Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:227/07.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:RENDIMENTOS DE CAPITAIS
PARTILHA
INEXISTÊNCIA FACTO TRIBUTÁRIO
REVISÃO DO ATO TRIBUTÁRIO
Sumário:I-Da interpretação conjugada dos normativos 6.º, nº1, 7.º e 8.º do CIRS resulta como premissa base que os rendimentos sejam colocados à disposição dos seus titulares.
II- Se a Administração Tributária no seu relatório Inspetivo reconhece por reporte para os documentos contabilísticos, concretamente, notas de lançamento e balancete analítico que o resultado da partilha foi zero, então falta, desde logo, o quid em que se terá de suportar o facto tributário;
III-Inexistindo ato tributário o mesmo subsume-se no conceito de “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT justificativo do pedido de revisão do ato tributário e determinante da anulabilidade do ato tributário de liquidação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, do presente processo que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por VÍTOR.............. e ANA ............... tendo por objeto o indeferimento do pedido de revisão de ato tributário, do ano de 1998, no montante de €127.918,06.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


I – Em 2.9.2002, e na sequência de inspecção tributária realizada à Sociedade de Construções J.............., Ld.ª foi elaborado o respectivo relatório, tendo sido liquidado, relativamente aos ora impugnantes, IRS e respectivos juros compensatórios no valor global de € 127 918,06, respeitantes ao ano de 1998;

II – Em 22.07.2005, os Impugnantes, invocando o art.º 161.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), solicitaram a extensão dos efeitos de Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, elaborado no âmbito de processo de Impugnação apresentado por um outro sócio da empresa, decisão que anulou a liquidação impugnada;

III – Não tendo Reclamado nem Impugnado a liquidação, os ora Impugnantes apresentaram, em 18.01.2006, no Serviço de Finanças do Seixal – 1 um pedido de revisão do acto tributário, tendo por objecto aquela liquidação, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 76.º da LGT;

IV – Invocaram “erro imputável aos serviços, tendo criado uma situação de injustiça grave e notória para além de manifestamente desproporcionada”.

V – A Douta Sentença de que agora se recorre considerou existir “erro de direito”, imputável aos serviços, justificativo do pedido de revisão do ato tributário, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 78.º da Lei Geral Tributária;

VI – Fundamenta a sua decisão em anterior Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no qual foi considerado não ter existido distribuição de lucros pela sociedade no ano de 1998, não tendo o Impugnante, nesse ano, à sua disposição, o indicado rendimento;

VII – Mais considerou a fundamentação da Autoridade Tributária (AT) incoerente;

VIII – Durante os anos de 1990 a 1997, a sociedade realizou lançamentos na conta 268 – devedores e credores diversos, num total de 294 426 021$, tendo como destinatários os sócios;

IX – Não enquadrou as saídas de dinheiro da sociedade para os sócios como distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros, nem realizou os lançamentos em conta de sócios, evitando, desta forma, a tributação daqueles rendimentos aquando da saída dos mesmos;

X – Aquando da liquidação da sociedade o ativo era de 294 428 286$, sendo que 294 426 021$ referentes à conta 268 (os empréstimos concedidos fazem parte do ativo da sociedade, ao contrário da distribuição do lucros);

XI - Ou seja, é a própria empresa que informa (através da sua contabilidade) que, na data da liquidação, existe ativo no valor correspondente aos empréstimos que foram realizados ao longo dos anos aos sócios, ativo que não desaparece com a dissolução da sociedade, antes sendo distribuído pelos sócios, com a partilha, nos termos do disposto nos art.ºs 5.º n.º 2 alínea i) do CIRS e art.º 75.º do CIRC;

XII – O Relatório Inspetivo é devidamente claro quanto aos factos e às correções efetuadas, não existindo qualquer incoerência no mesmo, ao contrário do decidido no citado Acórdão;

XIII – A incoerência apontada resulta de uma má interpretação do que ali ficou expresso, bem como da omissão de um parágrafo que consta do relatório;

XIV – Não existe erro de direito ou facto na liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 1998;

XV – Ao decidir como decidiu, a Douta Sentença, de que agora se recorre, violou o disposto nos art.ºs 5.º do CIRS, 75.º do CIRC e 78.º da LGT.”


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Os Recorridos optaram por não apresentarem contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso .

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto :

“A) Em 2.9.2002, e na sequência de inspecção tributária realizada à Sociedade de Construções J..............., Lda, foi elaborado o respectivo relatório, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 51 a 59 dos autos):

«1 - Conclusões da acção inspectiva

a) Na sequência da análise externa efectuada às contas da Sociedade Construções J............., LDA., NIPC .........., detectou-se que pelo menos desde o exercício de 1990, a conta da contabilidade "268" em nome dos sócios V.........., NIF ..........., J..........., NIF .......... e J..........., NIF .........., era movimentada a favor dos mesmos apresentando a 31/12/97 um saldo acumulado de 294.426.021$00.

(...)

3 - Situação de facto

Desde o exercício de 1990 foi constatado que a conta 268 apresentava saldos devedores de montantes significativos, sendo o valor acumulado em 1997 de 294.426.021$00, conforme a evolução verificada no quadro seguinte:

(...)

Analisado o exercício de 1998, ano da liquidação da sociedade, não foi constatado que os sócios tivessem reembolsado a sociedade dos montantes entretanto emprestados nos exercícios anteriores.

(...)

Pela análise efectuada concluiu-se que estes montantes contabilizados ao longo dos anos têm o carácter de empréstimos atribuídos aos sócios. Com os movimentos efectuados na contabilidade da sociedade identificados nos anexos n.°s 1 e 2, a dívida dos sócios à sociedade, até então caracterizada como empréstimos, passou a ter um carácter de direito aos lucros, visto que foram efectuados lançamentos contabilísticos na conta 259-sócios, a qual foi saldada pela situação líquida da sociedade.

De facto é nesse momento que as verbas se consideram colocadas à disposição dos sócios.

Em consequência da dissolução da sociedade em 1998, e em resultado da partilha tais montantes deveriam ter sido tributados na proporção das quotas de cada sócio - 1/3 cada - sendo enquadrados como rendimentos da categoria E, nos termos da alínea h), actual alínea i) do n.° 2 do Art.° 5o do Código do IRS.

Deveriam também ter sido retidos e entregues nos cofres do Estado 15% desses rendimentos conforme prevê o Art.° 94° n° 1, actual 101° do Código do IRS.

Dado que não se constatou que tenha sido retido o imposto sobres os rendimentos referidos, vai proceder-se ao apuramento do valor que teve como base retenção na fonte, vai proceder-se à sua liquidação em análise interna, de acordo com os cálculos e fundamentos que constam a seguir:

(...)

Na liquidação o valor do passivo de 132.251500, foi anulado por contrapartida das contas de "caixa" e "sócios" ficando a conta 268 - sócios com o montante a débito de 294.296.035$00, que foi levado a "Resultado da liquidação" a abater a situação líquida, cifrando-se o resultado da partilha a zeros, (anexos n.° 1 a 6) .

Ora este procedimento não foi correcto, sendo de tributar o saldo devedor dos sócios como rendimento da Categoria E, nos termos da alínea i) do n.° 2 do Art° 5o do IRS.

Assim, no momento da liquidação a situação liquida da sociedade apresentava o valor de 294.296.035$00, que depois ser adicionado o valor do saldo de caixa, deduzido o valor em dívida ao Estado e ainda abatido o valor de aquisição da quota, será imputado na proporção das quotas conforme o previsto nos termos do Art° 75° do CIRC”;

B) Em 2.10.2002, e na sequência do relatório referido em A), foi liquidado, relativamente aos ora Impugnantes, IRS e respectivos juros compensatórios no valor global de € 127.918,06, respeitantes ao ano de 1998 - fls. 75 do processo administrativo apenso;

C) Em 18.1.2006 os ora Impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças do Seixal - 1 um pedido de revisão de acto tributário, tendo por objecto a liquidação referida em B), cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido - fls. 45 a 47 do processo administrativo apenso;

D) Em 14.6.2006 foi elaborada, pelo Técnico de Administração Tributária R.........., a informação n.° .../06, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e da qual consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 28 a 30 do processo administrativo apenso):

«Tendo sido devidamente analisado o pedido de revisão do acto tributário em apreciação, cumpre prestar a seguinte informação: 1-Dispõe o n.° 1 do art.° 78° da LGT que, a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. 2-A revisão por iniciativa da administração tributária pode ter lugar quando houver erro imputável aos serviços, considerando-se como tal, o erro na autoliquidação (cfr. n.° 2 do art.° 78° da LGT). 3- Ora, no caso em apreço, não se pode considerar que houve erro imputável aos serviços na determinação da sua situação tributária, conforme dispõe o n.° 2 do art.° 78° da LGT, bem como, o fundamento invocado para a revisão (inexistência de facto tributário), não tem enquadramento neste preceito legal.

4-Nestes termos, atendendo ao anteriormente exposto, sou de parecer que não deverá ser atendida a pretensão do contribuinte, uma vez que não houve erro imputável aos serviços na determinação da sua situação tributária, não devendo ser autorizada pelo Senhor Director Geral dos Impostos a revisão do acto tributário, notificando-se o mesmo para o direito de audição, nos termos do art.° 60° n.° 1 al. b) da LGT»;

E) Em 30.6.2006 foi exarado, na informação referida em D), despacho pela Directora de Serviços do IRS com o seguinte teor (fls. 28 do processo administrativo apenso):

«Notifique-se o requerente do projecto de despacho de indeferimento do pedido de revisão para efeitos do disposto no art. 60.° da LGT»;

F) Em 18.10.2006 foi elaborada, pelo Técnico de Administração Tributária R.........., a informação complementar n.° ..../ 06, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e da qual consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 14 a 16 do processo administrativo apenso):

«3-Perante o alegado, constata-se que o contribuinte não traz factos ou argumentos novos, não sendo a decisão do TCA Sul que anulou a liquidação em relação ao contribuinte J.............., extensível à situação do contribuinte. 4- Assim, na medida em que não se encontram reunidos os pressupostos legais para proceder à revisão do acto tributário em causa, por não se verificar a existência de erro imputável aos serviços, conforme dispõe a parte final do n.° 1 do art.° 78° da LGT, nem o contribuinte utilizou os meios de reacção ao seu dispor para anular o acto tributário em causa, deve manter-se a liquidação em causa na ordem jurídica»;

G) Em 26.10.2006 foi exarado pelo Sudirector-Geral da Direcção-Geral dos Impostos despacho com O seguinte teor (fls. 14 do processo administrativo apenso):

«Concordo, pelo que, com base nos fundamentos expostos, converto em definitivo o projecto de despacho de indeferimento do presente pedido de revisão».


***

A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A convicção do tribunal formou-se com base no teor de documentos que integram os autos e o processo administrativo apenso, os quais se encontram expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho proferido pelo Subdiretor-Geral da Direção-Geral dos Impostos, datado de 26 de outubro de 2006, que indeferiu o pedido de revisão do ato tributário.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, indagando, para o efeito, se inexiste facto tributário, conforme decidiu o Tribunal a quo ou se existem rendimentos de capitais por adiantamento por conta de lucros subsumíveis no artigo 5.º, nº2, alínea i) do CIRS, como defende a Recorrente.

Apreciando.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, ao ter considerado que existiu erro de direito imputável aos serviços, justificativo do pedido de revisão do ato tributário, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Defende, para o efeito, que a decisão recorrida se fundou em acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no qual foi, erradamente, considerado não ter existido distribuição de lucros pela sociedade no ano de 1998, não tendo o Impugnante, nesse ano, à sua disposição, o indicado rendimento.

Sublinha, outrossim, que contrariamente ao doutrinado no Aresto do TCA Sul a fundamentação da Administração Tributária não é incoerente, tendo explicitado as razões das correções realizadas.

Reitera, neste particular, que tendo a sociedade durante os anos de 1990 a 1997, realizado lançamentos na conta 268 – devedores e credores diversos, num total de 294 426 021$, tendo como destinatários os sócios, e não tendo enquadrado as saídas de dinheiro da sociedade para os sócios como distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros, nem realizado os lançamentos em conta de sócios, evitou, desta forma, a tributação daqueles rendimentos aquando da saída dos mesmos.

Conclui, assim, que à data da liquidação da sociedade o ativo era de 294 428 286$, sendo que é a própria empresa que informa (através da sua contabilidade) que, na data da liquidação, existe ativo no valor correspondente aos empréstimos que foram realizados ao longo dos anos aos sócios, ativo que não desaparece com a dissolução da sociedade, antes sendo distribuído pelos sócios, com a partilha, nos termos do disposto nos art.ºs 5.º n.º 2 alínea i) do CIRS e art.º 75.º do CIRC.

Termina dizendo que inexiste erro de direito ou de facto na liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 1998, incorrendo a decisão recorrida em violação dos artigos 5.º do CIRS, 75.º do CIRC e 78.º da LGT.

O Tribunal a quo assim o não entendeu, tendo decidido com base em Aresto do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo nº 129/04, com data de 3 de novembro de 2004, que existe erro de direito na liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 1998, por inexistência do facto tributário.

E, de facto, nenhuma censura merece a decisão recorrida visto que interpretou corretamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fáctica ao caso vertente.

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que no caso vertente não foi impugnada a matéria de facto, encontrando-se a mesma devidamente estabilizada, na verdade o que a Recorrente entende é que a realidade factual não permite extrapolar a consequência jurídica da inexistência do facto tributário.

Porém sem razão. Senão vejamos.

Comecemos por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos.

De harmonia com o disposto no artigo 6.º do CIRS (vigente à data da prática dos factos tributários), sob a epígrafe de rendimentos da categoria E, consideravam-se rendimentos de capitais:

“h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 19º;

i) O valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 67º do Código do IRC, seja considerado rendimento de aplicação de capitais, bem como o valor atribuído aos associados na amortização de partes sociais sem redução de capital”.

Por seu turno, dispunha o artigo 7.º relativamente à presunção de rendimentos de capitais que:

“4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

5 - As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.”

Mais importa ter presente o disposto no artigo 8.º, nº1 do CIRS segundo qual : “Os rendimentos referidos no artigo 6.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos.”

Convocando, ainda neste particular, e quanto à matéria dos autos, o nº3, alínea a), nº2 do mesmo normativo, segundo o qual os rendimentos referidos nas alíneas h), i), j) e l) ficam sujeitos à tributação desde a data da colocação à disposição.

No caso vertente, e como já devidamente evidenciado anteriormente a decisão recorrida amparou-se, inteiramente, em Aresto deste Tribunal por total identidade da questão fática. Nessa medida, e por se afigurar vital para a presente lide, cumpre, desde já, convocar o aludido Acórdão transcrevendo os excertos que se reputam mais relevantes para a presente lide recursiva:

“No caso sub judicio, e como logo se retira do consignado no probatório, a Administração Fiscal pretende tributar o Impugnante, ora recorrente, em IRS, por rendimentos de capitais respeitantes ao ano de 1998, decisivamente com base nas considerações de que «em resultado da inspecção à declaração de rendimentos do exercício de 1998 (...) o sujeito passivo omitiu na sua declaração de rendimentos o valor de 97 155 349$00, que configura resultado da partilha», pois que «a dívida dos sócios à sociedade, até então caracterizada como empréstimos, passou a ter um carácter de direito aos lucros».

Mas parece-nos evidente que no caso a Administração Fiscal não apresenta, nem minimamente, a motivação necessária para a liquidação que pretende.

Bem ao invés.

A Administração Fiscal, no caso, não tem legitimidade para tributar, porque, para tributar rendimentos de capital do impugnante, ora recorrente, respeitantes a direitos aos lucros referentes ao ano de 1998, era preciso ter-se provado, e não se prova, que, no ano em foco, o impugnante, ora recorrente, teve à sua disposição o indicado rendimento decorrente desses apontados lucros.

E o que é certo é que, nesse ano, respeitantemente a lucros da sociedade referenciada, o rendimento do impugnante, ora recorrente, foi zero.

É, de resto, o que reconhece a própria Administração Fiscal, na sua (incoerente) fundamentação, no passo em que diz, textualmente, que «na liquidação, o valor do passivo de 132 251$00 foi anulado por contrapartida das contas de "caixa" e "sócios", ficando a conta 268-sócios com o montante a débito de 294 296 035, que foi levado a "Resultado da Liquidação" a abater a situação líquida, cifrando-se o resultado da partilha a zeros» - vide o que se regista na alínea b) do probatório.

(...)

Resta-nos, deste modo, concluir - e em resposta ao thema decidendum - que o rendimento, cuja tributação aqui se questiona, não foi disponibilizado ao impugnante, ora recorrente, na data da liquidação da «Sociedade de Construções J.............,Lda.», em 1998.

Razão pela qual não há lugar à tributação questionada, devendo, em consequência, ser anulada a respectiva liquidação em IRS (…)

2.4 Do exposto podemos extrair, entre outras, as seguintes proposições que se alinham em súmula.

I-Toda a liquidação tributária haverá de ter sempre como pressuposto a prova bastante (indícios concludentes) da «existência e quantificação do facto tributário» previsto na respectiva lei de tributação.

II-O IRS tem como objecto de incidência, designadamente, o valor anual dos rendimentos de capitais (rendimentos da categoria E) - cf. o n.° 1 do artigo 1.° do Código do IRS.

III-Os lucros, incluindo adiantamentos por conta de lucros, das entidades sujeitas a IRC, colocados à disposição dos respectivos titulares, são considerados rendimentos de capitais - de acordo com os termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea h), do Código do IRS.

IV-Aquando da partilha do património da sociedade, em que nenhum lucro foi colocado à disposição dos respectivos titulares, verifica-se, manifestamente, a inexistência de facto tributário que fundamente a liquidação de IRS (a título de rendimentos de capitais)”.

Ora, atentando no teor do aludido Acórdão não se vislumbra, de todo, qualquer erro de interpretação, quer de facto, quer de direito, que determine qualquer alteração de posição. Note-se que a situação dos autos é em tudo idêntica à decidida no aludido Aresto, apenas divergindo no sujeito passivo objeto de tributação, e que alegadamente terá auferido rendimentos de capitais.

Com efeito, não se vê qualquer erro de interpretação no aludido Aresto, pois da interpretação conjugada dos normativos 6.º, nº1, 7.º e 8.º do CIRS supra citados resulta como premissa base que os rendimentos sejam colocados à disposição dos seus titulares e a verdade é que, in casu, não resulta provada essa premissa base e foi, de facto, com base nessa circunstância que o Aresto do TCA Sul no qual se esteou a decisão recorrida, fundamentou acertada e adequadamente a questão.

É certo que na conclusão XI a Recorrente aduz que “[é] a própria empresa que informa (através da sua contabilidade) que, na data da liquidação, existe ativo no valor correspondente aos empréstimos que foram realizados ao longo dos anos aos sócios, ativo que não desparece com a dissolução da sociedade, antes sendo distribuído pelos sócios com a partilha”.

Mas a verdade é que é a própria Administração Tributária no seu relatório Inspetivo que reconhece por reporte para os documentos contabilísticos, concretamente, notas de lançamento e balancete analítico- os quais nunca impugna apenas entendendo incorreto o procedimento adotado-que o resultado da partilha foi zero.

É certo, outrossim, que a Recorrente volta a frisar que o Relatório Inspetivo é claro e que não resulta qualquer incoerência, mais evidenciando que a incoerência apontada resulta de uma má interpretação do que ali ficou expresso, bem como da omissão de um parágrafo que consta do relatório, mas a verdade é que não só não demonstra, conforme lhe competia, qual o erro em que incorreu, como não se vislumbra qualquer erro interpretativo. Ademais, não se descortina a omissão de qualquer parágrafo que possa alterar o sentido da decisão o qual, de resto, nem tão-pouco é identificado nas suas conclusões.

Mais importa ter presente que contrariamente ao sustentado pela Administração Tributária no seu relatório inspetivo não resulta demonstrado que “[a] dívida dos sócios à sociedade, até então caracterizada por empréstimos, passou a ter um carácter de direito aos lucros”.

Note-se, outrossim, que o convocado artigo 75.º do CIRC(1) não permite, contrariamente ao invocado pela Recorrente, fundamentar a tributação enquanto rendimento de capitais. E isto porque, se o aludido normativo dispunha que: “ É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais” e se, in casu, como já devidamente evidenciado anteriormente o resultado da partilha foi zero, então falta, desde logo, o quid em que se terá de suportar o facto tributário.

Ora, em face de todo o exposto entende-se que tal como decidiu o Tribunal a quo nos encontramos perante um erro de direito imputável aos serviços justificativo do pedido de revisão do ato tributário nos termos do artigo 78.º, nº1 da LGT e determinante da anulabilidade do ato tributário de liquidação referente ao ano de 1998. Com efeito, inexistindo ato tributário o mesmo subsume-se no conceito de “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT o qual “compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro”(2) .

De relevar, in fine, que o recurso ao procedimento de revisão nunca foi colocado em causa nas conclusões da Recorrente, mas tão só que “não existe erro de direito ou facto na liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 1998”, porém, como já devidamente analisado anteriormente, não procede tal argumentação.

Assim, tudo visto e ponderado, conclui-se que inexiste facto tributário. Destarte, a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


LISBOA, 25 DE JUNHO DE 2019

(PATRÍCIA MANUEL PIRES)

(CRISTINA FLORA)

(TÂNIA MEIRELES DA CUNHA)


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(1) À data da prática do facto tributário o artigo referente à partilha da liquidação era o artigo 67.º do CIRC, com a redação da Lei nº 52-C/96, de 27 de dezembro, embora o convocado artigo 75.º do CIRC apresente redação igual.

(2) Vide, designadamente, Arestos do STA, proferidos nos processos nºs 01007/11, de 14/03/2012 e 01509/13, de 18/11/2015.