Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13064/16
Secção:CA
Data do Acordão:04/07/2016
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:DIREITO DE ASILO; PROTECÇÃO SUBSIDIÁRIA
Sumário:i) Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega.
ii) Para tanto, exige-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, que os factos apurados, relativos tão-somente a um alegado medo da família que não aceita a mudança de religião daquele e a insultos por parte de vizinhos, permitem concluir não existir.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I. (Recorrente), cidadão nacional do Mali, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção administrativa especial urgente (pedido de asilo) por si proposta contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Recorrido) e manteve o despacho de 13.10.2015 do Director Nacional daquele Serviço que considerou infundado o pedido de asilo formulado, bem como o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1. A douta decisão administrativa não foi comunicada, por escrito, ao aqui recorrente, na sua própria língua ou em idioma que o mesmo compreenda ou seja de presumir que compreende;

2. A norma em epígrafe, artigo 24º nº 5 da Lei de asilo, tem como objetivos assegurar que o requerente, não apenas compreende a decisão proferida, como também, para assegurar que poderá pensar sobre a mesma, aconselhar­ se, não obstante estar retido e ter tempo - quatro dias - para decidir o que fazer;

3. Assim, a mera notificação efetuada – por intérprete ou por SR. Inspetor do SEF, sabe-se lá – não cumpre as regras constantes do mencionado n° 5 do artigo 24º:

4. Assim, a notificação da decisão administrativa é nula, por violar o direito à ponderação da decisão, por parte do interessado;

5. Foram pois violados os direitos deste cidadão, por referência ao disposto nos artigos 1º a 3°, 13°, 15°, 20º, 32°, 266º e 268º da Constituição Portuguesa;

6. Mais foram preteridas regras constantes do CPA e de Convenções Internacionais;

7. Também a Douta decisão administrativa proferida é falha, tendo contaminado a Douta sentença, ao se entender que os factos alegados não integram as previsões, nomeadamente do artigo 3º nº 2 e 7º da Lei de Asilo;

8. Na realidade, quem seja ameaçado de levar tiros, da parte do próprio pai; e ameaçado, insultado e apedrejado pelos vizinhos, decerto que estará numa situação altamente insegura e violadora dos seus Direitos Humanos e da dignidade da sua própria pessoa humana;

9.Deveria pois, ou ser já concedido a requerida proteção internacional; ou, em alternativa, ser o Ministério da Administração Interna condenado a iniciar a instrução do presente processo, ao abrigo do disposto nos artigos 27º e seguintes da Lei de Asilo – Lei nº 26/2014 de 5 de Maio;

10. Assim se decidindo, pelo provimento do presente recurso, e consequente revogação da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.



O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.


Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo errou ao ter concluído que o pedido de protecção internacional não reunia condições para ser admitido, instruído e submetido a decisão do membro do Governo responsável pela administração interna, nos termos previstos nos artigos 27.º, e seguintes, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção conferida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, pelo que julgou a acção improcedente com a manutenção do Despacho do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras impugnado.


II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) O Autor chegou ao Aeroporto Internacional de Lisboa, no dia 04 de Outubro de 2015, proveniente de Argel, no voo TP1469.

B) À chegada ao Aeroporto Internacional de Lisboa, identificou-se como A., tendo apresentado o Passaporte da República do Mali n.º …, emitido em 17 de Junho de 2014, válido até 17 de Junho de 2019, e o Título de residência francês n.º …, emitido em 13 de Novembro de 2007.

C) A Unidade de Identificação e Peritagem Documental do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, analisou os documentos apresentados, tendo concluído que o Passaporte da República do Mali n.º .., apresenta indícios de fraude por alteração de dados e o Título de residência francês n.º …, apresenta indícios de fraude por contrafacção.

D) Por despacho de 04 de Outubro de 2015, foi recusada a entrada do Autor em território nacional, “por não ser titular de documento válido para entrar em Portugal (portador do Passaporte da República do Mali n.º …. que é contrafeito) e devido ao facto de não ser titular de visto válido, ou outro documento que o substitua”.

E) No dia 05 de Outubro de 2015, o Autor preencheu o inquérito preliminar, no qual declarou que é I., nacional do Mali, nascido em 11 de Junho de 1984, em Bamako.

F) No dia 05 de Outubro de 2015, o Autor, representado por advogado, apresentou pedido de protecção internacional ao Estado português.

G) No dia 10 de Outubro de 2015, o Autor foi ouvido quanto aos fundamentos do pedido de protecção internacional, tendo prestado as declarações constantes do “Auto de Declarações” junto a fls. 96 e seguintes, do Processo Administrativo, que aqui se reproduz:

«Aos dez dias do mês de Outubro de 2015, pelas 10H00, no Gabinete de Asilo e Refugiados, sito no Posto de fronteira do Aeroporto de Lisboa, perante mim, I E. e na presença do intérprete de língua bambarra que compreende e através da qual comunica claramente, compareceu o cidadão que se identificou como I. e respondeu, da seguinte forma às questões que lhe foram colocadas relativas ao pedido de asilo por si efectuado.

Pergunta (P). Que línguas fala? Resposta (R) Bambarra e francês.

P. Em que língua pretende realizar esta entrevista?

R. Bambarra.

P. Nível de escolaridade?

R. Universitário.

P. Que curso tirou?

R. Informática.

P. Profissão?

R. Trabalhava no Ciber Café.

P. Religião?

R. Cristão.

P. Grupo étnico?

R. Peule.

P. Já pediu asilo anteriormente?

R. Não.

R. Já alguma vez teve ou pediu autorização de residência em Portugal?

R. Não.

P. É a primeira vez que está na Europa?

R. Sim.

P. Qual é o seu estado civil?

R. Sou solteiro.

P. Tem filhos?

R. Não.

P. Com quem vivia?

R. Vivia com a minha família, o meu pai, mãe e 16 irmãos.

P. Viviam onde?

R. Em Bamako.

P. Viveu sempre em Bamako?

R. Sim, sempre em Bamako.

P. Porque saiu do seu país?

R. Saí do meu [país] porque mudei de religião. Deixei de ser muçulmano e passei a ser cristão.

P. E a si? Aconteceu-lhe alguma coisa em concreto, por ter mudado de religião?

R. Sim.

P. O que sucedeu? Pode explicar melhor?

R. O meu pai ameaçou-me que se voltasse a entrar em casa dele ele ia-me dar um tiro. Depois de todos no meu Bairro saberem que tinha mudado de religião, começaram a insultar-me e a atirar pedras.

P. Durante estes episódios, alguma vez ficou muito ferido?

R. Não. Recebia muitas ameaças do meu pai e dos meus vizinhos.

P. No bairro onde morava, aparentemente muçulmano, havia alguma igreja cristã?

R. Não era fora do bairro. Eu tenho amigos cristãos e foi com eles que conheci e frequentei a igreja.

P. A sua família é Muçulmana praticante? E o I.?

R. A minha família é, mas eu não era.

P. Há quanto tempo mudou de religião?

R. Comecei a frequentar a igreja no início de 2015 com os meus amigos e mudei de religião no dia 20/09/2015.

P. Qual é o nome da Igreja que frequenta?

R. Não me lembro, só sei que fica no bairro de Boulkassoumbougou.

P. Porque mudou de religião?

R. Porque um dia eu vi o imãn de uma mesquita no meu bairro a levar muitos doentes para aquela igreja para o padre os curar. Depois, quando o meu amigo me levou a conhecer o padre, ele disse que isso acontecia algumas vezes, o imãn pedir-lhe para tratar doentes. Também o facto de eu ver que os cristãos ajudam mais os outros. Os muçulmanos do meu bairro não fazem isso.

P. Porque saiu do seu país?

R. Por causa das ameaças do meu pai e dos meus vizinhos. O meu pai ficou muito zangado comigo e disse que eu o tinha envergonhado e estava a estragar o nome da família.

P. Porque não mudou de bairro ou cidade?

R. Porque em todo o lado há muçulmanos e para onde quer que eu vá vou ter sempre o mesmo problema.

P. Mas esses “problemas” foram só ameaças?

R. Sim. Só ameaças.

P. Quando saiu do Mali?

R. Dia 01/10/2015.

P. Qual foi o percurso que fez, desde que saiu de Bamako até chegar a Lisboa?

R. Saí de avião de Bamako para Argel e depois tencionava fazer trânsito em Lisboa para ir para França.

P. Porquê França?

R. Eu tenho um amigo em França e quando lhe contei o meu problema, ele ofereceu-se para me ajudar, se eu chegasse a França.

P. Como conseguiu o dinheiro e os documentos para sair de Bamako?

R. Um amigo maliano de Bamako, ajudou-me financeiramente quando eu lhe expliquei o meu problema. Foi ele que me arranjou os documentos e o advogado.

P. Já conhece esse amigo há muito tempo?

R. Sim, desde pequenos que andámos juntos na escola.

P. Como se chama esse amigo?

R. M..

P. Tem algum familiar fora do Mali?

R. Não, só tenho esse amigo em França.

P. Como se chama esse amigo?

R. K..

P. Eles são familiares?

R. São primos.

P. Tem algum documento que comprove a sua identidade?

R. Tenho a minha certidão de nascimento na mala.

P. É, ou alguma vez, foi membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, no país onde receia perseguição?

R. Não.

P. Alguma vez cumpriu pena de prisão?

R. Não.

P. Alguma vez foi condenado por crime?

R. Não.

P. Alguma vez foi preso, detido ou interrogado no Mali ou noutro país?

R. Não.

P. Pode enumerar as principais cidades do Mali?

R. Bamako, Kays, Mopti, Tombouctou…

P. Qual é a principal equipa de futebol de Bamako?

R. Real de Bamako, Estad Maliene de Bamako, Club Olimpique de Bamako, Djoliba Athletic Club.

P. Como se chama o Primeiro-ministro?

R. Moudibou Keita.

P. O que receia se regressar ao Mali?

R. Tenho medo.

P. Do quê?

R. Da minha família que já me ameaçou.

P. Deseja acrescentar alguma coisa?

R. Não quero voltar para o Mali porque tenho medo da minha família que não aceita que tenha mudado de religião. Quero ficar aqui para ter protecção.

P. Quando diz “aqui”, o que quer dizer?

R. Em qualquer lugar que não seja lá.

P. Em Portugal, é-lhe concedido apoio durante todo o procedimento de asilo por uma ONG designada Conselho Português para os Refugiados (CPR). No final do procedimento, é necessária a sua autorização para informar o CPR da decisão que venha a ser tomada no seu caso. Autoriza?

R. Sim, compreendi e autorizo.

- O requerente: (…)

- O intérprete: (…)

- O Instrutor: (…)

Declaro ter sido informado que o meu pedido de protecção vai ser analisado por um único Estado Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento CE n.º 640/2013 do Conselho de 26.06.13, designarem como responsável.

Mais declaro, dar o meu consentimento, quando tal seja necessário, para que seja solicitado a outro Estado Membro os motivos invocados no pedido e respectiva decisão, de acordo com o artigo 34º, do Regulamento acima citado.

E mais não disse, nem lhe foi perguntado lido o presente auto em língua Bambarra, que compreende, e através da qual comunica claramente o achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente comigo, pelas 13h00, hora a que findou este acto.

- O requerente: (…)

- O intérprete: (…)

- O Instrutor: (…)».

H) O pedido de asilo formulado pelo Autor foi analisado pelo Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteira, que elaborou a Informação do n.º …/GAR/2015, de 12 de Outubro 2015, da qual se extrai o seguinte:

«(…)

Dos factos

1. Aos 04.10.2015, o requerente apresentou-se no controlo documental do Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, proveniente de Argel – República Argelina Democrática e Popular (Argélia) em trânsito para Paris – França, tendo iniciado a sua viagem em Bamako – República do Mali.

2. Por se suspeitar da utilização de documentação fraudulenta, o requerente foi conduzido à Unidade de Apoio deste Serviço de Estrangeiros e Fronteira;

3. Da análise efectuada concluiu-se a utilização de documento contrafeito, de acordo com o Relatório de Análise Documental n.º 368/2015;

4. Por não ser portador de documento de viagem válido e por não ser titular de visto adequado ou outro documento que o substitua, foi alvo de uma decisão de recusa de entrada ao abrigo da al. a), do nº 1 do art.º 32.º, al. a) do nº 1 do art.º 9.º e art.º 10.º, todos da Lei 23/07 de 04.07, alterada e republicada pela Lei 29/12 de 09.08;

5. No dia 05.10.2015, recebeu a visita do seu advogado, Dr. J., tendo posteriormente apresentado pedido de protecção internacional (PPI) às autoridades portuguesas, através de requerimento;

6. Aos 05.10.2015, em cumprimento do disposto no n.º 1, do art.º 24 da Lei n.º 27/08 de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05, foi comunicada ao Conselho Português para os Refugiados (CPR) a apresentação do actual pedido de protecção;

7. Aos 10.10.2015, em cumprimento do disposto no n.º 1, do art.º 16 da Lei n.º 27/08 de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05, foi o requerente ouvido quanto aos fundamentos do seu PPI, tendo prestado as declarações constantes dos autos (…)

8. O requerente não apresentou quaisquer documentos de sustentação do mérito do seu pedido de protecção. Apresentou uma certidão de nascimento comprovando a sua identidade e nacionalidade. Com esta certidão e atento o facto de se expressar em língua Bambarra, língua utilizada de forma transversal no Mali, e de ter identificado correctamente uma série de dados e elementos referentes àquele país, permite, nesta fase, assumir tratar-se de nacional do Mali.

9. Até à data da realização desta informação, este GAR não recebeu qualquer Parecer do CPR sobre o presente PPI.

7. Da apreciação da admissibilidade do pedido

Em resumo, o requerente declara ter saído da República do Mali (Mali), por ter mudado de religião, tendo optado por se tornar cristão.

Alega o requerente que residia em Bamako com a sua família, muçulmana; que, por influência de alguns amigos cristãos, optou por mudar de religião, o que fez em 20.09.2015, estando a frequentar a igreja desde o início do presente ano. Afirma que por esse facto foi ameaçado para não voltar a casa pelo pai e foi insultado por alguns vizinhos.

Alega ainda que não mudou de bairro de residência pelo facto de ser cristão e não ser aceite pela maioria muçulmana em Bamako.

Fora da sua família, nunca foi ameaçado ou perseguido.

Decide deixar Bamako e viajar para França, onde tem um amigo, por este lhe garantir ajuda.

Analisadas as declarações do requerente, julga-se que estas são vagas, genéricas e pouco esclarecedoras e não demonstram qualquer situação de ameaça ou perseguição concreta.

Às questões essenciais para apurar factos, situações materiais a analisar em sede do procedimento, o requerente, responde de forma genérica e pouco fundamentada, situação que nos coloca sérias dúvidas sobre a gravidade dos mesmos.

Segundo o requerente, este nunca esteve envolvido em qualquer facto relativo ao conflito no Mali. Tão pouco alegou quaisquer factos concretos donde se possa inferir ter sido vítima de ameaças ou perseguições pelas autoridades em consequência da actividade por ele exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

De igual modo, também não foi por si indicado receio de perseguição em virtude de raça, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 3°, da Lei 27/08, de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 05.05.

No que diz respeito aos factos que o levaram a sair do seu país, perseguição religiosa, realmente o Mali é um país maioritariamente muçulmano, mas considerado um país moderado.

É verdade que em certas cidades do norte do Mali as minorias religiosas são perseguidas, pela intenção dos extremistas muçulmanos de instaurarem a lei da Sharia, no entanto, o Governo eleito do Mali é tolerante, sendo que a maioria das igrejas instaladas naquele país se encontram na região sul do país, incluindo Bamako, onde o requerente reside.

Em suma, no presente caso, consideramos que o pedido de protecção internacional apresentado é infundado, por incorrer na alínea e) do n.º 1 do artigo 19 da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.

8 . Da Autorização de Residência por motivos humanitários

O artigo 7º da Lei n.º 27/08 de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05., atribui aos cidadãos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3°, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por protecção subsidiária, quando estão impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

Elemento determinante na análise da aplicabilidade deste regime é a comprovação da nacionalidade do requerente, já que o que está em causa é precisamente a avaliação, face ao caso concreto, se se pode invocar com razão que ele próprio se encontra impossibilitado de regressar ao seu país devido a qualquer um dos pressupostos acima descritos.

Nessa medida, importa referir que o requerente, que declarou ser nacional do Mali, apresenta uma certidão de nascimento emitida pela República do Mali, pelo que se assume estarmos perante um nacional do Mali.

Da consulta a informação sobre o Mali, aqui exemplificada, regista-se a existência e/ou persistência de problemas, onde a situação de segurança no norte de Mali, apesar de existirem desenvolvimentos positivos a nível político, mantém- se frágil, nomeadamente face à actividade de organizações terroristas, que constituem uma ameaça à paz e à segurança naquela região.

Assim, considerando as declarações factuais do requerente e a apreciação que é feita das mesmas no ponto anterior, julgamos que estas são insusceptíveis de preencherem os pressupostos do regime do direito a residência por protecção subsidiária, de acordo com o pressuposto no artigo 7º da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 05.05.

Das declarações do requerente não se pode concluir que esteve ou pode estar exposto a uma violação grave e sistemática dos seus direitos fundamentais, tornando a sua vida intolerável no seu país de origem.

O Requerente encontra-se a viver e trabalhar em Bamako, alegando ter sido expulso da casa pelo pai por ter optado por mudar de religião e que o mesmo o terá ameaçado caso voltasse à sua casa, alegando ainda ter sido alvo de insultos por alguns vizinhos pelo mesmo motivo, não indicando qualquer acto persecutório ou ameaças que configurem terem existido situações de sistemática violação de direitos humanos ou se encontrar em risco de sofrer ofensa grave.

O requerente afirma ainda nunca ter sido alvo de perseguição ou violência pelo motivo que alga para ter saído do seu país.

Indica ter decidido deixar o Mali para ir para França porque um amigo lhe ofereceu ajuda para fugir à sua família, ainda que não tenha procurado outro local seguro no seu país.

Assim pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para a protecção subsidiária, por incorrer na alínea c) e e) do n.º 1 do artigo 19 da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.

9 . Proposta

Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de asilo infundado, por não se enquadrar na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/08, de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 05.05 pelo facto de não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3.º da citada Lei.

Tendo em conta o exposto no ponto 8 da presente informação, consideramos que o caso não é subsumível ao estatuto de protecção subsidiária, e por isso infundado, por não se enquadrar na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/08, de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 05.05.

Assim, submete-se à consideração do Exmo. Director Nacional Adjunto do SEF a proposta acima, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 19º, e n.º 4 do artigo 24°, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014 de 05.05.».

I) Por despacho de 13 de Outubro de 2015, o Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considerou infundado o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor, com base na Informação n.º …/GAR/2015, de 12 de Outubro 2015, referida na Alínea anterior.

J) Em 14 de Outubro de 2015, o Autor recebeu cópia da notificação de fls. 60, do Processo Administrativo, da qual se extrai o seguinte:

«Aos 14OUT2015, PELAS 12H15m, no posto de fronteira do Aeroporto de Lisboa, é notificado(a) o(a) cidadão(a) que se identificou como I., nascido aos 11/06/1984, nacional do Mali, da Decisão proferida pelo Exmo. Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteira, ao abrigo do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 05.05, que considerou o seu pedido de protecção internacional infundado. Nos termos do n.º 3 do artigo 26.º da Lei n.º 27/08, de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 05.05, a decisão de inadmissibilidade do pedido determina a aplicação do regime jurídico de entrada, permanência saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.

Da decisão ora notificada cabe recurso, querendo, para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, fax (…) a interpor no prazo de quatro dias, com efeito suspensivo.

(…)

Ao notificado(a) é entregue duplicado da presente notificação, cópia da decisão agora notificada e da informação do SEF n.º …/GAR/2015.

A notificação foi lida ao requerente na língua francesa que compreende ou que é razoável presumir que compreenda.

O Notificante O Notificado

(…) (…)».

K) O despacho do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 13 de Outubro de 2015, que considerou o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor infundado, foi comunicado ao Mandatário do Autor.



Não foram fixados factos não provados com interesse para a discussão da causa.

II.2. De direito

I., nacional do Mali, interpôs o presente recurso jurisdicional pretendendo ver alterada a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, nos termos da qual viu julgada totalmente improcedente, por não provada, a impugnação da decisão de 13.10.2015 do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que considerou infundado o seu pedido de protecção internacional, com base na informação supra transcrita

Alegou o Recorrente que o despacho impugnado viola os artigos 1.º a 3.º, 13.º, 15.º, 20.º, 32.º, 266.° e 268.° n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e bem assim o art. 24.º da Lei 26/2004, uma vez que a notificação que lhe foi feita está redigida em língua que não fala nem compreende, sendo que domina apenas um dialecto africano e a língua francesa, desconhecendo, assim, as razões que determinaram o indeferimento do seu pedido de protecção internacional.

Mais alegou o Recorrente que perante a intolerância religiosa que existe em países como o Senegal e o Mali, abundantemente noticiada pela imprensa, as declarações que prestou no âmbito do procedimento administrativo são credíveis pelo que lhe deveria ter sido concedido o benefício da dúvida e ponderada devidamente a gravidade que as ameaças e a intolerância religiosa podem assumir.

Vejamos então se a sentença errou, como alega o Recorrente.

Para fundamentar a sua decisão exarou a Mma. Juiz a quo o seguinte discurso fundamentador:

“(…)

Os pedidos de protecção internacional consideram-se infundados sempre que se verifique qualquer das situações previstas no artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, atribuindo a lei a competência para a respectiva decisão ao director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção conferida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, aplicável aos pedidos apresentados nos postos de fronteira, como sucedeu no caso.

Não se verificando qualquer das situações previstas no citado artigo 19.º - ou qualquer das situações previstas no artigo 19.º-A, do mesmo diploma legal, respeitante aos “pedidos inadmissíveis” -, os pedidos de protecção internacional devem ser admitidos e instruídos nos termos previstos nos artigos 27.º, e seguintes, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, tendo em vista a concessão ou recusa de protecção internacional, pertencendo a competência para a decisão ao membro do Governo responsável pela administração interna (artigo 29.º, n.º 5, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho).

Estando em causa a impugnação da decisão que considerou infundado o pedido formulado pelo Autor, proferida ao abrigo do disposto nos artigos 19.º, n.º 1, e 24.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, o Tribunal não pode condenar a Administração a praticar o acto de concessão de asilo/autorização de residência por protecção subsidiária, da competência do membro do Governo responsável pela área da administração interna. No âmbito da presente acção a Administração só pode ser condenada a admitir o pedido formulado pelo Autor e, consequentemente, a dar início ao procedimento administrativo tendente à concessão de asilo/autorização de residência por protecção subsidiária, regulado nos artigos 27 .º, e seguintes, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção conferida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, para cuja decisão é competente o membro do Governo responsável pela área da administração interna.

Assim, traduzindo-se o acto devido no acto de admissão do pedido formulado pelo Autor, tendo em vista a sua instrução e decisão pelo membro do Governo competente, e considerando que em acção de condenação à prática do acto devido não há que apreciar os vícios do acto impugnado, o qual apenas releva para aferir da tempestividade da acção (neste sentido, o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de Abril de 2010 - Processo 01057/09, in www.dgsi.pt), a questão a apreciar e decidir é a de saber se a Administração estava obrigada a admitir o pedido formulado pelo Autor e, consequentemente, a dar início ao procedimento administrativo regulado nos artigos 27.º, e seguintes, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção conferida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, tendo em vista a sua instrução e decisão pelo membro do Governo competente.

Vejamos.

De acordo com o disposto no artigo 3.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, o direito de asilo é garantido aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana [n.º 1]. Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual [n.º 2].

O n.º 1, do artigo 5.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, estabelece que «para efeitos do artigo 3.º, os actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afectem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.».

O artigo 6.º, do mesmo diploma legal, na redacção conferida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, sob a epígrafe “Agentes da perseguição”, estipula:

«1 - São agentes de perseguição:

a) O Estado;

b) Os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respectivo território;

c) Os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b), são incapazes ou não querem proporcionar protecção contra a perseguição, nos termos do número seguinte.

2 - Para efeitos da alínea c) do número anterior, considera-se que existe protecção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adoptem medidas adequadas para impedir, de forma efectiva e não temporária, a prática de actos de perseguição, por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detectar, proceder judicialmente e punir esses actos, desde que o requerente tenha acesso a protecção efectiva.».

Quando não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º, a Administração deve averiguar se a situação é enquadrável no regime de protecção subsidiária consagrado no artigo 7.º, que se traduz na concessão de uma autorização de residência.

O artigo 7.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção conferida pela Lei n.º 26/2014, de 05 de Maio, sob a epígrafe “Protecção subsidiária”, estabelece:

«1 - É concedida autorização de residência por protecção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.

2- Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:

a) A pena de morte ou execução;

b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou

c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.

3- É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.».

De acordo com o disposto no n.º 3, do artigo 18.º, da Lei n.º 27/2008, de 20 de Junho, «constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou directamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido directamente ameaçado de ofensa grave, excepto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.».

O artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 26/2014 de 5 de Maio, na parte que agora importa, dispõe o seguinte:

«1 – A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de protecção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:

a) O requerente induziu em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade ou nacionalidade susceptíveis de terem um impacto negativo na decisão;

(…)

e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária.».

Conforme decorre das declarações prestadas perante o Serviço de Estrangeiros e Fronteira, no dia 10 de Outubro de 2015, para as quais remete a Petição Inicial, o Autor disse que decidiu sair do seu país, o Mali, porque foi ameaçado pelo pai e pelos vizinhos por ter mudado de religião, tendo o pai ameaçado que lhe daria um tiro se voltasse a sua casa. Perguntado se os problemas que teve foram só ameaças, respondeu “Sim. Só ameaças.”. Questionado sobre as razões porque não mudou de bairro ou cidade, respondeu que em todo o lado há muçulmanos e para onde quer que fosse iria ter sempre o mesmo problema. Afirmou, também, que nunca foi membro de organização política, religiosa, militar, étnica ou social, no país onde receia perseguição, não cumpriu pena de prisão, nem foi condenado ou preso, detido ou interrogado no Mali ou noutro país. Quando lhe perguntaram se pretendia acrescentar alguma coisa, disse: “Não quero voltar para o Mali porque tenho medo da minha família que não aceita que tenha mudado de religião. Quero ficar aqui para ter protecção.” (cf. Alínea G), dos Factos Assentes).

É evidente que o relato do Autor não se enquadra em nenhuma das situações configuradas nos n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, nem em nenhuma das situações contempladas no artigo 7.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, sendo certo que é ao requerente alegar e comprovar os factos concretos tendentes ao preenchimento dos pressupostos essenciais com vista à concessão de asilo/de autorização de residência por razões humanitárias, de modo a permitir à Administração a aplicação do direito e a correcta subsunção desses factos ao direito aplicável.

Não estando em causa quaisquer actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo e não sendo a situação enquadrável no regime de protecção subsidiária, a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de protecção internacional tinha de ser sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado, nos termos da e), do n.º 1, do artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 26/2014 de 5 de Maio.

Acresce que, o Autor, à chegada ao Aeroporto de Lisboa, identificou-se com um nome falso e apresentou documentos falsificados (cf. Alíneas B) e C), dos Factos Assentes), pelo que o pedido de protecção internacional sempre teria de considerar-se infundado por se verificar, também, a situação prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio.

Assim, não reunindo o pedido de protecção internacional condições para ser admitido, instruído e submetido a decisão do membro do Governo responsável pela administração interna, nos termos previstos nos artigos 27.º, e seguintes, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção conferida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, a acção tem de improceder, mantendo-se o Despacho do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras impugnado.

Não obstante a acção de condenação à prática do acto devido não envolver a apreciação dos vícios imputados ao acto impugnado, pois o objecto do processo não é o acto de indeferimento, ainda que o indeferimento seja expresso, mas a pretensão do interessado traduzida na prática do acto administrativo devido (artigo 66.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção em vigor à data da propositura da presente acção), sempre se dirá que a notificação não constitui requisito de validade do acto, mas apenas requisito de eficácia, pelo que a alegada ilegalidade do acto por falta de notificação/notificação deficiente nunca poderia invalidar o acto, sendo certo que o Autor foi notificado do acto impugnado (recebeu a notificação transcrita na Alínea J), dos Factos Assentes, que lhe foi lida em francês, língua que declarou compreender), tendo o acto sido notificado, também, ao seu Mandatário (cfr. Alínea K), dos Factos Assentes), sendo, por isso, indiscutível a plena eficácia do acto, que o Autor impugnou revelando pleno conhecimento, não só do sentido da decisão, mas também, dos seus fundamentos, constantes da Informação n.º 908/GAR/15, para a qual o acto remete expressamente (cf. Alíneas H) e I), dos Factos Assentes), que o Autor juntou, também, com a Petição Inicial.

A fundamentação dos actos administrativos traduz a exigência de externação das razões ou motivos determinantes da decisão administrativa, tendo como objectivo essencial o de habilitar o destinatário a reagir eficazmente contra a respectiva lesividade. Assim, um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da mesma e optar conscientemente entre a aceitação do acto e o accionamento dos meios legais de impugnação.

Um destinatário normal, perante a fundamentação vertida na Informação do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteira n.º …/GAR/15, está em condições de aferir quais as razões que levaram o Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteira s a considerar infundado o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor, pelo que foi cumprido, também, o dever fundamentação dos actos administrativos.

E o assim decidido é de manter integralmente, podemos já adiantar.

Com efeito, a sentença assenta a sua decisão – acertada – numa análise cuidada da situação concreta em presença, o que, longe disso há que dizê-lo, não é sujeito a crítica minimamente eficaz por parte do Recorrente, que se limita a genérica e conclusivamente a afirmar que a sentença errou no julgamento efectuado, repetindo o que já por si havia sido alegado na petição inicial.

Necessário é ter presente que cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega. Exigindo-se, para tanto, um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, (cfr., i.a., o acórdão deste TCAS de 26.03.2015, proc. n.º 11691/14). Sendo que os factos apurados, como demonstrado na sentença recorrida (v. supra), permitem concluir não existir.

Tal como evidenciado pelo Ministério Público no parecer que emitiu, o tribunal a quo julgou improcedente a acção proposta porque considerou que, dos elementos constantes dos autos e do relato feito pelo requerente, aqui Recorrente, a sua situação não se enquadra em nenhuma das situações configuradas nos n°s 1 e 2 do art. 3° da Lei 27/2008 (idem, quanto ao art. 7.º), sendo certo que é o requerente que se encontra onerado com o ónus de alegar e demonstrar os factos concretos tendentes ao preenchimento dos pressupostos necessários, tendo em vista a concessão de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias, de modo a habilitar a Administração com os factos necessários à aplicação do direito.

Bem vistas as coisas, apesar de virem invocadas razões religiosas, não estão em causa actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo, nem de concessão de protecção subsidiária. Da factualidade apurada, apenas resulta a alegada atitude do pai do requerente de asilo para consigo (expulsando-o de casa) e as alegadas ofensas dos vizinhos (injúrias); nada mais. Sendo que, como evidenciado pelo Recorrido na informação que sustentou a decisão em causa, o que não foi contrariado, embora seja verdade que em certas cidades do norte do Mali ocorra perseguição das minorias religiosas pelos extremistas islâmicos, não só o governo do Mali é tolerante, como a maioria das Igrejas instaladas naquele país se encontra na região sul, incluindo Bamako, onde o requerente e ora Recorrente declarou residir.

Note-se, por outro lado, que à chegada ao Aeroporto de Lisboa o Recorrente forneceu identificação diferente daquela que veio a fornecer como sendo a sua e apresentou título de autorização de residência em França que veio a verificar-se não ser verdadeiro, o que indicia, desde logo, a falta de fundamento do pedido.

Por fim refira-se que, salvo o devido respeito, a insistência na alegada nulidade da decisão administrativa por esta não ter sido comunicada, por escrito, ao aqui Recorrente, na sua própria língua ou em idioma que o mesmo compreenda ou seja de presumir que compreende, não colhe o mínimo de sustentação.

Com efeito, para além de a irregularidade assinalada não consubstanciar uma nulidade da decisão (a notificação da decisão é uma questão de eficácia do acto e não da sua validade intrínseca), certo é que resulta da factualidade provada, a qual não é sujeita a qualquer impugnação, que o ora Recorrente foi notificado do acto impugnado, tendo recebido a notificação transcrita na alínea J), dos Factos Assentes, que lhe foi lida em francês, língua que declarou compreender, tendo o mesmo acto sido igualmente notificado ao seu Mandatário (cfr. K) do probatório). Pelo que é indiscutível a plena eficácia do acto que veio a ser impugnado, revelando o Recorrente pleno conhecimento, não só do sentido da decisão, mas também, dos seus fundamentos, constantes da Informação n.º …/GAR/15, para a qual o acto remete expressamente (cf. H) e I), dos Factos Assentes), que o autor juntou, também, com a Petição Inicial.

Tanto basta para concluir pela inexistência do apontado erro de julgamento, com o que tem que improceder o presente recurso jurisdicional na totalidade, mantendo-se assim a sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega.

ii) Para tanto, exige-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, que os factos apurados, relativos tão-somente a um alegado medo da família que não aceita a mudança de religião daquele e a insultos por parte de vizinhos, permitem concluir não existir.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas, por isenção legal (artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º26/2014, de 5 de Maio).

Lisboa, 7 de Abril de 2016



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Pedro Marchão Marques


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Helena Canelas


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António Vasconcelos