentos assim considerados pela Autoridade Tributária (cfr. doc. nº 2, pág. 12, Quadro n.º 6, e extracto bancário de fls. 197 dos autos).

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

O Tribunal a quo alicerçou a motivação da matéria de facto nos seguintes termos:

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos pelo Recorrente e no relatório de inspecção, tudo conforme indicado em cada alínea do probatório. Considerou-se ainda a prova testemunhal produzida, uma vez que os depoimentos das testemunhas mostraram-se credíveis e consistentes, revelando conhecimento directo dos factos. Foi de particular relevância para a formação da convicção do tribunal o depoimento da testemunha Irene ………….., cujo depoimento foi muito detalhado, consistente, firme revelador de conhecimento sobre todas as operações em causa nos autos, esclarecendo o tribunal sobre o significado de todos os documentos juntos aos autos, cheques, extractos, e contratos, etc.. Ao longo da audiência de inquirição ficou claro ao tribunal que o Recorrente celebrou os contratos que alegou ter celebrado, e que recebeu os montantes que foram alegados, resultando a nossa convicção do confronto dos documentos junto aos autos com a prova testemunhal que corroborou o que nos documentos se exara. Aliás, tendo o Recorrente declarado as transmissões das acções para efeitos de IRS nas respectivas declarações dos anos a que diziam respeito não deixam dúvidas ao tribunal quanto à realização das transmissões alegadas. Por outro lado, tais montantes, devidamente declarados, não estavam, à época, sujeitos à tributação em sede de mais-valias, pelo que ressalta uma elevada mais valia auferida pelo Recorrente de montante elevado e que servem de justificação plausível de que foram uma fonte de rendimento do Recorrente e que estão subjacente aos suprimentos identificados pela AT. Saliente-se ainda que o Recorrente ao ter declarado as referidas transmissões em sede de IRS, não podia ser desconhecido da AT que ele tenha auferido essas quantias elevadas em anos anteriores e que são uma justificação válida enquanto fonte de rendimento legal e declarada.



II.2. De direito

Considerada a factualidade dada por assente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.

A Recorrente alega que a Mma. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa errou na apreciação da prova produzida, alicerçando a sua alegação, a título principal, na circunstância do depoimento da testemunha Irene ……………, não ser suficiente para fundamentar com certeza e segurança a verdade dos factos, considerando que do mesmo não resulta um conhecimento da matéria constante, uniforme, seguro, coerente e verosímil.

E quanto à prova documental considerada pelo Tribunal a quo como relevante na decisão, conclui a Recorrente que o designado “livro de registo de acções” previsto no artigo 305.º do Código das Sociedades Comerciais e na Portaria n.º 647/93, de 7 de Julho, foi revogado pela Portaria n.º 290/2000, de 25 de Maio e portanto não tem validade jurídica nem força probatória suficiente para atestar a data em que as acções de que o Recorrido era titular na ………. foram adquiridas.

Nessa sequência, a par de outros considerandos, a Recorrente imputa erro de julgamento sobre a matéria de facto, como constante nas conclusões IX. a XLIII., LII. e LIII. do presente recurso. Ou seja, segundo a Recorrente, os factos provados constantes das alíneas H), J), K), L), M), P), S), T) e X), foram incorrectamente julgados, já que, face ao depoimento pouco credível da testemunha Irene ……… e perante a falta de força probatória do intitulado “Livro de Registos de Acções” da ……….., se impunha antes uma resposta negativa àqueles pontos.

Vejamos então, começando pela questão relativa ao depoimento da testemunha Irene Brazinha e sua (falta de) credibilidade.

Na fundamentação da decisão da matéria de facto, afirmou-se na sentença recorrida, neste ponto, o seguinte: “Foi de particular relevância para a formação da convicção do tribunal o depoimento da testemunha Irene ………., cujo depoimento foi muito detalhado, consistente, firme revelador de conhecimento sobre todas as operações em causa nos autos, esclarecendo o tribunal sobre o significado de todos os documentos juntos aos autos, cheques, extractos, e contratos, etc.. Ao longo da audiência de inquirição ficou claro ao tribunal que o Recorrente celebrou os contratos que alegou ter celebrado, e que recebeu os montantes que foram alegados, resultando a nossa convicção do confronto dos documentos junto aos autos com a prova testemunhal que corroborou o que nos documentos se exara.

Temos pois que, para o Tribunal a quo, o depoimento dessa testemunha foi absolutamente credível, tendo sido detalhado, consistente, firme, revelador de conhecimento sobre todas as operações em causa nos autos e esclarecedor.

Assim, confrontados com esta afirmação feita pelo Tribunal a quo caberia à Recorrente demonstrar o alegado desacerto da valoração da prova efectuada, avançando, para tanto, os concretos motivos susceptíveis de fundar a sua divergência, no respeito, claro está, pelo ónus adjectivo que neste domínio sobre ela impende.

É que, como se afirmou no acórdão de 13.03.2012 do TCAS, proc. n.º 5275/12:

“(…) o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690.º-A do CPC - na redacção anterior ao DL n.º 303/07, de 24.08, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC -, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690.º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).

Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690.º-A do CPC.

É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.

Regime que, no que aqui releva e no essencial, é mantido pelo actual Código de Processo Civil, como decorre do disposto nos artigos 640.º (ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto), 662.º (modificabilidade da decisão de facto) e 607.º, n.º 5 (princípio da livre apreciação da prova). Necessário para o Tribunal ad quem proceder à reavaliação da prova é que, sendo a decisão do Tribunal a quo o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo art. 640º do CPC.

Para atacar o probatório que vem fixado (v. supra) alega a Recorrente que: “a referida testemunha é trabalhadora ao serviço do Recorrido e foi administradora da sociedade M…..– Sociedade gestora de Participações Sociais, S.A., e, pese embora ter demonstrado um conhecimento muito detalhado de determinados factos, a mesma testemunhou que não se lembrava que tinha sido administradora da M…….., Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. e desconhecia ter sido assinado um documento junto como Doc. n.º 27, fls. 205, o que só por si retira a coerência e afasta a segurança do seu testemunho.[conclusão VI]//Daqui resulta que o seu conhecimento da matéria não é constante, uniforme, seguro, coerente e verosímil, e assim sendo, não pode, na ausência de outros meios de prova, fundamentar a verdade dos factos[conclusão VII]”.

Ora, como se disse já, necessário é ter presente que nos termos do artigo 640.º do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição, para além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Mais lhe sendo exigido, sob pena de rejeição do recurso na respectiva parte, que no caso de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados, a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos considerados relevantes.

É o que dispõe o art. 640.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa -se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

(…)

Resulta pois do citado artigo 640.º do CPC a consagração de um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, o qual impende sobre a aqui Recorrente e que a mesma, tal como alegado pelo Recorrido, de forma manifesta, não satisfez. Com efeito, a Recorrente não indicou as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nem procedeu à transcrição de qualquer excerto.

É sabido que a este tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos no art. 662.º do CPC, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos. Porém, considerando que a Recorrente não deu cumprimento aos normativos legais aplicáveis, está vedado a este tribunal de recurso conhecer do eventual erro de julgamento da matéria de facto, nesta parte.

Por outro lado, em face do regime estabelecido no novo CPC ao nível da impugnação da matéria de facto, sob pena de a impugnação da decisão de facto se transformar em simples manifestação de inconsequente inconformismo, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das alegações/conclusões recursórias em matéria de impugnação da decisão de facto (cfr., neste exacto sentido, o acórdão da Relação de Lisboa de 13.03.2004, proc. n.º 569/12.7TVLSB.L1-6); idem, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 115 e s.).

Olhando agora para a circunstância de a testemunha ser trabalhadora ao serviço do Recorrido e presumindo que também desse facto a Recorrente pretende extrair consequências, ainda que indirectamente, ao nível da validade do respectivo depoimento, tal condição em nada perturbaria (nem perturba) o juízo probatório tirado pela Mma. Juiz a quo. Com efeito, foi devidamente exarado em acta que a testemunha disse “conhecer o Autor, Pedro Manuel Rodrigues Pinto do Souto, trabalhou entre 1990 a 2010, mas que tal facto não a impede de dizer a verdade”, dando-se, portanto, cumprimento ao disposto no art. 513.º do CPC e sem que tenha sido deduzido pela ora Recorrente qualquer incidente de impugnação da admissão da dita testemunha (art.s 514.º e 515.º do CPC). Pelo que, não tendo sido tal incidente deduzido no momento processualmente oportuno, tem o depoimento da testemunha que causa que ser tido em plena consideração.

Continuando, alega a Recorrente que a matéria que vem provada é por natureza susceptível de ser comprovada documentalmente, pelo que deve ser privilegiado este meio de prova em detrimento da prova testemunhal. Porém, não lhe assiste razão.

Em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 681/2006, de 12.12.2006 julgou inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CRP, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, o art. 146.º-B, n.º 3, do CPPT, na parte em que veda em qualquer caso a possibilidade de o contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão da administração tributária que determina o acesso à informação bancária que lhe diz respeito. Aliás, tinha sido essa a jurisprudência afirmada sobre essa norma – na parte em que determina que os elementos de prova, a acompanhar a petição, “devem revestir natureza documental –, segundo a qual a aplicação literal deste preceito viola o direito a um processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, da CRP), se a prova documental for insuficiente para o contribuinte demonstrar os factos que, na sua perspectiva, suportam o direito ou o interesse que visa defender com recurso ao tribunal (cfr. o acórdão do STA n.º 646/2006, de 28.11.2006; v. ainda o ac. do STA de 7.11.2007, recurso n.º 590/07).

Em segundo lugar, aceitando que os rendimentos lícitos da envergadura dos que podem permitir manifestações de fortuna, com a dimensão quantitativa exigida pelo art. 89.º-A da LGT para permitir a avaliação indirecta, podem ser provados documentalmente a título principal (v. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. II, 6.ª Ed. p. 566), o juízo probatório efectuado pelo Tribunal a quo também não é afectado. É que, como resulta manifesto da fundamentação da factualidade provada, a convicção do julgador teve em devida consideração os meios de prova de natureza documental existentes nos autos probatório, como abundantemente identificou. Vindo o Tribunal a quo a concluir que “da prova documental e testemunhal produzida, entendemos que o Recorrente fez prova da celebração dos contratos, preços acordados e recebimentos que alega”. E que: “através da prova documental, e corroborado com a prova testemunhal, o Recorrente logrou reconstituir o percurso temporal de todos os pagamentos que foram feitos, quando os recebeu, se foi por cheque ou transferência bancária, em que conta os recebeu, ficando claro ao tribunal a transparência e pormenor que se quis imprimir à prova efectuada (…)”. Ou seja, não dúvida não temos de que o Tribunal a quo considerou a prova documental existente, complementando-a, na formação da sua convicção, com a prova testemunhal produzida,

Assim, no que a esta matéria respeita, não podemos senão concluir que o Tribunal a quo fez uma leitura acertada do art. 146.º-B, n.º 3, do CPPT.

Vejamos agora, a questão relativa ao livro de registo de acções previsto no artigo 305.º do Código das Sociedades Comerciais e na Portaria n.º 647/93, de 7 de Julho. Alega a Recorrente que da sua revogação “resulta que o referido documento não tem validade jurídica nem força probatória suficiente para atestar a data em que as acções de que o Recorrido era titular na S…………. foram adquiridas” (cfr. conclusão XIII. do recurso).

A referida portaria veio regular o registo das emissões de valores mobiliários junto do emitente, substituindo o livro de registo de acções, tal como previsto no artigo 305.º do Código das Sociedades Comerciais e na Portaria n.º 647/93, de 7 de Julho, revogados pelo Código dos Valores Mobiliários. Porém, esta circunstância não tem o alcance que a Recorrente pretende extrair.

Com efeito, o documento n.º 5 em causa (fls. 116 e s.), bem como o doc. n.º 13 (a fls. 148 e s.), não deixam de constituir, independentemente da sua designação, elementos de prova de natureza documental, nos quais se consigna a data, valor, número e titularidade das acções transaccionadas. Constituem, portanto, documentos particulares sujeitos à livre apreciação do tribunal, nos termos do art. 366.º do Código Civil (embora desprovidos de força probatória plena, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 374.º, n.º 1, e 376.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma). E no caso concreto o Tribunal a quo não os caracterizou como documentos dotados de força probatória plena, antes os valorou de acordo com a sua convicção, sujeitando-os, diremos nós, ao teste da prova testemunhal produzida (por referência àqueles documentos).

Assim, não estando perante documentos que a 1.ª instância porventura tivesse, indevidamente, deixado de apreciar livremente, não pode este TCA, pelo motivos já exarados supra, alterar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do art. 662.º do CPC.

Não há, pois, lugar à alteração da decisão recorrida quanto à matéria de facto, improcedendo, por isso, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, mantendo-se intocada àquela que vem fixada pelo Tribunal a quo.

Estabilizada a matéria de facto, vejamos agora se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a questão de fundo que nos vem colocada: a demonstração da relação directa da afectação de capacidade económica detida ao acréscimo patrimonial evidenciado por via dos suprimentos realizados; ou dito de modo diverso: a prova do nexo de causalidade entre a afectação dos rendimentos à manifestação de fortuna evidenciada.

Alega a Recorrente, nesta sede, que (conclusões XLVII. a LIV. do recurso):

XLVII. Com efeitos, nos termos do n.º 3 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, compete, ao sujeito passivo não só a prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade ou que os acréscimos de património provêm de fonte não sujeita a tributação em Portugal ou não sujeita a declaração,

XLVIII. Mas também na demonstração da relação directa entre a afectação desse rendimento e e os suprimentos realizados, concreto conforme aliás se pronunciou recentemente o Supremo Tribunal Administrativo, Acórdão n.º 035/14, de 29.01.2014.

XLIX. A não ser assim a mesma disponibilidade financeira poderia ser utilizada para a justificação de inúmeras manifestações de fortunas sem com as quais ter qualquer ligação.

L. Ou seja, nos termos do n.º 3 do artigo 89.ºA, cabe ao recorrente demonstrar, não só através de uma alegação circunstanciada, mas sobretudo documentada o percurso concreto dos montantes em causa que permita fazer o trato sucessivo das quantias dispendidas.

LI. Não basta como entendeu a sentença recorrida que os rendimentos auferidos sejam adequados, é necessário, como bem tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores que seja demonstrada e comprovada a relação directa de afectação de determinada capacidade económica ao acréscimo patrimonial evidenciado por via dos suprimentos realizados.

LII. O Recorrido, como atrás se demonstrou não fez prova da origem dos rendimentos utilizados para o empréstimo efectuado à sociedade MGS – SGPS SA.

LIII. Mas, mesmo que tivesse sido demonstrado, o que por mera hipótese se admite, a existência de meios financeiros, na análise e ponderação da documentação apresentada não ficou provado o nexo de causalidade entre a afectação dos rendimentos à manifestação de fortuna evidenciada.

LIV. Assim mal andou a sentença recorrida ao considerar a existência de um nexo de causalidade adequado pelo simples facto de o Recorrido ter contraído um empréstimo e supostamente obtido quantias avultadas resultantes de contractos celebrados, o que viola o disposto no art.º 89.º-A da Lei Geral Tributária.

Ao que contrapõe o Recorrido (cfr. conclusões 8. a 17. das contra-alegações):

“(…) resulta bem clara a real fonte dos rendimentos auferidos pelo Recorrido os quais, como é sabido, no caso das vendas de participações sociais, estavam excluídos de tributação por força do artº 10º do CIRS (na redação então aplicável), não estando o empréstimo obtido pelo Recorrido sujeito a tributação ou declaração em sede de IRS.

9 – Da análise do detalhe de cada um dos respetivos montantes contabilizados a título de suprimentos na M……, efetivamente prestados pelo Recorrido resulta de forma cristalina que os suprimentos foram realizados com recurso aos rendimentos e ao mútuo recebidos pelo Recorrido de que se fez abundante e cabal prova.

10 – Foi feita comprovação de que os rendimentos declarados pelo Recorrido no ano de 2009 correspondem à realidade e de que a fonte das alegadas manifestações de fortuna (consubstanciadas na realização e contabilização em 2009 dos referidos suprimentos, assim considerados pela Autoridade Tributária) é outra, ou seja (i) a alienação onerosa de ações nas sociedades S……… e G-Grupo de que o Recorrido era titular, as quais foram adquiridas antes de 2001 e (ii) o empréstimo obtido pelo Recorrido junto do Deutsche Bank.

11 – Relativamente ao nexo causal entre os meios financeiros que deram entrada nas contas bancárias do Recorrido e os meios financeiros utilizados para a prestação de suprimentos provou-se que, só no ano de 2009, deu entrada nas contas bancárias do Recorrido o montante de Euros 6.987.181,00.

12 – Estas entradas tiveram origem na venda de participações sociais e num empréstimo contraído em 2009.

13 – Estes valores foram utilizados pelo Recorrido para a realização de suprimentos no valor de Euros 5.346.270,93.

14 – Estes valores saíram, por cheque ou por transferência bancária, das referidas contas do Recorrido diretamente para a prestação dos aludidos suprimentos.

(…)

16 – No caso dos presentes autos o contribuinte Recorrido demonstrou totalmente a origem do rendimento que lhe era imputado.

17 – Demonstrou igualmente que a realização dos suprimentos foi feita com recurso a valores provenientes da venda de participações sociais e de um mútuo contraído em 2009.

Na sentença recorrida, após identificação da questão a decidir e da descrição sumária do regime pertinente legal, escreveu-se o seguinte:

“(…)

Ora, o Recorrente alega, em síntese, que os rendimentos declarados em sede de IRS do ano de 2009 correspondem à realidade, sendo outra a fonte das alegadas manifestações de fortuna, em concreto, os suprimentos em causa foram feitos com recurso a valores provenientes da venda de participações sociais e um empréstimo contraído em 2009.

Vejamos então se logrou fazer a prova que lhe competia.

Desde logo, o Recorrente alega que o capital utilizado para efectuar os suprimentos no montante de 3.581.762,19€ teve origem em mais-valias realizadas e declaradas em anos anteriores a 2009 (mais precisamente em 2005 e 2006), cujos respectivos montantes apenas foram efectivamente pagos ao Recorrente de forma faseada nos anos seguintes, e inclusive em 2009.

Da prova documental e testemunhal produzida, entendemos que o Recorrente fez prova da celebração dos contratos, preços acordados e recebimentos que alega.

No que diz respeito ao contrato celebrado em 21 de Junho de 2001, pelo qual o Recorrente vendeu à Sociedade ………………… Limited, sociedade inglesa com sede em Londres, no Reino Unido, 21.000 (vinte e uma mil) acções de que era titular na S……… - Sociedade Portuguesa ……………, S.A, pessoa colectiva nº ……………, pelo valor de Esc. 2.650.000.000 (13.218.144,27€), a prova deste facto resulta, desde logo do contrato de compra e venda que foi junto aos autos pelo Recorrente, e não obsta à esta conclusão o facto do contrato não estar assinado pelo Recorrente, pois resulta das praticas normais do comércio que os contratos sejam feitos em duplicado, sendo um para o comprador e outro para o vendedor, e que a assinatura se ponha apenas no contrato entregue à parte contrária, pois o que interessa é a assinatura da parte contrária enquanto vinculação jurídica, sendo irrelevante se o próprio assina ou não o contrato que fica na sua posse, pois assinou o que ficou na posse da outra parte.

Para além do mais, a prova testemunhal foi cabal na confirmação da existência do contrato escrito e nas condições que constam no mesmo. A testemunha Irene …………, demonstrou com credibilidade e consistência conhecer não só o contrato em causa, mas os fluxos financeiros que lhe seguiram para o seu efectivo cumprimento, pelo que não restaram dúvidas ao tribunal quanto à existência do negócio que o contrato escrito formalizou.

Por outro lado, também ficou claro para o tribunal a origem das acções transmitidas, não ficando qualquer dúvida quanto à sua proveniência legítima. Com efeito, as acções de que o Recorrente era titular na referida S.P.L.A. foram adquiridas, parte no ano de 1998 (aquando da constituição da sociedade) e outra parte no ano de 2000, tal como resultou quer do Livro de Registo de acções da S………, quer ainda do depoimento da testemunha Irene Brazinha.

Quanto aos pagamentos faseados que foram alegados, também resultaram provados. Por força do contrato supra referido, o preço de venda das acções deveria ser pago em várias prestações anuais, a liquidar desde o ano de 2001 até ao ano de 2009, tal facto resulta, desde logo da cláusula segunda do contrato, e foi cabalmente confirmado pelo depoimento da testemunha Irene …….. que explicou à exaustão como os pagamentos foram sido feitos, e era a responsável pelo controle dos recebimentos dessas quantias resultantes do contrato.

Através da prova documental, e corroborado com a prova testemunhal, o Recorrente logrou reconstituir o percurso temporal de todos os pagamentos que foram feitos, quando os recebeu, se foi por cheque ou transferência bancária, em que conta os recebeu, ficando claro ao tribunal a transparência e pormenor que se quis imprimir à prova efectuada: o Recorrente, recebeu em 2001 o valor de 349.160,00€ e em 2002 o valor de 548.678,00€, depois verificou-se um desconto final, relativamente ao contrato no montante de 302.000,00€, entre o ano de 2003 e 2009 o Recorrente recebeu, então, um total de 12.018.307,00€.

Por outro lado, também resultou provado o contrato celebrado em 14 de Abril de 2005 o Recorrente vendeu à Sociedade B……… - British …………….. B.V, sociedade de direito holandês, com sede na Holanda, 5.000 (cinco mil) acções de que era titular na G-…………….. S.A., pessoa colectiva nº 503130265, pelo valor de Euros 2.747.785,00, e que tal valor foi recebido pelo Recorrente por transferência bancária ordenada em 14 de Abril de 2005, pela sociedade compradora (a referida ……………..), efectuada para a sua conta nº ………………. domiciliada no Banco ……….

As acções de que o Recorrente era titular na referida G-Grupo haviam sido adquiridas parte em 1994, aquando da constituição da Sociedade, e a outra parte no ano 2000, o que atesta a sua origem legítima, até porque tais datas constam da respectiva declaração de rendimentos relativa ao ano de 2005, anexo G-1.

Resultou ainda provado que por contrato celebrado em 14 de Abril de 2005 o Recorrente acordou com a referida Sociedade B……… - British ………….. B.V, a opção de compra, por parte desta, de mais 5.000 (cinco mil) acções de que era titular na G-Grupo Investimentos e Participações S.A., por um valor a determinar em função dos resultados desta sociedade, opção de compra que foi exercida pelo B…… e, 2006, e por conseguinte, o Recorrente recebeu, nos anos de 2007 e 2008, através de transferências bancárias ordenadas pela sociedade compradora (a referida B…..), efectuadas para a sua conta nº …………………., domiciliada no Banco ……………….., a quantia total de 2.328,000,00€, sendo a transmissão das acções declarada na respectiva declaração de rendimentos relativa ao ano de 2006, anexo G-1.

Ora, para o caso dos autos, é mais que suficiente considerar a prova que foi feita relativamente ao recebimento em 2009 (sem prejuízo de se considerar provado toda a restante matéria), ano a que diz respeito os suprimentos em causa nos autos. Assim, o Recorrente recebeu, no ano de 2009, através de transferências bancárias ordenadas pela sociedade compradora (Sociedade ……………….Limited), efectuadas para a sua conta nº ………….., domiciliada no Banco ………….., a quantia de 4.187.181,00€.

Em síntese, para além do mais, resulta plenamente provado que o Recorrente, só no ano de 2009 recebeu quantias no montante de 4.187.181,00€, que assumem a natureza de mais-valias não tributadas pela venda de acções que detinha, tendo provado a veracidade de toda a operação subjacente à mais-valia. Considerando que o valor dos suprimentos detectados pela AT é de 3.581.762,19€, aqueles montantes excede claramente este, o que é suficiente para justificar a realização dos suprimentos, e dar satisfação ao ónus probatório que impende sobre o Recorrente.

Não obstante, resulta ainda provado nos autos que o Recorrente contraiu um empréstimo em 2009, no montante de 2.800.000,00€, e que essa quantia foi toda aplicada nos suprimentos ora em causa.

Com efeito, resulta provado que o Recorrente celebrou, em 18 de Maio de 2009, uma escritura pública de mútuo com hipoteca e mandato com o Deutsche Bank (Portugal) S.A., nos termos qual este Banco emprestou ao Recorrente 2.800.000,00€, sendo ainda certo que também resulta provado que a aprovação do mútuo ocorreu em data anterior, considerando que a comissão relativa a este processo de mútuo tem data valor de 27.04.2009, data em que foi aprovada a operação de concessão de crédito (cfr. alíneas V) e Z) do probatório).

Por outro lado, também resultou provado que esse montante derivado do contrato de mútuo, que foi creditado na conta do Recorrente na mesma data da escritura pública de mútuo com hipoteca (cfr. alínea Y) do probatório), foi utilizado pelo Recorrente para fazer os suprimentos em causa nos autos. Na verdade, resulta provado que o Recorrente, passou dois cheques, respectivamente de 1.700.000,00€ e 300.000,00€, cheques esses cujo montante e respectivo número constam dos suprimentos assim considerados pela Autoridade Tributária. Por outro lado, de acordo com o documento complementar à referida escritura, o montante mutuado era destinado a “investimentos múltiplos não especificados”, o que não contraria o que foi dito por Irene ………… e Martiniano ……….. Ambos explicaram que o valor deste mútuo foi, nesse mesmo ano de 2009, empregue na prestação dos referidos suprimentos.

Na verdade, para além do Recorrente ter devidamente documentado o recebimento daquele montante no âmbito de um contrato de mútuo celebrado com o seu banco, também fez prova de que esse montante foi integralmente aplicado no suprimento em causa nos autos. Com efeito, a nossa convicção resulta não apenas da prova documental, designadamente dos montantes terem sido creditados na conta do Recorrente pela entidade bancária em causa, e posterior saída desses montantes através de dois cheques que foram devidamente identificados pela AT como tendo sido utilizados para efectuar parte dos suprimentos, como ainda, tais factos foram todos confirmados por ambas as testemunhas em sede de audiência de inquirição de testemunhas.

É nossa convicção que ambas as testemunhas revelaram conhecimento pertinente dos factos, e relataram-nos de forma credível, consistente, o que leva o tribunal a formar a sua convicção, juntamente com a prova documental, de que foi efectuada prova cabal, de que correspondem à realidade os rendimentos declarados pelo Recorrente pois é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada, in casu mútuo bancário, sendo ainda certo que não está obrigado a declarar a existência desse mútuo, e provou ainda o Recorrente o nexo de causalidade entre a concessão do mútuo e a sua utilização para efectuar parte dos suprimentos ora em causa. Por conseguinte, também nesta parte do alegado, o Recorrente satisfez o seu ónus probatório.

Em conclusão, ponderada toda a prova produzida (documental e testemunhal) entendemos que o Recorrente satisfez plenamente o ónus da prova que sobre si recaía. Provou que correspondem à realidade os rendimentos declarados pelo Recorrente no ano de 2009, pois é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada pelos suprimentos detectados pela AT, in casu as mais-valias resultantes da venda de acções que foram efectivamente recebidas pelo Recorrente em 2009 (no valor total de 4.187.181,00€) e mútuo bancário contraído em 2009 (no valor de 2.800.000,00€), o que perfaz um montante total muito superior ao montante calculado pela AT de 3.581.763,19€ (montante total dos suprimentos efectuados em 2009 pelo Recorrente), pelo que o Recorrente logrou provar a origem legítima dos rendimentos que lhe permitiram efectuar os suprimentos. [sublinhado nosso].

Trata-se, efectivamente, de rendimentos legítimos, pois as mais-valias resultantes das transmissões das acções foram declaradas pelo Recorrente (pelo que a AT não pode desconhecer a sua existência e o Recorrente cumpriu com a sua obrigação declarativa) e não estavam, à época, sujeitas a tributação em sede de IRS, e o mútuo, não está sujeito à tributação e nem o Recorrente estava obrigado a declarar a sua existência.

Por último, provou ainda o Recorrente o nexo de causalidade entre as mais-valias obtidas e a concessão do mútuo com a utilização desses rendimentos para efectuar a totalidade dos suprimentos apurados pela AT. Ou seja, resulta provado que apesar do Recorrente, no ano de 2009 apenas ter declarado em sede de IRS o rendimento bruto no montante de 18.000,00€, a verdade é que possuía outros rendimentos avultados resultantes de mais-valias declaradas e não tributadas e ainda contraiu um empréstimo bancário, e que tais capitais foram utilizados na realização dos suprimentos em causa nos autos. [sublinhado nosso] De todo o modo, no caso em apreço, resultando provado que no mesmo ano em que o Recorrente efectuou os suprimentos, contraiu um empréstimo e recebeu quantias avultadas resultantes de contratos celebrados, sempre existirá um nexo de causalidade adequada, pois, os fluxos financeiros ao ocorrerem no mesmo ano, e sendo desconhecidos da AT, mas legítimos, são adequados a ser utilizados na prestação de suprimentos, e por conseguinte, são adequados para a justificação da origem das quantias prestadas a título de suprimentos.

E o discurso fundamentador da sentença recorrida, podemos adiantar, afigura-se, não só devidamente alicerçado, como acertado.

Dispõe o artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária:

1 - Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.

2 - Na aplicação da tabela prevista no n.º 4 tomam-se em consideração:

(…)

c) Os suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar. [Aditado pela Lei n.º 107-B/2003 de 31 de Dezembro]

(…)

3 - Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada.

4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:

(…)”

In casu, o ora Recorrido foi objecto de uma acção de inspecção, no âmbito da qual foi proferido despacho datado de 24.09.2013 que fixa o rendimento tributável do ano de 2009, em sede de IRS, por aplicação de métodos indirectos, com base no disposto no art. 65.º, n.º 2 do CIRS e al. d) do art. 87.º e art. 89.º-A da LGT, no montante de EUR 1.790.881,10. Considerou a Administração Tributária que o rendimento líquido total declarado revelava uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão constante da tabela do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT, tendo em conta o montante de EUR 3.581.762,19 a título de suprimentos que o Recorrido efectuou à sociedade “MGS – SGPS, SA” de que é administrador.

Não estando em causa que a AT satisfez o seu ónus ao recolher elementos suficientes para justificar a sua actuação – prova dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos –, passa a competir ao sujeito passivo o ónus da prova da ilegitimidade do acto de avaliação indirecta, por erro nos respectivos pressupostos, pela demonstração de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada. Ou seja, cabe à Administração Tributária (art. 74.º, n.º 1, da LGT e art. 342.º, n.º 1, do C. Civil) provar o facto que, segundo a lei, constitui uma manifestação de fortuna, o que fez, e ao sujeito passivo cabe o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada (ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova).

E o que resulta dos autos, tal como se concluiu na sentença recorrida, é que os suprimentos em causa foram feitos com recurso a valores provenientes da venda de participações sociais e um empréstimo contraído em 2009.

Com efeito, atento o probatório fixado, como afirmado pela Mma. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa: para o caso dos autos, é mais que suficiente considerar a prova que foi feita relativamente ao recebimento em 2009 (sem prejuízo de se considerar provado toda a restante matéria), ano a que diz respeito os suprimentos em causa nos autos. Assim, o Recorrente recebeu, no ano de 2009, através de transferências bancárias ordenadas pela sociedade compradora (Sociedade ………….. Limited), efectuadas para a sua conta nº ………………., domiciliada no Banco ……………., a quantia de 4.187.181,00€. // Em síntese, para além do mais, resulta plenamente provado que o Recorrente, só no ano de 2009 recebeu quantias no montante de 4.187.181,00€, que assumem a natureza de mais-valias não tributadas pela venda de acções que detinha, tendo provado a veracidade de toda a operação subjacente à mais-valia. Considerando que o valor dos suprimentos detectados pela AT é de 3.581.762,19€, aqueles montantes excede claramente este, o que é suficiente para justificar a realização dos suprimentos, e dar satisfação ao ónus probatório que impende sobre o Recorrente. // Não obstante, resulta ainda provado nos autos que o Recorrente contraiu um empréstimo em 2009, no montante de 2.800.000,00€, e que essa quantia foi toda aplicada nos suprimentos ora em causa.”

Assim, como assinalado, desde logo se encontra uma fonte da manifestação de fortuna evidenciada pelos suprimentos detectados pela AT, in casu as mais-valias resultantes da venda de acções que foram efectivamente recebidas em 2009 (no valor total de EUR 4.187.181,00) e mútuo bancário contraído em 2009 (no valor de EUR 2.800.000,00), o que perfaz um montante total de EUR 6.987.181,00, muito superior, portanto, ao montante calculado pela AT de EUR 3.581.763,19 (montante total dos suprimentos efectuados em 2009 pelo Recorrido). Ou seja, só no ano de 2009, deu entrada nas contas bancárias do Recorrido, com origem na venda de participações sociais e num empréstimo contraído em 2009, o montante de EUR 6.987.181,00.

Por outro lado, entendemos igualmente que o Recorrido demonstrou, através de uma alegação circunstanciada (v. o por si alegado na p.i. - art.s 7.º a 52.º ) e abundantemente documentada o percurso concreto dos montantes em causa, demonstrando fazer o trato sucessivo das quantias dispendidas. Matéria que veio a merecer do Tribunal a quo um juízo probatório afirmativo, como decorre dos factos provados em G) e seguintes e principalmente de X) a AA).

Valores esses que saíram, como enfatizado pelo Recorrido nas contra-alegações, por cheque ou por transferência bancária, das referidas contas bancárias directamente para a prestação dos aludidos suprimentos. O que a prova efectuada permitiu confirmar.

Assim, em conclusão, atendendo à factualidade provada, não procede a alegação da Recorrente de que o ora Recorrido não satisfez plenamente o ónus da prova que sobre si recaía. Com efeito, não só este provou que correspondia à realidade os rendimentos declarados no ano de 2009 – prova da origem legítima dos rendimentos que lhe permitiram efectuar os suprimentos: mais-valias resultantes da venda de acções e mútuo bancário contraído em 2009 –, como provou ainda o ora Recorrido o nexo de causalidade entre as mais-valias obtidas e a concessão do mútuo com a utilização desses rendimentos para efectuar a totalidade dos suprimentos apurados pela AT. O sujeito passivo, ora Recorrido, como a lei impõe demonstrou quer a origem da manifestação de fortuna, quer como é que ela se materializou (sobre esta questão, o acórdão do TCAN de 13.09.2013, proc. n.º 2395/10.9BEPRT, por nós relatado).

Consequentemente, nada mais importando apreciar, haverá que confirmar a sentença recorrida nos seus precisos termos, mantendo-se, consequentemente, a decisão de anulação do despacho recorrido da Directora de Finanças de Lisboa de fixação do rendimento tributável para efeitos de IRS referente ao ano de 2009 (categoria G), no valor de EUR 1.790.881,10.



III. Conclusões

Sumariando:

I. O artigo 640.º do novo CPC vem reforçar a consagração de um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, o qual não foi satisfeito pela Recorrente, que não indicou as passagens da gravação em que se funda a mesma impugnação, nem procedeu à transcrição de qualquer excerto dos depoimentos das testemunhas.

II. Nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 3, da LGT, compete à AT o ónus da prova dos pressupostos que lhe permitem aplicar métodos indirectos na determinação da matéria tributável e, feita essa prova, compete ao contribuinte o ónus da prova do excesso na quantificação da matéria tributável efectuada.

III. Verificados os pressupostos legais de aplicação dos métodos indirectos, por força do disposto no artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT é ao sujeito o passivo que incumbe a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados.

IV. A interpretação teleológica da norma consagrada no art. 89.º-A da LGT sugere um elemento de conexão, uma relação causal, entre um certo rendimento e uma determinada manifestação de fortuna.

V. Faz essa prova o contribuinte que demonstra que no ano em causa detinha meios financeiros que lhe permitiam realizar os suprimentos efectuados (mais-valias resultantes da venda de acções e mútuo bancário contraído em 2009), bem como que os valores correspondentes foram disponibilizados para a realização desses suprimentos.



IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de Julho de 2014

Pedro Marchão

Benjamim Barbosa

Anabela Russo