Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01768/07
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/19/2007
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO-NULIDADE
-ELEMENTO SUBJECTIVO DO TIPO-
-CONCURSO DE INFRACÇÕES
Sumário:1. Não enferma do vício formal de omissão de pronúncia, o despacho final proferido no recurso judicial de contra-ordenação, quando o mesmo aprecia todas as questões relevantes suscitadas quer nas alegações de recurso, quer na própria decisão administrativa que aplicou a coima;
2. Não é nulo o despacho administrativo que aplicou a coima quando o mesmo dá como provados os pertinentes factos donde resulta a infracção, indica as normas infringidas e punitivas e indica alguns dos elementos presentes na graduação da coima;
3. Na falta de qualquer prova em contrário, é de presumir (presunção de facto, natural), que o agente que praticou certos factos que consubstanciam uma contra-ordenação tributária, teve uma representação imperfeita ou uma não representação da realização do tipo de ilícito, sendo de lhe imputar subjectivamente o mesmo a título de mera negligência;
4. No actual RGIT não há lugar ao concurso de infracções com a cominação de uma coima única segundo as regras do cúmulo jurídico, por a norma do seu art.º 25.º dispor, para todos os casos, o cúmulo material das sanções cominadas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. J...& Filhos, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com o despacho proferido pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, 2 (Loures), que negou provimento ao recurso interposto contra o despacho proferido pelo Chefe de Finanças e que lhe aplicou a coima de € 3.367,81, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) É o presente recurso interposto contra a Sentença de 5 de Dezembro de 2006, proferida no âmbito do processo de recurso de decisão de aplicação de coima que, sob o n.º 346/06.4BELRS, correu termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures (Lisboa – 2);
b) Nos termos do disposto no artigo 79.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias as decisões administrativas de aplicação de coima devem, entre outros elementos, indicar, fundamentadamente, não só a coima aplicada, mas também os elementos que contribuíram para a sua fixação.
b) Visa-se, assim, que à arguida e, bem assim, ao Tribunal, seja possível controlar a legalidade da decisão de aplicação de coima e, correlativamente, impedir uma completa arbitrariedade das mesmas.
c) Sucede, porém, que na "decisão de aplicação de coima" analisada na Sentença recorrida, não se aludiu, minimamente que fosse, aos critérios para determinação da concreta medida da coima que, por regra, são os constantes do artigo 27.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
e) Deste modo, a "decisão de aplicação de coima" é nula, conforme previsto no artigo 63.º, n.º1 , alínea d), do Regime Geral das Infracções Tributárias, vício este que se apresenta de conhecimento oficioso (cfr. n.º 5 do artigo 63.º do Regime Geral das Infracções Tributárias).
f) Por outro lado, Sentença recorrida, "objectiviza" a responsabilidade contra-ordenacional.
g) Ora, tal entendimento revela-se inconstitucional à luz do princípio de presunção de inocência ínsito no artigo 32.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa,
h) A negligência (e o dolo) são elementos duplamente valorados na análise do ilícito contra­ordenacional: em primeiro lugar enquanto elemento do tipo objectivo e, em segundo lugar, nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade o agente (A. Varela, RLJ, 102 - 59.º)
i) Deste modo, impunha-se à Administração tributária que não se limitasse a indicar - como fez ­os factos dos quais poderá resultar a negligência enquanto elemento do tipo objectivo de ilícito contra­ordenacional, mas também os factos dos quais se pudesse retirar a culpa(bilidade) da arguida.
j) Num outro plano, e atenta a necessidade de prova do comportamento negligente da arguida, prova que a Administração tributária não logrou produzir, a condenação da arguida no pagamento da coima no valor de € 3.367,81, sempre violará o princípio da legalidade previsto no artigo 2.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
k) Toda a sanção penal ou contra-ordenacional tem como suporte uma culpa concreta, apesar da não intervenção nas contra-ordenações de uma censura de tipo ético-social;
l) Culpa que, in casu, não foi nunca provada;
m) Em suma, em parte alguma se logrou demonstrar e provar que a conduta da arguida materializada na omissão de entrega da prestação tributária, é o resultado da violação objectiva de um dever de cuidado;
n) Não resulta de qualquer peça que instrui o presente processo a possibilidade de imputar subjectivamente o resultado que a norma pretende evitar ao comportamento da arguida;
o) A Administração tributária não descreve e, consequentemente, não prova quais as circunstâncias que no caso concreto impunham à ora arguida proceder com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, nem se a arguida chegou a representar, sequer, a possibilidade de incorrer em infracção, pelo contrário, é referido na decisão de aplicação de coima que a arguida não tinha a obrigação de não cometer a infracção.
p) Nada disto se mencionou, o que legitima a necessária e impostergável conclusão da impossibilidade de se aplicar à arguida qualquer coima em virtude da prática da contra-ordenação prevista no n.º2 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
q) Por fim, caso assim não o entendam Vossas Excelências o processo de contra-ordenação em apreço não deveria ser analisado de forma isolada, mas em conjunto com as condutas punidas nos processos de contra-ordenação autuados com os n.ºs 3492200506517390, 3492200506517382, 3492200506516246, 3492200306024912, 3492200306025412, 3492200506516238, 3492200306025854, 3492200306027873, 3492200406001459, 3492200406008682, 3492200406008950, 3492200406013848, 3492200506517048 e 3492200506517374 relativos aos períodos de tributação de 0205, 0206, 0208, 0209, 0210, 0211, 0212, 0302, 0304, 0308, 0309, 0310, 0311, 0312, na medida em que as condutas que conduziram à instauração de cada um dos referidos processos deverão conduzir, não há existência de catorze contra-ordenações distintas, mas uma única em concurso (cfr. artigos 30.º n.º1, do Código Penal e 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).
r) Assim, importa interligar o presente processo de contra-ordenação com os processos acima elencados, no âmbito dos quais se aplicaram à arguida catorze coimas distintas pela prática de factos idênticos, aplicando-se, ao conjunto, coima de acordo com as regras do concurso de contra­ordenações.
s) Por fim, no que se refere à apreciação da omissão de imputação subjectiva da conduta ao agente, a Sentença recorrida não refere os respectivos motivos de facto e de direito,
t) e, no que respeita à análise da aplicação do regime do concurso de contra-ordenações, o Senhor Doutor Juiz não indica, pelo menos, as razões de facto em que sustenta a sua decisão, motivo pelo qual a sentença que constitui o objecto do presente recurso deverá ser declarada nula nos termos previstos nos artigos 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal

Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado assim se revogando a Sentença recorrida com as necessárias consequências legais.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso por, em suma, a sentença recorrida não enfermar de qualquer ilegalidade ou de erro de interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se o despacho recorrido padece do vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se a decisão administrativa que aplicou a coima é nula por falta da indicação sumária dos factos e dos elementos que contribuíram para a sua fixação; Se a decisão que aplicou a coima deixou de imputar a infracção a título subjectivo à arguida; E se a arguida devia ser condenada numa coima única fixada por cúmulo jurídico resultante do concurso das infracções praticadas.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) - Em 09/07/2005 foi levantado o auto de notícia de fls. 2 contra a arguida, ora recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida nos arts 40º, n°1, al. a) e 26°, n° 1, do CIVA e 114°, n° 2 e 26°, n° 4 do RGIT, porquanto, registada em IVA no regime normal de periodicidade mensal, fez a entrega da declaração periódica do IVA relativa ao período de Abril de 2005, cujo prazo de apresentação terminou em 13/06/05, sem a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível, no montante de € 14.404,65;
B) - A arguida foi, em 10/11/05, notificada nos termos e para os efeitos do art. 70º do RGIT;
C) - Por despacho do chefe do serviço de finanças de Loures 4 - Sacavém, datado de 02/02/2006, foi proferida a decisão que consta de fls. 6 e 7 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a qual aplicou à arguida a coima de € 3.367,81;
D) – À arguida foram aplicadas mais catorze coimas, pela prática de catorze infracções previstas e punidas nos arts 40º, n° 1, al. a) e 26°, n° 1, do CIVA e 114°, n° 2 e 26°, n°4 do RGIT, relativas aos meses de Maio, Junho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2002, Fevereiro, Abril, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro e Dezembro de 2003, conforme documentos cujas cópias constam de fls. 28 a 41 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.


4. Na matéria das suas conclusões s) e t) imputa a arguida e ora recorrente ao despacho recorrido (e não sentença como o apelida no seu articulado – cfr. despacho de fls 48 dos autos e art.º 64.º n.º2 do Regime Geral das Contra-ordenações [RGCO], ex vi do art.º 3.º, alínea b) do RGIT, aprovado pelo art.º 1.º n.º1 da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho) o vício da sua nulidade, quer por não referir os motivos de facto e de direito quanto à imputação subjectiva da infracção, quer por deixar de indicar as razões de facto que lhe não aplica o regime do concurso de contra-ordenações, vícios formais que, logram prioridade no seu conhecimento por conduzirem à declaração da sua nulidade.

Desde logo convém frisar, que não nos encontramos no domínio de uma sentença proferida em uma quaisquer das formas de processo crime actual previstas no Código de Processo Penal (CPP), não lhe sendo aplicáveis as suas regras, genericamente, como invoca a recorrente, designadamente as dos art.ºs 374.º e 379.º, que apenas são aplicáveis às sentenças, mas não no âmbito do ilícito de mera ordenação social, onde existe norma própria quanto à fundamentação da decisão por simples despacho judicial, como no caso – art.º 64.º n.º4 do RGCO – em que tal decisão, sob o ponto de vista formal se basta com a fundamentação da decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção.

E lendo a decisão recorrida dela se vê que não deixou de fundamentar tal despacho, sendo mesmo por tal questão que o M. Juiz do Tribunal “a quo” iniciou a fundamentação da mesma, chegando a invocar em favor da posição assumida dois acórdãos dos nossos tribunais superiores que no mesmo sentido têm decidido, bem como a seguir, não deixou de fundamentar, de facto e de direito (fls 59), porque no caso não lhe pode ser aplicado o regime do concurso de contra-ordenações com a aplicação de uma só coima em cúmulo jurídico, pelo que não pode deixar de improceder a matéria relativa as estas duas alíneas das suas conclusões do recurso.


4.1. A segunda questão a decidir é relativa à matéria das suas conclusões a) a e) em que imputa à decisão que lhe aplicou a coima o vício da sua nulidade insuprível, por falta da descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas (art.ºs 79.º n.º1 b) e 63.º n.º1 d) do RGIT).

Nos termos do disposto no art.º 79.º do RGIT, sob a epígrafe, Requisitos da decisão que aplica a coima, dispõe o seu n.º1 que a decisão que aplica a coima contém, sendo que a sua falta origina uma nulidade insuprível, art.º 63.º n.º1 d) do mesmo RGIT:
a) A identificação do infractor e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) ....

Esses elementos para a determinação da medida da coima, constam da norma do seu art.º 27.º e entre eles figuram, a gravidade do facto, a culpa do agente, a sua situação económica e deve exceder o benefício económico retirado da prática da contra-ordenação.

No caso, invoca a recorrente que tal despacho que lhe aplicou a coima não indica, concreta e circunstanciadamente, os elementos que contribuíram para a sua fixação.

Porém, não tem razão.
Como desde logo se vê da matéria constante da alínea C) do probatório e melhor se colhe dos autos, do referido despacho de fls 6 e 7, foram tidos em consideração na fundamentação da fixação da coima diversos e relevantes elementos, como seja a frequência da prática de infracções do mesmo tipo cometidas pela arguida, a culpa do agente a título de negligência, a situação económica e financeira, que depois o decisor não terá deixado de, em bloco, ter tomado em conta para graduar a coima aplicável, contribuindo para a aumentar ou para a diminuir, embora se possa dizer, que tal despacho longe de ser um modelo de perfeição, apresenta alguma exiguidade de elementos referenciais e de vaguidade, embora em nosso entender se situe acima do limiar do exigível nas citadas normas aplicáveis do art.º 79.º n.º1 b) e c) – descrição sumária dos factos e indicação dose elementos que contribuíram para a sua fixação – já que expressamente, não deixa também, de indicar em concreto o imposto em falta resultante do cometimento da infracção - € 14.404,65 - não podendo por isso ter ocorrido essa invocada nulidade, e improcedendo a matéria das referidas alíneas.


4.2. Na matéria das suas conclusões f) a p) insurge-se a arguida e ora recorrente com o despacho recorrido por o mesmo ter “objectivado” a responsabilidade contra-ordenacional, por a AT não se poder limitar a indicar os factos donde pudesse resultar a negligência sem os imputar subjectivamente à mesma a algum título de culpa.

A negligência é a formulação de um juízo de censura ao agente por não ter agido de outro modo, de acordo com o que a ordem jurídica e lhe impunha, conforme podia e devia (no âmbito de um dever geral de atenção, de cuidado, de consideração pelos interesses alheios).
O traço fundamental situa-se, pois, na omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência (não ter o agente usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento). Necessário ainda se torna que a produção do evento seja previsível (uma previsibilidade determinada de acordo com as regras da experiência dos homens, ou de certo tipo profissional de homens), e só a omissão desse dever impeça a sua previsão ou a justa previsão.

Como se pronuncia o Professor Jorge de Figueiredo Dias(1)...
O facto negligente não é, simplesmente, uma forma atenuada ou menos grave de aparecimento do correspectivo facto doloso: é “outra coisa”, em suma é um aliud relativamente ao facto doloso correspondente...desenhando-se entre eles simplesmente uma fronteira a marcar o território onde acaba o dolo eventual e começa a culpa consciente, constituindo como que degraus de uma escada que se seguem uns aos outros...o facto doloso e o facto negligente têm, cada um, o seu tipo de ilícito e o seu tipo de culpa próprios e distintos.
...
O essencial da definição reside, porém, no proémio unitário, sendo aí que se contém o tipo de ilícito (a violação do cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado, isto é, a violação do cuidado objectivamente devido) e o tipo de culpa (a violação do cuidado que o agente, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, está em condições de prestar).
...
Somente quando o tipo de ilícito negligente se encontra preenchido pela conduta tem então sentido indagar se o mandato geral de cuidado e previsão podia também ter sido cumprido pelo agente concreto, de acordo com as suas capacidades individuais, a sua inteligência e a sua formação, a sua experiência de vida e a sua posição social. Toda esta indagação ultrapassa já o nível do tipo de ilícito e situa-se no (e conforma o) tipo de culpa do facto negligente.
...
O elemento que parece conferir especificidade ao tipo de ilícito negligente é a violação, pelo agente, de um dever objectivo de cuidado que, no caso, sobre ele juridicamente impendia. Para os autores que destacam a “violação do cuidado objectivamente devido” como elemento específico dos tipos de ilícitos negligentes parece ficar próxima a ideia de que, com uma tal violação, é o desvalor de acção próprio do facto negligente que assim se revela; desvalor ao qual haveria de acrescer um desvalor de resultado traduzido na “ produção, causação e previsibilidade daquele”.
...
A não observância do cuidado objectivamente devido não torna perfeito, por si própria, o tipo de ilícito negligente, antes importa que ela conduza – como expressamente afirma o art.º 15.º do CP – a uma representação imperfeita ou a uma não representação da realização do tipo. Com estes elementos não parece impossível construir um “tipo subjectivo”, desde que se não se exaspere a tentativa – que julgamos presente em qualquer uma das concepções anteriormente expostas, embora porventura de forma não inteiramente assumida – de reconduzir necessariamente o tipo subjectivo a uma realidade psicológica ainda efectivamente existente na psique do agente e, na verdade, a uma qualquer forma de finalidade.
...
Em suma, na negligência consciente o tipo subjectivo residirá na deficiente ponderação do risco de produção do facto, na inconsciente na ausência de pulsão para a representação do facto. Tanto basta para, nesta base, se estar autorizado – se tal for dogmática e sistematicamente conveniente – a construir o “tipo subjectivo de ilícito negligente”.

A este respeito o despacho recorrido considerou que a AT lhe tinha imputado a infracção, não a título de dolo mas sim a título de mera negligência, por dos autos não resultar provado que a mesma não possa ter agido de acordo com a obrigação de entrega desse imposto nos cofres do Estado que sobre si impendia – cfr. art.º 15.º do Código Penal – não tendo pois, o despacho que lhe aplicou a coima constante de fls 6 e 7 dos autos lhe imputado tal infracção a título doloso, como também o mesmo despacho recorrido considera ao se escrever:
...
É que, analisando o conteúdo da decisão, referida e dada por reproduzida em C) dos factos provados, constante de fls. 6 e 7 dos autos, verifica-se que a mesma contém todos os requisitos exigidos pelo art. 79°, n° 1, do RGIT, aprovado pela Lei n° 15/2001 de 05/06, pelo que, não ocorrendo a nulidade prevista no art. 63°, n° 1, al. d), do mesmo diploma legal, não colhe, nesta parte, a alegação da recorrente.
Na verdade, como foi decidido no Ac. TCA-Sul de 21/12/05, proc. 00806/05, "A decisão condenatória em processo de contra-ordenação deve ser fundamentada mediante a inclusão dos requisitos referidos nas alíneas a) a c) do art.º 79.º n° 1, do RGlT- «identificação do infractor e eventuais comparticipantes», «descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas» e menção da «coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação» -, sob pena de nulidade nos termos do art. 63.º n° 1, alínea d) do mesmo diploma, esgotando-se aí as exigências de fundamentação, pois tais elementos são bastantes para que o interessado opte entre o conformar-se com a decisão ou o reagir contra ela. ".
E, ainda. como foi decidido no Ac. STA de 30/06/99, proc. 023834, "A não inclusão expressa na decisão de aplicação de coima de referência ao elemento subjectivo da infracção, no caso de imputação de infracção por negligência, não é elemento imprescindível da descrição sumária que deve constar daquela decisão. ".

Fundamentação com a qual também se concorda, assim improcedendo a matéria das citadas alíneas do recurso.


4.3. Finalmente, na matéria das suas alíneas q) a r) das conclusões do recurso, vem a recorrente insurgir-se com a sentença recorrida, por não ter procedido ao julgamento conjunto de todas as infracções de que a mesma foi acusada, em regime de concurso de contra-ordenações com a aplicação de uma pena única por cúmulo jurídico, no que quedariam violadas as normas dos art.º 30.º n.º1 do Código Penal e 19.º n.º1 do RGCO.

O M. Juiz do Tribunal “a quo”, no despacho recorrido, quanto a esta questão, defende não haver lugar a tal concurso, no caso da prática de sucessivos factos integradores do mesmo tipo legal de contra-ordenação, como era o caso da falta de entrega de prestações tributárias em que a obrigação de entrega era de natureza periódica, havendo, neste caso, tantas as contra-ordenações quantos os períodos a que respeitava a obrigação tributária, devendo haver um cúmulo material das respectivas coimas.

O RGIT, quer o anterior CPT, não regulam os pressupostos para que exista concurso de contra-ordenações, nem mesmo o RGCO, regulando este, contudo, a sua forma de punição na norma do seu art.º 19.º n.º1.

O Código Penal, no seu art.º 30.º, de possível aplicação subsidiária às contra-ordenações – cfr. art.º 3.º a) do RGIT – regula, quer o concurso de crimes, quer o crime continuado, com reflexos ao nível da respectiva punição, no norma do seu art.º 78.º, em que a pena única é encontrada por cúmulo jurídico, nos termos aí regulados. E idêntica forma de encontrar a pena única encontramos no RGCO – seu art.º 19.º n.º1.

Se a anterior norma do n.º1 do art.º 206.º do CPT, apontava para no âmbito tributário haver lugar à existência de concurso de contra-ordenações com a cominação de uma coima única em cúmulo jurídico, pelo menos em certos casos, o actual RGIT, embora admitindo a existência do concurso de contra-ordenações, deixa de, ou afasta, o regime de punição privilegiado subjacente ao concurso de crimes que era o de um pena única em cúmulo jurídico que não material, como hoje se prevê na norma do art.º 25.º(2) deste diploma, ou seja, deixou de existir a principal característica que enforma o regime do concurso de crimes – a aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico - desta forma se perdendo o principal interesse no concurso, a não ser de índole de eventual economia processual.

Assim, por actualmente, em todos os casos, as coimas aplicadas a várias contra-ordenações, cometidas pelo mesmo arguido, serem cumuladas materialmente (art.º 25.º do RGIT), improcedem as conclusões sobre esta questão na medida em que pugnavam pela cominação de uma pena única, segundo as regras do cúmulo jurídico.


C. DECISÃO.
Nestes termos acorda-se em negar provimento e em confirmar o despacho recorrido.


Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco UCs (art.ºs 92.º n.º1 do RGCO e 87.º n.º1 b) do CCJ).


Lisboa, 19/06/2007

EUGÉNIO SEQUEIRA
VALENTE TORRÃO
CASIMIRO GONÇALVES



(1) In Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, págs. 630 e segs.
(2) Sendo esta a norma aplicável no caso, que não a do art.º 19.º n.º1 do RGCO, por não nos encontrarmos perante qualquer caso omisso.