Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02667/08
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/01/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO.
NORMA CONSTANTE DO ARTº.102, Nº.1, AL.F), DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
DATA EM QUE SE CONSIDERA EFECTUADA A NOTIFICAÇÃO PESSOAL DA LIQUIDAÇÃO.
TERMO INICIAL DO PRAZO PREVISTO NO ARTº.102, Nº.1, AL.A), DO C. P. P. TRIBUTÁRIO.
CÔMPUTO DO PRAZO DO RECURSO A DEDUZIR AO ABRIGO DO ARTº.89-A, Nº.6, DA L. G. TRIBUTÁRIA.
Sumário:
1. Atentos os fundamentos e o pedido deduzido pelo impugnante na p.i. que originou o presente processo, deve concluir-se que os vícios imputados à liquidação que é seu objecto se reconduzem à mera anulabilidade da mesma, dado não se configurarem como ofensivos do conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr.artº.133, do C.P.Administrativo), pelo que, não aproveita ao recorrente a possibilidade de dedução da impugnação a todo o tempo prevista no artº.102, nº.3, do C. P. P. Tributário, e específica para os actos nulos (cfr.artº.134, nº.2, do C.P.A.; artº.58, nº.1, do C.P.T.A.).
2. A norma constante do artº.102, nº.1, al.f), do C.P.P.Tributário, a qual aponta como termo inicial do prazo de noventa dias para dedução da impugnação o momento do “conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos pelas alíneas anteriores”, somente tem aplicação nos casos de actos que não devam ser notificados, portanto em que o termo inicial do prazo de impugnação se não compute a partir da notificação, como se prevê actualmente no artº.59, nº.3, al.c), do C. P. T. A., o que só sucederá relativamente a impugnações deduzidas por quem não tenha, nem deva ter, intervenção no procedimento tributário.
3. Dos artºs.240, nº.3, e 241.º do C. P. Civil, nas redacções vigentes em Dezembro de 2005, devia concluir-se que a notificação pessoal se considerava efectuada na data em que ocorre a afixação da nota no domicílio do destinatário e visando a mesma notificação, mais se presumindo que o acto foi efectuado, salvo se o notificando alegar e provar que não chegou a ter conhecimento do mesmo por motivo que não lhe foi imputável, nos termos do artº.190, nº.6, do C. P. P. Tributário.
4. O prazo previsto no artº.102, nº.1, al.a), do C. P. P. Tributário, só inicia a sua contagem no dia seguinte àquele em que termina o período de pagamento voluntário da liquidação, o qual, por sua vez, nos termos conjugados do citado preceito com o artº.85, nº.1, do mesmo diploma, se fixa em 30 dias após a data da respectiva notificação. Assim, o prazo para pagamento voluntário relevante é o que decorre da aplicação das disposições legais indicadas e não aquele que, por via administrativa, é aposto pelos serviços na nota de liquidação.
5. O recurso a deduzir ao abrigo do artº.89-A, nº.6, da L. G. Tributária, tem o prazo de dez dias consagrado no artº.146-B, nº.2, do C. P. P. Tributário, “ex vi” do artº.89-A, nº.7, da L. G. Tributária, prazo este de natureza substantiva e que se conta nos termos do artº.279, do C. Civil.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pela Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.172 a 185 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada tendo por objecto uma liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2001 e no montante total de € 52.740,96.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.199 a 205 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A ora recorrente nunca, em tempo nenhum, residiu ou teve residência em Portugal;
2-Antes, sempre residiu em Angola, de onde é natural e onde sempre exerceu a profissão de Despachante Oficial;
3-Se sempre residiu, como efectivamente residiu e reside em Angola, o facto de possuir um imóvel em Portugal, isso é irrelevante para o efeito de ser obrigada à apresentação das declarações do I.R.S., relativamente aos rendimentos auferidos em Portugal;
4-Na situação concreta da recorrente, os rendimentos do trabalho auferidos em Portugal, estavam sujeitos à retenção do I.R.S. à taxa de 25%, a título definitivo, visto ser residente no estrangeiro;
5-Não devia, pois, a recorrente, como fez erradamente, ter entregue a declaração modo 3 de I.R.S., no ano de 2001 e nem tão pouco qualquer outra, anterior ou posterior;
6-Sendo, como é e sempre foi, residente no estrangeiro, não se lhe pode aplicar, salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, o regime do nº.4, do artº.89-A, da L. G. Tributária;
7-Assim, foi errado o procedimento iniciado pela A. Fiscal com vista a presumir rendimento sujeito a I.R.S. no ano de 2001, na base de índices exteriores de riqueza, como aconteceu;
8-O facto de ter adquirido um imóvel em Portugal, no ano de 1998 e ter-­lhe sido concedida a isenção da Contribuição Autárquica (C.A.), isso não é relevante para que se tenha considerado que a recorrente alguma vez tivesse residido em Portugal, como pretende a douta sentença;
9-Se beneficiou da isenção de C. A., não se lhe podem ser assacadas responsabilidades, porque a culpa só à A. Fiscal é imputável, pois não exercitou o dever de fiscalização, muito embora a recorrente não rejeite culpas por ter declarado, erradamente, que o imóvel se destinava a sua habitação permanente, mais devendo, desde já, referi-lo com toda a verdade, que desconhecia as consequências de tal informação;
10-Estando em causa “actos lesivos dos interesses legitimamente protegidos” (alínea f), do nº.1, do artº.102, do C.P.P.T.) e tendo a ora recorrente tido efectivo e oficial conhecimento de todos os procedimentos que deram causa às liquidações impugnadas, com e após a citação no processo executivo nº.1597-2006/100517.0, ocorrida em 8 de Junho de 2006, a p.i. não é, como refere a douta sentença, extemporânea;
11-Por tais razões, nunca o prazo previsto no artº.146-B, do C. P. P. Tributário, podia ou pode ser invocado.
Termina pugnando por que se conceda provimento ao recurso e se julgue a impugnação procedente.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do presente recurso, sustentando, em síntese (cfr.fls.220 dos autos):
1-Que a recorrente não pode esperar ganho de causa, desde logo porque não põe em causa a matéria de facto provada na sentença recorrida;
2-Que a sentença recorrida deve ser mantida, dado que correctamente elaborada e não padecendo de qualquer vício que a inquine;
3-Mais deve utilizar-se o mecanismo processual previsto no artº.713, nºs.5 e 6, do C. P. Civil.
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.221 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.174 a 178 dos autos):
1-Em 19/9/1995, foi emitido pela Direcção Nacional das Alfandegas, do Ministério das Finanças da República de Angola, um “Alvará” em nome da impugnante de despachante oficial junto da Alfândega de Luanda (cfr.documento junto a fls.17 dos autos);
2-Em 9/3/1998, foi constituída a sociedade por quotas sob a firma “Imporxira - Sociedade de Importação e Exportação, L.da.”, de cuja escritura consta a ora impugnante como sendo sócia e gerente da mesma e com residência em Rua José Malhoa, nº.305, Marisol, Charneca da Caparica (cfr.documento junto a fls.93 a 97 do processo instrutor apenso);
3-Em 1/3/1999, a ora impugnante procedeu à entrega do pedido de isenção de Contribuição Autárquica, relativo à aquisição por escritura pública de 27/10/1998, da fracção autónoma designada pela letra “X” que corresponde ao 3º.B, Bloco 1, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Alverca, inscrito na matriz predial sob o art.6358, no qual declara tratar-se a fracção para habituação própria permanente (cfr.documentos juntos a fls.125, 126 e 191 do processo instrutor apenso);
4-Do anexo J, da declaração modelo 22, da sociedade identificada no ponto 2 consta que esta pagou, nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, rendimentos de trabalho dependente à ora impugnante (cfr.documentos juntos a fls.111 e 112 do processo instrutor apenso);
5-Em 30/9/2004, foi celebrada a escritura de dissolução da sociedade identificada no ponto 2, da qual consta que a impugnante tem residência na Rua José Malhoa, nº.20, Marisol, na Charneca da Caparica (cfr.documento junto a fls.105 e seg. do processo instrutor apenso);
6-Por ofício de 22/9/2005, foi a impugnante notificada, por carta registada, para exercer o seu direito de audição prévia, relativamente à intenção de proceder a correcções à sua declaração modelo 3 de I.R.S. do exercício de 2001 (cfr.documento junto a fls.143 e seg. do processo instrutor apenso);
7-Em 18/10/2005, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária, do qual consta que a ora impugnante adquiriu em 2001, pelo preço de € 248.750,51, a viatura automóvel de matrícula 70-32-SM, da marca Ferrari, conforme factura NR 10029 de 25/10/2001, quando da declaração de rendimentos para efeitos de I.R.S. apresentada com respeito a esse exercício (lote 10898 40 - 2002-03-05), omitiu no Quadro das Informações Diversas, quaisquer manifestações de fortuna, tendo os rendimentos declarados da categoria A e a matéria colectável de € 1.203,08, confrontando-se pois, uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão apurado pela aplicação da tabela referida no nº.4, do artº.89-A, da L.G.T. (cfr.documento junto a fls.154 a 157 do processo instrutor apenso);
8-Por ofício de 15/11/2005, foi remetida à impugnante notificação da correcção da sua declaração modelo 3 de I.R.S. do exercício de 2001, nos termos do Relatório identificado no ponto anterior, tendo a carta sido devolvida (cfr.documentos juntos a fls.148 a 151 dos processo instrutor apenso);
9-Em 30/11/2005, foi emitido um mandado de notificação das conclusões do Relatório da Inspecção Tributária (cfr.documento junto a fls.152 do processo instrutor apenso);
10-No dia 30/11/2005, para cumprimento do mandado identificado no ponto anterior, foi afixada uma “Certidão de Marcação de Hora Certa para Notificação”, para proceder à notificação em 2/12/2005, pelas 15h30m (cfr.documento junto a fls.158 dos processo instrutor apenso; documento junto a fls.43 dos presentes autos);
11-Por ninguém se encontrar presente no dia e hora marcados para a notificação, foi afixado na porta da residência um ofício donde consta o objecto da notificação (cfr. documento junto a fls.159 do processo instrutor apenso; documento junto a fls.44 dos presentes autos);
12-Em 21/12/2005, foi emitida a “Demonstração de Acerto de Contas” da liquidação de I.R.S. de 2001, de acordo com a qual existe um montante a pagar no total de € 52.740,96, com data limite de pagamento de 30/1/2006 (cfr.documento junto a fls.10 dos presentes autos);
13-Em 21/12/2005, foi emitida a “demonstração de Liquidação de Juros” referente ao I.R.S. de 2001 (cfr.documento junto a fls.11 dos presentes autos);
14-Em 23/12/2005, foi deixada na porta da residência da impugnante uma nova “certidão marcando hora certa” para o dia 26/12/2005 (cfr.documento junto a fls.46 dos presentes autos);
15-Em 27/12/2005, foi afixado na porta da impugnante uma “Nota de Notificação” de acordo com a qual a impugnante ficou notificada, por afixação à porta da sua residência, em virtude de ninguém se encontrar na casa, sendo ainda feita menção de que seriam enviadas cópias em carta registada nos termos do artº.241, do C. P. Civil (cfr.documentos juntos a fls.48 e 49 dos presentes autos);
16-Em 28/3/2006, a ora impugnante procedeu à alteração do seu cadastro como contribuinte, da qual passa a constar que reside no estrangeiro, tendo como sua legal representante em Portugal Maria Margarida Arantes Ferreira, residente na Rua da Bela Vista, nº.4, Ericeira - Mafra (cfr.documento junto a fls.70 do processo instrutor apenso);
17-Do extracto informático da Direcção Geral dos Impostos, resulta que a ora impugnante, entre os anos de 1998 e 2004, procedeu à entrega das suas declarações, modelo 3, de I.R.S., apresentando apenas rendimentos da categoria A de I.R.S. (cfr. documentos juntos a fls.73 e 169 a 184 do processo instrutor apenso);
18-Foram emitidos pela Direcção Nacional das Alfandegas, da República de Angola, diversas autorizações de permanência da impugnante em Portugal, por motivos de doença, sendo o primeiro de Setembro de 2000 (cfr.documentos juntos a fls.19 a 26 dos presentes autos);
19-A presente impugnação deu entrada no extinto Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures em 11/7/2006 (cfr.carimbo aposto na folha de rosto da p.i.).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte “…Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
20-A impugnante, A..., com o n.i.f. 216 426 405, até 28/3/2006, tinha o domicílio fiscal em Portugal sito na Rua António Sérgio, nº.1, R/ch. Esq., 2600-105 Vila Franca de Xira, pertencente à área do 1º. Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira (cfr.documentos juntos a fls.68 a 72 do processo instrutor apenso; informação exarada a fls.195 a 208 do processo instrutor apenso; factualidade admitida pela impugnante na p.i.);
21-A carta registada a que se refere o nº.6 supra, foi enviada para o domicílio fiscal da impugnante, tendo sido entregue em 27/9/2005 (cfr.documentos juntos a fls.143 a 146 do processo instrutor apenso; informação exarada a fls.195 a 208 do processo instrutor apenso);
22-O ofício de notificação mencionado no nº.8 acima foi expedido para o domicílio fiscal da impugnante, através de carta registada com a.r., tendo sido devolvido com a menção “não reclamado no prazo regulamentar” (cfr.documentos juntos a fls.148 a 151 do processo instrutor apenso);
23-O mandado de notificação a que alude o nº.9 da matéria de facto foi emitido para o domicílio fiscal da impugnante (cfr.documento junto a fls.152 do processo instrutor apenso);
24-Na sequência da afixação na porta de residência da impugnante a que se refere o nº.11 supra, em 2/12/2005 a A. Fiscal enviou para o seu domicílio fiscal carta registada comunicando-lhe a data e o modo pelo qual foi realizada a notificação das conclusões do Relatório da Inspecção Tributária, tal como o prazo de dez dias fixado na lei para deduzir recurso nos termos do artº.89-A, nº.6, da L. G. Tributária (cfr.documento junto a fls.160 do processo instrutor apenso);
25-Na sequência da tentativa de notificação identificada no nº.24, os serviços dos C.T.T. deixaram na caixa do correio da residência da impugnante um aviso de entrega de correio registado, datado de 6/12/2005, emitido devido ao facto de o funcionário respectivo não ter sido atendido pelas 14h.25m. (cfr.documento junto a fls.52 dos presentes autos; factualidade admitida pela impugnante no artº.32 da p.i.);
26-Em 22/12/2005, foi emitido um mandado de notificação da impugnante para o seu domicílio fiscal visando a sua notificação das liquidações identificadas nos nºs.12 e 13 da matéria de facto provada (cfr.documento junto a fls.50 dos presentes autos);
27-Em 23/12/2005, foi deixada no domicílio fiscal da impugnante uma “certidão marcando hora certa” para o dia 27/12/2005 (cfr.documento junto a fls.47 dos presentes autos);
28-A “Nota de Notificação” a que se refere o nº.15 da matéria de facto provada foi deixada no domicílio fiscal da recorrente (cfr.documento junto a fls.49 dos presentes autos);
29-Na sequência da notificação através de carta registada, nos termos do artº.241, do C. P. Civil, e a que se faz referência no nº.15 supra, os serviços dos C.T.T. deixaram na caixa do correio da residência da impugnante um aviso de entrega de correio registado, datado de 28/12/2005, emitido devido ao facto de o funcionário respectivo não ter sido atendido pelas 11h.50m. (cfr.documento junto a fls.55 dos presentes autos; factualidade admitida pela impugnante no artº.32 da p.i.).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude da procedência da excepção de caducidade do direito de acção.
X
A recorrente dissente do julgado alegando antes de mais, como supra se alude, que estando em causa “actos lesivos dos interesses legitimamente protegidos” (alínea f), do nº.1, do artº.102, do C.P.P.T.) e somente tendo efectivo e oficial conhecimento de todos os procedimentos que deram causa às liquidações impugnadas, com e após a citação no processo executivo nº.1597-2006/100517.0, ocorrida em 8 de Junho de 2006, a p.i. não é, como refere a douta sentença, extemporânea e, por outro lado, que nunca o prazo previsto no artº.146-B, do C. P. P. Tributário, pode ser invocado no caso concreto (cfr. conclusões 10 a 11 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Desde logo, se deve trazer à colação a factualidade constante da p.i. (artº.1) que deu origem ao presente processo, a qual consiste em a ora recorrente ter alegado que teve conhecimento efectivo da liquidação objecto do presente processo em 21/3/2006, mais referindo que tal conhecimento se ficara a dever aos documentos que encontrou afixados na porta da sua morada em Portugal.
Nas conclusões do presente recurso, já vem a impugnante dizer que somente teve efectivo e oficial conhecimento de todos os procedimentos que deram causa às liquidações impugnadas, com e após a citação no processo executivo nº.1597-2006/100517.0, ocorrida em 8 de Junho de 2006.
Sublinhe-se esta divergência de datas narradas pela mesma parte processual.
Passemos ao exame da excepção de caducidade do direito de acção considerada procedente pela decisão objecto do presente recurso.
O prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública (cfr.artº.333, nº.1, do C.Civil; artº.123, do C.P.Tributário; artº.102, do C.P.P. Tributário, aprovado pelo dec.lei 433/99, de 26/10; Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 3ª. edição, 1997, pág.276; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/6/95, rec.19056, Ap. D.R., 14/8/97, pág.1725 e seg.).
A contagem do prazo para interposição de recurso contencioso de impugnação deve fazer-se nos termos do artº.279, do C. Civil, isto é, de forma contínua e sem qualquer desconto dos dias não úteis (cfr.artº.49, nº.2, do C.P.Tributário; artº.20, nº.1, do C.P.P. Tributário).
Assente que a contagem do prazo para dedução da impugnação judicial se faz de acordo com as regras previstas no artº.279, do C. Civil, haverá que apurar qual o “dies ad quem” dessa contagem no caso concreto. Desde logo, se dirá que os fundamentos e o pedido deduzido pelo impugnante na p.i. que originou o presente processo nos levam a concluir que os vícios imputados à liquidação que é seu objecto se reconduzem à mera anulabilidade da mesma, dado não se configurarem como ofensivos do conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr.artº.133, do C.P.Administrativo; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 22/6/2005, proc.1259/04). Nestes termos, não aproveita ao recorrente a possibilidade de dedução da impugnação a todo o tempo prevista no artº.102, nº.3, do C. P. P. Tributário, específica para os actos nulos (cfr.artº.134, nº.2, do C.P.A.; artº.58, nº.1, do C.P.T.A.).
Qual, então, o termo inicial do prazo de noventa dias previsto no artº.102, nº.1, do C. P. P. Tributário.
O recorrente apela à utilização da norma constante do artº.102, nº.1, al.f), do mesmo diploma, a qual aponta como termo inicial do prazo de noventa dias o momento do “conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos pelas alíneas anteriores”. Ora, esta norma somente tem aplicação nos casos de actos que não devam ser notificados, portanto em que o termo inicial do prazo de impugnação se não compute a partir da notificação, como se prevê actualmente no artº.59, nº.3, al.c), do C. P. T. A., o que só sucederá relativamente a impugnações deduzidas por quem não tenha, nem deva ter, intervenção no procedimento tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.741; João António Valente Torrão, C.P.P.T. anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.450 e notas 378 e 379; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/3/2010, proc.3350/09). Concluindo, a norma constante do artº.102, nº.1, al.f), do C. P. P. Tributário, revela um âmbito de utilização reduzido, não sendo aplicável ao caso “sub judice”, contrariamente ao que pretende o recorrente. Pelo que, o termo inicial do prazo de noventa dias se deve determinar de acordo com a regra prevista no artº.102, nº.1, al.a), do mesmo diploma.
Defende a sentença objecto do presente recurso que, de acordo com a matéria de facto provada, que se deve considerar a recorrente notificada regularmente da alteração efectuada à sua declaração de rendimentos de I.R.S. de 2001, em 27/12/2005.
Analisemos se assim se pode concluir.
Desde logo, se dirá que a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).
Por outro lado, o domicílio fiscal dos sujeitos passivos singulares é o local da residência habitual destes (cfr.artº.19, nº.1, al.a), da L.G.Tributária). O domicílio fiscal é, assim, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (cfr.António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, pág.119; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.21 e seg.).
A presunção de notificação prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C. P. P. Tributário, funciona em duas situações, a saber:
1-recusa do destinatário a receber a notificação;
2-não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se provar que, entretanto, o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal.
Ainda, a menção na carta de “não reclamado” tem ínsita, nos termos dos Regulamentos dos Correios, a consequência de que foram deixados avisos que permitem o seu levantamento ou “reclamação” da carta nos correios, competindo ao destinatário a prova que tais avisos não lhe foram facultados. Não tendo sido feita esta prova por parte do destinatário, verifica-se a presunção da sua notificação no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte, quando esse primeiro dia não seja útil, conforme se retira do citado artº.39, nº.6, do C. P. P. Tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/1/2010, rec.807/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/5/2010, rec.130/10; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.355 e seg.).
No caso “sub judice”, conforme resulta da matéria de facto provada (cfr.nºs.8 e 22 da matéria de facto provada), deve concluir-se que a A. Fiscal procedeu à correcta notificação da recorrente e para o seu domicílio fiscal no que diz respeito à correcção da sua declaração modelo 3 de I.R.S. do exercício de 2001.
Já no que diz respeito à notificação das liquidações de I.R.S. e juros compensatórios de 2001, foi a mesma efectuada através de contacto pessoal, decidido pela A. Fiscal e legitimado pelo artº.38, nºs.5 e 6, do C. P. P. Tributário, sendo as respectivas regras consagradas nos artºs.190 e seg. do mesmo diploma, e artºs.239 e seg., do C. P. Civil, para onde remete o artº.192, nº.1, do C. P. P. Tributário, notificação essa igualmente efectuada para o domicílio fiscal da recorrente (cfr.nºs.14, 15, 20 e 26 a 29 da matéria de facto provada).
Ora, dos artºs.240, nº.3, e 241.º do C. P. Civil, nas redacções vigentes em Dezembro de 2005, devia concluir-se que a notificação pessoal se considerava efectuada na data em que ocorre a afixação da nota visando a mesma notificação, mais se presumindo que o acto foi efectuado, salvo se o destinatário alegar e provar que não chegou a ter conhecimento do mesmo por motivo que não lhe foi imputável, nos termos do artº.190, nº.6, do C. P. P. Tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/10/2009, rec.128/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.276).
Voltando ao caso concreto, a “nota de notificação” foi afixada no domicílio fiscal da recorrente em 27/12/2005, pelo que se deve considerar que foi nessa data que ocorreu a notificação do sujeito passivo (cfr.nºs.15 e 28 da matéria de facto provada), conforme igualmente concluiu a sentença recorrida.
Mais se devendo relevar que foi dado cumprimento ao disposto no artº.241, do C. P. Civil, através de carta registada não entregue pelo funcionário dos C.T.T. (cfr.nº.29 da matéria de facto provada).
Avançando, tendo a A. Fiscal fixado o prazo de pagamento voluntário das liquidações de I.R.S. objecto do presente processo com termo final em 30/1/2006 (cfr.nº.12 da matéria de facto provada), deve o prazo de noventa dias fixado no artº.102, nº.1, al.a), do C. P. P. Tributário, ser computado entre 31/1/2006 e 30/4/2006, um domingo, assim passando o termo final de tal emprazamento para o primeiro dia útil seguinte, 2/5/2006 (terça-feira), atento o disposto no artº.279, al.e), do C. Civil (esta a data do termo final do período para dedução da presente impugnação por parte da recorrente).
Levando em consideração a matéria de facto provada (cfr.nº.19 da matéria de facto provada), a presente impugnação deu entrada no extinto Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures em 11/7/2006, pelo que se deve julgar manifestamente intempestiva, assim se confirmando a sentença objecto do presente recurso, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
Passando ao eventual recurso a deduzir pela recorrente ao abrigo do artº.89-A, nº.6, da L. G. Tributária, tinha a mesma o prazo de dez dias consagrado no artº.146-B, nº.2, do C. P. P. Tributário, “ex vi” do artº.89-A, nº.7, da L. G. Tributária, prazo este igualmente de natureza substantiva e que se conta nos termos do artº.279, do C. Civil (cfr.artº.20, nº.1, do C.P.P.Tributário; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.1071, nota 4; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.454; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/1/2005, proc.419/04).
No caso concreto, a recorrente considera-se notificada da decisão de correcção da matéria colectável de I.R.S., através de métodos indirectos e relativa ao ano fiscal de 2001, no pretérito dia 2/12/2005 (cfr.nºs.9 a 11 e 23 a 25 da matéria de facto provada), pelo que o termo final do referido prazo de dez dias ocorreu em 12/12/2005, uma segunda-feira, sendo manifestamente intempestivo o recurso deduzido no pretérito dia 11/7/2006 (cfr.nº.19 da matéria de facto provada).
Em conclusão, também nesta parte se deve confirmar a sentença recorrida e julgar improcedente o recurso deduzido, prejudicada ficando a análise dos restantes fundamentos do mesmo (cfr.nexo de prejudicialidade face à procedência da excepção de caducidade do direito de acção - cfr.artº.660, nº.2, do C.P.Civil).
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se a recorrente em custas.
X
Lisboa, 1 de Março de 2011



(Joaquim Condesso - Relator)


(Lucas Martins - 1º. Adjunto)



(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)