Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1331/09.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA
ARTIGO 61º DO CIRC/ SUBCAPITALIZAÇÃO
ARTIGO 63º DO CPPT/ APLICAÇÃO DAS NORMAS ANTIABUSO
IRC
SUBCAPITALIZAÇÃO
DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - O recurso não versa exclusivamente matéria de direito se, nas suas conclusões, se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
II - A subcapitalização pode ser definida como a situação de "endividamento excessivo" de uma entidade residente para com entidades não residentes com as quais existam relações especiais.
III – De acordo com o artigo 61º, nº 1 do CIRC (na redacção à data), a consequência desse excesso de endividamento é a não dedutibilidade fiscal dos juros pagos por uma entidade residente relativos à parte considerada em excesso.
IV - O regime de subcapitalização vertido no CIRC reveste a forma de uma cláusula anti-abuso especifica no âmbito das correcções para efeitos de determinação da matéria tributável, das entidades sujeitas a IRC.
V – Contrariamente ao decidido pelo TAF, para efeitos da aplicação do regime da subcapitalização (previsto no, então, artigo 61º do CIRC), não se impunha à AT que lançasse mão do procedimento específico previsto no artigo 63º do CPPT, por inaplicável no caso concreto.
VI - A aplicação do artigo 61º do CIRC, pondo em causa a dedutibilidade dos custos respeitantes aos juros pagos a uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante, nessa medida inquinando a determinação do lucro tributável de tal empresa, o que não sucederia caso fossem pagos a um residente, o artigo 61 viola o nº 4 do artigo 26 da Convenção Sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América. dessa forma violando o artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP.
VII - O artigo 61º do CIRC, sendo uma medida anti-abuso que estabelece uma distinção arbitrária entre entidades residentes e entidades não residentes em território português para efeitos de dedução de juros de empréstimos celebrados pela sociedade viola o princípio de livre circulação de capitais que o artigo 63 do TSFUE garante bem como o artigo 8º nº4 da CRP.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

S... Portugal, Lda, com os demais sinais dos autos, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra o acto tributário n.º 2008 85..., referente ao IRC do exercício de 2004, o qual resultou da desconsideração como custos dos juros pagos a uma entidade não residente, por aplicação das regras respeitantes à subcapitalização, previstas, à data, no artigo 61º do CIRC, a qual foi julgada procedente, com a consequente anulação do acto contestado.

A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional, o qual foi decidido pela ora Relatora.

Notificada da decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 656º do CPC, nos termos da qual foi concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e, em substituição, julgada procedente a impugnação judicial e anulado o acto tributário impugnado, a Fazenda Pública veio reclamar para a conferência de tal decisão, nos termos do disposto no artigo 652º, nº 3 do CPC, pedindo que sobre a decisão proferida recaia um acórdão – “Termos pelos quais se requer que seja deferida a presente reclamação e, consequentemente, ser proferido acórdão que julgue o presente recurso”, lê-se na presente reclamação.

No entendimento da Fazenda Pública, ora Reclamante, não foi cumprida a formalidade prevista no artigo 665.º do CPC que manda ouvir as partes numa situação como a presente. Por outro lado, o artigo 656.º limita o âmbito das decisões sumárias para as questões mais simples, o que não se afigura o caso.

Por tudo isto, a Reclamante pede o “reexame da questão através de Acórdão…”.


*

Notificada a parte contrária, a mesma nada disse.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público foi notificado, pronunciando-se nos seguintes termos: “Porque requerido em tempo, nada tenho a opor a que os autos sejam levados à conferência”.

*

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência.

*

O instituto da reclamação para a conferência, actualmente previsto no artigo 652º, nº 3, do CPC, fundamenta a sua existência no carácter de tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes.

Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode dele reclamar para a conferência. O que se visa com a reclamação é, afinal, a substituição do órgão excepcional (o relator) pelo órgão normal (a conferência como tribunal colectivo) para proferir determinada decisão.

Vejamos, então.

É o seguinte o teor da decisão sumária reclamada:

“(…)

I – RELATÓRIO

S... Portugal, Lda, com os demais sinais dos autos, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra o acto tributário n.º 2008 85..., referente ao IRC do exercício de 2004, o qual resultou da desconsideração como custos dos juros pagos a uma entidade não residente, por aplicação das regras respeitantes à subcapitalização, previstas, à data, no artigo 61º do CIRC.

Na sentença de fls. 603 a 638, julgou-se a impugnação judicial procedente e, consequentemente, foi anulado o acto contestado.

Inconformada, veio a Fazenda Pública recorrer para este TCA, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença declaratória da procedência da impugnação deduzida na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa que apresentou contra a liquidação n° 2008 85..., referente ao exercício de 2004, a qual resultou na desconsideração como custos dos juros pagos a uma entidade não residente, por excesso de endividamento, nos termos do disposto no n° 1 e 6 do art.61° do CIRC, por aplicação das regras de subcapitalização àquelas operações.

II. A douta sentença ora recorrida entendeu que:

"A questão em análise prende-se com o enquadramento fiscal da subcapitalização das entidades sujeitas a IRC, da sua inserção nas normas sobre abuso de direito e respectivas cláusulas anti-abuso, especificamente criadas pelo legislador tributário e da obrigatoriedade de recurso ao procedimento especial para a sua aplicação vertido no CPPT e da sua compatibilidade com as convenções destinadas a eliminar a dupla tributação"

III. Entendeu ainda a douta sentença que:

"Assim sendo, torna-se óbvio que o regime de subcapitalização vertido no CIRC, se insere neste tipo de conceito de abuso de direito. Mas se assim é, também resulta claro que, não se tratando de uma, cláusula geral anti-abuso como se encontra desenhado no n° 2 do art.38° da LGT, ela reveste necessariamente a forma de uma clausula anti-abuso especifica no âmbito das correcções para efeitos de determinação da matéria tributável, das entidades sujeitas a IRC (cf. art. 58° e segs. do CIRC"

IV. Tendo concluído que:

"Face ao exposto e tendo em consideração os factos apurados, verifica-se que a AT não deu cumprimento ao disposto no procedimento próprio a que se refere o art. 63° do CPPT, face ao requerimento mencionado na alínea C), nomeadamente a autorização a que se refere o n° 7, pelo que se verifica uma preterição de formalidade essencial.

V. A fundamentação da AT da desconsideração da demonstração pretendida pela impugnante quanto à existência de idêntico nível de endividamento e em condições análogas, se recorresse a uma entidade independente, compreendendo elementos retirados da própria empresa e elementos externos, não é suficiente. Impunha-se à AT a obtenção e/ou a solicitação de outros elementos relevantes que permitissem aferir da sua conformidade com as condições de mercado, maxime os níveis de endividamento de empresas comparáveis no âmbito da sua actividade, outras declarações de entidades financeiras não necessariamente prévias ao recurso ao financiamento externo (para a demonstração de que o contribuinte poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas) de uma entidade independente."

VI. E decidiu que:

"A AT não aplicou o procedimento previsto no art.63° do CPPT. Na verdade, a AT não cumpriu com qualquer dos requisitos estabelecidos naquela norma quando aplicou o art.61° do Código do IRC e liquidou o respectivo imposto. Face ao exposto, o acto de liquidação impugnado deve ser anulado por preterição de formalidades essenciais, consubstanciadas na violação do procedimento previsto no art.63° do CPPT"

VII. Com o devido respeito e salvo melhor opinião não concordamos com tal decisão, pelo que contra a sentença recorrida convocamos a seguinte argumentação:

VIII. Encontra-se em apreciação nos autos a legalidade do acto de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do ano de 2004, a qual resultou de uma inspecção que a AT efectuou à Impugnante e que assenta em correcções relativas a excesso de endividamento e a percentagem de juros considerados como não dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

IX. Importa, então delimitar, as questões relevantes e dadas como assentes na douta sentença recorrida:

a) A impugnante constituiu-se como sociedade subsidiária de uma entidade não residente em território português, a M... Inc., sociedade com sede nos Estados Unidos que detém 99,998% do capital social da Impugnante, tendo obtido desta um financiamento para investimento na sua actividade comercial, do qual resultou um endividamento no valor global de € 74.000.000,00;

b) O objecto social da Impugnante é "abertura, montagem, promoção, gestão, administração, compra, venda, arrendamento, aluguer e cessão de exploração, exploração e licenciamento de direitos de autor, marcas, patentes e segredos de industria e comércio e em geral, de quaisquer direitos de propriedade industrial" a que corresponde o CAE 55306 - restaurantes não especificados (restauração rápida -fast food);

c) Tendo a impugnante, excedido o rácio de endividamento previsto nos n°1 e 3 do art.61° do CIRC, apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto nos n°6 e 7 do referido artigo, um requerimento em 27-01-2005, onde pretende demonstrar que o nível e condições de endividamento junto da M... R... Inc, entidade não residente com a qual tem relações especiais, são análogos aos que poderiam ser obtidos caso tivesse optado por se financiar junto de uma instituição financeira independente;

d) A Impugnante foi alvo de uma acção de fiscalização, concluída a 30-07-2008, que incidiu sobre o exercício de 2004, que aqui se dá como reproduzido, tendo a Inspecção Tributária considerado que o sujeito passivo não deu cumprimento ao disposto no n° 6 do art.61° do CIRC, pelo que se deveria aplicar o n° 1 do mesmo artigo, resultando correcções à matéria colectável quanto aos juros suportados em excesso;

e) A Impugnante foi notificada pelo ofício n° 86816, de 11-11-2008 do Relatório da Inspecção Tributária, no qual se explicitam os fundamentos das "correcções meramente aritméticas" efectuadas ao exercício de 2004, no montante de € 2.614.595,56, conforme consta do relatório e da douta sentença e que aqui se dão por reproduzidos.

f) Na sequência da acção de fiscalização foi a Impugnante notificada da liquidação de IRC n° 2008 850..., recebida em 05-12-2008, referente ao exercício de 2004, e ainda da respectiva demonstração de compensação n° 2008 0000..., na qual foi apurado um saldo de imposto a pagar de 3.332.614,66 euros.

g) A Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação referida, a qual foi indeferida por despacho de 30-10-2009.

X. A Impugnante apresentou o pedido de excepção à regra de subcapitalização, pelo facto de ter excedido o coeficiente a que se refere o art.61°, n° 3 do CIRC.

XI. Os Serviços de Inspecção Tributária consideraram que o montante de € 2.614.595,56 não podia ser aceite para efeitos de dedução à matéria colectável de IRC pelo facto de ser excessivo face às regras de subcapitalização previstas no art.61° do CIRC.

XII. Consideraram ainda os Serviços de Inspecção que a Impugnante não logrou provar que os empréstimos contraídos entre a Impugnante e a sociedade M... R... Inc se justificavam e que haviam sido contratados em condições e termos idênticos aos que seriam contratados em condições normais de mercado.

XIII. Estabelece o art.61° (actual 67°) do Código de IRC, com a epígrafe "Subcapitalização" que:

"l — Quando o endividamento de um sujeito passivo para com entidade que não seja residente em território português ou em outro Estado -membro da União Europeia com a qual existam relações especiais, nos termos definidos no n.° 4 do artigo 58.°, com as devidas adaptações, for excessivo, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável. (...)

3 — Existe excesso de endividamento quando o valor das dívidas em relação a cada uma das entidades referidas nos números anteriores, com referência a qualquer data do período de tributação, seja superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio do sujeito passivo. "

XIV. Dúvidas não restam que a Impugnante no ano de 2004 excedeu o rácio de endividamento a que se refere o n° 3 do art.61° do CIRC através de empréstimos contraídos com a M... R... Inc., sociedade que detêm 99,998% do capital social da Impugnante.

XV. Foram considerados excessivos 71,10% dos juros no montante de 2.614.595,56.

XVI. Dispõe o n° 6 do art.61° do CIRC que:

"6 — Com excepção dos casos de endividamento perante entidade residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, não é aplicável o disposto no n.° l se, encontrando-se excedido o coeficiente estabelecido no n.° 3, o sujeito passivo demonstrar, tendo em conta o tipo de actividade, o sector em que se insere, a dimensão e outros critérios pertinentes, e tomando em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvimento das entidades com as quais tem relações especiais, que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente.

7 — A prova mencionada no número anterior deve integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.° "

XVII. Cabia à Impugnante provar que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento em condições análogas de uma entidade independente, o que não logrou fazer.

XVIII. Estes factos foram dados como provados na douta sentença recorrida.

XIX. É unânime a posição de que o regime de subcapitalização previsto no art.61° do CIRC se enquadra no conceito de abuso de direito. Mas também é posição assente da doutrina que não se tratando de uma cláusula geral anti-abuso como se encontra plasmada no n° 2 do art.38° da LGT, ela reveste a forma de uma cláusula anti-abuso específica no âmbito das correcções para efeitos de determinação da matéria colectável das entidades sujeitas a IRC. Neste sentido veja-se Jorge Lopes de Sousa, in "CPPT anotado" e Casalta Nabais in "Direito Fiscal.

XX. Questão diferente é a de saber se, sendo o regime de subcapitalização ínsito no art.61° do CIRC reveste a forma de uma cláusula anti-abuso específica, exige a aplicação do procedimento previsto no art.63° do CPPT.

XXI. Estabelece o art.63° do CPPT epigrafado "Aplicação das normas anti-abuso" que:

" 1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições anti-abuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.

2 - Consideram-se disposições anti-abuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

3-O procedimento referido n.° 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso."

XXII. As cláusulas anti-abuso tem por finalidade prevenir e reprimir as crescentes práticas de evasão e fraude fiscais. Cláusulas que se apresentam como cláusulas especiais e cláusulas gerais.

XXIII. Casalta Nabais in "Direito Fiscal" afirma:

"Relativamente às assim chamadas cláusulas especiais anti-abuso, é de referir que encontramos no CIRC toda uma série de cláusulas tais como: as que permitem à administração tributária não aceitar os preços declarados nas transacções entre sociedades com relações especiais quando os mesmos não respeitem as regras relativas a preços de transferência (art.58°) (...), a que imputa aos sócios residentes em território português os lucros obtidos por sociedades sedeadas em paraísos fiscais (art.60°), a que cria limitações para a relação entre capital próprio e outros financiamentos em empresas de capital pertencente a não residentes, obstando assim à subcapitalização (art.61°)"

XXIV. Todavia, continua o referido autor, "nem todas estas disposições podem ser tidas por cláusulas anti-abuso, pois, pelo menos algumas delas como as dos artigos 59°, 60° e 61° do CIRC limitam-se a estabelecer presunções a afastar através de procedimento do art.64° do CPPT, e não cláusulas a aplicar seguindo o procedimento de aplicação de normas anti-abuso previsto no art.63° do CPPT." (sublinhado nosso)

XXV. Da mesma opinião partilha Jorge Lopes de Sousa, in "Código de Procedimento e Processo Tributário" anotação ao art.63° onde afirma: "Disposições especiais usualmente qualificadas como normas anti-abuso encontram-se nos artigos 59°, 60° e 67° (anterior 61°) - subcapitalização, do CIRC. No entanto, trata-se de normas que não se enquadram na hipótese deste art.63° do CPPT, em face da definição dada no seu n°2." (sublinhado nosso)

XXVI. Ora, de facto o n° 2 do art.63° estabelece quais as normas anti-abuso que seguem o procedimento estabelecido neste artigo, sendo que considera para tal "quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos."

XXVII. O endividamento excessivo (subcapitalização) estabelecido no art.61° do CIRC não é uma norma que consagre ineficaz perante a AT negócios jurídicos praticados com manifesto abuso das formas jurídicas dos quais resultem redução ou eliminação de tributos.

XXVIII. O art.61° do CIRC apenas se limita a estabelecer presunções, presunções que podem ser afastadas pelo sujeito passivo nos termos do art.64° do CPPT.

XXIX. Também a posição da Administração Fiscal vai no mesmo sentido, conforme Despacho do Director Geral dos Impostos de 17-01-2004 - Proc.771/2002, onde se afirma:

"Do espectro de medidas anti-abuso consagradas no CIRC, apenas está sujeita ao procedimento a que se refere o art.63° do CPPT, a prevista no n° 10 do art.67°. Não é de aplicar tal procedimento a outras disposições que não reunam as características estabelecidas no n° 2 do citado art.63° do CPPT, designadamente às medidas constantes dos artigos 58°, 59°, 60° e 61° do Código do IRC, já que as mesmas não só não se ajustam à delimitação conceituai acima referida, como também, contêm elas mesmas, um procedimento tendencialmente completo em que os direitos e garantias dos contribuintes se encontram plenamente assegurados"

XXX. Posto isto, parece não ocorrer a preterição de formalidades essenciais, consubstanciada na violação do procedimento do art.63° do CPPT, alegada pela Impugnante e confirmada na sentença recorrida, padecendo a mesma, em nosso entender, de erro de julgamento.

Nestes termos e com o douto suprimento de Vas Exas, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente Impugnação, assim se fazendo a habitual

JUSTIÇA»

*

A Recorrida contra-alegou, tendo concluído do seguinte modo:

A. O Tribunal ad quem é incompetente em razão da hierarquia, uma vez que a Recorrente não efectua qualquer pedido de alteração da matéria fáctica nem sobressai das conclusões das respectivas alegações qualquer facto, que tenha sido invocado como fundamento da pretensão da Recorrente, que não tenha suporte na decisão recorrida.

B. Deve ser mantida a douta sentença recorrida, que decidiu pela anulação do acto de liquidação impugnado pela ora Recorrida por preterição de formalidades essenciais, consubstanciadas na violação do procedimento especial previsto no artigo 63.° do CPPT.

C. Isto porque a norma da subcapitalização é considerada unanimemente pela doutrina como uma cláusula específica anti-abusiva, de onde se pode concluir que se insere no âmbito de aplicação do referido artigo 63.° do CPPT.

D. Caso assim não se entenda (o que apenas se admite por mero dever de patrocínio), deverão ser conhecidas as restantes ilegalidades suscitadas na p.i., nos termos do n.° 3 do artigo 149.° do CPTA, ex vi artigo 2.° do CPPT.

E. A Recorrente apresenta doutrina contra a aplicação do procedimento especial previsto no artigo 63.° do CPPT ao presente caso, sem no entanto se dar conta que esta mesma doutrina apenas assim o faz porque considera que o regime de subcapitalização não é mais do que uma presunção legal, sendo-lhe aplicável o regime do artigo seguinte, ou seja, o artigo 64.° do CPPT.

F. Acontece que, também pela aplicação do artigo 64.° do CPPT, a liquidação é ilegal visto que a Recorrida apresentou requerimento de abertura de procedimento contraditório próprio, nos termos do n.° 6 do artigo 61.° do Código do IRC e do artigo 64.° do CPPT, tendo o mesmo sido tacitamente deferido, por força do n.° 3 desta última norma.

G. Assim, a liquidação impugnada ou é ilegal por preterição de formalidades essenciais previstas no artigo 63.° do CPPT ou é necessariamente ilegal por violação do artigo 64.° do CPPT e dos artigos 108°, 140° e 141° do CP A, sendo que o próprio RFP reconhece, nas suas alegações de recurso, que era aplicável o artigo 64.° do CPPT.

H. Qualquer interpretação do artigo 64.° do CPPT que exclua da sua aplicação o presente caso configurará uma inconstitucionalidade, por violação do princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos por parte da Administração neste caso concreto, e ainda da actuação com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, previstos nos n.°s l e 2 do artigo 266.° da CRP.

I. Isto porque, ao nunca responder ao requerimento de abertura de procedimento contraditório próprio apresentado pela Recorrida, para vir quase 4 anos depois desconsiderar o aí exposto por via de inspecção, configura um venire contra factum proprium inaceitável e inconstitucional por parte da Administração Tributária.

J. A sentença recorrida não considerou provado, nem considerou especificamente por provar, o facto das condições estabelecidas nos empréstimos entre a Recorrida e a sua casa-mãe serem ou não análogas às condições estabelecidas entre entidades independentes, que é a questão substantiva central nos autos, por força do n.° 6 do artigo 61.° do Código do IRC.

K. No entanto, a sentença recorrida considera que "dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da /actualidade supra descrita", tendo no entanto, em momento prévio, prescindido da inquirição da testemunha arrolada, cujo depoimento incidiria precisamente sobre este facto, com fundamento em que os autos "continham todos os elementos necessários à decisão".

L. Não pode o Tribunal a quo prescindir da testemunha com fundamento no facto de considerar que os autos contêm todos os elementos... para depois dar por não provado nos autos o facto em relação ao qual a testemunha ia depor, sob pena de violar o princípio do inquisitório e o artigo 511.°, n.° l do CPC.

M. A aceitação desta tese, a saber, a não inquirição da testemunha arrolada, com o fundamento utilizado pelo Tribunal a quo, e a consequente consideração do facto sobre o qual a mesma iria depor como não provado, redunda na inconstitucionalidade do princípio do inquisitório assim interpretado, por violação do princípio da tutela efectiva.

N. Assim, entende a Recorrida que este Alto Tribunal deverá considera o facto provado, tendo em conta a prova documental produzida, ou então deverá considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.°, n.° 4, do CPC, por força dos arts. 792.° e 749.°, do mesmo Código, e 1.°, do CPPT).

O. Tendo a Recorrida juntado aos autos as cotações fornecidas pelo B..., M... e B..., bem como o Relatório D..., elaborado nos termos do artigo 58.° do Código do IRC e da Portaria n.° 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, e os financiamentos concedidos à Recorrida por 4 instituições de crédito (B... Bank, B..., B... e S...), todos eles demonstrando que as condições praticadas com a sua casa-mãe foram condições de mercado, e não tendo a Administração Tributária apresentado um único - repita-se, um único - elemento de prova em contrário, deverá ser efectuado, com fundamento no disposto no artigo 712.° n.° l alínea a) do CPC, aplicável ex vi artigos 749.° e 762.° do mesmo Código, todos aplicáveis por força do disposto no artigo 281.° do CPPT, o aditamento de uma alínea à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, o que se requer e para a qual se sugere a seguinte redacção: "As condições praticadas nos financiamentos entre a Impugnante a M... Inc. são análogas às praticadas por entidades independentes".

P. Estando este facto provado, é mister concluir que a liquidação deve seguir anulada, uma vez que viola a lei, visto que o n.° l do artigo 61.° do Código do IRC não é aplicável ao caso concreto, por força do seu n.° 6.

Q. Mesmo que assim não se entenda, é forçosamente de concluir que exista uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, devendo o acto impugnado ser anulado, nos termos do n.° l do artigo 100.° do CPPT.

R. Tal resulta inelutável da constatação de que a Administração Tributária não juntou qualquer documento, informação, análise, estudo comparativo ou elemento que contradissesse os meios de prova apresentados pela Recorrida sobre as condições de mercado dos financiamentos obtidos junto da sua casa-mãe.

S. Mas mesmo que não se entenda que o facto está provado, e mesmo que se entenda também pela não aplicação do n.° l do artigo 100.° do CPPT, então deverá este Alto Tribunal considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.°, n.° 4, do CPC, por força dos arts. 792.° e 749.°, do mesmo Código, e 1.°, do CPPT).

T. A liquidação viola ainda o disposto nos n°s 4 e 5 do artigo 26.° da CDT celebrada entre Portugal e os EUA, sendo por conseguinte inconstitucional por violação do artigo 8.° da Constituição, uma vez que estabelece uma discriminação entre juros pagos a residentes e juros pagos a um residente nos EUA, algo que não é permitido pela CDT, conforme explicitamente referem os Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE.

U. E não se argumente contra o exposto referindo que o n.° 8 do artigo 11.° da CDT celebrado entre Portugal e os EUA permite a aplicação do n.° l do artigo 61.° do Código do IRC.

V. O n.° 8 do artigo 11.° da CDT permite apenas a desconsiderar fiscalmente o excesso de juros pagos entre entidades relacionadas, quando comparado com os juros que seriam pagos entre entidades independentes; pelo contrário, o n.° l do artigo 61.° do Código do IRC permite desconsiderar muito mais: todos os juros que decorrem de empréstimos que excedam o dobro da participação no capital próprio.

W. De acordo com a norma da CDT, a Administração Tributária teria de analisar qual o montante de juros que não seria pago entre entidades independentes (e desconsiderar esse excesso), sublinhando-se que este "excesso de juros" nada tem que ver com o ''endividamento excessivo" referido no regime da subcapitalização da nossa lei interna: um diz respeito aos juros pagos em excesso face às condições de mercado, e o outro tem a ver com o limite de endividamento a partir do qual se aplica o regime.

X. A Administração Tributária apenas calculou quais os juros relativos a empréstimos que excedem o dobro da participação no capital, e desconsiderou todos esses juros, violando-se assim explicitamente o estabelecido na CDT, até porque a Administração Tributária nunca chegou a referir qual seria o juro de mercado, ou seja, o juro que seria praticado entre entidades independentes.

Y. Resulta do exposto que a liquidação impugnada é também violadora da CDT e, por conseguinte, do artigo 8.° da CRP.

Z. O valor do recurso indicado pela Recorrente não decorre das normas aplicáveis.

Nestes termos, e com o doutro suprimento de V. Exas., não deverá ser dado provimento ao presente recurso ou, procedendo o mesmo, deverá ser anulada, nos termos do n.° 3 do artigo 149.° do CPTA, ex vi artigo 2.° do CPPT, a liquidação impugnada ou considerar-se que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anulando-se a sentença oficiosamente.»

*

A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer pugnando pelo provimento do recurso jurisdicional.

*

Pelo, então, Relator foi suscitada questão da eventual intempestividade da petição inicial de impugnação judicial. As partes foram notificadas para sobre tal se pronunciarem, tendo a Recorrida, Impugnante, sustentado a tempestividade da impugnação, juntando, para tanto, um documento. Dos elementos juntos foi dado conhecimento à parte contrária.

A fim de obter a confirmação de elementos relativos à data de apresentação da impugnação, foi ordenada a baixa dos autos à 1ª instância, tendo os mesmos sido instruídos em conformidade e devolvidos ao TCA.

*

Nada obsta, agora, à decisão.

*

II - FUNDAMENTAÇÃO

- Factos

A Sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade com relevo para a decisão:

A) A impugnante constituiu-se como sociedade subsidiária de uma entidade não residente em território português, a M... R... Inc., sociedade com sede nos Estados Unidos (doravante "M... Inc."), que detém 99,998% do capital social da Impugnante, tendo obtido desta um financiamento para investimento na sua actividade comercial, do qual resultou um endividamento no valor global de € 74.000.000,00. - cfr art°s 27° a 32° da p.i, e Relatório da I.T. de fls. 81 a 124, dos autos.

B) O objecto social da Impugnante é "a abertura, montagem, promoção, gestão, administração, compra, venda, arrendamento, aluguer e cessão de exploração de restaurantes, podendo para o efeito adquirir ou conceder licenças ou sub-licenças e celebrar contratos de franquia; faz parte ainda do objecto social, a compra, venda, arrendamento, administração e posse de prédios urbanos e a aquisição, transmissão, exploração e licenciamento de direitos de autor, marcas, patentes e segredos de indústria e comércio e, em geral, de quaisquer direitos de propriedade industrial" a que corresponde o CAE 055306 - restaurantes não especificados - [restauração rápida (fast food)] (conforme fls. 86 dos autos).

C) Considerando a impugnante, que se encontrava numa situação de excesso de endividamento perante aquela entidade, face à média de capital próprio por si apresentada naquele ano de 2004, em 27-01-2005 apresentou um requerimento à AT, nos termos do disposto nos n°s 6 e 7, do art° 61° do CIRC, para efeitos de demonstração de equivalência de endividamento perante uma entidade independente, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido. - cfr. doc. de fls. 66 a 78 dos autos.

D) A Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção tributária, concluída a 30 de Julho de 2008, que incidiu sobre o exercício de 2004, cujo Parecer e Despacho proferido sobre o Relatório elaborado pela Inspecção Tributária (RIT) se dá aqui por reproduzido, no âmbito da qual foi considerado que o sujeito passivo não deu cumprimento ao disposto no n°6, do art° 61° do CIRC, pelo que se deverá aplicar o n° 1 do mesmo artigo, resultando correcções à matéria colectável quanto aos juros suportados em excesso, com base na Informação prestada pela D.S.l.R.C., sob a qual foi proferido Despacho de concordância pelo Subdirector-Geral da DGCI em 28-02-2008 (cfr. fls. 24 a 66, do PAT apenso aos autos).

E) A Impugnante foi notificada, pelo Ofício n.° 86816, de 11/11/2008, do Relatório de Inspecção Tributária, no qual se explicitam os fundamentos das "correcções meramente aritméticas" efectuadas ao exercício de 2004, no montante de € 2.614.595,56, da seguinte forma:

«11-3-3-1- SUBCAPITALIZAÇÃO

A M... Portugal, tendo excedido o ràcio de subcapitalização previsto nos números 1 e 3 do artigo 61° do CIRC, apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto nos n°s 6 e 7 do citado preceito legal, exposição relativa ao exercício de 2004, onde pretende demonstrar que o nível e condições de endividamento junto da M... R... Inc., entidade não residente com a qual tem relações especiais, são análogos aos que poderiam ser obtidos caso tivesse optado por se financiar junto de uma instituição financeira independente - ver Anexo 1, doe. 1/14 a 14/14.

Justifica que a empresa se encontrava, à dafa, em período de forte expansão, que se traduziu na abertura de 118 estabelecimentos de restauração rápida (fast-food), nos últimos anos. Que no âmbito da sua estratégia de implementação no mercado nacional, a localização dos restaurantes desempenha um papel fundamental e constitui um factor decisivo para o sucesso do negócio. Que a localização ideal ou óptima dos estabelecimentos é bastante onerosa, pelo que se tornaram necessários avultados investimentos.

Entende que as condições obtidas são favoráveis, nomeadamente as taxas de juro acordadas com a M... R... Inc., inferiores às que seriam praticadas por uma instituição financeira independente, apresentando como prova propostas de financiamento emitidas pelo B... Bank - Sucursal em Portugal e pelo M... Investimento - ver folhas 11 a 14 do Anexo 1.

Conclui a M... Portugal que as razões invocadas na exposição"... bem como o teor dos documentos que anexam, são suficientes para constituir prova de que as condições do financiamento considerado excessivo são análogas, ou mesmo mais favoráveis, às condições praticadas por entidades independentes, razão pela qual não lhe será aplicável o n° 1 do art° 61 do Código do IRC".

Com vista a aferir-se da justeza dos pedidos, foi solicitado à M... Portugal, que disponibilizasse todos os elementos probatórios que possuísse. Analisados os mesmos e feito o enquadramento, foi elaborada informação que foi submetida a parecer e despacho da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.

Conclui-se na referida informação que:

O rácio de endividamento a que se refere on°3do a/t ° 61° do CIRC, foi excedido em 2004.

A M... Portugal apresentou exposição onde pretende demonstrar que o nível e condições de endividamento junto da M... R... Inc., entidade não residente com a qual tem relações especiais, sáo análogas aos que poderiam ser obtidos caso tivesse optado por se financiar junto de instituições financeiras independentes, anexando faxes do B... Bank e do M... Investimento que contêm taxas indicativas para o mesmo tipo de financiamento, solicitando que não lhe seja aplicável o disposto no n° 1 do art° 61 °do CIRC.

Nos contactos que tivemos, os responsáveis da M... Portugal, extremamente preocupados com o entendimento da Administração Fiscal sobre a prova apresentada, até porque já foram penalizados em exercícios anteriores, lamentam o facto da DGCI só se ter pronunciado negativamente quatro anos depois, o que neste caso concreto inviabiliza alteração de procedimentos, uma vez que os empréstimos em vigor foram contraídos antes de terem conhecimento sobre as diligências consideradas relevantes.

Alegam que, a partir do exercício em que foi excedido o rádo de subcapitalização previsto nos números 1 e 3 do artigo 61° do CIRC, apresentaram em devido tempo, as exposições a que se referem os n.°s 6 e 7 do mesmo artigo. O facto da DGCI não ter questionado, em tempo útil, as provas apresentadas, fê-los pressupor que as mesmas tinham sido aceites, convencendo-os que estavam a agir em conformidade.

Em nosso entender, contudo, os elementos probatórios apresentados são insuficientes para demonstrar que o endividamento obtido junto da M... R... Inc. é no mínimo tão vantajoso, quanto o seria se tivessem recorrido uma instituição financeira independente, por duas razões:

1. A primeira porque, a M... Portugal, nem sequer tentou negociar qualquer financiamento semelhante com instituição financeira independente. Não o tendo feito, tem o óbice de não ter provas credíveis. Apenas possui cotações indicativas para financiamentos do género, obtidas à posteriori.

2. A segunda, é que as taxas efectivamente praticadas, superiores às contratadas, nem todas são vantajosas face às taxas indicativas facultadas pelos bancos nacionais (B... e M...). E estamos a comparar com taxas indicativas e não com taxas negociadas.

Esta opinião mereceu a concordância da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, consubstanciada no despacho do senhor Subdirector Geral de 28/02/2008, conforme Anexo 2, doe. 1/11 a 11/11.

As correcções irão ser efectuadas na presente acção inspectiva, no ponto III.

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III-1- SUBCAPITALIZAÇÃO

111-1-1 • DESCRIÇÃO DO PEDIDO

A M... Portugal, tendo excedido o râcio de subcapitalização previsto nos números 1 e 3 do artigo 61° do CIRC, apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto nos n°s 6 e 7 do citado preceito legal, exposição relativa ao exercício de 2004, onde pretende demonstrar que o nível e condições de endividamento junto da M... R... Inc., entidade não residente com a qual tem relações especiais, são análogas aos que poderiam ser obtidos caso tivesse optado por se financiar junto de uma instituição financeira independente - ver Anexo 1, doe. 1/14 a 14/14

• Que a empresa se encontrava, à data, em período de forte expansão, que se traduziu na abertura de 118 estabelecimentos de restauração rápida (fast-food), nos últimos anos;

• Que no âmbito da sua estratégia de implementação no mercado nacional, a localização dos restaurantes desempenha um papel fundamental e constitui um factor decisivo para o sucesso do negócio;

• Que a localização ideal ou óptima dos estabelecimentos é bastante onerosa, pelo que se tornaram necessários avultados investimentos.

Pelas razões antecedentes, a M... Portugal, teve necessidade de recorrer a capitais alheios, concretamente de contrair empréstimos, dois em 1999, dois em 2001, um em 2003 e um em 2004 por prazos de quatro, cinco e dez anos, junto da M... R... Inc .. Durante o exercício de 2004 vigoraram seis empréstimos que totalizavam € 93.000.000. Como o último (Maio de 2004) veio substituir o primeiro (Maio de 1999) no final do ano o montante atingia os 74.000.000,00 (...)

Estes financiamentos geraram na M... Portugal um endividamento excessivo à luz dos critérios e rácio estabelecidos no citado artigo 61 ° do CIRC, no final do exercício em análise (2004).

Entende contudo a empresa que, as condições obtidas são favoráveis, nomeadamente as taxas de juro acordadas com a M... R... Inc., inferiores às que seriam praticadas por uma instituição financeira independente, apresentando como prova propostas de financiamento apresentadas pelo B... Bank - Sucursal em Portugal e pelo M... Investimento - ver folhas 11 a 14 do Anexo 1.

Conclui a M... Portugal que as razões invocadas na exposição "bem como o teor dos documentos que anexam, são suficientes para constituir prova de que as condições do financiamento considerado excessivo são análogas, ou mesmo mais favoráveis, às condições praticadas por entidades independentes, razão pela qual não lhe será aplicável o n° 1 do art. 61" do Código do IRC".

(…)

111-1-3 - ANALISE DOS ELEMENTOS

(…)

111-1-3-2- ENDIVIDAMENTO E JUROS

Face às necessidades de investimento evocadas, a M... Portugal, financiou-se junto da sua sócia maioritâria, a M... R... Inc.. (...)

No final de 2004, o total dos empréstimos junto da casa mãe ascendia 3 74.000.000,00 €, pelo facto do empréstimo de 19.000.000,00 € contraído a 12 de Maio de 1999, ter sido substituído por outro de 14.000.000,00 €, com início em 04 de Maio de 2004. o primeiro destes empréstimos vigorou durante 132 dias (de 01/01/2004 a 11/05/2004) e o segundo teve a duração de 242 dias (entre 04/05/2004 e 31/12/2004), tendo ambos coexistido durante 8 dias (entre 04/05/2004 e 11/05/2004).

Assim, a média de empréstimos concedidos pela M... R... Inc. em 2004 é de 76.109.289,62 €.

Os empréstimos estão titulados, exclusivamente, segundo a M... Portugal, por "I...", redigidas em inglês e assinadas por um director da empresa portuguesa - ver folhas 6a 10 do Anexo 1, doe. 1/14 a 14/14.

Nesses documentos são estabelecidas as condições dos empréstimos como: o montante, o inicio, o fim, a taxa de juro, a periodicidade do pagamento dos juros, etc .. Contêm ainda uma disposição que estabelece que os juros serão líquidos de quaisquer taxas ou impostos devidos em Portugal, excluindo, presume-se, os estabelecidos internacionalmente.

Talvez com base nesta norma, a M... Portugal, calculou os juros, na generalidade dos empréstimos, à excepção dos dois mais recentes, com base numa taxa superior, por forma a que deduzida a retenção na fonte à taxa da convenção (10%), o montante líquido a pagar correspondesse à taxa efectiva fixada (...)

Como se pode observar, apenas relativamente aos dois empréstimos mais recentes, a taxa de juro praticada foi igual ou aproximada à acordada, donde resulta uma taxa líquida inferior. Nos restantes cálculos a taxa de juros foi majorada por forma a obterem os resultados desejados.

Relativamente ao empréstimo de 2004, de catorze milhões de euros, a taxa de juro praticada foi a fixada no acordo (3,745 %), isto considerando os registos contabilfsticos de imputação de custos ao exercício efectuada por duodécimos, uma vez que a retenção e o pagamento só ocorrem em Maio de 2005.

Os encargos com os juros destes financiamentos atingiram no exercício de 2004 -3.677.489,21 €- ver Anexo 6, doe. 1/15 a 15/15.

111-1-3-3 - EXCESSO DE ENDIVIDAMENTO

Corno se viu no ponto III - 03 - 01 - Capitais Próprios, o capital próprio de referência para efeitos de subcapitalização (n° 5 do art° 61° do CIRC) será a média aritmética dos capitais próprios no início e no final de 2004, ou seja, 10.999.075,40 € [(11.371.548,09 + 10.626.602,70)/2J.

A entidade financiadora, a M... R... Inc. detém 99,99998 %do capital social, pelo que lhe corresponde a mesma percentagem do capital próprio, isto é, 10.998.819,60 €.

Existe excesso de endividamento quando o valor das dívidas em relação a cada uma das entidades seja superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio.

Ora, se dobrarmos as participações no capital próprio, teremos 21.997.639,21 €.

É este o valorr que tem de ser comparado com o montante médio do financiamento efectuado pela M... R.... Inc. para o exercício de 2004, o qual, como já vimos no ponto anterior é de 76.109.289,62 €.

Dividindo o dobro da participação no capital próprio pelo correspondente financiamento, obtém-se a percentagem dos juros aceite como custo fiscal, sendo o remanescente considerado excesso não dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável (...)

Seriam assim considerados excessivos, 71,10 % dos juros em 2004 no montante de, 2.614.595,56 €.

III-1.3-4 - ELEMENTOS PROBATÓRIOS

Como já foi referido, o facto de ter sido ultrapassado o coeficiente de excesso de endividamento para com uma entidade não residente com a qual existem relações especiais, condiciona, numa primeira análise, que os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso, sejam dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

Cabe à empresa demonstrar, de forma inequívoca, que, tendo em conta o tipo de actividade, o sector em que se insere, a dimensão e outros critérios pertinentes, e tomando em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvimento das entidades com as quais tem relações especiais, que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente.

Como provas, em anexo à exposição, a M... Portugal apresentou, exclusivamente, quatro fotocópias de faxes, três do B... Bank - Sucursal em Portugal, e um do M... Investimento, datados de 29.01.2001, 29.01.2002, 26.01.2004 e 21.01.2005, que genericamente referem "na sequência do vosso pedido telefónico, junto enviamos cotações indicativas, para empréstimos a taxa fixa para as datas e prazos solicitados" - ver folhas 11 e 14 do Anexo 1, doe. 1/14 a 14/14.

(...)

Como se pode observar, os faxes são posteriores aos empréstimos de referência, o primeiro muito mais de um ano. Outra coincidência, é que todos os faxes são datados de Janeiro, mês em que teria de ser apresentado o pedido de "subcapitalização" - n° 7 do art.° 61° do CIRC.

Infere-se desta análise, que nunca foi intenção da M... Portugal, recorrer a instituições financeiras independentes para se financiar. O financiamento junto do "grupo" era um dado adquirido, o que parece indiciar que os faxes só aparecem para dar cumprimento ao n.° 6 do art. 61° do CIRC.

Os bancos limitaram-se, à posteriori, a enviar "cotações indicativas" para os empréstimos referenciados, não havendo qualquer taxa designativa para Setembro de 2001 (a taxa de referência para empréstimo de igual montante vem indicada no fax de 29.01.2002 - 5,7%).

Estamos perante empréstimos de valores significativos, cuja negociação, com qualquer entidade financeira independente, seria complexa, dependendo a taxa a estabelecer, da capacidade negociadora da M... Portugal.

No âmbito desta ordem de serviço, foram solicitados elementos adicionais como: balancetes, extractos de conta, comprovativos dos pagamentos e das retenções etc., e ainda outros documentos que entendessem reievantes relativos o estes empréstimos.

Inicialmente foram facultados comprovativos de empréstimos da M... Portugal, junto de instituições financeiras nacionais independentes. Os financiamentos são de montantes inferiores, o pagamento dos juros é mensal, trimestral ou semestral, com taxas variáveis (indexadas à Lisbor ou Euribor a 1 ou 3 meses) - ver Anexo 8 doe. 1/18 a 18/18.

Pela sua natureza (taxa variável indexada à Lisbor ou Euribor), estes empréstimos não podem servir de comparação com os concedidos pela M... R.... Inc. (taxa fixa).

Os responsáveis da M... Portugal, aquando da entrega dos elementos, defenderam a vantagem dos empréstimos "intragrupo", dando ênfase ao "spread" praticado - 0,15% -substancialmente mais apelativo do que o praticado pelas entidades financeiras independentes, o qual varia entre 0,40 % e 1,00% - Anexo 7, doe. 1/7 a 7/7.

Não subestimando esta realidade, o ponto fulcral da análise terá sempre de partir da taxa de referência estipulada. Enquanto que nos financiamentos de instituições bancárias nacionais a taxa de referência é a Lisbor ou a Euribor, nos empréstimos da M... R.... Inc., a taxa de juro é estipulada por esta na data da concessão, não existindo dados comparativos, a não ser os constantes dos faxes que, como se analisou anteriormente, têm datas muito posteriores à da concessão dos empréstimos.

Posteriormente, a M... Portugal entregou um excerto do Relatório de Preços de Transferência - Exercício de 2004, elaborado pela "D...", onde são efectuadas várias análises comparativas, numa tentativa de demonstrar as vantagens dos financiamentos "intragrupo"- ver Anexo 9, doe. 1/10 a 10/10.

Utilizam, "comparáveis internos" entre as taxas de juros intragrupo e as taxas de juro de mercado (facultadas pelas instituições de crédito independentes através dos faxes), "comparáveis internos e externos" entre as taxas de juros intragrupo e as taxas de juro de mercado, apurando o spread implícito.

Procedem à comparação dos spreads implícitos na taxa de juro intragrupo com as condições acordadas junto de entidades independentes, e com base neste indicador concluem:

"A presente análise permite demonstrar que a remuneração em vigor em 45% do montante financiado pelo Grupo é remunerado a taxas claramente mais vantajosas que as praticadas no mercado, uma vez que o spread implícito da operação intragrupo é inferior ao spread mínimo praticado em operações de mercado (0,40%) As restantes operações intragrup (representativas de 55% do montante dos financiamentos concedidos intragrupo) são remuneradas por spreads que se enquadram no intervalo de taxas praticadas em operações contratadas junto de entidades não relacionadas, ou seja, os spreads cobrados pela M... R... são inferiores a 1 %e superiores a 0,40%.

Em suma, não existe qualquer operação cujas condições intragrupo se revelem desvantajosas em comparação com as condições praticadas por entidades independentes" - ver folha 4 do Anexo 9, doe. 1/10 a 10/10.

No referido relatório é feita ainda uma análise com base em "comparáveis externos" socorrendo-se da base de dados Bloomberg utilizando informação relativa a emissões de obrigações.

A análise é reportada à data da contratação das operações intragrupo, utiliza intervalos de plena concorrência, com a indicação da taxa mínima, 1° quartil, mediana, 3° quartil e taxa máxima. É um facto que as taxas intragrupo se situam sempre dentro do intervalo apresentado, próximas ou acima da mediana.

Isto não significa que, desde que devidamente negociados, a M... Portugal, não conseguisse taxas mais apelativas, em financiamentos junto de entidades independentes.

De referir por último que, conforme já se viu anteriormente, as taxas efectivamente praticadas em 2004, isto é, os juros que constituíram custo no exercício relativamente a cada empréstimo, são, quer substancialmente superiores às taxas contratadas (nalguns casos), quer inclusive superiores às taxas indicativas constantes dos faxes (noutros), conforme quadro seguinte, o que desvirtua algumas das análises atrás referidas.

(...)

O necessário, era que a M... Portugal tivesse comprovado que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente,

Para isso, antes de qualquer dos empréstimos intragrupo, deveria ter tentado obter financiamentos semelhantes em instituições bancárias independentes, mas a empresa nem sequer tentou essa solução, pelo que nunca poderá comprovar este requisito "que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento ".... junto de uma entidade independente".

Quanto ao segundo requisito "condições análogas", as provas apresentadas são muito frágeis. Obteve apenas, à posteriori, documentos bancários com as cotações indicativas, reportadas às datas dos financiamentos e, tenta agora demonstrar, insistentemente, que as taxas praticadas intragrupo são mais apelativas do que as praticadas no mercado financeiro.

Em nossa opinião, umas serão outras nem por isso.

III-3 - CORRECÇÕES PROPOSTAS

111-3-1 - EM SEDE DE IRC - RESULTADO FISCAL

Como se viu anteriormente, o rádo de endividamento a que se refere o n° 3 do art.° 61° do CIRC foi excedido em 71,10 % em 2004.

A M... Portugal apresentou exposição onde pretende demonstrar que o nível e condições de endividamento junto da M... R.... Inc., entidade não residente com a qual tem relações especiais, são análogas aos que poderiam ser obtidos caso tivesse optado por se financiar junto de uma instituição financeira independente, anexando faxes do B... Bank que contêm taxas indicativas para o mesmo tipo de financiamento, solicitando que não lhe seja aplicável o disposto non.° 1 do art.° 61° do CIRC.

Os elementos probatórios apresentados são, em nosso entender, insuficientes para demonstrar que a M... Portugal poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento de uma entidade independente, bem como que o endividamento obtido junto da M... R... Inc., é no mínimo tão vantajoso, quanto o seria se tivesse recorrido a instituições financeiras autónomas.

E isto porque, a M... Portugal, nem sequer tentou negociar qualquer financiamento semelhante com instituição financeira independente. Limitou-se a pedir por telefone e à posteriori, cotações indicativas para financiamentos do género.

Por tudo o que ficou exposto ao longo deste relatório, entendemos que a M... Portugal, não deu cumprimento ao disposto no n.° 6 do a/t. ° 61° do CIRC, pelo que se deverá aplicar o n.°1 do mesmo artigo.

Esta opinião mereceu a concordância da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, consubstanciada no despacho de concordância do senhor Subdirector Geral de 28.02.2008, conforme Anexo 2 doc. 1/11 a 11/11.

Assim, tendo em conta as premissas constantes do ponto III -03-03 Subcapitalização, não será aceite como custo fiscal, 71,10 % dos juros pagos à M... R.... Inc. - 3.677.489,21 €- ou seja, 2.614.595,56 €, nos termos dos n°s1 e 6 do art°61 °do CIRC. » - cfr. fls. 24 a 66 do PAT apenso.

F) Na sequência do Relatório referido na alínea precedente, a Impugnante foi notificada da liquidação de IRC n.° 2008 850..., recebida em 05/12/2008, referente ao exercício de 2004, e ainda da respectiva demonstração de compensação n.° 2008 0000..., na qual foi apurado um saldo de imposto a pagar no montante de € 3.646,55 (conforme documento n.° 3 junto à p.i. a fls. 279 e 280).

G) A impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação referida na alínea precedente, a qual foi indeferida por despacho de 30/10/2009 (cfr. fls. 2, 211 a 220, 244 a 247 do PAT).

H) A presente impugnação foi deduzida em 20/11/09 (e não em 24/11/2009, como, por lapso, consta da sentença, considerando que 20/11/09 é a data do registo postal que acompanhou o envio da petição ao Tribunal - cfr. fls. 3 e 434 dos autos)

Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

*

Em sede de motivação do julgamento da matéria de facto consignou-se na decisão recorrida: «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

*

- Direito

Questão prévia da incompetência hierárquica deste TCA SUL

Na conclusão A) das contra-alegações, a Recorrida suscitou a questão prévia da incompetência absoluta deste Tribunal para dirimir o presente litígio, por entender que o recurso interposto versa unicamente questões de direito.

Vejamos, atentando ao quadro legal vigente à data que importa considerar, desde já se dizendo que adoptaremos aqui aquele que foi o entendimento deste TCA no processo nº 06352/13, no acórdão datado de 27/02/14, no qual a mesma questão se colocou, num recurso em tudo idêntico ao presente e atinente às mesmas partes.

De acordo com o artigo 38º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), compete à secção de contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26º. Por seu turno, nos termos da referida alínea do artigo 26º do ETAF, compete à secção de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito.

A este propósito, dir-se-á que «[o] recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos» [Ac. do TCA Sul, de 07.02.2012, P. 04686/11].

Na instância recursória em exame, verifica-se que a Recorrente censura a sentença recorrida por ter apreciado de forma errada a observância por parte da impugnante do ónus da prova consignado no artigo 61º, nº6, do CIRC. Como se refere na conclusão XVII) do presente recurso jurisdicional, “Cabia à Impugnante provar que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento em condições análogas de uma entidade independente, o que não logrou provar”.

Além do mais, a Recorrida insurge-se contra o julgamento de facto, resultando, desde logo, o seu entendimento no sentido de que o Tribunal deveria ter considerado provado o facto relativo às condições estabelecidas nos empréstimos entre a Recorrida e a sua casa-mãe serem análogas às condições estabelecidas entre entidades independentes. Isto mesmo é o que resulta da conjugação das conclusões J, N e O.

Tanto basta para afirmar que a pretensão recursória incide sobre o julgamento de facto e de direito proferido pela instância recorrida.

Do exposto, resulta, como consequência, que a competência para o conhecimento do presente recurso jurisdicional pertence a este TCA, improcedendo, por isso, a presente questão prévia.

*

Questão prévia da intempestividade da apresentação da p.i de impugnação judicial:

A fls. 814 dos autos, o (então) Juiz Desembargador Relator proferiu despacho em que equacionou a possibilidade de se verificar a caducidade do direito de acção, tendo, para tal, considerado a data de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa - 5/11/09 - e a data constante do carimbo aposto na p.i de impugnação – 24/11/09.

As partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem.

A Impugnante, ora Recorrida, fê-lo, defendendo a tempestividade da apresentação da petição inicial, porquanto, contrariamente ao considerado, a petição inicial considera-se apresentada no dia 20/11/09, data da remessa da mesma ao Tribunal através de correio registado. Juntou um documento.

Foram ordenadas diligências instrutórias junto do TAF de Sintra com vista a confirmar “se o registo cuja cópia consta de fls. 821 dos autos constituiu (…) na remessa da petição de impugnação judicial de fls. 3 a 62 ao mesmo Tribunal”.

Pelo TAF de Sintra foi prestada informação, no sentido de que “efectivamente a cópia de fls. 821 corresponde à remessa da petição de fls. 3 a 62 (…) como se pode verificar através do original do mesmo constante de fls. 434 dos presentes autos…”.

Ora, compulsados todos os elementos pertinentes, não restam dúvidas que a petição inicial foi remetida ao TAF de Sintra através de correio registado, datado de 20/11/09.

Assim, atento o prazo de 15 dias previsto no artigo 102º, nº2 do CPPT (preceito que se mostrava em vigor à data dos factos) e, bem assim, a data de notificação da decisão impugnada, há que concluir que a apresentação da p.i no TAF de Sintra foi tempestiva.

*

Atenta as considerações aqui deixadas, justificou-se a correcção/rectificação à matéria de facto que oportunamente deixámos consignada no ponto H).

*

Entrando, agora, na apreciação do recurso propriamente dito, importa não perder de vista que, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, temos que, tal como resulta das conclusões formuladas pela Fazenda Pública, a questão em apreciação centra-se em saber se o TAF de Sintra errou ao concluir que a AT, para lançar mão do disposto no artigo 61º do CIRC/ subcapitalização (na epígrafe e numeração vigente à data) tinha que recorrer ao procedimento previsto no artigo 63º do CPPT/ Aplicação das normas antiabuso.

Vejamos, então.

Como se sintetizou na sentença recorrida, está em apreciação um acto tributário de IRC do exercício de 2004, o qual “resultou de uma inspecção que a AT efectuou à Impugnante e que assenta em correcções relativas a excesso de endividamento e a percentagem de juros considerados como não dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável”, pretendendo a Impugnante, ora Recorrida, “demonstrar que o nível de condições de endividamento junto da M... R... Inc., entidade não residente com a qual tem relações especiais, é análogo às que poderiam ser obtidas caso tivesse optado por se financiar junto de uma instituição financeira independente”.

Eram vários os vícios que a Impugnante assacava ao acto impugnado, sendo que, como se adiantou, o Tribunal a quo deu razão à Sistemas M... por entender, em síntese, que a AT deveria ter lançado mão, in casu, do procedimento previsto no artigo 63º do CPPT, o que não fez.

Vejamos, para já, e no que para aqui releva, qual o discurso argumentativo alinhado na sentença recorrida.

Começando por fazer um enquadramento genérico da subcapitalização, refere a sentença, e bem, que a “(…) subcapitalização pode ser definida como a situação de "endividamento excessivo" de uma entidade residente para com entidades não residentes com as quais existam relações especiais, ocorrendo tal excesso quando o valor das dívidas em relação a cada uma das entidades não residentes com as quais existam relações especiais, seja superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio do sujeito passivo.

De acordo com o n.° 1 do artigo 61.° do Código do IRC, a consequência desse excesso de endividamento é a não dedutibilidade fiscal dos juros pagos por uma entidade residente relativos à parte considerada em excesso.

A "ratio legis" deste regime alicerça-se na necessidade "de travar a evasão fiscal e a erosão das receitas fiscais internas provocadas por esquemas de financiamento qualificados como abusivos, porque conduzem a insuficiência de capital próprio das sociedades, em resultado do elevado endividamento contraído junto dos seus sócios e/ou de entidades associadas não residentes. " (cfr. Maria dos Prazeres Lousa in "Enquadramento Fiscal da Subcapitalização das Empresas", CTF, n° 392, pags 115-128.

Na sua definição legal o legislador fiscal estabeleceu um princípio de endividamento excessivo assente num coeficiente ou rácio entre o valor das dívidas em relação às entidades relacionadas e dobro do valor da correspondente participação destas no capital próprio da sociedade financiada, conforme dispõe o mº1 e 3, do art° 61 do CIRC, sob a epígrafe (actual art. 67°). Assim a consequência tributária que dela resulta é o da não-aceitação como custo fiscal dos juros correspondentes à parte do endividamento considerado excessivo (cfr. n° 1, do art.61° do CIRC, "in fine").

(…)”

Prosseguindo com a caracterização desta medida no âmbito das medidas de política fiscal, a sentença avança, e bem, o seguinte entendimento: “(…)..as mesmas têm como objecto limitar ou condicionar o regime fiscal normalmente concedido aos juros não visam como é óbvio, uma interferências directa nas decisões da gestão financeira das empresas mas, tão só, proteger as receitas fiscais contrariando quer a prática de operações que sob a aparência de contratos de empréstimos constituem verdadeiras entradas de capital (medidas contra a subcapitalização) quer outras práticas tendentes a ampliar artificialmente as despesas relativas a juros." - cfr. Maria dos Prazeres Lousa in "Enquadramento Fiscal da Subcapitalização das Empresas", CTF, n° 392, pags 115-128. Esta última razão é a que está subjacente à previsão normativa nacional na medida em que a mesma estabelece, limites à dedutibilidade dos juros.

(…)

Assim sendo, toma-se óbvio que o regime de subcapitalização vertido no CIRC, se insere neste tipo de conceito de abuso de direito. Mas se assim é, também resulta claro que, não se tratando de uma, cláusula geral anti-abuso como se encontra desenhado no n° 2, do art° 38° da LGT, ela reveste necessariamente a forma de uma cláusula anti-abuso especifica no âmbito das correcções para efeitos de determinação da matéria tributável, das entidades sujeitas a IRC (cfr. art°s 58° e segs. do CIRC) - vide em sentido unânime da doutrina, as obras supra citadas e também J. Lopes de Sousa em comentário ao art° 63°, in CPPT anotado, 5a Ed., vol. l ,2006, pág. 501 e Prof. J. Casalta Nabais, in "Direito Fiscal", 2a Edição, 2003, pág. 218 e segs”.

Dir-se-á, antecipando, que a caracterização das regras em causa – previstas, à data, no artigo 61º do CIRC – como uma norma específica anti-abuso recebe o nosso apoio, como, aliás, merece a concordância de todas as partes envolvidas.

A questão, pois, que suscita diferentes entendimentos é a de saber o que se segue, ou seja, a sujeição da aplicação destas regras ao procedimento específico previsto no artigo 63º do CPPT, o que, aliás, é questão que na doutrina não encontra consenso.

Partamos para a análise que se segue cientes do teor do artigo 61º do CIRC e do artigo 63º (Aplicação das normas antiabuso) do CPPT, atentas as redacções em vigor à data dos factos.

Assim:

“61º do CIRC

1 — Quando o endividamento de um sujeito passivo para com entidade que não seja residente em território português ou em outro Estado -membro da União Europeia com a qual existam relações especiais, nos termos definidos no n.° 4 do artigo 63°, com as devidas adaptações, for excessivo, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

(...)

3 - Existe excesso de endividamento quando o valor das dívidas em relação a cada uma das entidades referidas nos números anteriores, com referência a qualquer data do período de tributação, seja superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio do sujeito passivo.

4- Para o cálculo do endividamento são consideradas todas as formas de crédito, em numerário ou em espécie, qualquer que seja o tipo de remuneração acordada, concedido pela entidade com a qual existem relações especiais, incluindo os créditos resultantes de operações comerciais quando decorridos mais de seis meses após a data do respectivo vencimento.

5 - Para o cálculo do capital próprio adiciona-se o capital social subscrito e realizado com as demais rubricas como tal qualificadas pela regulamentação contabilística em vigor, excepto as que traduzem mais-valias ou menos-valias potenciais ou latentes, designadamente as resultantes de reavaliações não autorizadas por diploma fiscal ou da aplicação do método da equivalência patrimonial.

6 - Com excepção dos casos de endividamento perante entidade residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, não é aplicável o disposto no n.° 1 se, encontrando-se excedido o coeficiente estabelecido no n.° 3, o sujeito passivo demonstrar, tendo em conta o tipo de actividade, o sector em que se insere, a dimensão e outros critérios pertinentes, e tomando em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvimento das entidades com as quais tem relações especiais, que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente.

7 - A prova mencionada no número anterior deve integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130°.”

63º do CPPT

"1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.

2 - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

3-O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.

4 - A aplicação das disposições antiabuso depende da audição do contribuinte, nos termos da lei.

5 - O direito de audição será exercido no prazo de 30 dias após a notificação, por carta registada, do contribuinte, para esse efeito.

6 - No prazo referido no número anterior, poderá o contribuinte apresentar as provas que entender pertinentes.

7 - A aplicação das disposições antiabuso será prévia e obrigatoriamente autorizada, após a observância do disposto nos números anteriores, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência.

8 - As disposições não serão aplicáveis se o contribuinte tiver solicitado à administração tributária informação vinculativa sobre os factos que a tiverem fundamentado e a administração tributária não responder no prazo de seis meses.

9 - Salvo quando de outro modo resulte da lei, a fundamentação da decisão referida no n°7 conterá:

a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica;

b) A indicação dos elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do acto tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou acto de substância económica equivalente;

c) A descrição dos negócios ou actos de substância económica equivalente aos efectivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam.

10 - A autorização referida no n.° 7 do presente artigo é passível de recurso contencioso autónomo.”

Sobre esta questão da aplicação ao caso do procedimento previsto no artigo 63º do CPPT refere a sentença:

(…)

Já as opiniões não são unânimes quanto à aplicação do procedimento regulado no art° 63°, do CPPT à situação "sub judice". Efectivamente, se em relação àquele último autor parece apontar para a necessidade de se socorrer daquele procedimento ainda nos casos de normas específicas anti-abuso (cfr. fls. 222, da obra supra citada), já o J. L. Saldanha Sanches defende claramente esse recurso por iniciativa do sujeito passivo nesses casos sendo de excluir nos casos de aplicação da cláusula geral, no estudo "Abuso de direito em matéria fiscal", in C.T.F. n° 398, págs. 13 a 44, já na obra supra citada defende aquele procedimento especial nos casos de aplicação da clausula geral anti-abuso com base na condição da necessária existência de dois negócios, a saber, o que foi realizado por razões fiscais e o que seria realizado se não houvesse a intenção de por meio de outro negócio contornar a lei fiscal e a consideração de naquelas clausulas anti-abuso específicas não estar em causa a manipulação de formas jurídicas, o que parece depreender-se que tal procedimento não é adequado para estas últimas (vide fls. 122 a 125, daquele Manual).

(…)

Atendendo ao elemento literal do n°1 do preceito, que delimita o âmbito daquele procedimento próprio, em relação às disposições anti-abuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias sem qualquer limitação quanto a essas normas e à disposição contida no n°2 do preceito, o qual não permite dizer que no âmbito da respectiva previsão se excluam as situações em que não haja manipulação estrita de formas jurídicas, impunha-se no caso em apreciação a aplicação do procedimento referido no art. 63° do CPPT.

O que subjaz às cláusulas anti-abuso é conseguir a tributação pretendida pelo ordenamento jurídico-tributário com a eliminação dos efeitos fiscais de uma certa forma negocial escolhida com a intenção predominante de reduzir o imposto, o que sempre se verificará numa situação de clara manipulação da liberdade de conformação dos negócios jurídicos, com esse objectivo.

Haverá "manifesto abuso das formas jurídicas" se houve intenção de utilizar uma certa forma negocial (empréstimo) por forma a evitar a intenção normativa de tributar um certo acto, negócio ou facto jurídico, através de operações que sob aquela aparência, "... constituem verdadeiras entradas de capital ...ou outras práticas tendentes a ampliar artificialmente as despesas relativas a juros", nas palavras de Maria dos Prazeres Lousa, in obra supra citada, o que neste caso se traduz no excesso de endividamento, e conduz à desconsideração do negócio claramente artificial em razão das condições normais de mercado - daí que seja conferida ao interessado a faculdade legal de demonstrar a necessidade de financiamento externo e nível de endividamento e condições financeiras que poderia obter de qualquer entidade independente, nos termos do disposto no n° 6, do art° 61° do CIRC.

(…)

O que não se julga adequado será a aplicação do procedimento de ilisão das presunções vertida no art° 64° do CPPT, que dispõe, sob a epígrafe

(…)

De facto, face à descrição da referida clausula anti-abuso específica, não resulta qualquer presunção enquanto ilação que a lei retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, já que o que resulta dos fundamentos da sua aplicação é a desconsideração dos actos ou negócios e a intenção normativa de sujeitar a tributação aqueles encargos.

Face ao exposto e tendo em consideração os factos apurados, verifica-se que a AT não deu cumprimento ao disposto no procedimento próprio a que se refere o art° 63° do CPPT, face ao requerimento mencionado na alínea C), nomeadamente a autorização a que se refere o n° 7, pelo que se verifica uma preterição de formalidade essencial”.

Ora, adiantando, diremos que, não obstante o empenho na motivação do decidido, não partilhamos da opinião sufragada pela Mma. Juíza a quo.

Vejamos, então, as razões da nossa divergência.

No essencial, diríamos que é a própria redacção do nº 2 do artigo 63º do CPPT - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos. - que afasta a sua aplicação ao caso da subcapitalização, tal como previsto no artigo 61º do CIRC.

Com efeito, no caso do artigo 61º do CIRC não estamos perante a consagração da ineficácia de actos ou negócios jurídicos mas apenas – isso sim – da não dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, de custos correspondentes a juros em caso de endividamento excessivo.

Neste sentido, refere J. Lopes de Sousa, in CPPT, Anotado e Comentado, 6.ª Edição, 2011, I volume, ÁREAS EDITORA, pág. 580, “Disposições especiais usualmente qualificadas como normas antiabuso encontram-se nos arts . 59.° (pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado), 60.° (imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado), e 67.° (subcapitalização), do CIRC. ( 993 ) No entanto, trata-se de normas que não se enquadram na hipótese deste art. 63.° do CM, em face da definição dada no seu n.º 2

Trata-se, naquelas normas, do estabelecimento de presunções, que podem ser ilididas nos termos do art. 64.° do CPPT”.

Na mesma linha de entendimento, Casalta Nabais sustenta que as disposições “dos arts. 59º, 60º e 61º do CIRC, limitam-se a estabelecer presunções a afastar através do procedimento do art. 64º do CPPT”, vide Direito Fiscal, Almedina, 4ª edição, 2007, pá. 223.

No sentido da não aplicação ao caso do artigo 61º do CIRC/Subcapitalização do procedimento previsto no artigo 63º do CPPT, veja-se, também, o acórdão do TCA Sul já citado, de 27/02/14, proferido no processo nº 06352/13.

E, na verdade, como se refere no acórdão do STA, de 08/11/17, prolatado no processo nº 770/14, em recurso de revista interposto do acórdão do TCA Sul (já referido) de 27/02/14, que opôs as mesmas partes e no qual se discutiam as mesmas questões que nesta impugnação, “da qualificação do regime da subcapitalização como norma especial anti-abuso não decorria necessariamente - como bem demonstrou a sentença de 1.ª instância que, neste particular, foi corroborada pelo acórdão recorrido -, que lhe fosse aplicável o regime do artigo 63.º do CPPT, como pretendido pela recorrente…”.

De resto, neste mesmo acórdão, de Novembro de 2017, proferido pelo STA, aceitou-se igualmente o afastamento da aplicação do procedimento previsto no artigo 64º do CPPT, pelo facto de o sujeito passivo ter apresentado um requerimento ao abrigo do disposto no nºs 6 e 7 do artigo 61º do CIRC [como aqui aconteceu, conforme resulta do documento a que alude a alínea C) dos factos provados], e não ao abrigo do procedimento especial previsto no artigo 64º do CPPT, e de a impugnante não ter renunciado – antes ter usado – a via alternativa da impugnação judicial.

Em suma, e sem necessidade de maiores considerações, podemos concluir, sem hesitações, que, contrariamente ao que foi decidido em 1ª instância, não era, no caso, aplicável o procedimento a que alude o artigo 63º do CPPT. Dito por outra palavras, para efeitos da aplicação do regime da subcapitalização (previsto no, então, artigo 61º do CIRC), não se impunha à AT que lançasse mão do procedimento específico previsto no artigo 63º do CPPT, por inaplicável no caso concreto.

A sentença que assim decidiu e que, neste pressuposto, determinou a anulação do acto impugnado, não pode manter-se, devendo ser revogada, o que aqui se determina.

Procedem, pois, as conclusões da alegação do recurso.

Passando a conhecer em substituição, sem contraditório, por desnecessário, vejamos os restantes vícios invocados na impugnação judicial, sem acolher, contudo, a ordem pela qual os mesmos vêm invocados no articulado inicial, tendo presente o critério de maior eficácia da tutela dos direitos do contribuinte.

Retomemos a sentença recorrida, pois, não obstante o decidido quanto às consequências (invalidantes) da não observância do disposto no artigo 63º do CPPT, aí se deixou evidenciado o seguinte:

“(…)

A Administração Fiscal não deu cumprimento ao procedimento próprio a que se refere o art° 63.°, do CIRC, ou seja, a abertura para o efeito do procedimento próprio, face ao requerimento apresentado pela impugnante.

Esta faculdade legal dada ao sujeito passivo do imposto, pretende compatibilizar tal norma interna com os princípios consagrados nas Convenções sobre a Dupla Tributação, pois sendo tal consequência fiscal susceptível de desencadear o fenómeno de dupla tributação (dos juros), e prevendo estas, cláusulas de não descriminação, não resulta uma derrogação das normas convencionais internacionais na medida em que tais convenções se estabeleça a salvaguarda de regimes internos sobre a subcapitalização.

Ora, a Convenção entre a República Portuguesa e os Estado Unidos contem normas próprias que permitem aquela correcção pelo Estado da fonte quanto ao excesso, (cfr. n° 8, do art° 11 e n° 4, do art. 26°, da Convenção para evitar a Dupla Tributação, aprovada pela Resolução da A. R., n° 35/95, rectificada pelo Dec. do P.R. n.° 73/95, de 12/10, publicada no D.R. l série - A n.° 236/95, de 12/10”.

Ora, aqui chegados devemos lançar mão da detalhada análise que foi levada a cabo pelo STA, em recurso de revista, no processo já referenciado com o nº 0770/14. Relembre-se que em tal acórdão decidiu-se, com referência a uma impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida, Sistemas M..., contra liquidação adicional de IRC de 2006, precisamente a questão que aqui nos ocupará sobre a (in)compatibilidade do regime de subcapitalização com os artigos 26º, nºs 4 e 5 e 11º, nº 8 da CDT celebrada entre os Estados Unidos da América (EUA) e Portugal. A questão colocada no processo nº 0770/14 é –repete-se – precisamente a mesma que aqui nos ocupa, à qual está subjacente o mesmo circunstancialismo de facto.

A minuciosa análise levada a cabo pelo STA é aqui inteiramente aplicável, não se descortinando qualquer elemento que mereça a ponderação sobre a não transposição do entendimento adoptado no citado acórdão de 08/11/17, para mais tratando-se de aresto proferido em sede de recurso de revista.

Aquando da decisão sobre a admissibilidade do recurso de revista, o STA havia evidenciado que “As questões que reclamam a concatenação de normas nacionais de aplicação exclusiva a não residentes – como era o regime da subcapitalização – com os princípios de direito europeu e de direito internacional são geralmente questões problemáticas de elevada complexidade, porquanto, desde logo, pressupõem a apreensão de um quadro legal particularmente amplo e o apelo a princípios fundamentais objecto de interpretação comunitária cuja observância se impõe aos Estados-Membros. E daí que se afigure tratar-se de questão de importância jurídica fundamental, a justificar a admissão da presente revista quanto a essa questão,…”.

Nesta conformidade, e tendo presente o disposto no nº 3 do artigo 8º do Código Civil, nos termos do qual “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, passa a transcrever-se o discurso argumentativo adoptado no acórdão identificado. Assim:

“Entende a recorrente que a liquidação impugnada viola o artigo 26.º n.ºs 4 e 5 da CDT celebrada entre Portugal e os EUA, sendo por conseguinte inconstitucional por violação do artigo 8.º da CRP, uma vez que estabelece uma discriminação entre juros pagos a entidades residentes e juros pagos a uma entidade residente nos EUA, algo que não é permitido pela Convenção sobre a Dupla Tributação anteriormente referida, conforme explicitamente referem os Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património.

Refere que o facto do artigo 11.º, n.º 8 da CDT celebrada entre Portugal e os EUA permitir a aplicação do artigo 61.º, n.º 1 do Código do IRC não é contrário à posição por si sustentada dado que o n.º 8 do artigo 11.º da CDT permite apenas desconsiderar fiscalmente o excesso de juros pagos entre entidades relacionadas, quando comparado com os juros que seriam pagos entre entidades independentes.

O n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC permite desconsiderar muito mais ou seja todos os juros que decorrem de empréstimos que excedam o dobro da participação no capital próprio.

De acordo com a norma da CDT, a Administração Tributária teria de analisar qual o montante de juros que não seria pago entre entidades independentes (e desconsiderar esse excesso), sublinhando-se que este "excesso de juros" nada tem que ver com o "endividamento excessivo" referido no regime da subcapitalização da nossa lei interna: um diz respeito aos juros pagos em excesso face às condições de mercado, e o outro tem a ver com o limite de endividamento a partir do qual se aplica o regime.

A Administração Tributária apenas calculou quais os juros relativos a empréstimos que excedem o dobro da participação no capital, e desconsiderou todos esses juros, violando-se assim explicitamente o estabelecido na CDT.

A Administração Tributária nunca chegou a referir qual seria o juro de mercado, ou seja, o juro que seria praticado entre entidades independentes.

Mas apesar de tudo isto o TCAS refere apenas que "estando em causa a regra de não dedutibilidade de um custo em IRC por falta de comprovação dos seus pressupostos, da efectividade e da indispensabilidade, não se antolha quebra por parte do regime dos normativos internacionais convocados".

A recorrente não se conformando com tal decisão sustenta estar-se perante questão que reveste uma importância fundamental para efeitos do artigo 150.º do CPTA, uma vez que a mesma reconduz-se "a uma tarefa de interpretação e conjugação de normas jurídicas que dimanam do direito internacional convencional" com normas internas, que determinam ou podem determinar soluções jurídicas diversas em face de conceitos complexos, utilizando as doutas palavras deste próprio STA (Acórdão de 18.06.2013, processo n.º 0571/13).

No caso em apreço está em causa a incompatibilidade entre a norma de subcapitalização interna e a norma de não descriminação constante nos n.ºs 4 e 5 do artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos, sendo igualmente necessário apreciar o disposto no artigo 11.º n.º 8 da referida CDT, que estabelece o tratamento fiscal a conferir aos juros excessivos face à regra de mercado.

As normas de não discriminação, assim como a norma que consta do artigo 11.º n.º 8 da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos, estão presentes em todas as CDT celebradas pelo Estado Português, considera-se verificada também uma relevância social fundamental na apreciação das ditas questões, nomeadamente no escopo daquele princípio fundamental.

Razões que legitimaram o recurso de revista.

Vejamos:

Preceitua o artigo 61 do CIRC sob a epígrafe subcapitalização:

1«Quando o endividamento de um sujeito passivo para com entidade não residente em território português ou em outro Estado membro da União Europeia com a qual existam relações especiais, nos termos definidos neste artigo, for excessivo, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável»;

2]; «É equiparada à existência de relações especiais para efeitos da aplicação do nº 1 a situação de endividamento do sujeito passivo para com um terceiro não residente em território português ou em outro Estado membro da União Europeia em que tenha havido prestação de aval ou garantia por parte de uma das entidades referidas no número 4 do artigo 58

3]: «Existe excesso de endividamento quando o valor das dívidas em relação a cada uma das entidades referidas nos números anteriores, com referência a qualquer data do período de tributação, seja superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio do sujeito passivo».

4]; «Para o cálculo do endividamento são consideradas todas as formas de crédito, em numerário ou em espécie, qualquer que seja o tipo de remuneração acordada, concedido pelas entidades mencionadas no nº 2, incluindo os créditos resultantes de operações comerciais, quando decorridos mais de seis meses após a data do respectivo vencimento»

5]; «Para o cálculo do capital próprio adiciona-se o capital social subscrito e realizado com as demais rubricas como tal qualificadas pela regulamentação contabilística em vigor, excepto as que traduzem mais-valias ou menos-valias potenciais ou latentes, designadamente as resultantes de reavaliações não autorizadas por diploma fiscal ou da aplicação do método da equivalência patrimonial»

[6]; Com excepção dos casos de endividamento perante entidade residente em país, território ou regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro de Estado e das Finanças não é aplicável o disposto no n.º 1 se, encontrando-se excedido o coeficiente estabelecido no n.º 3, o sujeito passivo demonstrar, tendo em conta o tipo de actividade, o sector em que se insere, a dimensão das empresas e outros critérios pertinentes, e tomando-se em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvimento das entidades com as quais tem relações especiais que podia ter obtido o mesmo nível do endividamento e em condições análogas de uma entidade independente»

7… A prova mencionada no número anterior deve integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121.

Entendemos dever equacionar, desde, já algumas considerações sobre o regime de subcapitalização que o artigo 61 do CIRC regula.

O regime de sub capitalização previsto no artigo 61 do CIRC é uma medida anti abuso que visa nas palavras de Glória Teixeira evitar a erosão da base tributável das pessoas colectivas residentes em Portugal mas detidas ou controladas maioritariamente por entidades estrangeiras como é o caso dos autos cfr A tributação do rendimento perspectiva nacional e Internacional pp. 129.

Traduzindo-se - se a subcapitalização numa situação de endividamento excessivo de uma entidade residente para com entidades não residentes com as quais mantém relações especiais procura-se através deste regime limitar a dedutibilidade do pagamento de juros a entidades não residentes relativamente à parte considerada em excesso - cfr nº 1 do artigo 61 do CIRC.

De facto sendo os juros de capitais alheios aplicados na exploração do sujeito passivo considerados custos nos termos da alínea c) do nº 1 d artigo 23 do CIRC a não dedutibilidade dos juros respeitantes à parte considerada em excesso é considerada pela recorrente como ilegal por ser discriminatória já que tal limite não é aplicável no caso de o pagamento dos juros referidos a entidades residentes, pese embora essa não dedutibilidade seja passível de contestação nos termos do nº 6 do citado artigo 61.

No caso em apreço a recorrente considera que a limitação em causa viola a Convenção Sobre a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, mais concretamente o disposto no artigo 26 nºs 4 e 5 da CDT.

A Convenção em causa como se depreende do artigo 11 que regula os juros apenas regula a sua tributação estabelecendo no nº 8 deste artigo que quando em virtude de relações especiais existentes entre o devedor e o beneficiário efectivo ou entre ambos e qualquer outra pessoa o montante de juros, tendo em conta o crédito pelo qual são pagos, exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário efectivo na ausência de tais relações, as disposições deste artigo são apenas aplicáveis a este último montante.

Nesse caso a parte excedente continua a poder ser tributada de acordo com a legislação de cada Estado contratante tendo em conta outras disposições da Convenção.

Nos termos do nº 1 do artigo 26 da citada CDT sob a epigrafe “não discriminação” os nacionais de um Estado contratante não ficarão sujeitos no outro estado contratante a nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferente ou mais gravosa do que aquelas que estejam ou possam estar sujeitas os nacionais desse outro Estado que se encontre na mesma situação.

Nesse sentido o nº 4 deste artigo estipula que salvo se for aplicável o disposto no nº 8 do artigo 11 os juros pagos a uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante serão dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável de tal empresa como se fossem pagos a um residente do Estado primeiramente mencionada.

Todavia o nº 8 do artigo 11 da CDT preceitua também que “quando devido a relações especiais existentes entre o devedor e o beneficiário efectivo ou entre ambos e qualquer outra pessoa o montante de juros pagos tendo em conta o crédito pelo qual são pagos exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário efectivo na ausência de tais relações as disposições deste artigo são aplicáveis apenas a este último montante.

Neste caso o excesso pode continuar a ser tributado de acordo com a legislação de cada estado contratante tendo em conta as outras disposições desta Convenção.

Decorre da interpretação destas cláusulas que as mesmas previnem todo e qualquer tipo de discriminação a título de tributação dos juros.

Todavia como bem assinala a recorrente o excesso do montante de juros referido no nº 8 do artigo 11 da CDT nada tem a ver com o endividamento excessivo a que se refere o artigo 61 do CIRC.

O nº 8 do artigo 11 da CDT permite apenas desconsiderar fiscalmente o excesso de juros pagos entre entidades relacionadas, quando comparado com os juros que seriam pagos entre entidades independentes.

Enquanto o n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC permite desconsiderar todos os juros que decorrem de empréstimos que excedam o dobro da participação no capital próprio.

De facto, o artigo 61 do CIRC exclui da dedutibilidade fiscal consentida pelo artigo 23 do CIRC, como custos, os juros pagos a entidades não residentes em caso de endividamento excessivo mas já não exclui tal dedutibilidade relativamente aos mesmos custos ou seja os juros quando for beneficiária desse pagamento uma entidade residente.

No fundo significa que tais custos deixam, quando derivados de pagamentos a entidades não residentes de ser indispensáveis para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do nº 1 do artigo 23 do CIRC, revestindo tal característica quando auferidos por entidades residentes.

Sendo que o nº 3 do artigo 61 traduz uma manifesta presunção legal ilidível (presunção juris tantum) relativamente aos juros em situação de endividamento excessivo.

De qualquer forma essa não dedutibilidade viola o disposto no nº 4 do artigo 26 da CDT que estipula que salvo o disposto no nº 8 do artigo 11 os juros pagos a uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante serão dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável de tal empresa como se fossem pagos a um residente do Estado primeiramente mencionada.

Ora não sendo um caso de aplicação do nº 8 do artigo 11 da CDT como dissemos anteriormente a aplicação do artigo 61 do CIRC pondo em causa a dedutibilidade dos custos respeitantes aos juros pagos a uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante nessa medida inquinando a determinação do lucro tributável de tal empresa o que não sucederia caso fossem pagos a um residente, o artigo 61 viola o nº 4 do artigo 26 da Convenção Sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América dessa forma violando o artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP”.

Ora, o que até aqui vem dito, dando razão à Impugnante, aqui Recorrida, bastava para julgar procedente a impugnação e anular o acto tributário impugnado.

Mas prossigamos com o acórdão que vimos transcrevendo, no qual ainda se formula a seguinte questão, do conhecimento oficioso:

“E será tal regime compatível com as normas do direito comunitário?

Face ao primado do direito comunitário na ordem interna ex vi do disposto no nº 4 do artigo 8º da CRP importa também decidir se o artigo 61 contraria o princípio de livre circulação de capitais consagrado no artigo 63 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Nos termos do nº 1 do artigo 63 do citado Tratado (TSFUE) são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados Membros e Países Terceiros.

Estipulando o nº 2 do mesmo preceito que são proibidas todas as restrições a pagamentos entre Estados membros e países terceiros.

Todavia a alínea b) do nº 1 do artigo 65 do Tratado em causa dispõe que o disposto no artigo 63 não prejudica os Estados Membros de tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, prever processos de declaração de movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

Sendo que o nº 3 do mesmo artigo refere que as medidas e procedimentos a que se referem os nºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos tal como definida no artigo 63.

Perante estes normativos questiona-se se o artigo 61 do CIRC não será uma medida anti abuso violadora das normas comunitárias referidas.

Sobre o regime de subcapitalização e sua compatibilidade com as normas comunitárias acima transcritas foi já por diversas vezes chamado a pronunciar-se o TJUE na medida em que por força do disposto no artigo 267 o mesmo é o competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação dos tratados e sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições órgãos e organismos da União.

Sendo o processo de reenvio prejudicial uma via de cooperação judiciária pela qual pela a jurisdição nacional e o Tribunal de Justiça são chamados a contribuir directa e reciprocamente à elaboração de uma decisão que visa assegurar a aplicação uniforme do direito comunitário no conjunto dos Estado Membros é o Tribunal de Justiça o único habilitado a pronunciar-se sobre a interpretação dum texto comunitário a partir de factos indicados pela jurisdição nacional competindo a esta última aplicar as regras do direito comunitário ao caso concreto

Neste sentido os acórdãos do TJUE C 458/06 de 12 06 2008 caso Skatteverket c/ Gourmet Classic e C 279/06 de 11 09 2008 CEPSA.

O Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial pronunciou-se sobre questão análoga à dos autos no processo nº 5365/12 do TCA SUL através do acórdão TJUE de 3 de Outubro no P C 282/12 al.

O TJUE tendo presente o quadro jurídico português - o artigo 61 do CIRC sob a epígrafe “subcapitalização” foi chamado a pronunciar-se sobre a seguinte questão:

«Os artigos 63.° [TFUE] e 65.° [TFUE] (antigos artigos 56.° [CE] e 58.° [CE]) opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a do artigo 61.° CIRC [ […]] que, no âmbito de uma situação de endividamento de um sujeito passivo residente em Portugal para com entidade de país terceiro com a qual mantenha relações especiais nos termos do artigo 58.°, n.° 4, do CIRC, não permita a dedutibilidade como custo fiscal dos juros, relativos à parte do endividamento considerada em excesso nos termos do artigo 61.° n.° 3, do CIRC, suportados e pagos pelo sujeito passivo residente em território nacional nas mesmas circunstâncias que aos juros suportados e pagos por sujeito passivo residente em Portugal cujo excesso de endividamento se verifique perante uma entidade residente em Portugal com a qual mantenha relações especiais?»

O Tribunal ponderou os argumentos referentes a tal questão da forma que aqui se dá como inteiramente reproduzida ….

…… 13 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos de determinação do lucro tributável, não permite deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutuante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações.

Quanto à liberdade aplicável

14 Quanto à aplicabilidade do artigo 56.° CE às circunstâncias em causa no processo principal, há que constatar, à partida, que os mútuos e os créditos financeiros concedidos por não residentes a residentes constituem movimentos de capitais na aceção desta disposição, como é de resto indicado na rubrica VIII da nomenclatura reproduzida no anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, para a execução do artigo 67.° Do Tratado [artigo revogado pelo Tratado de Amesterdão] (JO L 178, p. 5), e nas suas notas explicativas (v., neste sentido, acórdão de 3 de outubro de 2006, Fidium Finanz, C-452/04, Colet., p. I-9521, n.os 41 e 42).

15 No entanto, o Governo português alega que a legislação em causa no processo principal constitui um regime baseado na existência de «relações especiais» resultante do facto de a entidade mutuante ter o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão e de financiamento da entidade mutuária. O Tribunal de Justiça examinou esses regimes exclusivamente à luz da liberdade de estabelecimento, que não é aplicável a operações efetuadas, como no presente caso, com uma entidade com sede num país terceiro.

16 A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, no caso de uma legislação nacional relativa ao tratamento fiscal de dividendos originários de um país terceiro, importa considerar que o exame do objeto dessa legislação é suficiente para apreciar se o referido tratamento fiscal está abrangido pelas disposições do Tratado CE relativas à livre circulação de capitais. Com efeito, uma vez que o capítulo do Tratado relativo à liberdade de estabelecimento não contém nenhuma disposição que alargue o âmbito de aplicação das suas disposições às situações que respeitem ao estabelecimento de uma sociedade de um Estado-Membro num país terceiro ou ao estabelecimento de uma sociedade de um país terceiro num Estado-Membro, tal legislação não é suscetível de ser abrangida pelo artigo 43.° CE (v. acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-35/11, n.os 96 e 97 e jurisprudência referida).

17 O Tribunal de Justiça também declarou que, quando resulte do objeto de uma legislação nacional desta natureza que a mesma só é aplicável às participações que permitam exercer uma influência efetiva nas decisões da sociedade em causa e determinar as respetivas atividades, os artigos 43.° CE e 56.° CE não podem ser invocados (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 98).

18 Em contrapartida, uma legislação nacional relativa ao tratamento fiscal de dividendos provenientes de um país terceiro, que não se aplique exclusivamente às situações em que a sociedade-mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que distribui os dividendos, deve ser apreciada à luz do artigo 56.° CE. Por conseguinte, uma sociedade residente num Estado-Membro pode invocar esta disposição para questionar a legalidade de uma legislação deste tipo, independentemente da importância da participação que detém na sociedade que procede à distribuição de dividendos estabelecida num país terceiro (acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 99, e de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C-168/11, n.° 30).

19 Estas considerações são aplicáveis relativamente a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que respeita ao tratamento fiscal dos juros pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais. Com efeito, uma legislação deste tipo não estaria abrangida pelo artigo 43.° CE nem pelo artigo 56.° CE se dissesse apenas respeito às situações em que tal sociedade mutuante detivesse uma participação na sociedade mutuária residente que lhe permitisse exercer uma influência efetiva nesta última.

20 Quanto à legislação em causa no processo principal, como salientam a Itelcar e a Comissão Europeia, o conceito de «relações especiais», conforme definido no artigo 58.°, n.° 4, do CIRC, não visa apenas as situações em que a sociedade mutuante de um país terceiro exerce uma influência efetiva, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referida, na sociedade mutuária residente, devido à sua participação no seu capital. Em particular, as situações enumeradas no referido n.° 4, alínea g), que dizem respeito a relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre as sociedades em questão, não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante no capital da sociedade mutuária.

21 Na audiência, o Governo português indicou, todavia, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, que a referida legislação se aplica apenas às situações em que a sociedade mutuante detém uma participação direta ou indireta no capital da sociedade mutuária.

22 Ora, supondo que a aplicação da legislação em causa no processo principal se limita às situações de relações entre uma sociedade mutuária e uma sociedade mutuante que detém uma participação de, pelo menos, 10% do capital ou dos direitos de voto na primeira sociedade, ou entre sociedades em que os mesmos titulares detêm essa participação, conforme prevê o artigo 58.°, n.° 4, alíneas a) e b), do CIRC, há que concluir que uma participação desta importância não implica necessariamente que o titular dessa participação exerça uma influência efetiva nas decisões da sociedade de que é acionista (v., neste sentido, acórdãos de 13 de abril de 2000, Baars, C-251/98, Colet., p. I-2787, n.° 20, e de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.° 58).

23 Daqui decorre que uma sociedade residente pode, independentemente da existência de uma participação de uma sociedade mutuante de um país terceiro no seu capital, ou da importância dessa participação, invocar as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, para questionar a legalidade dessa legislação nacional (v., por analogia, acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 104).

24 De resto, segundo a interpretação das referidas disposições quanto às relações com países terceiros, não existe, neste caso, o risco de as sociedades mutuantes com sede nestes, que não se enquadrem nos limites do âmbito de aplicação territorial da liberdade de estabelecimento, poderem beneficiar desta liberdade. Com efeito, contrariamente ao que o Governo português alegou na audiência, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não visa as condições de acesso ao mercado dessas sociedades no Estado-Membro em questão, mas diz unicamente respeito ao tratamento fiscal dos juros suportados relativamente ao endividamento considerado excessivo contraído por uma sociedade residente para com uma sociedade de um país terceiro, com a qual mantém relações especiais na aceção do artigo 58.°, n.° 4, do CIRC (v., por analogia, acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 100).

25 Daqui resulta que uma legislação como a que está em causa no processo principal deve ser examinada exclusivamente à luz da livre circulação de capitais consagrada no artigo 56.° CE.

Quanto à existência de uma restrição e de eventuais justificações

26 Importa recordar que, de acordo com jurisprudência constante, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, n.° 14 e jurisprudência referida).

27 Resulta igualmente de jurisprudência constante que as medidas proibidas pelo artigo 56.°, n.° 1, CE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as medidas que sejam suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados (acórdão de 25 de janeiro de 2007, Festersen, C-370/05, Colet., p. I-1129, n.º 24, e acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 15).

28 No presente caso, resulta do artigo 61.°, n.° 1, do CIRC que, quando o endividamento de uma sociedade residente para com uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais na aceção do artigo 58.°, n.° 4, do CIRC, for considerado excessivo no sentido do n.° 3 do referido artigo 61.°, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da sociedade residente.

29 Em contrapartida, resulta também do artigo 61.°, n.° 1, do CIRC que esses juros são dedutíveis quando a sociedade mutuante reside no território português ou noutro Estado-Membro.

30 Como reconhece o Governo português, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que a situação em questão no processo principal se enquadra na livre circulação de capitais, esta situação implica um tratamento fiscal menos favorável de uma sociedade residente que contrai um endividamento que excede um certo nível para com uma sociedade com sede num país terceiro do que o tratamento reservado a uma sociedade residente que contrai o mesmo endividamento para com uma sociedade residente no território nacional ou noutro Estado-Membro.

31 Esse tratamento desfavorável é suscetível de dissuadir uma sociedade residente de se endividar de uma maneira que é considerada excessiva para com uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais na aceção da legislação em causa no processo principal. Consequentemente, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE.

32 Segundo jurisprudência constante, essa restrição só pode ser admitida se se justificar por uma razão imperiosa de interesse geral. Mas é ainda necessário, nesse caso, que seja adequada para garantir a realização do objetivo em causa e não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objetivo (v. acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 55 e jurisprudência referida).

33 O Governo português alega que a legislação em causa no processo principal tem por objetivo o combate à fraude e evasão fiscais, ao impedir a prática da «subcapitalização» que consiste em reduzir a base tributável do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas em Portugal através do pagamento de juros dedutíveis em vez de lucros não dedutíveis. Esta prática tem por objetivo transferir arbitrariamente rendimentos tributáveis deste Estado-Membro para um país terceiro, tendo por consequência que o lucro de uma sociedade não seja tributado no Estado onde foi gerado.

34 A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, uma medida nacional que restrinja a livre circulação de capitais pode ser justificada quando visa especificamente expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo único objetivo seja eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por atividades exercidas no território nacional (v., neste sentido, acórdãos de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C-524/04, Colet., p. I-2107, n.os 72 e 74, e de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C-182/08, Colet., p. I-8591, n.º 89).

35 Ao prever que certos juros pagos por uma sociedade residente a uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais, não sejam dedutíveis para efeitos da determinação dos lucros tributáveis da sociedade residente, uma legislação como a que está em causa no processo principal é suscetível de evitar práticas cujo único objetivo seja eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por atividades exercidas no território nacional. Por conseguinte, essa legislação é adequada para alcançar o objetivo de combate à fraude e evasão fiscais (v., por analogia, acórdão Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 77).

36 No entanto, há que verificar se a referida legislação não ultrapassa o necessário para alcançar esse objetivo.

37 A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se pode considerar que não vai além do necessário para evitar a fraude e evasão fiscais uma legislação que se baseia numa análise de elementos objetivos e verificáveis para determinar se uma transação tem caráter de expediente puramente artificial apenas para fins fiscais e que, sempre que a existência desse expediente não possa ser excluída, permite ao contribuinte, sem o submeter a contingências administrativas excessivas, apresentar elementos relativos às eventuais razões comerciais pelas quais esta transação foi concluída (v., neste sentido, acórdãos Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 82, e de 5 de julho de 2012, SIAT, C-318/10, n.° 50).

38 Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando a transação em causa ultrapasse o que as sociedades tinham acordado em circunstâncias de plena concorrência, a fim de não ser considerada desproporcionada, a medida fiscal de correção deve limitar-se à fração que ultrapasse o que tinha sido acordado nessas circunstâncias (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, n.° 83, e SIAT, n.° 52).

39 Neste caso, é certo, por um lado, que o artigo 61.°, n.° 6, do CIRC prevê que, com exceção dos casos de endividamento perante entidade residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável, a sociedade residente que contraiu um endividamento considerado excessivo para com uma sociedade de um país terceiro, com a qual mantém relações especiais, pode demonstrar que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento, em condições análogas, de uma entidade independente. Por outro lado, por força do artigo 61.°, n.° 1, do CIRC, apenas os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis.

40 Todavia, uma legislação como a que está em causa no processo principal ultrapassa o que é necessário para alcançar o seu objetivo.

41 Com efeito, como decorre do n.° 20 do presente acórdão, o conceito de «relações especiais», conforme definido no artigo 58.°, n.° 4 do CIRC, engloba situações que não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante de um país terceiro no capital da sociedade mutuária residente. Na falta de tal participação, resulta do modo de cálculo do excesso de endividamento previsto no artigo 61.°, n.° 3, do CIRC que qualquer endividamento existente entre estas duas sociedades deveria ser considerado excessivo.

42 Há que concluir que, nas circunstâncias descritas no número anterior, a legislação em causa no processo principal afeta também comportamentos cuja realidade económica não pode ser contestada. A referida legislação, ao presumir nessas circunstâncias uma erosão da base tributável do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas devido pela sociedade mutuária residente, vai além do que é necessário para alcançar o seu objetivo.

43 Por outro lado, na medida em que, segundo as indicações do Governo português resumidas no n.° 21 do presente acórdão, a legislação em causa no processo principal só se aplica às situações em que a sociedade mutuante detenha uma participação direta ou indireta no capital da sociedade mutuária, pelo que não se verifica a circunstância evocada no n.° 41 do presente acórdão, a verdade é que essa limitação do âmbito de aplicação desta legislação não decorre da sua redação que, pelo contrário, parece sugerir que também são abrangidas as relações especiais em que não existe essa participação.

44 Nestas circunstâncias, a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação. Consequentemente, não satisfaz as exigências da segurança jurídica segundo as quais as regras de direito devem ser claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, em especial quando podem ter consequências desfavoráveis para os indivíduos e as empresas. Ora, uma regra que não satisfaça as exigências do princípio da segurança jurídica não pode ser considerada proporcionada aos objetivos prosseguidos (v. acórdão SIAT, já referido, n.os 58 e 59).

45 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos da determinação do lucro tributável, não permite a deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações, quando, em caso de não participação da sociedade mutuante com sede num país terceiro no capital da sociedade mutuária residente, esta legislação presume, contudo, que qualquer endividamento desta última tem a natureza de um expediente cujo objetivo é eludir o imposto normalmente devido ou quando a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos da determinação do lucro tributável, não permite deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutuante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações, quando, em caso de não participação da sociedade mutuante com sede num país terceiro no capital da sociedade mutuária residente, esta legislação presume, contudo, que qualquer endividamento desta última tem a natureza de um expediente cujo objetivo é eludir o imposto normalmente devido ou quando a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação.

Competindo ao juiz nacional perante tal interpretação decidir da sua aplicação ao caso concreto importa desde já referir que a situação que se pretende ver decidida nesta revista é no seu contorno idêntica à apreciada pelo TJUE.

Efectivamente é manifesto que a situação em apreço nesta revista se enquadra na livre circulação de capitais, e que a mesma traduz um tratamento fiscal menos favorável de uma sociedade residente que contrai um endividamento que excede um certo nível para com uma sociedade com sede num país terceiro do que o tratamento reservado a uma sociedade residente que contrai o mesmo endividamento para com uma sociedade residente no território nacional ou noutro Estado-Membro.

E o que está em causa é decidir se tal discriminação se pode justificar como forma de evitar práticas cujo único objectivo seja iludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por actividades exercidas em território nacional.

Mas reconhecendo, embora, com o TJUE que os preceitos em causa – artigo 61 e 58 do CIRC são adequados como forma de evitar a evasão e fraude fiscal temos de convir com o mesmo Tribunal que tal restrição se mostra desproporcionada o fim visado.

Como bem se refere no aresto em causa “englobando o artigo 58 do CIRC situações que não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante de um pais terceiro no capital da sociedade mutuária residente e constatando-se que na falta dessa participação resulta do modo de cálculo do excesso de endividamento previsto no nº 3 do artigo 61 que qualquer endividamento existente entre estas duas sociedades deveria ser considerado excessivo o artigo 61 consagra uma medida discriminatória limitadora da livre circulação de capitais pois que apenas as entidades não residentes ficam sujeitas ao regime do artigo 61 do CIRC quando o direito tributário em sede de IRC não distingue para efeitos de determinação de rendimento tributável em sede de IRC entre sociedades com sócios residentes e sociedades com sócios não residentes não se justificando por isso esse tratamento diferenciado”.

Assim sendo só perante situações em que o interesse geral justificasse esta restrição à liberdade de circulação que o artigo 63 do TSFUE garante é que este regime poderia ser admitido.

E se é certo que a evasão e luta contra a fraude fiscal e a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais são situações previstas no artigo 65 do TSFUE que permitem aos Estados Membros tomarem medidas que de algum modo restrinjam a liberdade de circulação referida tais medidas não podem em caso algum constituir um meio de discriminação arbitrária ou de dissimulação à livre circulação de capitais e pagamentos cfr nº 3 do artigo 65 do TSFUE.

O que implica que para que tais medidas restritivas possam ser aplicadas terão que ser apresentadas razões que o justifiquem dado que só assim se pode controlar a sua adequação e proporcionalidade.

O que no caso em apreço não sucede.

Neste sentido vejam-se também os acórdãos deste STA de 04 06 2008 in processo 275/08 e de 12 11 2008 in processo 0281/88.

A aplicação do artigo 61/1 no caso em análise viola o artigo 63 do TSFUE e a Convenção Sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América cfr – artigo 26/4 e 6 normas de direito internacional que por força do disposto nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 8º da CRP fazem parte integrante do direito português”.

O detalhe, a clareza e a absoluta identidade dos dois processos não deixam margem para dúvidas sobre o desfecho desta análise, como já antes avançámos, sublinhando-se, uma vez mais, a circunstância de a análise transcrita ter sido efectuada pelo STA em sede de recurso de revista.

O acto tributário impugnado é ilegal, pois viola os normativos melhor identificados no penúltimo parágrafo, restando a este Tribunal reconhecer a sua invalidade, anulando-o, o que aqui se determina.

Fica, assim, prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados na impugnação judicial.

*

Suscita-se, ainda, nas contra-alegações questão atinente ao valor do recurso, tal como indicado pela Fazenda Pública, ora Recorrente.

Sustenta a Recorrida o seguinte:


«Imagem no original»



«Imagem no original»

Vejamos.

Na p.i de impugnação, a Impugnante, a propósito do valor da acção, remeteu a sua fixação para o juiz, nos termos do nº2 do artigo 97º -A do CPPT, “uma vez que a presente impugnação não pretende anular imposto liquidado, mas anular uma correcção efectuada aos prejuízos apurados”.

Não se vislumbra que a Mma. Juíza se tenha debruçado sobre tal questão, não se descortinando pronúncia sobre tal.

No articulado de recurso, a Fazenda Pública indica como valor do processo a quantia de € 3.332.208,11, o que suscita a discordância da Recorrida nos termos assinalados.

Vejamos.

No caso está em causa a impugnação de um acto tributário que, não gerando imediatamente liquidação de imposto, altera os prejuízos fiscais, fruto da correspondente correcção efectuada, no valor de € 2.614.595,56.

Assim sendo, fica arredada a aplicação ao caso do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 97º-A do CPPT, nos termos a qual “1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende”.

A regra a convocar será a prevista na alínea b) do mesmo preceito, a qual dispõe que “1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado”, não se justificando o apelo ao disposto no nº 2 do mesmo preceito, segundo o qual “2 - Nos casos não previstos nos números anteriores, o valor é fixado pelo juiz, tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do impugnante, tendo como limite máximo o valor da alçada da 1.ª instância dos tribunais judiciais”.

Significa isto que o valor da causa deve ser fixado em € 2.614.595,56, o que aqui, desde já, se determina.

Não se aceita, nem tem qualquer fundamento legal, a pretensão da Recorrida de ver o valor da causa fixado no equivalente à “aplicação da taxa de IRC em vigor em 2004 sobre o valor da correcção efectuada”, já que, como bem se explicou num caso com contornos idênticos àquele que aqui se discute, “… a utilidade económica imediata do pedido não é o equivalente ao montante de imposto que o impugnado poderá hipoteticamente deixar de pagar, seguramente inferior ao montante das correcções impugnadas. A utilidade económica imediata advém da (também) hipotética utilização do montante dos prejuízos em exercícios futuros. Hipotética visto que a sua utilização esta dependente de circunstâncias contingentes, que poderão ou não verificar-se.

Por isso não nos parece correcto que se afirme que tal utilidade económica imediata é igual ao imposto que deixará de ser pago. Na definição clássica de imposto este é tido como a imposição coactiva de uma prestação patrimonial, sem natureza sinalagmática; fazer equivaler o hipotético montante do imposto que a impugnada embolsaria no futuro (por não ter de o pagar) ao valor da causa equivale a substituir o conceito de utilidade económica imediata por uma virtual desoneração do sacrifício futuro que o imposto representa para o contribuinte.

(…)

Por conseguinte, a utilidade económica que resulta da anulação das correcções não é imediata.

Donde, a utilidade económica imediata só poder ser aferida pelo valor das correcções impugnadas, na medida em que o prejuízo que as mesmas representam passa a integrar imediatamente o leque de direitos do impugnado se este obtiver ganho de causa. Dito de outro modo, a utilidade económica imediata não é nem pode ser o hipotético valor do imposto futuro, que nem se sabe se vai ser liquidado.

Por isso toda a construção do valor do processo, assente numa realidade hipotética, virtual, incerta pela natureza das coisas, não se adequa ao conceito de utilidade económica imediata, tendo contra si dois argumentos de peso: em primeiro lugar o reporte de prejuízos tem um limite temporal de cinco anos (artigo 52.º do CIRC), pelo que o eventual benefício ou utilidade derivada da anulação das correcções não passa de uma mera hipótese.

O que conflitua com a natureza do conceito de utilidade económica imediata, que não se compatibiliza com uma projecção para o futuro, não se compadece com a absoluta incerteza quanto à ocorrência do evento que o desencadeia. O que sucede no caso em apreço, em que não é possível afirmar com toda a certeza que o impugnado poderá deduzir os prejuízos nos cinco exercícios posteriores.

Em segundo lugar, a redacção legal briga com tal entendimento. É que a alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, não consente a interpretação lata que dela faz o impugnado. E onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

Concluiu-se, portanto, pela completa imprestabilidade da alínea a) para determinar o valor da causa no caso sub judice.

Resta, portanto, a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT.

*

2.2.10. No que concerne à alínea b), embora se reconheça, como já se disse, que a sua redacção pode gerar potenciais situações de desigualdade no tratamento dado a situações aparentemente semelhantes, consoante haja ou não liquidação de imposto a pagar, a letra da lei não deixa margem para dúvidas: quando não tenha havido liquidação (no sentido de imposto a pagar) ou o imposto liquidado não seja impugnado, o valor da causa é igual ao valor contestado da fixação da matéria tributável.

Esta nossa interpretação da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT afigura-se-nos ser a única que se compatibiliza com cânone hermenêutico do artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, segundo o qual não pode ser tida em consideração uma interpretação que não tenha um mínimo de correspondência verbal com a letra da lei, ainda que imperfeitamente expressado, interpretação que corresponde à visão doutrinal, de que a letra da lei é o ponto de partida, mas também o ponto de chegada, de toda a interpretação da norma jurídica” – cfr. acórdão do TCA Sul, de 17/01/19, do processo nº 62/18.4BCLSB.

*

Impõe-se, ainda, analisar o que se segue, com respeito à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando que o valor da causa é de € 2.614.595,56.

Seguiremos, na apreciação que se segue, o acórdão de 26/01/17, proferido no recurso nº 516/15.4 BELLE, deste TCA Sul.

Assim:

“(…) As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).

O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:

Artigo 6.º

Regras gerais

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.

4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.

5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.

7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).

O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.

A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.

Releve-se que a dita decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2014, rec.129/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7270/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).

Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:

Artigo 530º.

Taxa de justiça

(…)

7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).

Já no que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.9437/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13)”.

Regressando ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e do grau complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais (que, em abstracto, era significativo mas que, no momento actual, fruto da actividade jurisprudencial citada, acabou por se revelar muito simplificado, sendo esta uma decisão, em grande linha, proferida por remissão para acórdãos anteriores), deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora. Com efeito, em concreto, as questões revelaram-se de complexidade diminuta, devendo considerar-se, ainda, que a conduta processual das partes foi a normal e adequada ao desenvolvimento do processo.

Cabe, pois, aplicar a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP, o que seguidamente se determinará.

*

III - DECISÃO

Face ao exposto, decide-se:

-conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

- conhecendo em substituição, julgar procedente a impugnação judicial e anular o acto tributário impugnado, respeitante ao IRC do exercício de 2004.

Custas pela Fazenda Pública, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Registe e notifique.

Lisboa, 03/01/21

Catarina Almeida e Sousa.”


***

O acabado de expor mantém-se inteiramente válido, sufragado por este colectivo, não se justificando, assim, alterar a decisão sumária reclamada.

Diga-se, contudo, e não desconsiderando o alegado nesta reclamação, que o entendimento que cabe ao Relator sobre a simplicidade da questão a decidir (cfr. artigo 656º do CPC) resulta de uma avaliação do próprio, subjectiva, como tal. No caso, foi ponderada precisamente a circunstância de o STA, em recente recurso de Revista, ter apreciado precisamente a mesma que aqui nos ocupa, à qual está subjacente o mesmo circunstancialismo de facto.

Em todo o caso, a possibilidade de reclamar para a conferência e ver recair uma decisão colegial sobre o recurso jurisdicional, pela parte que se considera prejudicada pela decisão sumária, resulta na inexistência de qualquer prejuízo para os direitos e defesa da Recorrente, ora Reclamante.

No mais, quanto à invocação do artigo 665.º do CPC, e à desnecessidade da audição das partes, resulta manifesto que tal questão perde interesse, sabido que, face à posição da Relatora e à prolação de acórdão em resultado da reclamação para a conferência, a Reclamante teve oportunidade de se pronunciar, afastando-se qualquer surpresa quanto ao decidido.


*

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente reclamação para a conferência, confirmando-se a decisão sumária reclamada, proferida em 03/01/21.

Condena-se a Reclamante pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.

Lisboa, 29/04/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]


Catarina Almeida e Sousa