Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8391/15.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRS;
COMISSÕES;
ART. 2.º, N.º 2 DO CIRS.
Sumário:1. Para sustentar uma correcção à declaração do contribuinte em sede de IRS com fundamento no disposto no art. 2.º, n.º 2 do CIRS (na redacção aplicável à época) de que determinadas comissões omitidas na contabilidade da sociedade constituem rendimento do trabalho depende dos seus administradores, importava que a AT recolhesse indícios fundados de que aquelas comissões foram pagas ou colocadas à disposição do seu titular (n.º 1 do mesmo preceito legal).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por A... e M..., contra a liquidação de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativa ao ano de 1994, no montante de Esc. 206.620$00.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
a) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por A... e M..., contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (doravante" IRS") relativa ao exercício de 1994.

b) Na sentença, de que ora se recorre, considerou o Tribunal a quo que razão assistia aos impugnantes porquanto considera que não existiu, por parte da Administração Tributária, a demonstração que o rendimento em causa, e que corresponde a comissões pagas por companhias de aviação à sociedade, tenha sido efectivamente recebido pelos Impugnantes no âmbito do desenvolvimento da sua actividade profissional, isto é, como Administradores da sociedade e portanto insertos como rendimento de categoria A, conforme estabelece o n.0 2 do artigo 2.0 do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (doravante CIRS).

c) Considerou ainda que a decisão da administração tributaria, consubstanciada na liquidação impugnada, padece de do vicio de falta de fundamentação, dado que do teor do Relatório de Inspecção não resulta, de forma cabal, as razões de facto e de Direito que levaram à imputação dos montantes, recebidos a títulos de comissões pela sociedade e não contabilizados na esfera desta sociedade, aos gerentes da sociedade, e, mais concretamente, aos aqui impugnantes.

d) Com tais entendimentos não nos podemos conformar, e por assim ser contra esta decisão convocamos a seguinte argumentação:

e) Nos presentes autos foi produzida prova documental que compreende factos susceptíveis de atender a ilações contrárias ao entendimento jurídico do tribunal a quo.

f) Entre ela, a prova inequívoca de que a sociedade, tal como consta de declaração, contida no teor do documento junto aos autos em que o impugnante, na qualidade de administrador da sociedade U..., SA, atesta, o recebimento de comissões que não se encontravam devidamente contabilizadas,

g) Desta forma, comprovando-se não só a omissão de proveitos na esfera da sociedade, como a sua quantificação, assume a A.T. que estes só poderão ter revertido a favor dos administradores, pelo que se considerou como rendimento de trabalho dependente, tendo sido efectuada a correspondente liquidação (DC1) no IRS de 1994 dos impugnantes.

h) E assim se deve considerar porquanto, como administradores ao impugnante competia, no exercício das suas funções de gestão, a responsabilidade e conhecimento pelos proveitos que a sociedade recebia,

i) E sendo que estes não beneficiaram a sociedade, uma vez que não foram contabilizados como proveitos, somente se pode aceitar que tenham sido recebidos pelos seus administradores .

j) Já no que a falta de fundamentação do acto impugnado, cumpre-nos defender que, sendo o impugnante A..., á data dos factos, administrador da sociedade, e tendo sido o próprio a acompanhar a inspecção efectuada, este terá que entender o percurso cognoscitivo subjacente ao acto de liquidação.

k) Ademais, contrariamente a alegada insuficiência da argumentação justificativa deduzida pela A.T. diremos que, tal como tem vindo a ser entendido pela melhor jurisprudencial, a fundamentação dos actos administrativos deve apresentar-se de uma forma expressa, clara, suficiente e congruente.

l) Assim a fundamentação contida no relatório da inspecção tributária afigura-se-nos expressa, uma vez que apresenta uma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, dado que permite, através dos seus termos, que o seu destinatário, que, recorde-se, era administrador da sociedade, e que acompanhou os actos inspectivos, apreenda com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu, suficiente, dado que possibilita ao destinatário um conhecimento concreto da motivação do acto, isto é, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente actuar como actuou, e congruente, na medida em que a decisão constitui conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.

m) Ora, não convêm olvidar que, tal como se refere no PAT, os impugnantes receberam nos termos do art.º 67.º do CIRS a fundamentação sucinta das correcções efectuadas.

n) Razões pelas quais aqui pugnamos por acórdão que anule a decisão tomada pelo Tribunal a quo e que se conforme com a correcção do acto de liquidação impugnado.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser reconhecida a legalidade da correcção efectuada e em consequência revogada a douta sentença que determinou a anulação dos actos tributários impugnados.».

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão central que importa apreciar reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir, por um lado, que a AT não demonstrou que as comissões pagas por companhias de aviação à sociedade “U... – U..., S.A.” e por ela não escrituradas foram colocadas à disposição dos seus administradores constituindo rendimentos tributáveis (Cat. A) na esfera desses administradores e, por outro, que o acto não está devidamente fundamentado.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
4.1.
FACTOS PROVADOS, de acordo com o teor dos documentos juntos aos autos, infra ids.:

a) A Sociedade U... - U... S.A., de que os ora impugnantes eram administradores à data da ocorrência dos factos tributários, foi objecto de uma acção rápida de Inspecção, no âmbito da acção ao sector de agências de viagens previsto no PAIT/93, tendo sido efectuadas correcções ao lucro tributável daquela sociedade nos anos fiscais de 1992, 1993 e 1994, respectivamente, nos seguintes montantes: 2.606.876$00; 3.574.761$00 e 1.029.589$00 - Relatório de Inspecção a Agência de Viagens, de fls. 124 e segs. do Processo Administrativo apenso aos autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

b) Em consequência das correcções ao lucro tributável da sociedade U... S.A., motivada pela existência de valores não contabilizados naquela sociedade, foi proposto, naquele mesmo Relatório de Inspecção, id. na alínea antecedente, na rubrica "Fundamentos da Proposta", o prolongamento da acção de inspecção aos administradores da sociedade - citado relatório de Inspecção.

c) Por despacho, proferido a 16 de Setembro de 1997, em cumprimento das Ordens de serviço números 22158/59 e 22167/68, foi dado início a uma acção de fiscalização, que incidiu sobre os rendimentos auferidos pelos impugnantes A... e M..., administradores da sociedade id. em 4.l.a) - Relatório de Inspecção Tributária da Divisão ll de Lisboa Ocidental, junto a fls. 113 e segs. do PA e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

d) Na sequência da acção de inspecção, realizada aos ora impugnantes pelos Serviços de Inspecção Tributária da Divisão ll de Lisboa Ocidental, concluiu-se pela imputação aos administradores da sociedade U... – U... S.A. de várias importâncias não contabilizadas por aquela sociedade e relacionadas com comissões suplementares que foram pagas por companhias de aviação, nos exercícios de 1992 a 1994 – Relatório de Inspecção de fls. 113 e segs. do PA., que aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.

e) Do mencionado Relatório da Inspecção, realizada aos ora impugnantes consta a fixação dos seus rendimentos para os exercícios fiscais de 1993 a 1994 corrigidos, cuja fundamentação é taxativamente a seguinte:

"(..) Os montantes em causa foram efectivamente pagos pelas companhias de aviação e não se encontravam escriturados na contabilidade da sociedade, como referido anteriormente. Assim, nos termos do Código do IRS, consideram-se aquelas importâncias como rendimentos relativos a trabalho dependente, dos seus administradores, enquadrados no n.º2 do artigo 2.º do CJRS. Estes contribuintes deveriam, por isso, ter declarado, também 1/5 desses rendimentos sendo certo que eram cinco os administradores nesses anos (714.952$00), cada, em 1993, e, 205.918$00 e 205.917$00, em 1994).

V- Nos termos do art.º 66.º n.º 3 do CIRS, foram os contribuintes notificados para apresentar em qualquer Repartição de Finanças novas declarações de IRS para os anos em causa. Em resposta a essa notificação, os contribuintes comunicaram "não poder apresentar novas declarações de IRS dos anos em causa porque as comissões foram sempre pagas à empresa e não aos sócios ou administradores a título pessoal" - Anexo I

VI - Assim, e porque naquele exercício estes contribuintes não declararam esses rendimentos, como de facto verificámos através do sistema informático, propomos de acordo com a alínea b), do n.º2, do artigo 66.º do Código do IRS, que os rendimentos globais do agregado, relativamente aos exercícios de 1993 e 1994, sejam .fixados nos montantes seguintes:

    1993
      1994
Rendimento

Global Declarado
5.043.000$005.659.500$00
Correcção:
Sujeito Passivo A
    714.952$00
      205.918
      $00
Sujeito Passivo B
    714.952$00
      205.918
      $00

- citado relatório da Inspecção Tributária de Lisboa Ocidental-Divisão li.


f) Em 09 de Outubro de 1997, foi proferido parecer, pela Coordenadora dos Serviços da DPIT TI que confirmou as correcções propostas no Relatório de Inspecção, e onde consta, designadamente, o seguinte: "Face ao exposto presume-se que reverteram a favor dos S.P. em causa, na qualidade de administradores da firma U... – U..., SA, comissões ("overs"), que tendo sido pagas por Companhias de Navegação Aérea a esta empresa, não se encontravam registadas na mesma” - parecer constante do citado Relatório de Inspecção Tributária a fls. 113 do PA.

g) Por Despacho, de 15 de Outubro de 1997, o Director Distrital de Finanças, no uso de competência delegada, proferiu despacho de concordância com o parecer e o Relatório da Inspecção, fixando os rendimentos líquidos a tributar aos ora impugnantes, nos termos que constam da fundamentação do Relatório e da antecedente alínea e) - despacho inserto no Relatório de Inspecção, a fls. 113 do PA, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

h) Na sequência das correcções descritas em e) e, após terem sido notificados dos respectivos documentos de correcção DC1, os impugnantes apresentaram, em 19/01/1998, um requerimento, na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, solicitando a emissão de certidão ao abrigo do artigo 22° do CPT, donde constassem os seguintes elementos: "Datas dos despachos de delegação e subdelegação de competências ao abrigo dos quais foram praticados alguns actos constantes do processo e bem assim do Diário da República, em que os mesmos despachos foram publicados; descrição integral e completa das várias importâncias não contabilizadas, mencionadas na fundamentação do impresso modo DC1; e quaisquer outros elementos que porventura não lhe terão sido notificados – requerimento de fls. 102 do PA que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

i) O pedido de certidão, id. na alínea antecedente, foi indeferido, por despacho, proferido a 21/09/1988, pelo Director Distrital de Finanças, no uso de competência delegada, com a seguinte fundamentação:
"O sujeito passivo foi notificado, em 06/01/98, de que foi fixado o rendimento líquido para efeitos de IRS dos anos de 1993 e 1994, ao abrigo da alínea c) do n.º2 do artigo 66.º do CIRS, nos montantes de Esc. 5.672.904$00 e 5.239.335$00, respectivamente. Foi ainda notificado de que poderia reclamar contra aquela fixação, no prazo de 30 dias para a Comissão de Revisão, da errónea quantificação dos rendimentos líquidos, sem prejuízo de poder reclamar graciosamente ou deduzir impugnação judicial, nos termos do Código do Processo Tributário. No uso do direito previsto pelo art. 22° do CPT o sujeito passivo, dentro de trinta dias concedidos para reclamar a errónea quantificação do rendimento líquido para a Comissão de Revisão (art. 84° do CPT), vem requerer que lhe sejam certificados os elementos anteriormente indicados. Ora, a reclamação para a Comissão de Revisão, tal como já se referiu, só pode ter como fundamento a errónea quantificação do rendimento líquido fixado. É, pois, descabida qualquer referência a uma eventual incompatibilidade decorrente da inexistência de delegações e subdelegações de competência, porquanto a existir tal vício, nunca poderia ser discutido e apreciado pela Comissão de Revisão. Com a notificação feita ao sujeito passivo foi-lhe entregue a fundamentação toda que está na base da fixação efectuada, não existindo quaisquer outros elementos, não fez sentido o sujeito passivo vir pedir uma certidão de documentos que já possui (...). Todavia, e para esclarecimento do sujeito passivo, sempre se dirá que os despachos de delegação e subdelegação em causa, estão publicados no Diário da República, Série n.º S .31 e 141, de 06.02.96 e 21.06.95, respectivamente, e que o detalhe das correcções mencionadas nos DC 1 de 1993 e 1994 se encontra no anexo I da informação da fiscalização que já lhe foi fornecida. ".

j) Em data que não foi possível apurar, mas provavelmente em 19/01/1998, os ora impugnantes reclamaram, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 84.1 do CPT para a Comissão de Revisão da fixação do rendimento líquido total de IRS para os anos de 1993 e 1994, nos termos que constam da douta petição de reclamação – de fls. 103 e segs. do PA e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.

1) A Comissão de Revisão deliberou, por acordo dos vogais, manter o rendimento líquido que foi fixado por métodos indiciários aos ora impugnantes, nos montantes de Esc. 5.672.904$00 e Esc. 5.239.335$00, respectivamente para os anos de 1993 e 1994, remetendo para fundamentação constante do Relatório de Inspecção e acrescentando o seguinte: "Confirma-se que esses valores constituem, de facto, rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS e que não foram englobados no rendimento total declarado através do Modelo 1, pelos sujeitos passivos, relativo aos respectivos anos em causa. Deste modo, não tendo o vogal do contribuinte trazido elementos adicionais e estando em concordância quanto aos pontos atrás referidos, desatende-se o pedido da presente reclamação e mantém-se a fixação do rendimento líquido em IRS (...)" - Acta da Comissão de Revisão de fls. 133 a fls. 136 do PA e que aqui se dá por reproduzida para todos os legais efeitos.

m) Em face das correcções efectuadas à matéria tributável dos impugnantes, referentes ao ano de 1994 e melhor descritas em e), que foram na íntegra mantidas em sede de Comissão de Revisão, foi emitida, em 15/11/1999, a liquidação adicional de IRS n.º 04323361771 referente ao ano de 1994, no valor global de Esc. 206.620$00, nela se incluindo juros compensatórios, cuja data limite de pagamento voluntário terminava em 29/12/1999 - liquidação de fls. 45 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.

n) Os impugnantes procederam ao pagamento da quantia constante da nota de liquidação referida na alínea antecedente, ao abrigo do plano de Regularização Excepcional de Dívidas constante do Decreto–Lei n.º 124/96 – facto admitido por acordo das partes.

MAIS SE PROVOU QUE:

p) O despacho de delegação de competências do Director Distrital de Finanças no Director de Finanças J..., que assinou o despacho de fixação da matéria colectável, está devidamente publicado no Diário da República, II Série, n.º 31, de 06/0211996 e aquele Director assinou o despacho com a seguinte menção: "O Director Distrital de Finanças, por Delegação" segue-se assinatura ilegível e por baixo da assinatura "J..., "Director de Finanças" - citado Diário da República, que se encontra fotocopiado nos autos a fls. 79 e 80 e despacho de fls. 34 dos autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
*
4.2.
Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos dados como provados, da análise dos documentos juntos aos autos, referidos a propósito de cada uma das alíneas do probatório, os quais não foram impugnados por qualquer das partes. Quanto ao facto referido em 4.1. n) não é controvertido, estando admitido por acordo das partes e o facto referido em p) está publicitado em Diário da República.
*

4.3.
FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados com relevância para as questões a apreciar.».

B.DE DIREITO

Conforme resulta dos autos, a sociedade “U... – U..., SA” foi objecto de uma acção de inspecção, no âmbito da qual se efectuaram correcções ao lucro tributável, em sede de IRC, nomeadamente, ao exercício em causa de 1994, por se ter entendido que foram pagas comissões por companhias de aviação que não se encontravam contabilizadas na sociedade – cf. ponto a) da matéria de facto.
Sucede que, para além das correcções operadas na esfera jurídica da sociedade, com base na omissão da contabilização daquelas comissões, a AT presumiu que estas teriam sido recebidas pelos administradores da sociedade aos quais imputa a referida omissão, e, com esse fundamento, veio a tributar proporcionalmente o valor daquelas comissões na esfera dos cinco administradores da empresa como rendimentos do trabalho dependente, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 2.º do CIRS – cf. pontos d) e e) dos factos provados.

Sobre questão idêntica à dos autos já se pronunciou este TCA no seu Ac. de 05/12/2016, tirado no proc.º 08390/15, não se vendo razão para discordar da posição ali assumida até por não terem sido invocados pelo recorrente argumentos novos que devam ser valorados.

Como ali se deixou consignado no segmento pertinente,

«Importa, então, atender à conformidade com a lei dos motivos que constituem a fundamentação do acto e aferir da suficiência e conformidade com a lei da motivação que justifica a actuação da AT.

Neste contexto, o art.º 78.º do Código de Processo Tributário (CPT) aplicável à época, à semelhança do actual art.º 75.º, n.º 1 da LGT, estabelecia uma presunção de veracidade dos dados e apuramentos decorrentes da contabilidade do sujeito passivo, desde que organizada segundo a lei comercial ou fiscal. Não obstante, aquela presunção não opera se a AT apurar indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.

De igual modo, o art.º 76.º n.º 2 do CPT impõe que o apuramento da matéria tributável se faça com base nas declarações dos contribuintes.

Ora, o que a AT parece ter esquecido é que a sociedade é uma pessoa colectiva, sujeito passivo de IRC, e não se confunde com os seus administradores que são pessoas singulares, sujeitos passivos de IRS, e nessa medida, a fundamentação de uma correcção efectuada em sede de IRC poderá ser suficiente para sustentar essas correcções, mas já não para sustentar outras, em sede de IRS.

As correcções efectuadas assentaram em indícios de omissão de proveitos, o que poderá sustentar o afastamento da presunção de veracidade da contabilidade e legitimar a actuação da AT no âmbito das correcções efectuadas em sede de IRC. Porém, tais indícios não podem levar a presumir que as comissões foram recebidas pelos administradores da sociedade, que foram colocadas à sua disposição, pois na fundamentação nada se invoca que sustente essa conclusão. Por outras palavras, não se invocam indícios que possam sustentar a tese da AT de que aquelas quantias foram efectivamente recebidas pelos administradores da sociedade.

Com efeito, o art.º 2.º, n.º 2 do CIRS (na redacção aplicável à época) dispunha no sentido de que as comissões constituem rendimento do trabalho dependente quando pagas ou colocadas à disposição do seu titular (n.º 1).

In casu, considerando que o imposto liquidado não assenta na declaração do Impugnante, mas antes de correcção oficiosa, é a AT que cabe demonstrar que as comissões foram colocadas à disposição do Impugnante. Ou seja, importa demonstrar, ainda que indiciariamente, que aquelas comissões foram colocadas à disposição dos ora Recorridos.

Sucede que a AT limita-se a invocar aquele preceito legal, sem enunciar, invocar qualquer facto ou indício, e nessa medida, não pode simplesmente presumir a “colocação à disposição”, como parece ter feito.

Em suma, a evidência de omissão de comissões não declaradas pela sociedade poderá justificar correcções à matéria tributável em sede de IRC, mas não é suficiente para sustentar a conclusão de que as comissões foram auferidas pelos administradores, pois não foi apurado qualquer indício do efectivo destino daquelas comissões.

É manifesto que improcedem as conclusões e), f), g), i), j). É inaceitável a argumentação da Recorrente Fazenda Pública no sentido de que se as comissões não estavam contabilizadas na sociedade, então é porque necessariamente foram auferidas pelos administradores da mesma, pois não estamos perante qualquer presunção, a colocação à disposição deveria ter sido devidamente indiciada na fundamentação do acto. Ora, nada se dizendo no relatório de inspecção sobre esta questão fundamental, não se compreende como pôde a AT pretender presumir que tais montantes foram auferidos pelos administradores.

Impunha-se à AT recolher indícios fundados de que aquelas comissões foram efectivamente auferidas pelos administradores, que foram colocadas à sua disposição. Não o tendo feito, a AT não cumpriu com o seu ónus probatório, e nessa medida, a correcção enferma do vício de violação de lei».

Conclui-se do exposto que a sentença recorrida não enferma do apontado erro de julgamento, sendo de confirmar e negar provimento ao recurso.

Fica prejudicado o conhecimento da questão da falta de fundamentação do acto impugnado.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Sem custas, por isenção legal da Fazenda Pública (art. 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, e art. 9.º, do DL n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, que aprovou tal Regulamento).

Lisboa, 30 de Setembro de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e MÁRIO REBELO].


Vital Lopes