Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12849/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/14/2016
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:FUMUS BONI IURIS EM MATÉRIA ADMINISTRATIVA - EVIDENTE PROCEDÊNCIA – INTIMAÇÃO A ABSTENÇÃO DE CONDUTA – PROVIDÊNCIA ANTECIPATÓRIA DE CONTEÚDO ASSEGURADOR
Sumário:1.Na tutela cautelar administrativa a apreciação do fumus boni iuris requer não apenas a emissão de um juízo sobre a aparência da existência de um direito ou interesse do particular a merecer tutela, como também da probabilidade da ilegalidade da actuação administrativa lesiva do mesmo.

2.A qualidade de cognição exigida pelo artº 120º nº 1a) CPTA para o fumus boni iuris traduzida na expressão “evidente procedência da pretensão formulada” mede-se pelo carácter incontroverso (que não admita dúvida), patente (posto que visível sem mais indagações) e irrefragável (irrecusável, incontestável) do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal, derivado da cognição sumária das circunstâncias de facto e consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, efectuados no processo cautelar.

3.O decretamento da providência requerida depende da verificação cumulativa dos três requisitos legais gerais enunciados no artº 120º CPTA, pelo que o decaimento em sede de formulação positiva da aparência do bom direito alegado importa a improcedência da causa.

4.Tem a natureza de providência antecipatória de conteúdo assegurador (artº 112º nº 2 f) CPTA) o procedimento cautelar instaurado para obstar a que o órgão da entidade requerida permaneça no exercício pleno de poderes e limitar o âmbito substantivo de competência à mera gestão corrente durante a pendência da acção principal em que se discute o acervo de questões suscitadas no âmbito do quorum e deliberações da assembleia geral aprovou a destituição da direcção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: António ……………… e Paula ………………….., com os sinais nos autos, inconformados com a sentença cautelar proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria dela vêm recorrer, concluindo como segue:

1. Considerando que o teor do pedido deduzido nos autos principais é a "condenação da R. a acatar, cumprir e executar a deliberação da Assembleia Geral da Ordem dos notários ocorrida na reunião extraordinária de 23-05-2015, que aprovou a destituição do Bastonário, da direcção e dos suplentes e, consequentemente, a convocar eleições antecipadas, a realizar no prazo de 60 dias, através da convocação de uma reunião extraordinária da Assembleia Geral, como assembleia eleitoral", a circunstância de mostrar impossível haver uma decisão daquele processo até ao termo do mandato em curso da direcção da Ordem dos Notários, em Dezembro de 2017, demonstra claramente que a natureza das questões e a gravidade dos interesses envolvidos permite concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar.
2. Por outro lado a composição provisória do litígio por via cautelar implica a manutenção de uma dúvida relativa à legitimidade da direcção da entidade requerida e à legalidade da continuidade do mandato em curso e dos actos praticados no seu exercício, que é claramente desaconselhável para uma instituição com o papel e as atribuições de interesse público da Ordem dos Notários.
3. Estão, por isso, preenchidos os pressupostos legais previstos no art. 121°, n°1 do CPTA para a antecipação da decisão da causa principal.
4. Ao assim não entender, o despacho recorrido violou aquele preceito legal.
5. O despacho recorrido não apreciou o segundo dos requisitos previstos no n°1do art. 121° do CPTA, que exige que "tenham sido trazidos ao processo todos elementos necessários para o efeito".
6. A questão subjacente aos autos principais é estritamente jurídica, sendo portanto, objectivamente desnecessária a produção de quaisquer diligências de prova.
7. Acresce que partes esgrimiram e esgotaram os argumentos sobre a questão jurídica decidenda nos articulados apresentados neste processo cautelar.
8. De modo que deverá este Tribunal, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 149° do CPTA, julgar verificado também este segundo requisito.
9. Ao contrário do que decidiu a sentença recorrida, o requisito da manifesta procedência da acção principal presente no art. 120°, n°1, ai. a) do CPTA não se afere em função da extensão do argumentário deduzido pelas partes, nem tão pouco pela necessidade de proceder à aplicação de normas por via subsidiária.
10. A manifesta procedência da acção principal afere-se, isso sim, pela força e clareza dos fundamentos jurídicos que lhe subjazem e que no presente caso determinariam a adopção da providência cautelar.
11. A competência legal da Assembleia Geral da Ordem dos Notários para deliberar a destituição da direcção resulta do art. 21°, n°2, ai. h) do EON ou, caso assim não se entendesse, do art. 172°, n°2 do CC, aplicável ex vi do art. 4°, n°2, ai. b) da Lei n°2/2013, de 10 de janeiro.
12. Assim o exige também a interpretação do quadro legal em conformidade à Constituição, determinada pelo art. 267°, n°4 da CRP, que impõe o respeito pelo princípio democrático na organização interna das associações públicas.
13. Já a maioria necessária à aprovação da deliberação de destituição não pode deixar de considerar-se regulada pelo disposto no art. 175° do Código Civil, de onde resulta à evidência ser apenas a maioria simples, respeitado que esteja o quorum deliberativo.
14. Este enquadramento jurídico não é complexo e é fácil de verificar que os requerentes têm razão, c que redundará na procedência da acção principal.
15. E isso é o bastante para que a providência cautelar seja decretada ao abrigo do art. 120°, n°1, ai. a) do CPTA.
16. Ao assim não decidir, a sentença recorrida interpretou erroneamente aquele dispositivo legal, violando-o.
17. A sentença recorrida, ao recusar a adopção da providência cautelar com fundamento na ausência de alegação concretizada de prejuízos, não tem em conta que o art. 120°, n°1, ai. c) do CPTA estabelece como pressupostos alternativos o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal.
18. Ao ignorar o primeiro daqueles requisitos alternativos, a sentença incorre, de imediato, na violação do referido art. 120°, n°1, ai. c) do CPTA.
19. A inevitabilidade do fim do mandato da direcção em curse, em Dezembro de 2017, na pendência da acção principal, na qual é peticionária a condenação da R. a cumprir a deliberação da Assembleia Geral que determinou a respectiva destituição, consubstancia uma evidente de perigo de verificação situação de facto consumado, totalmente irreversível no plano dos factos, que põe em causa a utilidade da decisão a proferir nos autos principais.
20. Pelo que deveria a sentença ter julgado verificado o periculum in mora por via do perigo da constituição de uma situação de facto consumado.
21. Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou o art. 120°, n°1, ai. c) do CPTA
22. A norma prevista no art. 120°, n°1ai.c) do CPTA determina que deve considerar-se verificado o periculum in mora quando haja fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e não quando se tratem de prejuízos de natureza económica por si sofridos na pendência dos autos principais.
23. O interesse, ou direito, que os requerentes pretendem ver reconhecido no processo principal é que a deliberação da Assembleia Geral da Ordem dos Notários, em que participaram, que aprovou a destituição da direcção seja respeitada, cumprida e executada
24. Sendo que a demora de processo principal face ao tempo de mandato da direcção que resta cumprir, dois anos, acarretará, inevitavelmente, um prejuízo irreparável, para esse interesse, pondo em causa a utilidade da sentença a proferir naqueles autos.
25. Bem interpretado o disposto no art. 120°, n°1, ai. c) do CPTA, impunha-se considerar verificado "o perigo da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os requerentes visam assegurar no processo principal".
26. Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou o art. 120°, n°1, ai. c) do CPTA.
27. Não tendo a sentença recorrida apreciado os restantes requisitos de decretamento da providência cautelar, impõe-se a este Tribunal de Apelação fazê-lo, ao abrigo do art. 149°, n°3 do CPTA.
28. Face ao alegado nos arts. ponto 2.1. das presentes alegações e nos arts. 1° a 83° do r.i., a procedência da pretensão deduzida no processo principal, não só é provável, como é manifesta, pelo que está, igualmente verificado o segundo requisito de decretamento previsto no citado art. 120° n°1, ai. c) do CPTA (provável procedência da pretensão formulada no processo principal).
29. A providência cautelar requerida não implica a paralisação da actividade da entidade requerida, mas apenas o seu condicionamento, por via da abstenção de atos que extravasem os poderes de gestão corrente.
30. Nesses poderes não podem deixar de considerar-se incluídos os actos cuja prática imediata e urgente seja imprescindível para a assegurar a defesa do interesse público, pelo que nenhuma lesão para o interesse público advém da concessão da providência.
31. Ademais, havendo alguma categoria de actos não contemplados no âmbito da gestão corrente que sejam considerados como absolutamente necessários a evitar a produção de danos ao interesse público, sempre o Tribunal poderá determinar, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos precisamente pela parte final n°2 e pelo n°3 do art. 120° do CPTA, excepcioná-la da condenação cautelar, permitindo a sua prática sem limitações.
32. É, pois, inevitável concluir pela verificação do requisito negativo previsto no art. 120°, n°2 do CPTA.
33. Deve, assim, este Venerando Tribunal revogar a sentença recorrida e decretar a providência cautelar requerida.

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Os Recorridos contra-alegaram, concluindo como segue:

A. Os Recorrentes intentaram a presente providência cautelar tendo em vista obstar a que o Bastonário e a direcção da Recorrida continuassem a representar os interesses dos seus membros, designadamente junto do Ministério da Justiça, e em matérias que consideram de importância vital para a classe como a tramitação dos processos de inventário - que entendem irá arrastar muitos notários para uma situação de insolvência; possibilidade que os Recorrentes querem ver afastada ao solicitarem ao Tribunal que condene a direcção e o Bastonário da Ordem dos Notários a absterem-se de praticar quaisquer actos que extravasem os actos de mera gestão corrente;
B. Neste conspecto, bem andou o douto despacho recorrido ao considerar que uma eventual decisão cautelar favorável aos Recorrentes é suficiente para tutelar as suas pretensões: a providência antecipatória requerida, a ser deferida, paralisará quase por completo a actividade da Ordem dos Notários, passando a direcção e o Bastonário a exercer funções que se cingirão a uma mera gestão dos serviços da Recorrida, dos recursos humanos e materiais à sua disposição;
C. Por outro lado, e como bem referem os Recorrentes, as questões em discussão nos presentes autos são estritamente jurídicas (embora complexas), razão pela qual mal se compreende a alegação de que a acção principal não será decidida até dezembro de 2017 (sendo que, à data de hoje, já foram nesses autos apresentados os articulados principais);
D. Refira-se, por último, que a questão da legitimidade do exercício do mandato pelos órgãos da Recorrida cuja destituição se pretende efectivar nunca foi posta em causa por qualquer entidade pública ou privada ou sequer, como já se demonstrou em sede de oposição, pela maioria dos membros da Ordem dos Notários, razão pela qual também não se compreende como essa alegada falta de legitimidade impõe de forma tão urgente e excepcional uma decisão final de mérito sobre o objecto dos autos
E. Pelo que bem andou o douto despacho recorrido ao rejeitar o pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal;
F. Salvo o devido respeito por opinião contrária, a douta sentença recorrida não assentou o sentido da sua decisão [em sede de apreciação do requisito enunciado na alínea a) do n° l do artigo 120a do CPTA] tão-somente nos fundamentos da "extensão do argumentário deduzido pelas partes" ou na necessidade de recurso "à aplicação de normas por via subsidiária";
G. Na verdade, entendeu o Tribunal a quo que a matéria em discussão nestes autos é bastante complexa, exigindo uma análise ponderada do complexo de normas aplicáveis de vários diplomas legais e uma tarefa de interpretação, integração e aplicação das normas que regem a actividade notarial e a actividade da Ordem dos Notários;
H. Entendem os Recorrentes que - em qualquer providência cautelar instaurada tendo em vista a condenação de determinada Associação Pública, através dos seus órgãos, a abster-se de praticar quaisquer actos que extravasem a mera gestão corrente, imprescindível para assegurar o funcionamento administrativo da mesma, na sequência ou previamente à instauração de uma acção principal na qual seja pedida a condenação dessa Associação a acatar, cumprir e executar a deliberação da Assembleia Geral que aprovou a destituição de alguns dos seus órgãos - deverá considerar-se como verificado o requisito do periculum in mora: estar-se-ia, portanto, e em síntese, perante um requisito de verificação imediata ou automática em todas as providências cautelares do tipo da presente;
I. Ora, tal entendimento não é consentâneo com a fixação dos pressupostos de que depende a adopção de providências cautelares a serem apreciados caso a caso - "(...) haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente" [sublinhado nosso];
J. E porque assim não pode ser entendido este pressuposto, a situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses dos Recorrentes há-de aferir-se, em concreto, em função dos concretos factos invocados por estes no r.
K. Os Recorrentes, no que à sua situação concreta respeita, limitam-se, efectivamente, a alegar, genericamente, que é sua intenção, através da instauração da presente providência cautelar, impedir tão-somente que a Recorrida os possa vir a representar, assim como aos demais notários, em quaisquer "negociações" com o Ministério da Justiça em matérias que possam afectar os rendimentos auferidos no âmbito da sua actividade - cf. artigo 2º do r.i.;
L. Constituindo a alegação de factos específicos e concretos que demonstrem a produção de prejuízos de difícil reparação ou a constituição de uma situação de facto consumado um ónus dos Requerentes (ora Recorrentes) desta providência e não tendo, in casu, o mesmo sido cumprido, falha o preenchimento do requisito do periculum in mora, o que, naturalmente, obsta ao decretamento da presente ação cautelar;
M. Face a todo o alegado nos artigos 5º a 10º da oposição, que aqui se dá por integralmente reproduzido, não só não há evidência de fumus bani iuris como também não é provável que a pretensão formulada ou a formular (no processo principal) venha a ser julgada procedente, pelo que não se encontra preenchido o requisita do fumus boni iuris;
N. Acresce que em face do exposto nos artigos 125° a 138° da oposição, que aqui se dá por integralmente reproduzido, também por ausência de verificação do último dos pressupostos para o decretamento das providências cautelares -ponderação dos interesses em presença - deverá a douta sentença ora em crise ser mantida.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

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Ao abrigo do regime prescrito no artº 663º nº 6 CPC, remete-se para o probatório constante da sentença proferida pelo Tribunal a quo.


DO DIREITO


1. convolação da tutela cautelar em tutela final urgente;


Ao abrigo do mecanismo estatuído no artº 121º nº 1 CPTA de convolação do meio de acção cautelar em meio de acção principal tem lugar a pronúncia jurisdicional definitiva por antecipação do seu momento próprio e de acordo com a tramitação prevista para a acção principal.
Tal significa que, pese embora se esteja no âmbito do processo cautelar, o mecanismo da convolação opera no meio adjectivo cautelar; donde, o processo é o mesmo e único, apenas sendo caso de alteração da natureza adjectiva que detinha aquando da respectiva instauração, por força da verificação cumulativa no processo cautelar de dois requisitos, a saber,
1. que existe manifesta urgência na resolução definitiva do caso,
2. “o tribunal se sinta em condições de decidir a questão de fundo, por dispor de todos os elementos necessários para o efeito” (1)
Daqui emergem duas consequências, a saber,
(i) o processo permanece sob o regime da tramitação urgente, em consonância com a situação substantiva de urgência expressa no nº 1 do cit. artº 121º CPTA e
(ii) o objecto da causa principal que por via da convolação se impõe conhecer é exactamente aquele que decorre do articulado inicial cautelar que, por convolação do meio adjectivo de tutela cautelar, assume a natureza de petição inicial do meio adjectivo da tutela final urgente.
Nesta linha de raciocínio temos por seguro que não é o conteúdo alegatório da petição inicial do processo principal que porventura tenha sido instaurado, mas o constante do requerimento inicial do processo cautelar convolado para meio de acção principal que determina o elenco de questões que cumpre ao Juiz conhecer.
Neste enquadramento, à aplicação do mecanismo convolatório do artº 121º CPTA é indiferente que o meio cautelar seja ou não deduzido em antecedência, simultaneidade ou na pendência da instauração do processo principal de que é dependente.
Ponto é que se verifique a manifesta urgência na decisão definitiva e o processo cautelar evidencie “todos os elementos necessários à decisão de fundo”, ou seja, que se verifique quanto a este último exactamente o mesmo pressuposto que, tradicionalmente, a lei adjectiva desde sempre exigiu para a decisão em sede de saneador sentença, embora não caiba confundir a antecipação do conhecimento de fundo em ambiente adjectivo cautelar convolado em principal do artº 121º CPTA, com a antecipação do conhecimento de fundo no saneador-sentença do artº 87º nº 1 b) CPTA, ainda que o mecanismo da convolação processual opere, em ambos os casos, no domínio de um mesmo processo: (i) o primeiro trata da convolação de meios de acção (acção cautelar em acção principal), (ii) o segundo da convolação de fases da instância (fase do saneador em fase da sentença).
No regime do artº 121º CPTA trata-se de proferir decisão definitiva por convolação em processo principal do processo cautelar, o que significa que admite a formação de caso julgado material o que não se verifica, como é sabido, com as decisões cautelares cuja natureza rebus sic stantibus permite apenas que assumam valor de caso julgado formal, tão só vinculativo no âmbito do próprio processo.

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Aplicando ao caso o enquadramento jurídico exposto, e na mesma linha do entendimento sustentado pelo Tribunal a quo, conclui-se pela não verificação do pressuposto da manifesta urgência na resolução definitiva do caso.trazido a juízo cautelar, atendendo a que “(..) a medida cautelar requerida … revela-se adequada a assegurar a utilidade da decisão a proferir no processo principal …” – vd. segmento de fls. 212/213 dos autos.
Como já foi referido, o regime instituído no artº 121º CPTA não leva à inutilização da petição cautelar e sua substituição pela petição da acção principal; pelo contrário, a instância da acção principal é que se torna inútil na medida em que o respectivo objecto é absorvido pela convolação decorrente da aplicação do regime do artº 121º CPTA, desde que, óbvio, se verifiquem os respectivos pressupostos jurídicos.
Na circunstância, os Requerentes cautelares e ora Recorrentes – vd. pedido em sede de requerimento cautelar - peticionam a intimação da Ordem dos Notários a que
(i) se abstenha de “.. praticar quaisquer actos que extravasem a mera gestão corrente
(ii) designadamente a manifestação de posições institucionais em representação da classe em negociação, audição ou consulta sobre diplomas legais em preparação ou execução”.
O pedido deduzido na acção principal é substantivamente distinto, como expressam no item 1 das conclusões do presente recurso, na acção principal os Requerentes ora Recorrentes pedem a condenação da Ordem dos Notários
(i) “..a acatar, cumprir e executar a deliberação da Assembleia Geral da Ordem dos notários ocorrida na reunião extraordinária de 23-05-2015, que aprovou a destituição do Bastonário, da direcção e dos suplentes …
(ii) e, consequentemente, a convocar eleições antecipadas, a realizar no prazo de 60 dias, através da convocação de uma reunião extraordinária da Assembleia Geral, como assembleia eleitoral..”
Pelo exposto, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 8 das conclusões.


3. providência antecipatória de conteúdo assegurador;


Para os efeitos do disposto no artº 112º nº 1 CPTA importa dilucidar se o pedido deduzido pelo ora Recorrente na petição inicial, de a Direcção e Bastonário da Ordem dos Notários se abster de “.. praticar quaisquer actos que extravasem a mera gestão corrente designadamente a manifestação de posições institucionais em representação da classe em negociação, audição ou consulta sobre diplomas legais em preparação ou execução.. ” se reconduz a providências de carácter conservatório do status quo ou antecipatório do efeito pretendido na causa principal, sabido que todas as providências são mero instrumento preliminar ou incidental desta – cfr. artº 113º nº 1 CPTA.
Para o efeito, e no tocante ao requisito do periculum in mora - seja o perigo de infrutuosidade ou o perigo de retardamento da sentença da causa principal - do ponto de vista funcional adere-se à doutrina que distingue três tipos de providências, consoante o objecto (causa de pedir e pedido) vise assegurar a protecção do status quo alegado pelo Requerente ou, diferentemente, vise antecipar interina e provisóriamente o direito que esse Requerente pretende ver declarado no processo principal. Segundo esta sistemática, os mencionados tipos de providência cautelar são os seguintes:
§ Conservatórias “de asseguramento de um direito ou facto”
§ De regulação provisória de situações “mediante uma resolução inovadora que se destina a durar até que se obtenha uma decisão definitiva”
§ Antecipatórias “dos efeitos da resolução definitiva”.
Do ponto de vista estrutural, atento o conteúdo das medidas a decretar pelo Tribunal, conjugados o periculum in mora e a relação de instrumentalidade da providência com a causa principal, adere-se à doutrina que identifica quatro subespécies de tutela cautelar, a saber:
§ tutela cautelar relativa à prova
§ tutela cautelar reparatória e de garantia
§ tutela cautelar antecipatória de conteúdo assegurador
§ tutela cautelar antecipatória de conteúdo inovador
As duas primeiras não tocam nunca no mérito da relação substancial controvertida. Inversamente, as duas últimas traduzem uma decisão que já se intromete no objecto da causa principal, tendo entre si de distintivo o facto de anteciparem diferentes tipos de efeitos da sentença principal.
Explicitando, “(..) ambas actuam como as forças de protecção destinadas a manter as posições até à chegada da parte mais forte do exército, a fim de evitar a este perdas de posições que lhe custariam a reconquista (..) a instrumentalidade das providências cautelares exige que o juiz cautelar proceda a um juízo de viabilidade e a um cálculo de probabilidade sobre qual poderá ser o conteúdo da futura sentença final, já que tem de existir uma exacta correspondência entre os conteúdos e efeitos das duas decisões, a principal e a acessória, pelo menos interinamente (..)
(..) pese embora o amplo poder de polícia judiciária do juiz cautelar, este tem o seu poder discricionário rigorosamente limitado por dois princípios. Um primeiro (..) O juiz cautelar tem o dever de, durante a antecipação, limitar a sua fantasia ao adiantar os efeitos correspondentes ao conteúdo hipotético da futura sentença de mérito (..) O segundo princípio (..) decorre da proibição ao juiz cautelar de decidir a causa antecipadamente ao juiz da causa principal, (..) no sentido de definitivamente anular o objecto da causa principal (..).
De acordo com o entendimento da doutrina actual, em suma, a antecipação só é legítima se a incidência ou intromissão do juiz cautelar no âmbito da relação substancial, produzir efeitos jurídicos provisórios, (..) o que pressupõe que tais efeitos podem ser reversíveis e anuláveis pelo juiz da causa principal. ” (2).
De acordo com este enquadramento, “(..) integram o tipo de decisões cautelares com conteúdo funcionalmente assegurador (..) as que intimem o requerido para que se abstenha de certa conduta. Os processos cautelares que desemboquem em decisões com este conteúdo, de desistat, são, por regra, acessórios de processos pelos quais se pretende a condenação do réu na prestação de facto negativo (..)
(..) quando o juiz cautelar condena, por antecipação, o réu a praticar um comportamento, de fazer ou não fazer, ou a entregar uma coisa, sendo este o conteúdo do objecto imediato da causa principal, então, o juiz está a antecipar a solução da causa. E o objecto da antecipação é o hipotético regulamento para essa controvérsia principal. (..)” (3)
Embora se trate de processos autónomos, “(..) as medidas cautelares não são um fim em si mesmas, pois elas nascem, por assim dizer, ao serviço de um processo definitivo, o que exige uma avaliação perfunctória quanto à probabilidade de êxito do recurso principal. Assim, em princípio, só deve ser concedida a providência à parte que no processo goze da aparência do bom direito, isto para que a demora do processo não beneficie a parte que não tem razão” (4).
É o que expressamente se dispõe no artº 383 nº 4 CPC [actual 363º/4], aplicável em sede administrativa por remissão genérica do artº 1º CPTA, excepcionada pela não despicienda novidade de “convolação do processo cautelar em tutela final urgente” no artº 121º CPTA, observadas as condicionantes substantivas e adjectivas nele estatuídas (5).
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Do que vem dito e atento o pedido e a causa de pedir no caso concreto conclui-se que a natureza da providência peticionada pelos ora Recorrentes se subsume no conceito de providência antecipatória de conteúdo assegurador.
De facto, analisado o periculum in mora nas duas vertentes funcional e estrutural, temos que o Requerentes ora Recorrentes pretendem antecipar a regulação jurídica do objecto (total ou parcial, não sabemos) da causa principal, no sentido de garantir a eficácia da “ … deliberação da Assembleia Geral da Ordem dos Notários ocorrida na reunião extraordinária de 23-05-2015, que aprovou a destituição do Bastonário, da direcção e dos suplentes e, consequentemente, a convocar eleições antecipadas, a realizar no prazo de 60 dias, através da convocação de uma reunião extraordinária da Assembleia Geral, como assembleia eleitoral …”,
Tudo no intuito de, até à decisão definitiva no processo principal, obstar a que a Direcção da Ordem dos Notários permaneça no exercício pleno de poderes e limitar o âmbito substantivo de competência à mera gestão corrente, por via da providência requerida nos presentes autos.
De modo que, o objecto da requerida providência configura a necessidade de o juiz cautelar antecipar a probabilidade do juízo de legalidade e/ou licitude das deliberações tomadas na Assembleia geral de 23.05.2015 de destituição do Bastonário, Direcção e Suplentes e convocação de eleições antecipadas em Assembleia Geral eleitoral.e que constitui, usando a terminologia da doutrina citada em transcrição supra, o “hipotético regulamento da controvérsia principal” antecipado no domínio deste procedimento cautelar.


4. fumus boni iuris incontroverso, patente e irrefragável;
artº 120º nº 1 a) CPTA;


Um dos traços distintivos fundamentais da tutela cautelar reside na instrumentalidade do processo cautelar ao processo principal, servindo-lhe de escora em ordem a garantir a utilidade da acção em que se discute o fundo da causa e preservar o direito ou interesse ameaçado pelo periculum in mora, o que evidencia a razão pela qual “(..) no contencioso administrativo a apreciação do fumus boni iuris requer não apenas a emissão de um juízo sobre a aparência da existência de um direito ou interesse do particular a merecer tutela, como também da probabilidade da ilegalidade da actuação lesiva do mesmo. (..)”, ilegalidade essa cuja verificação, para o caso presente, há-de configurar o objecto da causa principal relativa ao procedimento de formação do contrato, sendo que no tocante à aparência do bom direito, “(..) Constitui, assim, um imperativo lógico, por consubstanciar uma regra de puro bom senso, admitir a relevância do fumus boni iuris, reconhecendo-lhe o valor de pressuposto incontornável da concessão de providências cautelares nos procedimentos de formação de contratos.
A sua consagração deve ter-se por ínsita na própria referência aos prejuízos decorrentes para o interessado no decretamento da providência, em virtude de só poder afirmar-se o perigo de produção de um prejuízo adveniente da morosidade do processo se lhe assistir aparentemente razão. (..)”. (6)
Exactamente por isso a invalidade ostensiva do acto a que alude o artº 120º nº 1 a) não se traduz na convolação da tutela cautelar em tutela final urgente, meio adjectivo tipificado no artº 121º, ambos do CPTA.
A alínea a) do nº 1 do artº 120º CPTA tem como campo de aplicação as situações excepcionais que pelas suas características prescindem da verificação dos requisitos gerais estatuídos em sede de regime geral, de modo que “(..) o seu sentido e alcance é, pois, o de estabelecer um regime especial de atribuição das providências, mediante o qual é afastada, para as situações nele contempladas, a aplicação do regime geral, consagrado nas alíneas b) e c) do nº 1 e nº 2.
As situações excepcionais contempladas no nº 1 alínea a) são aquelas em que se afigura evidente ao Tribunal que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal irá ser julgada procedente. (..)” (7)
A cognição cautelar assenta num juízo de probabilidade quanto à existência do direito acautelado, isto é, assenta numa aparência de bom direito, ou fumus boni iuris, fundamento jurídico da provisoriedade de direito da decisão cautelar perante a decisão da causa principal, “(..) a provisoriedade resulta como consequência normal do tipo de cognição que o juiz do processo acessório faz sobre o mérito do quid que é objecto do segundo processo: cognição assente na aparência, já que apenas se exige como grau de prova a fundamentação [mera justificação como meio de prova] (..) é sempre provisória de direito perante o juiz da causa principal, já que os seus efeitos de direito são sempre modificáveis e extintos pelo juiz da causa principal (..) no processo em que é emitida, “a cognição cautelar assenta num cálculo de probabilidades quanto à existência do direito acautelado” (..)”(8)

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A qualidade de cognição exigida pelo artº 120º nº 1 a) CPTA para o fumus boni iuris traduzida na expressão “evidente procedência da pretensão formulada” mede-se pelo carácter incontroverso (que não admita dúvida), patente (posto que visível sem mais indagações) e irrefragável (irrecusável, incontestável) do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal, derivado da cognição sumária das circunstâncias de facto e consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, efectuados no processo cautelar.
Ou seja, no tocante à invalidade ostensiva configurada no artº 120º nº 1 a) CPTA o pressuposto do fumus boni iuris toma configuração distinta, pois a decisão cautelar deixa de derivar da “probabilidade de existência do direito alegado” para sê-lo “quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal”.
Em via de coerência com a afirmação de que o artº 120º nº 1 a) não configura a convolação da tutela cautelar em tutela final, há-de concluir-se que a hipótese do artº 120º nº 1 a) exige um critério de fumus boni iuris qualificado, independentemente de a pretensão do requerente se subsumir na hipótese de providência antecipatória do artº 120º nº 1 c) e nº 2 CPTA ou em outro enquadramento doutrinário pelo qual se opte, para além dos normativamente assumidos.
Dito de outro modo, tenha ou não o requerente em vista a manutenção do statu quo (providência conservatória) ou a sua alteração (providência antecipatória) – o que se decide com base na factualidade alegada que determina os contornos do caso concreto –, é de decretar a providência desde que a determinação e valoração probatória suporte um juízo jurídico de evidente procedência do pedido formulado ou a formular na acção principal.

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Aplicando o exposto ao caso dos autos, concluímos que em sede de summario cognitio a factualidade levada ao probatório não retrata uma evidente ilegalidade no agir administrativo no tocante a que a Direcção e Bastonário da Ordem dos Notários continue a exercer funções de direcção na plenitude dos seus direitos estatutários enquanto se aguarda o trânsito em julgado da decisão na acção principal e nela se discute da conformação jurídica competencial da Assembleia Geral da Ordem dos Notários para deliberar, conforme AG de 23.05.2015, no sentido da “.. destituição do Bastonário, da Direcção e dos Suplentes ..”, além da problemática de direito envolvendo o quorum deliberativo necessário para aprovação da destituição em causa, levantadas pelos Requeridos ora Recorridos no articulado de oposição, suscitada no segmento de fls. 239 e verso da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Para tal basta ler, com atenção, o Parecer do Professor Paulo Mota Pinto, junto a fls.160/176 dos autos, para concluir que a matéria é juridicamente complexa e não se compadece com “evidências”.
Pelo exposto, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 9 a 16 das conclusões.


5. abstenção de conduta que a Administração tenha adoptado ou se proponha adoptar – artº 112º nº 2 f) CPTA; periculum in mora – artº 120º nº 1 c), CPTA;


Da inclusão do caso concreto no domínio das providências antecipatórias decorre, como é sabido, a exigência de “(..) um fumus boni iuris mais qualificado, na medida em que, existindo riscos de antecipação definitiva, o juiz cautelar deve antecipar a apreciação do mérito da causa de forma a evitar decisões antecipadas erradas (..)” (9).
Ainda que nem o ora Recorrente nem em sede de fundamentação de sentença se integre o caso dos autos no elenco típico adjectivo das providências nominadas, em nosso critério a hipótese concreta tem cabimento na hipótese legal de providência especificamente prevista para a abstenção de conduta que a Administração tenha adoptado ou se proponha adoptar, atento o disposto no artº 112º nº 2 f) CPTA.
O caso “(..) em que a lei permite que, por decisão judicial e a título de providência cautelar, um Tribunal Administrativo interrompa a actuação normal típica da Administração Pública, impedindo-a de adoptar uma conduta que ela própria se propõe adoptar. É um caso típico em que se impede a prática de um acto administrativo que a Administração se propõe adoptar. (..)
O interessado sabe que a Administração projecta praticá-lo, sabe qual é o conteúdo do acto, sabe quais são os seus fundamentos, sabe quais são as ilegalidades que porventura o afectam, sabe que a Administração se propõe praticar o acto porque lho comunicou ao realizar a formalidade da audiência prévia, e portanto tem todas as condições para interpor uma providência cautelar e tentar obter do Tribunal que impeça a Administração de praticar o acto, antes mesmo de ela o praticar. (..)”(10)
A propósito deste artº 112º nº 2 f) CPTA convém ter consciência que “(..) se os Tribunais começarem a aplicar sem qualquer critério este medida e começarem a impedir, cautelarmente embora, a prática de actos administrativos a torto e a direito, é certo e sabido que, mais semestre menos semestre, o legislador revoga esta disposição. (..)”
Portanto “(..) é preciso que os órgãos de aplicação do direito não estraguem esta preciosidade. Porque este é um presente precioso que é colocado nas mãos dos cidadãos e dos seus advogados, mas que pode ser completamente estragado se, quais criancinhas na idade infantil, começarem a brincar mal com este brinquedo e começarem a aplicá-lo a torto e a direito, sem critério. (..)” (11)

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Tomando boa nota da doutrina exposta e respectiva exortação à “prudente prudência”, o juízo de probabilidade especialmente acrescida sobre o fumus boni iuris estatuído no artº 120º nº 1 c) CPTA radica, no caso concreto, na própria complexidade jurídica inerente a esta questão da não permanência de exercício pleno de funções pela Direcção e Bastonário da Ordem dos Notários mas em mera gestão corrente como peticionado.
Isto porque, no caso concreto, o decretamento de mera gestão corrente trás à colação a questão jurídica competencial da Assembleia Geral da Ordem dos Notários para deliberar, conforme AG de 23.05.2015, no sentido da “.. destituição do Bastonário, da Direcção e dos Suplentes ..”, além da problemática de direito envolvendo o quorum deliberativo necessário para aprovação da destituição em causa, matérias levantadas pelos Requeridos ora Recorridos no articulado de oposição, suscitada no segmento de fls. 239 e verso da sentença proferida pelo Tribunal a quo, como já referido acima.

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Logo por aqui se conclui que falha o requisito cautelar em matéria administrativa do fumus boni iuris, pelo que a improcedência cautelar é manifesta.
De facto, o decretamento da providência depende da verificação cumulativa dos três requisitos legais enunciados no artº 120º CPTA, pelo que o decaimento em sede de formulação positiva da aparência do bom direito alegado na vertente da probabilidade da ilegalidade da actuação lesiva imputada à Direcção e Bastonário da Ordem dos Notários, importa a improcedência da acção cautelar e envolve a prejudicialidade de conhecimento das demais questões trazidas a recurso em matéria de periculum in mora e ponderação de interesses
Todavia, o Tribunal a quo avançou na análise do requisito do periculum in mora, na formulação do receio de constituição de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação do artº 120º nº 1 c) CPTA, concluindo pela improcedência deste pressuposto, nos seguintes termos – vd, segmento de fls. 242 e verso:
“(..) A Portaria n° 46/2015, de 23 de Fevereiro que procede à primeira alteração da Portaria n.° 278/2013, de 26 de Agosto, que regulamenta o processamento dos actos e dos termos do processo de inventário nos cartórios notariais, no âmbito do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.° 23/2013, de 5 de Março, entrou em vigor em l de Março de 2015 [cfr. art° 13°].
Assim, e tal como se entende, será por força da aplicação da lei, concretamente, e segundo alegam os Requerentes, do regime estabelecido quanto ao pagamento de honorários e despesas dos inventários, a tramitar nos cartórios notariais, em que as partes beneficiam de apoio judiciário, e não da actuação do bastonário e da direcção da Ordem dos Notários, que os profissionais do sector poderão ser arrastados para a insolvência.
Não alegam os Requerentes quaisquer outras concretas actuações da Requerida que sejam susceptíveis de afectar a sobrevivência dos notários.
Acresce que, como bem refere a Entidade Requerida, "nenhum dos Requerentes alega (e, muito menos, comprova), em concreto, que venha a sofrer prejuízos — durante o decurso da acção principal — resultantes da actividade normalmente desenvolvida pela Requerida (ou sequer que alguma vez tenha sofrido algum prejuízo com a tramitação dos processos de inventário)".

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O juízo jurídico fundamentador explanado pelo Tribunal a quo na transcrição supra é de acompanhar na íntegra.
Por um lado, face à inexistência de alegação concreta e específica na esfera jurídica dos Requerentes de prejuízos em consequência do não decretamento da providência cautelar requerida tem de concluir-se que não se mostra preenchido o requisito do periculum in mora.
Por outro, a problemática do eventual decréscimo de ganhos em matéria de processos de inventário por facto morte, cuja tramitação corre pelos cartórios notariais, deriva do novo regime legal, v.g. Lei 23/2013, de 5 de Março e Portaria 46/2015, de 23 de Fevereiro.
O que significa que no quadro do requisito cautelar do periculum in mora não tem sustentação adjectiva requerer a limitação à mera gestão corrente de exercício de poderes da Direcção e Bastonário da Ordem dos Notários durante a pendência da acção principal em que se discute o acervo de questões suscitadas no âmbito do quorum e deliberações da Assembleia Geral da Ordem dos Notários de 23.05.2015 em que se “ .. aprovou a destituição do Bastonário, da direcção e dos suplentes ..”.

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Em face do exposto, improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 17 a 26 das conclusões, mostrando-se prejudicado o conhecimento das demais nos itens 27 a 32.



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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo dos Recorrentes.

Lisboa, 14.JAN.2016


(Cristina dos Santos) ……………………………………………………………..

(Paulo Gouveia) …………………………………………………………………..

(Nuno Coutinho)..…………………………………………………………………


(1) Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, Almedina/2004, 2ª ed. pág. 294/296 e 306/307.
(2) Isabel Fonseca, Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo, Almedina, 2002, págs. 130/134; no mesmo sentido, Vieira de Andrade, A justiça administrativa, Almedina, 5ª edição, 2004, págs. 306/309, 318/319.
(3) Isabel Fonseca, Obra cit. na nota (1), págs. 123 e 125; no mesmo sentido Abrantes Geraldes, Temas da reforma de processo civil – III vol.; Procedimento cautelar comum, Almedina, pág. 109, nota 138.
(4) Fernanda Maçãs, Reforma do contencioso administrativo – O debate universitário, Vol. I, Coimbra Editora 2003, págs. 459/460.
(5) Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, Almedina, 2003, págs. 263/266.
(6) Ana Gouveia Martins, A tutela cautelar… págs. 43 nota (40), 71/72 e 536/537.
(7) Mário Aroso de Almeida, Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina/2005, pág. 602.
(8) Isabel Celeste M.Fonseca, Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo, Almedina/2002, págs. 93/94 e 97/98.
(9) Isabel Fonseca, Obra citada na nota (2), pág.120; no mesmo sentido, Fernanda Maçãs, Obra citada na nota (3), pág. 462 e notas (23) e (24); Mário Aroso de Almeida, Obra citada na nota (4), pág. 262.
(10) Freitas do Amaral, As providências cautelares no novo contencioso administrativo, CJA nº 43, pág.12.
(11) Freitas do Amaral, Obra e loc. citados.