Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1242/05.8BELSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/24/2020 |
Relator: | MÁRIO REBELO |
Descritores: | DECISÃO SUMÁRIA DO RELATOR. RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA |
Sumário: | 1. Deduzida reclamação para a conferência de decisão sumária do relator, o colectivo de juízes reaprecia novamente o recurso, sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido, retroagindo o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior àquela decisão. 2. A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões de recurso. E sendo o recurso da sentença que está em causa, será com base nas questões suscitadas naquelas que a Conferência se pronuncia, e não com base nas alegações formuladas no requerimento de reclamação. 3. A reclamação não configura um recurso da decisão do relator, mas apenas uma forma de provocar a deliberação da Conferência visando a reapreciação das conclusões de recurso interposto. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: Autoridade Tributária. O Recorrido contra alegou e concluiu: 1. No que à matéria objecto de controvérsia diz respeito, ou seja, saber se a Impugnada fundamentou, como manda o artº 77° da LGT, o acto de fixação do tributo de IRS relativo ao ano de 2001, é manifesto que tal não se verificou. 2. Nem sequer a Autoridade Tributária discute esse ponto, que dá de barato, limitando-se a justificar a não fundamentação do acto, visto que, segundo o seu entendimento, se tratava de simples operações de cálculo. 3. Ora, viu-se que na fixação do tributo há várias decisões prévias que a Administração Fiscal teve de tomar e que não são exercícios aritméticos, porque implicam apreciações de situações, entendimentos sobre reportes, fixação de valores e aceitação de percentagens por actividade agrícola a considerar nos diversos anos (um dos quais, aliás, no total de 40% do rendimento tributável, veio a ser corrigido pela própria Administração). 4. Nem se diga que a Administração Fiscal não foi alertada para a complexidade da situação, já que o impugnante por duas vezes tentou que lhe fosse fornecido o devido esclarecimento, o que a Administração não fez, com manifesto prejuízo do dever de cooperação que também lhe cabe. 5. Tal como consta do processo e acaba por confessar em sede de alegações, a Administração Fiscal não fundamentou nem, mais grave, entende que deva fundamentar este tipo de acto tributário, porque as operações aritméticas explicam tudo o que há a explicar. 6. Nem se percebe como é que uma simples conta no documento de cobrança (não explicitada) pode conter os requisitos básicos da fundamentação sumária exigidos pelo n° 3 do art.º 77° da LGT: a) conter as disposições legais aplicáveis, b) a qualificação dos factos tributáveis e c) as operações de apuramento da matéria colectável e do tributo. 7. A fixação do tributo, pelo exposto, não é apenas a resultante "directa" dos elementos declarados pelo impugnante. 8. Pelo exposto, o acto tributário não contém a fundamentação legal, em particular no que toca ao apuramento do tributo, facto esse que constitui vício de forma sancionável com a anulação do acto impugnado, decretando-se a procedência da impugnação, com as legais consequências. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida. II QUESTÕES A APRECIAR. O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação por falta de fundamentação da liquidação de IRS/2001. III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação: 1. Para o exercício de 1998, o impugnante declarou para efeitos de IRS um resultado negativo da actividade agrícola no montante de Esc.6.885.095,00 (€34.342,49) - Anexo Bl ao Mod.3, afls.44 do apenso instrutor; 2. Para o exercício de 1999, o impugnante declarou para efeitos de IRS um resultado negativo da actividade agrícola no montante de €45.692,65 -Anexo Bl ao Mod.3, a fls. 51 do apenso; 3. Para o exercício de 2000, o impugnante declarou para efeitos de IRS um resultado negativo da actividade agrícola no montante de €38.482,87- Anexo Bl ao lvfod.3, a fls. 59 do apenso; 4. No exercício de 2001, o impugnante apurou para efeitos de IRS um lucro de € 196.561,41 proveniente de rendimentos da Categoria B decorrentes de actividades «A......, S........» - Anexo C ao Mod3, a fls. 65 do apenso instrutor; 5. Do documento de cobrança relativo à liquidação de IRS/1998 consta «a título informativo» como «perdas a reportar» o montante de Esc.7.094.589,00 (fls.li); 6. Do documento de cobrança relativo à liquidação de IRS/1999 consta «a título informativo» como «perdas a reportar» o montante de €53.664, 72 (fls.l2); 7. Do documento de cobrança relativo à liquidação de IRS/2000 consta «a título informativo» como «perdas a reportar» o montante de €69.057,87 (fls.13); 8. Do documento de cobrança relativo à liquidação de IRS/2001 consta «a título informativo» como «perdas a reportar» o montante de €34.342,49 e na linha 3 da «nota demonstrativa da liquidação do imposto», como «perdas a recuperar», o montante de €34.715,38 (fls.l4); 9. O impugnante foi notificado da liquidação de IRS relativa a 2001 por oficio do Serviço de Finanças de Lisboa-lO n°ll2…, datado de I 7/10/2003 (fls.8); 10. Em 20/1112003 com insistência em 02/08/2004, requereu à Direcção de Finanças de Lisboa lhe fosse esclarecido o cálculo do montante de «perdas a reportar» e do montante de «perdas a recuperar» constante da nota de liquidação de 2001 (fls. 10 e 15); 11. A presente impugnação foi apresentada em 27/08/2004, conforme carimbo de entrada aposto pela Repartição de Finanças a fls. 2; 12. Por despacho de 27/08/2009, do Sr. Director de Finanças Adjunto foi revogado parcialmente o acto impugnado, cuja fundamentação remete para informação/parecer onde está exarado, a fls. l27, constando do parecer, entre o mais, o seguinte: «Após análise da petição inicial, concordo com a informação que antecede ..., no sentido de que o acto impugnado seja parcialmente revogado por forma a permitir a recuperação de perdas da actividade agrícola provenientes do exercício de 1998, no montante de 613.737,00, o que irá provocar um aumento das Perdas a Recuperar na liquidação do ano de 2001, passando esse valor de €34. 715,38 para €48.452,38». Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante. Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada. RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA. O Exmo. Representante da Fazenda Pública reclamou da decisão para a Conferência com os seguintes fundamentos: (...) “8. Apresenta, a FP contra a decisão sumária de 27 de fevereiro de 2019 a presente reclamação, porquanto, entende, que a decisão sumária que nega provimento ao recurso e confirma a sentença recorrida conduz a consequências jurídicas que são intoleráveis à luz dos princípios que enformam o sistema jurídico vigente. 9. Ou seja, como diz FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, «[s]empre que a parte se considere prejudicada por qualquer decisão do relator, quer seja a que julgue sumariamente o recurso, nos termos previstos no art. 705.º [atual art.º 656.º], quer seja a que julgue extinta a instância por causa diversa do julgamento, quer seja qualquer outra proferida no decurso da preparação do processo, pode requerer, no prazo de 10 dias que sobre o despacho recaia um acórdão (art. 700.º, n.º 3) [atual art.º 652.º, n.º 3]» (Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, Almedina, pág. 106). 10. A questão que aqui se coloca, é a de saber se o acto de liquidação de IRS que resulta das declarações de rendimentos apresentadas pela impugnante (no exercício e anteriores), efetuada com base nos valores por si inscritos nas respetivas declarações, carece ou não de ser acompanhada da respetiva fundamentação, que não seja aquela que resulte da demonstração do cálculo do imposto, ou seja, na descrição das operações relativas ao apuramento do tributo devido. 11. Entende, a FP, no caso dos autos, resulta claro que constam da nota de liquidação de IRS todas as operações que conduziram ao apuramento do imposto, sendo claro que o pedido de esclarecimento formulado pelo ora impugnante não resultará propriamente da ocorrência de qualquer omissão de informação relativamente aos valores apurados. 12. Da leitura do pedido de esclarecimentos efetuado pelo impugnante (a fls. 10, Doc. 3 junto à PI), é claro que o impugnante, quanto ao valor do rendimento global (€259.110,31) está esclarecido, porque entende estar de acordo com o declarado: €141.172,00 referente a rendimento trabalho dependente + €117.936,00 (€196.561,41x60%) referente a rendimento resultante da atividade empresarial agrícola (categoria D). 13. Tal pedido de esclarecimentos deixa claro, que o impugnante está ciente de como é apurado o resultado fiscal referente à Categoria D. Sabe que os resultados da sua atividade não contribuem a 100% para os resultados fiscais. Como bem refere o impugnante, em 2001, apenas 60% dos resultados da sua atividade constituem rendimento para efeitos de tributação. Consequentemente, 14. Resulta também claro, o conhecimento por parte do impugnante, de que os rendimentos por si obtidos resultantes da atividade empresarial agrícola, são enquadrados no art.º 5.º do CIRS (categoria D) e que de acordo com o disposto no art.º 31º do CIRS seguem as regras estabelecidas no CIRC, para efeitos de determinação do Lucro tributável, onde se incluí a possibilidade de reporte de prejuízos previsto neste ultimo código. 15. Por outro lado, o impugnante demonstrou saber que os seus rendimentos de Categoria D “serão considerados em 40% do seu valor”, conforme estipulou o n.º 3 do art.º 4.º do Decreto-lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro e consequentes prorrogações para os anos de 1996 a 2000, e serão considerados em 60%, para o ano de 2001, de acordo com a redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro. 16. Deste modo e com base nas Declarações de Rendimento apresentadas pelo impugnante (fls. 42 a 66 do processo apenso), podemos concluir que o próprio impugnante está ciente de quais foram os seus rendimentos/resultados a considerar para efeitos fiscais, vejamos: (segue tabela no original) 17. Pretende o impugnante valer-se dos valores incorretos constante da rubrica Perdas a reportar (constantes das notificações da liquidação de IRS, a título informativo, referente aos anos anteriores a 2001) para justificar o uso indevido dos mesmos na rubrica Perdas a recuperar (constante da liquidação de IRS do ano de 2001), invocando a falta de fundamentação do valor constante na rubrica Perdas a recuperar (€34.715,38), descurando que o acto de liquidação de IRS deve ser determinado com base nos elementos declarados, conforme dispõe art.º 78.º do CIRS (atual art.º 76.º do CIRS). 18. Importa salientar, se para os rendimentos apurados pela AT (na 1ª linha da liquidação impugnada) o impugnante ficou esclarecido quando o cruzou com os valores por si declarados (em 2001), para o valor das Perdas a Recuperar (3ª linha da liquidação impugnada), que resulta também de valores declarados (em anos anteriores), o impugnante entendeu socorrer-se de valores cedidos pela AT a título informativo, em outras notificações de liquidações (não contestadas nesta impugnação). 19. A impugnante, aparentemente não entendeu o teor da informação cedida, a título informativo, nas notificações recebidas anteriormente ao ato de liquidação ora impugnado, quanto à rubrica Perdas a reportar. 20. Primeiramente, não entendeu como foi apurado o valor da rubrica Perdas a reportar (7.094.589$, ou seja €35.387,66, onde se incluiu 40% do resultado de 1996 e 100% do resultado de 1998) constante da notificação da liquidação de IRS de 1998 – Doc. 4, a fls. 11 dos autos. 21. Ora, se era do conhecimento da impugnante que apenas 40% do seu resultado negativo de 1998 [€13.737,08 = 40% x €34.342,71(6.885.095$)] poderia relevar para a rubrica Perdas a reportar a acumular com resultados anteriores [40% das perdas de 1996 de €1.045,17], o valor assim apurado de €14.782,25 em nada se assemelha ao valor apresentado pela AT, a título informativo, como sendo Perdas a reportar de montante €35.387,66 (7.094.589$). 22. Não resulta dos factos provados que o impugnante tenha reagido àquela diferença apurada entre os valores por si declarados e os valores assumidos pela AT, aquando da notificação da liquidação de IRS 1998. 23. Mas se dúvidas restassem ao Impugnante sobre os valores de Perdas a reportar informados pela AT através da notificação da liquidação de IRS de 1998, posteriormente, com as notificações das liquidações de IRS dos anos de 1999 e 2000, onde apenas foi considerado nos dois casos somente 40% das respetivas Perdas para efeito de acumulação de Perdas a Reportar, poderia ter-se questionado da diferença de procedimento no cálculo de perdas a reportar de 1998 para os outros anos seguintes, todavia, nada fez no sentido de ser esclarecido. 24. Por fim, não entendeu que o valor que compõe a rubrica Perdas a reportar por si só já é um somatório dos valores de perdas (aceites fiscalmente) da sua atividade apuradas alongo dos anos anteriores, logo, a pretensão de vir agora a pretender somar os valores constantes das respetivas liquidações, culmina num erro de duplicação de valores. 25. Perante as diversas notificações das respectivas liquidação de IRS para os anos de 1998, 1999 e 2000, com valores (indevidos) de Perdas a reportar apurados pela AT, supostamente com base nos valores declarados pelo impugnante naqueles anos, cabia ao impugnante verificar se os respetivos valores estariam em conformidade com os valores por si declarados e, caso não os entendesse, cabia aí, pedir esclarecimentos. 26. Do objecto da presente impugnação apenas poderá ser contestado o valor apurado de Perdas a Recuperar (€34.715,38), uma vez que, apenas esse valor vem afetar o acto de liquidação impugnado. 27. Não pode o impugnante contestar, invocando a falta de fundamentação do valor apurado de Perdas a Recuperar, somente pelo facto desse valor não se encontrar em conformidade com os valores apresentados pela AT, a título informativo, nas notificações das liquidações de IRS referente a anos anteriores, relativo à rubrica Perdas a reportar, quando o próprio impugnante, não cuidou em relacioná-los com os valores por si declarados como Perdas naqueles anos. 28. De acordo com o sistema informático da AT, os montantes de Perdas a reportar nas referidas notificações da liquidações de IRS anteriores a 2001, foram apurados da seguinte forma: (segue tabela no original) 29. Como bem se percebe, o lapso cometido para o ano de 1998, ao digitar erroneamente a Categoria C ao invés de Categoria D (aquando da recolha de elementos da Declaração de rendimentos para o sistema informático, cf. fls.22 do processo apenso aos autos), originou duas situações: 1. O valor de Perdas a reportar foi incrementado pelo valor de €34.342,71, quando deveria ter sido somente pelo montante €13.737,08 (€34.342,71 x 40%); 2. Quando, em 2001, estavam em condições de ser deduzidas as perdas (a recuperar) da atividade de Categoria D – atividade empresarial agrícola, o sistema informático não considerou as Perdas obtidas em 1998, por considerar que apenas se reportam à Categoria C. 30. Assim sendo, o sistema informático da AT, em consequência do lapso havido, para efeitos de Perdas a recuperar a utilizar na liquidação de IRS, apenas utilizou o montante de €34.715,38 (excluindo as perdas referentes ao ano de 1998), razão pela qual apresenta na notificação da liquidação de IRS de 2001, a titulo informativo, um valor de perdas a reportar de €34.342,49 [€69.058,08 (a reportar de anos anteriores) - €34.715.38 (utilizados em 2001)] que ainda iria subsistir para os anos seguintes (por terem sido tratadas indevidamente de perdas de categoria C). 31. A impugnante na sua petição inicial (PI) vem contestar, com o fundamento de não fundamentação do ato de liquidação, nos termos do art.º 77.º da LGT, o valor das Perdas a recuperar (€34.715,38) utilizadas na liquidação de IRS, por não estar em conformidade com os quadros apresentados, a título informativo, nas notificações das liquidações de IRS de anos anteriores. 32. Em bom rigor, o que importa para a legalidade do ato de liquidação de IRS de 2001 (ora impugnada) e para efeitos de apuramento de rendimento a tributar da atividade empresarial agrícola (categoria D), é utilizar o montante de Perdas a Recuperar que o impugnante tem direito, em resultado de ter apurado e declarado perdas de anos anteriores (dessa mesma atividade) e que eram passíveis de vir a reportar para o ano de 2001. E foi o que sucedeu com a emissão da nota de liquidação de 2001 ora impugnada (ainda que tenha desconsiderado parte do valor, pelo facto do sistema informático tratar parte do montante de perdas como referente a outra categoria). 33. A AT, após análise do valor contestado (€34.715,38), detectou o lapso cometido quanto ao valor de Perdas a recuperar. Entendeu e bem, que as perdas fiscais havidas, em 1998, com atividade empresarial agrícola, de montante €13.737,08 (€34.342,71 x 40%) não foram incrementar o montante Perdas a recuperar, pelos motivos supra expostos, e que constam da fundamentação da informação junta com a contestação, a fls. 112 a 127 dos autos, decidindo, em 2009.08.27, decidiu revogar parcialmente o acto de liquidação objeto da presente impugnante, nos termos art.º 112 CPPT, com o próposito de considerar as Perdas a Recuperar de montante €48.452,38 – concretização efetuada pela emissão de nova liquidação de IRS para o ano de 2001, com o n.º ..........................., de 2009.11.16. 34. Conforme refere o Acórdão n.º 07854/14 do TCA Sul, de 2015.12.03, na sua conclusão sumária: “A fundamentação da liquidação de I.R.S. efectuada pela Fazenda Pública […] pode ter características sumárias, visto ser consequência legal de declaração de rendimentos apresentada pelos recorrentes, sendo que a lei prevê expressamente tal possibilidade no artº.77, nº.2, da L.G.T.” 35. Ora, se: (a) o impugnante acompanhou apuramento do valor de perdas a recuperar, já que o mesmo foi incrementado pelos resultados negativos apurados (e declarados) na atividade empresarial agricola exercída pelo impugnante em anos anteriores; (b) o impugnante entendeu que a liquidação impugnada enfermava de erro (entretanto já corrigido) por constar valor na rubrica Perdas a recuperar diverso daquele que declarou como perdas obtidas em anos anteriores e, (c) a liquidação impugnada decorre dos valores declarados e diretamente da lei (CIRS), com o devido respeito, não podemos entender estar-se perante falta de fundamentação. 36. No caso em apreço, ao invés do concluído na decisão recorrida e firmado pela decisão sumária do Exmo. Juiz Desembargador Relator, afigura-se-nos que se poderá considerar que a fundamentação do acto tributário em causa se revela compatível com os requisitos enunciados no n.º 2 do art.º 77.º da LGT, particularmente no que respeita à descrição das operações de apuramento do tributo, dado tratar-se de uma liquidação de IRS efetuada com base nos elementos declarados pelo impugnante na sua declaração de rendimentos (do próprio ano e de anos anteriores), pelo que, a fundamentação se há-de traduzir na demonstração do cálculo do imposto, ou seja na descrição das operações relativas ao apuramento do tributo. 37. No caso vertente, resulta claro, que constam da nota de liquidação todas as operações que conduziram ao apuramento do imposto, pelo que o pedido de esclarecimento apresentado pelo impugnante não resultará propriamente da ocorrência de qualquer omissão de informação relativamente aos valores apurados, tratando-se, antes, de uma manifestação de discordância, por parte do mesmo, no respeitante aos valores considerados na liquidação, de igual modo, parece decorrer da leitura da petição inicial, na medida em que o impugnante não deixa de evidenciar um conhecimento adequado das razões que terão determinado a efectivação da liquidação em causa. 38. Nestes termos, deverá considerar-se cumprido o dever de fundamentação legalmente imposto à AT relativamente aos valores que integram uma liquidação de IRS que traduzem os valores declarados pelos sujeitos passivos. 39. E ainda que dessa liquidação possa resultar erros nos valores apurados, cabe ao impugnante, como bem veio a fazê-lo, acionar meios para sua defesa, e cabe à AT proceder à sua retificação, como veio a fazê-lo, quando nos termos do art.º 112.º do CPPT revogou parcialmente o ato de liquidação impugnado, razão pela qual se concluí, no que respeita à fundamentação do ato tributário em apreço, a sentença e a decisão sumária ora proferida fizeram uma aplicação inadequada do estabelecido no n.º 2 do art.º 77.º da LGT. 40. E, ainda que assim não se entenda, a considerar-se haver vício por falta de fundamentação do valor que constitui as Perdas a recuperar na liquidação ora impugnada, não pode culminar na anulação total do ato de liquidação impugnado, porquanto esse mesmo vício não afeta os rendimentos declarados pelo impugnante e corretamente liquidados pela AT, conforme expressa a impugnante no seu pedido de esclarecimentos (cf. Doc.3, a fls. 10 dos autos). 41. Todavia, o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Relator pronunciou-se no sentido de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, que determinou a anulação do ato de liquidação. 42. Assim sendo, deve a presente decisão sumária ser revogada e, consequentemente, sobre a matéria aqui posta em crise ser proferido acórdão. Termos pelos quais se requer que seja deferida a presente reclamação e, consequentemente, seja revogada a decisão sumária (de 27 de fevereiro de 2019) do Exmo. Sr. Juiz Desembargador Relator, devendo, a mesma, ser substituída por acórdão que julgue a impugnação improcedente.”
Na sequência de parecer da Exma. Procuradora da República, foi ordenada a convolação em impugnação judicial, por despacho de 14/10/2008, corrigido por despacho de 9/3/2009 (fls. 87 e 96). Por sentença de 13/2/2012 a Impugnação foi julgada procedente, refletindo a seguinte fundamentação: “Nos termos do n°2 do artº 77°, da LGT, “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo». Sendo certo que as operações de apuramento da matéria tributável não precisam de ser explicadas ao sujeito passivo no caso de o apuramento se fazer com base na declaração por ele apresentada, a verdade é que as operações de apuramento do tributo carecem, ainda assim, de ser explicitadas. No caso dos autos, tendo a Administração tributária informado o impugnante no documento de cobrança relativo a IRS/2000 (consta de fls. l3), de que o montante de «Perdas a reportar» era de €69.057,87 não explica depois minimamente ao impugnante, no documento de cobrança relativo ao IRS/2001, por que é que, face àquele valor de «Perdas a reportar» calculou o montante de «Perdas a recuperar» em €34.715,38, mantendo €34.342,49 de «Perdas a reportar». Ou seja, não dá a conhecer ao impugnante, bem que sucintamente, as operações de apuramento do imposto em €39.260,80 (vd. fls. 14). E note-se que, apesar de o impugnante ter pedido esclarecimentos sobre o cálculo do imposto de 2001 e de «perdas a recuperar» (em 20/11/2003, com insistência em 02/08/2004 - fls. 10 e 15 dos autos), a Administração tributária não lhe prestou qualquer informação, em claro desvio ao princípio da colaboração estabelecido no artº 59°, da LGT. Em reapreciação do acto de liquidação, já em sede de contestação à presente impugnação, veio a corrigir o montante de «Perdas a recuperar» de €34.715,38 para €48.452,37 por inclusão do valor de €13.737,00 correspondente a 40% do valor de «Perdas a reportar» relativo a 1998, valor este que não havia sido anteriormente considerado «por existir um erro de digitação da declaração correspondente ao exercício de 1998 com influência na liquidação de 2001» (vd fls. 123). Resulta do exposto que o acto tributário impugnado não contém a fundamentação legal nomeadamente. no que respeita às operações de apuramento do tributo. E a circunstância de a Administração tributária ter vindo, depois de apresentada a impugnação, a corrigir favoravelmente ao contribuinte o montante de «perdas a recuperar» alterando o montante da liquidação, só ilustra a relevância do elemento omitido do acto no caso vertente e a falta absoluta de ponderação decisória a que conduziu a ausência total de fundamentação do acto quanto às operações de apuramento do tributo. (...)” O Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda. Considera que o acto está fundamentado particularmente no respeitante à descrição das operações de apuramento do tributo, dado tratar-se de uma liquidação de IRS efectuada com base nos elementos declarados pelo impugnante. E que resulta manifesto constarem da nota demonstrativa todas as operações que conduziram ao apuramento do imposto, pelo que o pedido de esclarecimento apresentado pelo impugnante não resultará propriamente da ocorrência de qualquer omissão de informação relativamente aos valores apurados, tratando-se antes de uma manifesta discordância por parte do mesmo (...). Dos termos da petição inicial resulta que o impugnante não deixa de evidenciar um conhecimento adequado das razões que terão determinado a efetivação da liquidação em causa. Salvo o devido respeito, o Recorrente não tem razão. É sabido que a falta ou insuficiência de fundamentação formal do acto se verifica quando o respectivo acto não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório. A falta ou insuficiência de fundamentação formal não se confunde com o vício decorrente de erro sobre os pressupostos que ocorre quando, apesar de o autor do acto ter dado a conhecer as razões em que suporta a decisão, tais razões não são, todavia, apropriadas ou suficientes ou demandavam diversa solução (noção que corresponde à falta de fundamentação substancial)[1]. O direito à fundamentação formal, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, decorria já do art. 1º, nº 1, als. a) e c) do DL nº 256-A/77, de 17/6 e tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP - art. 268º (cfr. abundante jurisprudência do STA relativa a esta matéria bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss.) - tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA, arts. 152º a 154º do novo CPA e artº. 77º/1-2 da LGT (acto administrativo tributário). E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (ac. do STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente. Ou seja, a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. E caso a fundamentação seja feita por remissão (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta), estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo. O acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma. Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. E cumpre-se “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (Cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02. – itálico e sublinhado nosso). Portanto, é essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro, na medida em que ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime. Concretamente para o caso em análise, a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13- itálico e sublinhado nossos). A violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade da mesma, e são fundamento de subsequente anulação. A menos que se demonstre que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do accto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o destinatário se apercebeu corretamente do seu alcance, como acima referimos. Retomando o caso em apreço, o Impugnante confrontado com a liquidação de IRS relativa a 2001, constatou “incoerência nos números que serviam de base ao cálculo da colecta” e solicitou à DF de Lisboa esclarecimentos sobre os valores que foram considerados no respetivo cálculo. Em especial, pretendia ser esclarecido como foram considerados e reportados os prejuízos dos anos anteriores e encontrados os valores de 2001, uma vez que nas “contas” do contribuinte os valores das perdas a recuperar seriam de € 40.174,00 e não € 34.715,38 como consta do documento de cobrança. A AT porém, nada disse. Mas o contribuinte insistiu no mesmo pedido alertando que o esclarecimento pedido seria necessário porque “...dele depende a posição a tomar sobre a referida liquidação”. Não obstante a insistência, a AT manteve-se silente. Interposta a ação, e já no decurso desta (a ação foi apresentada em 27//2004 e o despacho que revoga parcialmente a liquidação foi proferido em 27/8/2009), a AT revogou parcialmente o acto por forma a permitir a recuperação de perdas da actividade agrícola provenientes do exercício de 1998, no montante de € 13.737,00, o que irá provocar um aumento das perdas a Recuperar na liquidação do ano de 2001, passando esse valor de € 34.715,38 para € 48.452,38” Perante este cenário, a AT considera que a liquidação impugnada está fundamentada na medida em que o contribuinte evidencia um conhecimento adequado das razões que terão determinado a efetivação da liquidação em causa. Mas sem razão, como parece evidente. Temos por certo que o contribuinte se esforçou por conhecer as razões que terão determinado a efectivação da liquidação impugnada. Mas de maneira nenhuma podemos concluir que evidencia um conhecimento adequado das razões que terão determinado a efetivação da liquidação em causa. Fundamentar é esclarecer, explicar, ainda que sucintamente (ou por adesão a anteriores pareceres – cfr. art. 77º/1 LGT) as razões de facto e de direito para determinado acto tributário. Se acto não é claro, por obscuridade, contradição ou insuficiência, ele não está fundamentado. No caso dos autos, manifestamente o acto impugnado não é claro por insuficiência de esclarecimento quanto às perdas a recuperar que na perspetiva do contribuinte seriam de € 40.174,00, mas na liquidação é apresentado um valor de € 34.715,38. Esta divergência não configura um caso de erro ou insuficiência de fundamentação substancial. O Contribuinte não tomou, à partida, a posição de que a parcela relativa às perdas a recuperar seria de € 40.174,00 e não € 34.715,38, caso em que poderia haver erro sobre os pressupostos de facto, a relevar para a fundamentação substancial. Pelo contrário, o Contribuinte pede esclarecimentos para poder tomar posição sobre a liquidação. Esclarecimentos para decidir se pode ou não conformar-se com a liquidação, se pode ou não aceitar o iter cognoscitivo da AT que a levou àquele cálculo, o que nos situa ainda no âmbito da fundamentação formal, pois é no cálculo que falha o dever de fundamentação da AT. Resta acrescentar não ser admissível, em face do que dos autos consta, o entendimento de que não obstante as insuficiências de fundamentação, tenha sido atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste dever, designadamente por o destinatário se aperceber corretamente do seu alcance. Perceção que, como vimos, não é minimamente segura. Concluindo, a sentença decidiu bem; o Recorrente não tem razão.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Lisboa, 24 de janeiro de 2020.
(Patrícia Manuel Pires) (Cristina Flora) -------------------------------- [1] Ac. do STA n.º 01255/16 de 08-11-2017 Relator: CASIMIRO GONÇALVES Sumário: I - As características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico). |