Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:157/17.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS,
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL E SUBSTANCIAL.
Sumário:I. O art. 75.º, n.º 1, da LGT estabelece uma presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal;
II. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (cf. n.º 1, do art. 350.º do C.C.);
III. Aquela presunção não se verifica nas situações previstas nas várias alíneas do n.º 2 daquele preceito legal, cabendo à AT demonstrar qualquer das situações elencadas naquele n.º 2, que obstam à verificação da presunção;
IV. Anulada a liquidação impugnada por falta de fundamentação formal e substancial, verifica-se o erro sobre os pressupostos de facto e de direito verificando-se o direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 1 da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO


A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, vem recorrer da sentença de fls. 251/267, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [retificada quanto a custas, por despacho de 28.08.2017] que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela cooperativa «U... – U..., CRL» contra o ato de liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, do exercício fiscal de 1998 e no valor total de €25.046,39, anulou a liquidação sindicada e determinou a devolução à impugnante do montante indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido -16.12.2002- até à data da emissão da nota de crédito.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

«Deve ser dado provimento ao presente recurso porquanto, como se mostra dos autos:

I) A Fazenda Pública, ressalvando-se o devido respeito, considera que a douta decisão recorrida não faz correta apreciação da matéria de facto e de direito seja no que se refere à falta de fundamentação da correcção relativa à atribuição de rappeis aos associados pois que consta do relatório, é apreensível e não se cingiu a um único argumento, seja no que se refere ao erro sobre os pressupostos da correcção (violação de lei), por errónea interpretação sobre quem alegou o facto cujo ónus da prova o art.74° da LGT, faz recair.

II) O tribunal a quo, não deixou de citar as passagens que entendeu pertinentes para fundamentar a sua linha de raciocínio, simplesmente optou por fazê-lo olvidando que a apreciação relativa ao dever de fundamentação deve ser feita de forma global, conjugada, enquadrada e dinâmica, face aos actos inspectivos que correram no passado - sendo esta, neste particular, a grande insuficiência que levou o tribunal a quo a cometer o erro de dar por verificada a falta de fundamentação do RIT.

IlI) Com efeito, não faz sentido tomar uma posição centrada simplesmente no que se afirmou após o direito de audição menosprezando o relacionamento estabelecido entre as partes até aquele momento, ou, sem ter presente o modo e o tipo de documentação apresentada antes, e que legitimou a decisão de não aceitar o que lhe estava a ser apresentado pela Impugnante.

IV) Resulta do Relatório de Inspecção Tributária que durante a acção inspectiva foram recolhidos elementos, nomeadamente, facturas e extractos da conta-corrente que suportaram um quadro resumo apresentado pela própria Impugnante referente à atribuição total de rappeis aos associados da Impugnante e que lograram convencer a Inspecção Tributária, até aquele momento, da veracidade das suas alegações.

V) Ora, apesar de na maioria dos documentos de suporte não existir qualquer classificação contabilística (facto que consta do RIT mas que não foi levado ao probatório), afirma-se no projecto do RIT, o seguinte: De acordo, com informações prestadas na U..." (Dr. F...
-Director Financeiro), a atribuição dos rappeis aos seus associados é calculado do seguinte modo:
-o valor mais significativo, corresponde a aquisições que os associados fazem directamente aos fornecedores
- outra parte corresponde a aquisições que os associados fazem directamente a "U...".
Refere-se ainda que, para saber as valores dos rapeis distribuídos pela "U..." aos seus associados, foi necessário solicitar ao Director Financeiro desta cooperativa (Dr. F...), que nos apresentasse os valores de cálculo dessas atribuições, uma vez que a contabilidade não reflecte de forma clara estas atribuições tendo-nos sido fornecido disquetes com os valores mais significativos, que comportam apenas a parte correspondente das aquisições directas dos associados aos fornecedores, tendo sido complementado o solicitado, com a apresentação de um quadro resumo que abarca as duas modalidades de atribuição de rapeis, referidas anteriormente.

VI) Os Serviços de Inspecção verificaram que no cálculo da atribuição dos rappeis há valores que resultam de aquisições que os associados fazem aos fornecedores e há valores que decorrem de aquisições que os associados fazem à própria Impugnante. Motivo pelo qual foi necessário solicitar ao Director Financeiro os valores de cálculo pois que a contabilidade não reflectia de forma clara essas atribuições. (sublinhado nosso)

VII) Só o quadro resumo permite visualizar as duas modalidades de atribuição de rappeis (sublinhado nosso)

VIII) A douta sentença reporta-se, nomeadamente, aos anexos 324 e 325. Documentos que, por si só, não permitem aos Serviços de Inspecção determinar os valores de correcção, porque à semelhança das dificuldades sentidas e que determinaram antes da elaboração do projecto de correcções a necessidade de solicitar ao Director Financeiro a apresentação dos valores de cálculo dessas atribuições - também aqui exigia-se que a Impugnante apresentasse a base do cálculo relativamente a estes documentos entretanto apresentados, o que não foi feito.

lX) Motivo pelo que se afirma no RlT, em resposta ao direito de audição que: "No que respeita ao custo referente aos "rapeis", consideramos como correcto o valor constante do quadro resumo que nos foi fornecido referente à totalidade dos cálculos efectuados, no montante de 3.466.000.000$00 (€17.288.355,11), uma vez que para o valor declarado na declaração de rendimentos, no montante de 3.476.091.145$00 (€17.338.669,53), não apresenta qualquer base de cálculo.

X) Essa impossibilidade constitui, também ela, fundamento para desconsiderar os efeitos dos valores que constam dos mencionados anexos 324 e 325. Porquê? Porque não foi apresentada a base de cálculo.

XI) É redutor entender que os serviços de inspecção pela análise aqueles dois documentos se tenham suportado apenas na enunciada duplicação do registo para concluir pela manutenção do sentido do projecto de correcções, sendo certo que a apresentação daqueles documentos relativamente a um quadro resumo que foi apresentado aos serviços de inspecção "como correspondendo ao valor total dos rappeis atribuídos aos seus associados" - permite, concluir pela eventual duplicação do registo.

XII) Se o quadro resumo corresponde ao valor total dos rappeis atribuídos e se a AT faz fé nos documentos anteriormente apresentados então a conclusão óbvia é que os montantes daqueles dois documentos já se mostram contemplados no mencionado quadro-resumo.

XIII) Se não era assim (e daqui partimos para a crítica à segunda conclusão a que o tribunal a quo chegou com a qual não podemos concordar e que contende com a sindicância dos pressupostos do segmento desta correcção), ou seja, se o mapa-resumo, afinal, não espelhava a totalidade do valor dos rappeis atribuídos aos seus associados impunha-se à Impugnante a apresentação de novo quadro-resumo que de algum modo espelhasse a totalidade do valor dos rappeis atribuídos desta feita actualizados da influência dos valores que os anexos 324 e 325 pudessem ter no seio das modalidades de aquisições de rappeis, que permitisse ao fisco corrigir.

XIV) E a própria Impugnante não era desconhecedora desse facto, pois que antes do direito de audição foi-lhe solicitado que apresentasse os tais valores de cálculo, o que fez, fornecendo as disquetes com valores mais significativos acompanhados do mapa resumo abarcando as modalidades das atribuições. Matéria que foi levada ao probatório. Se o fez da primeira vez, compreendia certamente a necessidade de o fazer com a apresentação dos anexos 324 e 325, pela influência que os mesmos reproduziriam na correcção. A iniciativa cabia-lhe a si.

XV) Ainda que, por exercício teórico, a invocação da duplicação do registo (que resulta precisamente da ausência da base de cálculo conjugada com a documentação aceite e valorada pelos SIT) não tivesse sido convenientemente fundamentada, a própria impossibilidade de apuramento da base de cálculo dos valores inscritos nos documentos que constituem os anexos 324 e 325 foi dada a conhecer à Impugnante suportando a decisão de manter o sentido esgrimido no projecto.

XVI) Mal se compreendo, de resto, que os serviços de inspecção lograssem optar por aceitar factos não comprovados nem comprováveis apresentados a jusante do direito de audição no lugar de factos que a AT entendeu dar por comprovados mediante a apresentação por parte da Impugnante das bases de cálculo. Nessa medida o RIT está fundamentado.

XVII) O que para o tribunal constitui falta de fundamentação, na óptica da Fazenda Pública mais não será senão uma má apreciação e observação do julgador não só da globalidade da própria fundamentação neste segmento, pois que o RIT não se suportou apenas na duplicação do registo mas também na não apresentação da base de cálculo que lograsse validar a totalidade dos valor de rappeis atribuídos e a sua influência na correcção.

XVIII) O que para o tribunal a quo constitui erro sobre os pressupostos da correcção mais não será senão uma evidente violação das regras de distribuição da prova pois cumpriria à Impugnante demonstrar a influência que esses documentos (na sua óptica não considerados no quadro-resumo) influenciariam o valor total dos rappeis atribuídos, e, em última instância, a correcção - pois que foi ela quem os apresentou.

XIX) Sé a própria Impugnante quem, afinal, vem dar o dito por não dito, pretendendo que se adicionem montantes de dois documentos que reconhece não estarem contabilizados no quadro resumo que a própria apresentou anteriormente não se faça impender sobre a AT o ónus demonstrar algo que a mesma está impossibilitada de fazer, e ao arrepio dos disposto no art.74°, da LGT - pois que foi a Impugnante quem veio aos autos alegar que os factos revelados naqueles dois documentos não toram por si considerados.

XX) A indispensabilidade do custo (art.23º CIRC) está dependente precisamente da sua comprovação relativamente a um documento que própria apresentou nos precisos termos em que o fez.

XXI) Se a própria impugnante junta um mapa-resumo e depois mais tarde vem dizer que afinal há dois documentos não estão considerados nesse mapa é ela quem suscita essa discrepância que permite duvidar do que alega pelo que, consequentemente, será ela quem incumbe dirimir probatoriamente os factos alegados.

XXII) A Impugnante mesmo após a correição poderia ter apresentado documentação que lograsse demonstrar que aqueles montantes não constavam do mapa-resumo anteriormente apresentado, e, à semelhança do que fez antes do projecto de correcções, apresentar a base de cálculo e as modalidades de atribuição dos rappeis.

XXIII) Por outro lado, há erro, desta feita, na apreciação do tribunal a quo sobre quem alega o facto e a consequente distribuição dinâmica do ónus da prova porque, de facto, não foi a AT quem alegou os factos que entendeu desconsiderar. Foi a Impugnante que trouxe novos factos que não tinha trazido até então depois de ter entregue um mapa-resumo com cálculos que entendia espelhar tudo relativamente a este segmento da correcção.

XXIV) Finalmente, entendendo-se, como entende a Recorrente, que inexiste falta de fundamentação do RIT (que de todo o modo, a existir, não fundamentaria a atribuição de juros indemnizatórios segundo entendimento jurisprudencial dos nosso tribunais superiores) e, bem assim, violação de lei no que respeita aos pressupostos de facto e de direito deste segmento da correcção, forçoso é concluir que não se mostram verificados os pressupostos previstos no art.43°, da LGT - pelo que não sobrará outra hipótese senão revogar a atribuição de juros indemnizatórios dada pela sentença recorrida neste segmento, e a necessária rectificação do decaimento das custas.

XXV) A sentença recorrida, não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo a inexistência da falta de fundamentação do RIT (à luz do art.77° da LGT); a não comprovação do gasto (art.23°, do CIRC) e o erro na distribuição do ónus da prova por violação do disposto nos arts.74° e 75°, ambos da LGT-julgará procedente o presente recurso, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão.

Termos em que, deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada parcialmente a douta sentença recorrida nos termos sobreditos.

V/Exas, porém, não deixarão de fazer acostumada justiça»


*
A Sociedade Recorrida contra-alegou, concluindo do modo que segue:

«A. Vêm as presentes contra-alegações de recurso apresentadas na sequência do recurso interposto pela FP da douta sentença da Meritíssima Juiz a quo que julgou procedente a Impugnação deduzida contra a Liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios, referente ao ano de 1998, no montante de €25.046,39 e condenou a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios;

B. A decisão do Tribunal a quo foi proferida no âmbito da impugnação apresentada pela ora Recorrida do ato de liquidação adicional de IRC emitido pela AT na sequência de procedimento inspectivo, no qual foram desconsiderados como custos fiscais os encargos referentes a rapeis atribuídos pela Recorrida aos seus associados e os custos referentes a reparações em viaturas ligeiras de mercadorias;

C. Como a própria Recorrente refere expressamente, a mesma apenas pretende a reapreciação do segmento decisório atinente aos encargos decorrentes da atribuição, pela Recorrida, de rapeis aos seus associados;

D. O recurso ora interposto pela Recorrente deverá ser julgado totalmente improcedente, por manifesta falta de fundamento legal, o que nesta sede se demonstra de forma clara e indubitável, só assim se respeitando a LEI e fazendo JUSTIÇA;

E. In casu, decidiu o douto Tribunal a quo - e bem! - no exercício do seu poder jurisdicional, pela procedência do pedido formulado pela Recorrida, por entender que é manifesto que, no caso em apreço, encontram-se verificados:

F. Um vício de falta de fundamentação formal, uma vez que: (i) a AT se limitou a desconsiderar elementos probatórios aportados pela Recorrida, sem qualquer justificação para esse efeito; (ii) a fundamentação aduzida pela AT no Relatório Final de Inspecção clara por não permitir conhecer o iter cognoscitivo-valorativo da correcção promovida; e,

G. Um erro sobre os pressupostos de facto e de direito, decorrente (i) da desconsideração pela AT de custos efectivamente suportados pela Recorrida por alegada (mas não demonstrada) duplicação de custos; (ii) do incumprimento do ónus da prova da AT dos factos constitutivos do seu direito a tributar e da consequente não ilisão da presunção da verdade da declaração de rendimentos da Recorrido c dos respectivos elementos de suporte. Em face das dúvidas suscitadas pela AT quer no procedimento inspectivo quer nos autos de impugnação judicial, a dúvida sobre a existência c quantificação do facto tributário sempre seria determinaria a anulação da correcção em causa e da liquidação de IRC contestada.

H. É pois este o silogismo judiciário que leva o Tribunal a quo a concluir (bem!): (i) pela verificação de "erro nos pressupostos de facto e de direito, o que acarreta a anulação da respectiva liquidação de impostos, bem como da liquidação relativa aos juros compensatórios, pela ilegalidade derivada de que esta padece"; e, (ii) pelo direito da Recorrida a juros indemnizatórios.

I. É desta decisão estruturada, clara e bem fundamentada do Tribunal a quo que a Recorrente discorda, assentando o seu recurso essencialmente no que considera ser uma incorrecta valoração os factos e do direito pelo douto Tribunal a quo, já que entende que "uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito seja no que se refere à falta de fundamentação da correcção relativa à atribuição de rappeis aos associados por que consta do relatório, é apreensível e não se cingiu a um único argumento, seja no que se refere ao erro sobre os pressupostos da correcção (violação de lei", por errónea interpretação sobre quem alegou o facto cujo ónus da prova o art.74º da LGT, faz recair."

J. Sucede porém, e como veremos, que tal erro implica um recurso da matéria de facto, o que por sua vez implica a indicação dos factos erradamente considerados provados ou daqueles outros factos que, resultando da prova junta aos autos, não foram dados por assentes.

K. Ora, a FP não percorre este caminho, e embora sugira que o recurso aqui em causa é de matéria de facto, ataca apenas o enquadramento jurídico do Tribunal a quo sobre os factos dados corno assentes (o que é indiscutivelmente matéria de direito).

L. Este é, assim, e em exclusivo, um recurso em matéria de direito, já que o que a Recorrente contesta é um "erro de interpretação de lei", em virtude da apreciação da prova e das conclusões de direito que são extraídas pelo douto Tribunal a quo de tal apreciação (e já que não contesta a matéria de facto dada corno assente pelo Tribunal recorrido);

M. Se bem interpretamos as alegações de recurso apresentadas, entende a Recorrente que da prova carreada para os autos não poderiam resultar as conclusões de direito formuladas na sentença recorrida, pois que (i) a documentação junta pela Recorrida no direito de audiência prévia apresentado não permitiu à Recorrente determinar os valores de correcções; (ii) impunha-se à Recorrida juntar a fórmula de cálculo dos rapeis cujos custos estavam inscritos nos anexos 324 e 325; (iii) o facto de a Recorrida ter apresentado dois novos documentos (i.e. os anexos 324 e 325) após a apresentação de "um quadro resumo que foi apresentado nos serviços de inspecção "como correspondendo ao valor total dos rappeis atribuídos aos seus associados" permite concluir pela eventual duplicação do registo"; (iv) se a Recorrida juntou um mapa resumo da primeira vez, deveria ter junto um mapa resumo rectificado / actualizado em face dos novos documentos juntos (i.e. dos anexos 324 e 325); (v) ainda que a invocação da duplicação de registo de custos (que resulta precisamente da ausência da base de cálculo conjugada com a documentação aceite e valorada pelos SIT) não tivesse sido convenientemente fundamentada, a própria impossibilidade de apuramento da base de cálculo dos valores inscritos nos documentos que constituem os anexos 324 e 325 foi dada a conhecer à Recorrida suportando a decisão de manter o sentido esgrimido no projecto; (vi) se é a própria Impugnante que pretende "que se adicionem montantes de dois documentos que reconhece não estarem contabilizados no quadro resumo que a própria apresentou anteriormente não se faça impender sobre a AT o ónus de demonstrar algo que a mesma está impossibilidade de fazer, e ao arrepio do disposto no artº74º da LGT”- cf. Conclusões do Recurso.

N. Em resumo, invoca a Recorrente, por referência às conclusões do recurso que a decisão do Tribunal a quo no sentido da verificação do vício de falta de fundamentação formal configura "uma má apreciação e observação do julgador não só da globalidade da própria fundamentação neste segmento, pois que o RIT não se suportou apenas na duplicação do registo mas também na não apresentação da base de cálculo que lograsse validar a totalidade do valor de rappeis atribuídos e a sua influência na correcção" (cf. Conclusão XVII do Recurso);

O. Mais invoca a Recorrente que aquilo que Tribunal a quo considerou ser um erro sobre os pressupostos da correcção é, na verdade: "uma evidente violação das regras de distribuição da prova pois cumpriria à Impugnante demonstrar a influência que esses documentos (na sua ática não considerados no quadro-resumo) influenciaram o valor total dos rappeis atribuídos, e, em última instância, a correcção -pois que foi ela quem os apresentou." - (cf. Conclusão XVIII do Recurso);

P. E prossegue a Recorrente, alegando que existiu um erro do Tribunal a quo na análise da distribuição do ónus da prova: "porque, de facto, não foi a AT quem alegou os factos que entendeu desconsiderar. Foi a Impugnante que trouxe novos factos que não tinha trazido até então depois de ter entregue um mapa-resumo com cálculos que entendia espelhar tudo relativamente a este segmento de decisão";

Q. Concluindo, assim, que, inexistindo falta de fundamentação ou erro sobre os pressupostos de facto e na aplicação do direito, "não se mostram verificados os pressupostos previstos no art.43° da LGT" para atribuição de juros indemnizatórios à Recorrida.

R. Sucede que, tratando-se a decisão a quo de uma decisão sólida e bem fundamentada, conforme já mencionado supra, acaba a FP a recorrer a argumentos que, quando detalhados e sopesados quer individualmente, quer em conjunto, são manifestamente improcedentes e jamais conduziriam à revogação da douta decisão do Tribunal a quo.

S. Assim, e no que corresponde à alegada inexistência de vício de falta de fundamentação formal (cf. conclusões ii) a xvii) do Recurso), a verdade é que constam do probatório e dos elementos de prova juntos aos autos todos os factos dos quais decorre com inelutável clareza a conclusão que retira a decisão recorrida pela existência do referido vício de falta de fundamentação; sendo que o Tribunal a quo justifica de forma correta, completa e bem fundamentada o motivo pelo qual entende que no Relatório Final de Inspecção, a AT não justificou porque o motivo desconsiderou os novos elementos probatórios aportados pela FP no direito de audição prévia apresentada e, bem assim, os motivos pelos quais entende que a fundamentação aduzida não permite à Recorrida perceber o iter cognoscitivo-valorativo da correcção promovida pela AT;

T. Com efeito, e tal como já demonstrado, da factualidade provada resulta inequivocamente que:
(i) A correcção promovida pela AT relativamente aos custos efectivamente suportados com rapeis imputados aos associados baseia-se em meras suposições, presunções ou eventualidades sem um mínimo de correspondência à realidade;
(ii) Em nenhum momento a AT indicou quais dos custos efectivamente suportados com rapeis estariam duplicados (o que bem se compreende uma vez que não existiu qualquer duplicação de custos);
(iii) A AT limitou-se a alegar que o facto de a Recorrida não ter enviado uma nova versão do mapa-resumo de rapeis inicialmente apresentado só poderia significar que os custos com rapeis constantes dos anexos 324 e 325 já haviam sido incluídos no referido mapa-resumo;
(iv) Em nenhum momento, a AT solicitou à Requerente a apresentação de um novo mapa-resumo de rapeis, que a ajudasse a interpretar a nova documentação apresentada (i.e. dos anexos 324 e 325);
(v) Em face do cumprimento escrupuloso, pela Recorrida, do seu dever de colaboração com a AT no apuramento da verdade material, a atitude de desconfiança quanto aos elementos apresentados no procedimento inspectivo não tem qualquer cabimento ou justificação;
(vi) Em qualquer caso, a pretender corrigir os custos suportados e declarados pela Recorrida - que não podia, uma vez que os mesmos estavam cabalmente documentados e foram efectivamente suportados-, a AT devia ter fundamentado não só a razão pela qual pretendia corrigir tais custos como a concreta quantificação da base tributável, o que manifestamente não sucedeu.
(vii) E como bem decidiu o Tribunal a quo, tal fundamentação era essencial nos termos da Lei.

U. Tais factos consubstanciam, por si só, evidência e fundamentação suficiente para sustentar a conclusão (que é de Direito) pela existência de vício de falta de fundamentação formal.

V. E, pois, muito evidente que bem andou a decisão recorrida ao concluir pela existência de vício de falta de fundamentação formal, cujo reconhecimento levou à decisão de anulação total da liquidação de IRC e de juros compensatórios bem como ao reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre o montante indevidamente pago.

W. Por sua vez, contrariamente ao propugnado pela Recorrida (cf. Conclusões xviii) a xxiii) do Recurso) é manifesto que, no caso em apreço, a AT não ponderou, como se impunha, todos os elementos de facto e de direito que lhe permitiriam fundamentar a correção relativa aos custos suportados com rapeis, motivo pelo qual incorreu, igualmente, em vício de falta de fundamentação substancial.

X. E, como bem entendeu o Tribunal a quo, numa perfeita aplicação das regras sobre repartição do ónus da prova, da verificação do vício de falta de fundamentação substancial resulta, igualmente, que a AT não cumpriu o ónus da prova dos factos constitutivos do seu alegado direito a tributar (plasmado na desconsideração de custos efectivamente suportados pela Recorrida e devidamente documentados) nem logrou ilidir a presunção de verdade das declarações dos contribuintes que consta do artigo 75° da LGT.

Y. De facto, o ónus da destruição ou da ilisão da presunção de verdade das declarações do sujeito passivo - no caso ora em apreço, a desconsideração de custos efectivamente suportados e declarados na Modelo 22 pela Recorrida com rapeis imputados aos associados - cabia à AT, que devia ter desenvolvido todas as actividades de investigação, pertinentes, necessárias e suficientes, para o efeito.

Z. E conforme decidiu o Tribunal a quo, a AT não fundamentou devidamente a correcção relacionada com os rapeis imputados pela Recorrida aos seus associados (e a respectiva quantificação) e não cumpriu o ónus da prova dos factos constitutivos do seu "alegado" direito a tributar.

AA. Sendo que, conforme decidiu, igualmente, o Tribunal a quo no segmento decisório objecto de recurso, uma eventual dúvida sobre a quantificação da matéria tributável sempre deverá ser valorada a favor do sujeito passivo, em estrito cumprimento da regra plasmada no artigo 100°, nº1, do CPPT.

BB. É, pois, muito evidente que bem andou a decisão recorrida ao concluir pela existência de vício de falta de fundamentação substancial resultante de erro sobre os pressupostos de facto e na aplicação do direito, cujo reconhecimento levou à decisão de anulação total da liquidação de IRC e de juros compensatórios bem como ao reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre o montante indevidamente pago.

CC. Em face do exposto, não merece a decisão do douto Tribunal a quo qualquer censura nas conclusões de direito que propugna, devendo por conseguinte ser o presente Recurso interposto pela FP julgado improcedente por manifesta falta de fundamento.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá ser considerado integralmente improcedente, por manifesta falta de fundamento, o Recurso interposto pela FP, mantendo-se consequentemente a decisão a quo na parte ora objecto de recurso.»

*

O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (cf. fls.362/363 dos autos).

*

Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*


A questão a decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, por errónea apreciação dos fundamentos da correção (art. 77.º da LGT), entendendo a recorrente Fazenda Pública que não há comprovação do gasto (art. 23.º do CIRC) e errónea aplicação das regras do ónus da prova (art. 74.º e 75.º da LGT).

II - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«a) A 09/10/2001, sob o número 1118, foi remetido à Impugnante uma carta Aviso, em cumprimento, do disposto na al.l), do nº3 do artigo 59º da LGT e do artigo 49º do RCPIT, comunicando que na sequência da Ordem de Serviço n.º66972/3, a muito curto seria objecto de acção inspectiva, abrangendo os exercícios de 1998 e 1999, qual foi recepcionado em 10/10/2001 (cfr. fls. 21 do PAT e 151 dos autos);

b) A acção inspectiva teve início a 21/03/2002, versando sobre o exercício de 1998 (cfr. fls. 9 do PAT);

c) Após notificação do projecto de relatório da inspecção, a impugnante pronunciou­ se em sede de audição prévia, juntando diários de razão, extracto de conta corrente, balancete analítico e outros documentos de suporte (cfr. doc. 2, junto com a PI, a fls. 22 a 85 dos autos);

d) A acção inspectiva teve conclusão a 09/09/ 2002 (cfr. fls. 9 do PAT);

e) O relatório de inspecção Tributária foi elaborado a 20/09/2002, com despacho final a 24/09 /2002, no qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte:

"De acordo com a ordem de serviço nº66972, de 09/10/2001,foi enviada carta Aviso registada em 09/10/2001, à sede da "U... - U..., CRL- NIPC 5…, [...] dando conhecimento da acção inspectiva ao exercido de 1998. A referida ordem de serviço teve origem em informação da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa (Divisão de Processos Criminais Fiscais — Equipa 50), no qual foi dado conhecimento de irregularidades fiscais detectadas na "U... — U... CRL", resultantes da peritagem desenvolvida no processo de inquérito nº1/2000.9TELSE, do DCIAP/Lisboa.

A informação que deu origem à acção inspectiva foi elaborada por um dos técnicos da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa (Divisão de Processos Criminais Fiscais — Equipa 50), que participou como perito no processo de inquérito nº1/2000.9TELSB do DClAP/Lisboa, que nos termos do art.º35, n°4, do Regime Geral das Infracções Tributárias, deve comunicar à Administração Fiscal os factos resultantes dessa penda que resultem de infracções fiscais.

Refere-se ainda que, um dos técnicos intervenientes nesta acção inspectiva, foi o mesmo que participou como perito no já referendado processo de inquérito, cujos documentos de suporte utilizados nesta acção inspectiva, consistem em:

- relatório de acusação certificado pelo Tribunal Judicial de Oeiras, em 05/07/2002, com referenda nº675226 (anexos 1 a 259);

- elementos constantes do processo de inquérito, relativos a quadros que se elaborou com base nos circuitos de mercadorias ou na consulta de contas bancárias (por consulta ao processo).

-fotocópias de documentos extraídos da "U... ", na sequência da acção inspectiva.

A acção inspectiva só teve início após a autorização dada pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, para a consulta do referido processo de inquérito.

23. — Situações Verificadas

[…]

2.3.1.1 - Fornecedores com contrato

Nesta modalidade, o adquirente directo dos produtos (na sua maioria) são os associados, obtendo a "U..." com estas transacções uma comissão, designada por "rapel" a qual distribui posteriormente parte destas comissões recebidas aos seus associados, em função do volume de compras que cada um efectuou a estes fornecedores.

Pastas comissões são atribuídas, normalmente por trimestre e no ano em que se verificam as aquisições, enquanto a "U...", faz a distribuição das mesmas, no ano seguinte aos seus associados e de forma faseada, apesar de lançar os proveitos obtidos e os custos suportados com comissões, no ano em que os mesmos se verificam.

Neste ano de 1998, as comissões distribuídas pela "U...", aos seus associados, correspondem a comissões que recebeu do ano de 1997, tendo sido necessário verificar os documentos referentes à atribuição das mesmas, no ano de 1997, uma vez que o IVA deduzido nestas distribuições é efectuado no ano de 1998

A forma de atribuição destas comissões é efectuado ou através de facturas emitidas pela "U..." ou por notas de crédito emitidas pelos fornecedores com contrato estabelecido-

Acontece que, parte das comissões que são atribuídas à "U...", por notas de crédito, não têm regularização de IVA, fazendo menção ao n.°art.°71 do CIVA, o que leva à inexistência de regularizações de IVA a favor do Estado, por parte da "U..." (anexos 260 a 263, a título exemplificativo). No entanto, a "U..." ao repartir estas comissões pelos seus associados emite notas de crédito em IVA que deduz, o qual é contabilizado na conta "IVA dedutível de Outros Bens e Serviços".

Este método adoptado pela "U..." para atribuição das comissões que recebe, aos seus associados gera uma ruptura na cadeia do IVA, assim como lhe permite deduzir mais imposto do que deveria.

Conforme já foi referido anteriormente, foram atribuídos rapeis à "U...", por algumas entidades, as quais não efectuaram qualquer regularização de IVA, nos documentos que emitiram, sendo o valor dos rapeis distribuídos aos seus associados, referentes a essas entidades, no montante de 120.382.289$00 (€600.464,32), conforme se demonstra seguidamente (anexos 264 a 267 — Valores imprimidos da disquete):


«Imagem no original»

Pela atribuição da verba 120.382.289$00 (€600.464,32), aos seus associados, a "U...", deduziu indevidamente IVA, no montante de 20.464.989^00 (€102.078,93), verba esta que se considera em falta no mês de Dezembro de 1998, uma vez que a distribuição dos rapeis aos sócios é feita durante ao ano de 1998, sendo impossível imputar o valor do imposto correspondente a cada pagamento efectuado a cada uma das associadas.

De acordo, com informações prestadas na "U..." (Dr. F... - Director Financeiro), a atribuição dos rapeis aos seus associados é calculado do seguinte modo:

- o valor mais significativo, corresponde a aquisições que os associados fazem directamente aos fornecedores:

- outra parte corresponde a aquisições que os associados fazem directamente à "U...".

Refere-se ainda que, para saber os valores dos rapeis distribuídos pela "U..." aos seus associados, foi necessário solicitar ao Director Financeiro desta cooperativa (Dr. F...), que nos apresentasse os valores de cálculo dessas atribuições, uma vez que a contabilidade não reflecte de forma clara estas atribuições, tendo-nos sido fornecido disquetes com os valores mais significativos, que comportam apenas a parte correspondente das aquisições directas dos associados aos fornecedores, tendo sido complementado o solicitado, com a apresentação de um quadro resumo que abarca as duas modalidades de atribuição de rapeis, referidas anteriormente.

Os rapeis de 1998 a distribuir pela "U...", foram contabilizados como custo neste mesmo ano (anexo 268 a 275), no entanto a distribuição dos mesmo é feita no ano seguinte. Acontece que, o custo declarado, foi no momento de 3.476.091$00 (€17338.669,53- quadro linha 27, da declaração modelo 22 - anexo 273), cuja verba mais significativa, têm por base um aviso de lançamento interno (188/6695), debitando a conta de "Fornecimentos e Serviços Externos" por crédito de "Custos Diferidos" (anexo 276), sendo inclusive o saldo da conta debitada diferente do valor declarado (3.467.839.064$00- €17.297.508,33 - anexo 277), assim como o valor inscrito no quadro apresentado (que abarca a totalidade da atribuição dos rapeis - anexo 278), apresenta um custo suportado, no montante de 3.466.000.000$00 (€17.288.355,11).

[...]

2.3.2 — Outros Custos

Foram considerados como custo do exercício, as verbas 525.641 $00 (€2.621,87) e de 414.530$00 (€2.067,66), eferente a reparações nas viaturas ligeiras de mercadorias, 5... e 56..., respectivamente (ordem interna n°s 122/003990 e 122/003991) reparações estas que deveriam ter sido registadas em imobilizado e este custo repartido por vários anos, dado que as verbas referidas referem-se a grandes reparações, as quais vão valorizar as viaturas em questão, ou seja, aumentam o valor real das viaturas bem como a duração das mesmas (anexos 287 a 292)

Refere-se ainda que a viatura 56..., foi alienada neste mesmo ano por um valor inferior aoda reparação, não tendo sido considerado, este valor no cálculo das mais ou menos valias apuradas

(anexos 291 e 292).

3. Descrição dos Factos e Fundamentos das correcções técnicas

De acordo com os factos descritos ao longo do sub ponto 2.3, deste relatório, foram efectuadas correcções, que em sede de IRC, que em sede de IV A, conforme se demonstra nos subpontos seguintes.

3.1 -Em sede de IRC

Em sede de IRC, foram corrigidos custos relativos aos "rapeis" atribuídos pela "U..." aos seus associados (situação referida na parte final do subponto 2.3.1.1 deste relatório) e curso relativos a grandes reparações em viaturas que deveriam ter sido registados em imobilizado, uma vez que as mesmas estaria sujeitas a amortizações (situação descrita no subponto 2.2, deste relatório).

No que respeita ao custo referente aos "rapeis", consideramos como correcto o valor constante do quadro resumo que nos foi fornecido referente à totalidade dos cálculos efectuados, no montante de 3.466.000.000$00 (€17.288.355,11), uma vez que para o valor declarado na declaração de rendimentos, no montante de 3.476.091.145$00 (€17.338.669,53), não apresenta qualquer base de cálculo. Desta forma o valor corrigido, é no montante de 10.091.145$00 (€50.334,42), referente a encargos não devidamente documentados, que conforme o disposto no art.°, nº1 alínea h), do CIRS, não são dedutíveis para efeitos fiscais.

O valor corrigido de custos referente a grandes reparações é no montante de 940.171$00 (€4.689,55), reparações estas que deveriam ter sido registadas em imobilizado, uma vez que as mesmas se destinam a prolongar o tempo de utilização das viaturas, sendo este custo repartido pelo número de anos de duração provável das mesmas.

As correcções efectuadas originaram que o resultado declarado, no montante de 34.009.846$00 (€169.649,39), fosse corrigido para o montante de 45.041.162$00 (224.664,36), conforme se demonstra seguidamente:

Resultado Declarado
34.009.846$00
€ 169.640,39
Correcção de rappeis
10.091.145$00
€ 50.334,42
Correcção Viaturas
940.171$00
€ 4.689,55
Total de Correcções
11.031.316$00
€ 55.023,97
Resultado Corrigido
45.041.162$00
€ 224.664,36
[…]

7. Direito de Audição

Foi exercido o direito de audição, dentro do prazo fixado por notificação (anexos 320 a 323), direito este que originou, algumas alterações aos valores corrigidos, que em sede de IRC como de IVA, de acordo com os argumentos apresentados pela "U...", conforme se refere nos subpontos seguintes.

7.1-Em sede de IRC

7.1.1 - Foram apresentados documentos de atribuição de rapeis aos associados nomeadamente da "F... -Hipermercados, S.A." e "P...- Distribuição Alimentar, S.A" (anexos 324 e 325, a título exemplificativo) emitidos por estas mesmas entidades, cujo somatório das verbas constantes desses documentos perfazem o valor da correcção efectuada em sede de IRC; no montante de 10.091.145$00 (€50.334,42). No entanto, considera-se que o registo desta verba, com base neste documentos, foi objecto de registo duplicado, uma vez que o mapa apresentado (anexo 278), corresponde ao valor total dos rapeis atribuídos aos seus associados.

Desta forma, a verba de 10.091.145$00 (€50.334.42), está sujeita a correcção, não sendo de aplicar a tributação autónoma, ou seja, pela existência de documentos deixa de constituir infracção ao artigo 41°, n°1 alínea h) do CIRC, passando a constituir uma infracção ao disposto no artigo 2)°, do mesmo diploma legal.

7.1.2- Quanto à correcção, no montante de 940.171$00 (€4.689,55), referente a grandes reparações efectuadas em viaturas ligeiras de Mercadorias, a "U..." contesta esta correcção, achando que as mesmas não valorizam as viaturas. No entanto, considera que deveriam ter sido ao menos considerados como custo do exercido o valor correspondente à amortização do exercício com base numa taxa de 50% ou 33%.

Atendendo, ao solicitado, consideramos que só a grande reparação, efectuada na viatura 5..., no montante de 525.641 $00 (€2.612,87), uma vez que esta ficou ao serviço da cooperativa. No entanto, a taxa de amortização a aplicar é de 25%, ou seja, a mesma taxa aplicada para a viatura, de acordo com as tabelas genéricas (tabela II — grupo 4- código 2375) anexas ao regulamentar nº2190, de 15 de Janeiro. Sendo correspondente à amortização do exercido de 128.910$00 (€643,00).

No que se refere à viatura 56..., esta foi alienada no ano em que foi realizada a grande reparação no montante de 414.530$00 (€2.067,66), como tal não foi feita qualquer alteração ao valor de correcção, uma vez que não existe lugar a cálculo de amortização.

[...]

9- Resultados apurados Após o Direito de Audição

9.1 -Em sede de IRC

As correcções efectuadas originaram o resultado declarado, no montante de 34.009.846$00 (€ 169.640,39), fosse corrigido para o montante de 44.912.252$00 (€224.021,36), conforme se demonstra seguidamente:

Resultado Declarado
34.009.846$00
€ 169.640,39
Correcção de rappeis
10.091.145$00
€ 50.334,42
Correcção Viaturas
811.261$00
€ 4.046,55
Total de Correcções
10.902.406$00
€ 54.380,97
Resultado Corrigido
44.912.252$00
€ 224.021,36
[...] (cfr. fls.17 a 59 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

f) A 08/11/2002, a impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC n°8..., no valor de 25.046,39 euros, referente ao exercício de 1998 (cfr. fls. 87 e doc. 1 junto com a PI, a fls. 21 dos autos);

g) A 16/12/2002, a impugnante procedeu ao pagamento no montante de €20.338,46, reportado à liquidação adicional a que se reporta a alínea anterior do probatório (cfr. fls. 85 dos autos);»


Consta ainda da sentença recorrida que «Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa» e que «Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos, não impugnados.»



*
Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra, foi proferida sentença pelo Meritíssimo Juiz do TAF de Sintra que julgou procedente a Impugnação Judicial, anulando a liquidação de IRC de 1998 resultante de uma ação de inspeção, mais se reconhecendo o direito da Impugnante a juros indemnizatórios. Entendeu-se em síntese, que se verifica a falta de fundamentação formal e substancial das correções impugnadas.

A recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, e imputa à sentença erro de julgamento de facto e de direito, por errónea apreciação dos fundamentos da correção (art. 77.º da LGT), mais entendendo que não há comprovação do gasto (art. 23.º do CIRC), e invoca, de igual modo, errónea aplicação das regras do ónus da prova (art. 74.º e 75.º da LGT), e finalmente, ainda que exista falta de fundamentação, esta não fundamenta o direito a juros indemnizatórios.

Apreciando.

Antes de mais cumpre referir que está em causa nos presentes autos de impugnação judicial correções efetuadas a custos (gastos) contabilizados pela Impugnante relativamente a rapeis atribuídos aos associados da Impugnante e a “reparação de viaturas”, tendo a sentença recorrida julgado procedente a impugnação relativamente a ambas as correções. Contudo, no presente recurso apenas vem sindicada a correção com “rapel” (cf. alegação 6 do recurso que delimita do âmbito do mesmo).

Conforme resulta do projeto do relatório de inspeção a correção referente a rapeis distribuídos pela Impugnante aos seus associados assentou no disposto na alínea h), do n.º 1, do art. 41.º do CIRC, ou seja, considerou-se que tais despesas consubstanciavam encargos não documentados, sujeitando-as a tributação autónoma. Este foi o fundamento jurídico inicial para fundamentar de direito a correção.

Em sede de exercício do direito de audição sobre esse projeto, a impugnante juntou documentos para efeitos de comprovar a efetiva distribuição aos associados, a título de rapel, do montante de 10.091.145$00 (50.334,42€).

Ora, na sequência dessa junção a AT entendeu que essa documentação conduziria ao afastamento da infração ao disposto no art. 41.º, n.º 1, alínea h) do CIRC, portanto, daqui se poderá inferir que considerou os custos devidamente comprovados, não os sujeitando a tributação autónoma.

Mais considerou a AT, também em sede de apreciação do direito de audição prévia da Impugnante, que “o registo desta verba, com base nos documentos, foi objecto de registo duplicado, uma vez que o mapa apresentado (anexo 278), corresponde ao valor total dos rapeis atribuídos aos seus associados”, e nessa medida, não aceitou tais custos no montante de 10.091.145$00 (50.334,42€), ao abrigo do art. 23.º do CIRC, contudo sem se referir expressamente se está em causa a indispensabilidade dos custos.

Ora, tal como se decidiu em 1.º instância, desta fundamentação não se alcança em que consiste o referido “registo duplicado” da verba, sobretudo no contexto em que há claramente uma alteração da fundamentação jurídica da correção, nomeadamente, num primeiro momento considerou-se que a despesa não se encontrava comprovada, e num segundo, passa a comprovada (repare-se que se afastou a infração ao disposto no art. 41.º, n.º 1, alínea h) do CIRC), porém “duplicada”, e com este fundamento de facto, parece se pretender colocar em causa a indispensabilidade do custo, mas sem se refira de forma clara, contextualizada, e cabal. Verifica-se vício de falta de fundamentação formal, porque não se enunciam os motivos que determinaram a AT a entender que tais registos se encontram em duplicado, num contexto em que anteriormente se havia desconsiderado o custo por não comprovado, e posteriormente parece colocar-se em causa a indispensabilidade desse custo, mas já não estando em causa a sua comprovação.

Na verdade, ao contrário do que alega a recorrente Fazenda Pública, não se verifica qualquer erro na apreciação dos fundamentos constantes do relatório de inspeção, pois deste não resulta em momento algum, de forma clara e inequívoca os motivos da duplicação de custos, até porque apenas a comprovação do custo foi colocada em causa num momento inicial. Podemos conceder, quanto à matéria invocada pela recorrente Fazenda Pública na conclusão V) a XIII, que poderá ter sido essa a intenção do inspetor, ou seja, colocar em causa o custo na sua dupla vertente de comprovação e indispensabilidade, mas cabia-lhe ter exteriorizado tal entendimento de clara e inequívoca na fundamentação escrita do relatório de inspeção que consubstancia a fundamentação formal do ato tributário de liquidação impugnado. Não basta a elaboração dos mapas a que a Fazenda Pública e os esclarecimentos que resultam das alegações da Fazenda Pública a esse respeito, porque tais motivos não se retiram da fundamentação do relatório de inspeção, e nessa medida, não poderão ser considerados, sob pena de admitirmos fundamentação a posteriori. Por outro lado, está longe de ser “óbvio” que “os montantes daqueles dois documentos já se mostram contemplados no mencionado quadro-resumo” (conclusão XII), ao contrário do que se alega, carecia de ser explicado de forma clara e inequívoca.

Na verdade, como bem se salienta na sentença recorrida, do relatório de inspeção ressalta uma falta de fundamentação contextual, porque não se concretiza a razão pela qual se desconsiderou os elementos probatórios trazidos pela Impugnante ao procedimento de inspeção, e falta também uma fundamentação clara, porque não permite compreender inequivocamente qual o iter cognoscitivo- valorativo dessa decisão de desconsideração dos custos com fundamento no art. 23.º do CIRC.

Efetivamente, tal como se decidiu na sentença recorrida a liquidação impugnada enferma não só de falta de fundamentação formal, mas também de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que a AT não demonstrou os pressupostos da sua atuação, não demonstrou que as despesas em causa não consubstanciam custos fiscalmente dedutíveis ao abrigo do art. 23.º do CIRC.

Como se sumariou no acórdão do STA de 21/11/2019, processo n.º 0404/13.9BEVIS “As características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico). (…)”

Na verdade, e ao contrário do alegado pela recorrente (conclusões IX a XXIII), não se verifica qualquer erro de julgamento de direito na sentença recorrida quanto à distribuição do ónus da prova.

Senão, vejamos.

A regra geral no direito tributário em matéria de ónus da prova encontra-se no art. 74.º da LGT, sendo que o seu n.º 1, dispõe que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”

Porém, o art. 75.º, n.º 1, da LGT estabelece uma presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (cf. n.º 1, do art. 350.º do C.C.).

Não obstante, esta presunção não se verifica nas situações previstas nas várias alíneas do n.º 2 daquele preceito legal, cabendo à AT demonstrar qualquer das situações elencadas naquele n.º 2, que obstam à verificação da presunção.

Ora, in casu, a presunção verifica-se, pois não resulta do relatório de inspeção tributária qualquer das circunstâncias enunciadas naquele n.º 2 que possam fazer cessar a presunção, sendo que a Impugnante colaborou com os serviços de inspeção fornecendo as informações necessárias para a análise da sua contabilidade.

Portanto, quando a AT afirma que “o valor declarado na declaração de rendimentos (…) não apresenta qualquer base de cálculo”, e que “o registo desta verba, com base nos documentos, foi objeto de registo duplicado, uma vez que o mapa apresentado (anexo 278), corresponde ao valor total dos rapeis atribuídos aos seus associados”, importa sublinhar que tais afirmações são manifestamente insuficientes para afastar a presunção de veracidade de que beneficia a declaração de IRC e contabilidade da Impugnante, e efetuar a correção com fundamento no art. 23.º do CIRC.

Como bem salienta a sentença recorrida, não foi cumprido o dever de fundamentação substancial porque esta exige a existência de pressupostos reais e de motivos corretos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo, não tendo a AT logrado demonstrado que os montantes contabilizados como rapeis não consubstanciam custos dedutíveis ao abrigo do art. 23.º do CIRC, atenta a presunção de veracidade das declarações e contabilidade da Impugnante.

Em suma, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento de facto e de direito invocado pela recorrente, improcedendo as conclusões de recurso I) a XXIII e XXV das alegações de recurso.

Finalmente, quanto à questão do erro de julgamento no que diz respeito ao direito da impugnante a juros indemnizatórios (conclusão XXIV), também nesta parte não assiste razão à recorrente.

Efetivamente, resulta da decisão recorrida que o fundamento da anulação da liquidação, e que abrangeu ambas as correções objeto da impugnação judicial, foram dois: i) falta de fundamentação formal; ii) erro sobre os pressupostos de facto e de direito (falta de fundamentação substancial).

Com efeito, veja-se o seguinte parágrafo da sentença recorrida: “É que se AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da impugnante, e não o faz, resulta claramente que a contabilidade da impugnante é merecedora de credibilidade, e bem assim, como os documentos que juntou aos autos, faz prova dos custos que alegou ter tido com os rapeis, bem como, com as reparações das viaturas em causa. Nestes termos se conclui pelo erro nos pressupostos de facto e de direito, o que acarreta a anulação da respetiva liquidação de impostos, bem como da liquidação relativa aos juros compensatórios, pela ilegalidade derivada de que esta padece.” (destaques nossos).

Entre muitos outros, se sumariou no acórdão do STA de 28/11/2018, processo n.º 87/18.0BALSB “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.” (destaques nossos).

Ora, assim sendo, ao contrário do que entende a recorrente Fazenda Pública, no caso dos autos não estamos perante a anulação da liquidação baseada unicamente em vício de forma, o que colocaria em causa a existência do direito a juros indemnizatórios, mas perante um duplo fundamento da sentença recorrida, ou seja, também julgou verificado o erro sobre os pressupostos de facto e de direito das correções impugnadas, o que tanto basta para que seja conferido o direito a juros indemnizatórios à impugnante.

Portanto, também nesta parte, é de confirmar a sentença recorrida, não merecendo provimento o recurso.

Pelo exposto, improcedem todos os fundamentos do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida, e, portanto, negar provimento ao recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte). Não obstante, o presente processo foi instaurado em data anterior a 01/01/2004, e portanto, a Recorrente Fazenda Pública está isenta de custas ao abrigo do art. 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, e art. 9.º, do DL n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, que aprovou tal Regulamento.

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. O art. 75.º, n.º 1, da LGT estabelece uma presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal;

II. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (cf. n.º 1, do art. 350.º do C.C.);

III. Aquela presunção não se verifica nas situações previstas nas várias alíneas do n.º 2 daquele preceito legal, cabendo à AT demonstrar qualquer das situações elencadas naquele n.º 2, que obstam à verificação da presunção;

IV. Anulada a liquidação impugnada por falta de fundamentação formal e substancial, verifica-se o erro sobre os pressupostos de facto e de direito verificando-se o direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 1 da LGT.

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


****


Sem custas.

D.n.

Lisboa, 11 de fevereiro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora



A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.