Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10952/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/02/2014
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:OPOSIÇÃO À NACIONALIDADE
TRAMITAÇÃO
JULGAMENTO E ALEGAÇÕES
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA
Sumário:I - Uma acção de oposição à aquisição de nacionalidade é regulada em primeira linha pelos termos previstos nos artigos 56º a 60º do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14/12, que aprovou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (RN).

II - Não consente o RN que após os articulados e antes do julgamento da causa – de facto e de direito - ocorram outros actos judiciais, para além daqueles que se afigurem ao juiz como necessários de realizar, nomeadamente os relativos às diligências de prova, a ter lugar na audiência de julgamento.

III - A remissão que é feita no artigo 60º do RN para o CPTA e para a acção administrativa especial, não abrange a obrigação de haver lugar a um despacho saneador, tal como vem estipulado nos artigos 87º e 88º do CPTA, à apresentação das alegações escritas e prévias ao julgamento, previstas no artigo 91º, ns.º 4 a 6 do CPTA.

IV- Por força da dupla remissão, do artigo 60º do RNP e do artigo 35º, n.º 2, do CPTA, aplicar-se-á a esta audiência de julgamento o regime estabelecido nomeadamente nos artigos 91º, n.º 1 a 3 do CPTA e 646º e seguintes do (antigo) CPC, mas com as adaptações necessárias.

V- Na acção de oposição à nacionalidade o julgamento das questões de facto e de direito é feito, em simultâneo, na decisão final.

VI - Quando em causa está a prova alicerçada sobretudo em testemunhas (e não em qualquer prova vinculada ou formal, com força ou eficácia probatória plena), que não foi gravada, existe na nossa lei um princípio básico – o da livre apreciação das provas, consignado no artigo 655º do (antigo) CPC – que conduz a que incumba apenas ao julgador perante o qual foi produzida a prova testemunhal (e da qual não se lavrou registo completo) avaliar essa prova segundo aquele princípio, em ordem ao apuramento da verdade material.

VII - As alterações introduzidas à Lei da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04 e o actual texto do RN, não passaram a estabelecer qualquer presunção legal de que qualquer cidadão estrangeiro que seja filho ou case com um cidadão português passa a deter uma efectiva ligação à comunidade portuguesa.

VIII - Sendo a acção de oposição à aquisição de nacionalidade, de simples apreciação negativa, competiria ao Recorrido fazer a prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa

IX - A prova da ligação efectiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais. Logo, a prova tem de ser feita através de factos próprios do Requerente do pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. Ao Estado, caberá depois, apenas, a contraprova daqueles factos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Cláudia …………………
Recorrido: Ministério Público
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou procedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa da ora Recorrente.
Em recurso a Recorrente formulou as seguintes conclusões: «A) A sentença recorrida é nula e ilegal, nos termos invocados do preceituado no n.º 1,do artigo 201.º, do CPC, ao violar o disposto no n.º 4 do artigo 91.º do CPTA, por não terem as Partes sido notificadas da decisão sobre a matéria de facto e para apresentação das suas alegações escritas.
B) A sentença recorrida violou a Lei e peca por uma errónea interpretação e por um defeituoso julgamento dos factos relativamente aos quais se pronunciou.
C) A Lei estabelece uma presunção legal de ligação efectiva à comunidade portuguesa por parte dos cônjuges dos cidadãos portugueses.
D) Essa presunção não foi ilidida nem foram alegados, pelo MP, factos susceptíveis de serem considerados como bastantes para ilidir essa presunção.
E) Na sentença recorrida fundamenta-se a decisão em “factos” não alegados pelas Partes, em clara violação dos Princípios legais e constitucionais que uma decisão judicial deve respeitar.
F) A Recorrente está casada com um cidadão português há mais de três anos e esse casamento mantém-se válido e não foi dissolvido.
G) Tudo o mais não passam de meras “presunções” sem qualquer base de sustentação credível que não podem, nem devem, servir de base a uma decisão judicial que se quer justa, equitativa, não discriminatória e moral e conceptualmente isenta.»
O Recorrido formulou as seguintes conclusões nas contra alegações que apresentou: «1. Como se adiantou, estamos em presença de um processo especial de oposição à aquisição da nacionalidade que se mostra regulado no art° 56° e segs. do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (DL237-A/06, de 14 de Dezembro );
2. Aí se prevê no art° 58° que: Apresentada a petição pelo Ministério Publico, o réu é citado para contestar, não havendo lugar a mais articulados ou alegações escritas pelo que a Mm Juiz não teria que ordenar a notificação para a produção de alegações escritas;
3. Um dos requisitos para que possa ser concedida a nacionalidade portuguesa é a prova da ligação efectiva à comunidade nacional (artigos 9.°, alínea a) da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro);
4. Incumbe ao requerente da aquisição da nacionalidade portuguesa a prova da ligação efectiva à comunidade nacional (artigo 343.°, n.º 1, do Código Civil);
5. A Recorrente não fez prova efectiva de tal ligação à comunidade portuguesa;
6. Assim, bem decidiu o Tribunal a quo, ao julgar procedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade da Recorrente e ao ordenar o arquivamento do processo conducente ao registo respectivo, pelo que deve ser confirmada; e, finalmente, pelas expostas».
Por despacho de fls. 293 foi sustentada a decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os Factos
Na 1º instância foram dados por assentes, por provados, os seguintes factos, que se mantêm:
1. A R. nasceu em 20.06.67, no Rio de Janeiro, Brasil (cfr. fls. 20).
2. Contraiu casamento civil, em 04.07.00, no Rio de Janeiro, com o cidadão português Jaime Filipe Talbot, natural de Lisboa e residente, à data do casamento, no Reino Unido (cfr. fls, 19 e 17).
3. O casamento foi inscrito no registo civil português no ano de 2009 (cfr. fls. 19).
4. A R. e o marido têm um filho, Ignacio ………………, nascido em 1999, no Rio de Janeiro, de nacionalidade portuguesa (cfr. fls. 73 e 74).
5. O nascimento do filho foi inscrito no registo civil português no ano de 2011 (cfr. fls. 122).
6. No dia 18 de Junho de 2011, na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, a R. prestou a declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do artigo 3° da Lei n° 37/81, de 3 de Outubro, com base no referido casamento (CfL fls. 13 e 14).
7. Com base em tais declarações foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais processo onde se constatou não se verificarem os pressupostos da pretendida aquisição de nacionalidade, razão pela qual o registo em questão não chegou a ser lavrado.
8. A Requerida é formada em hotelaria com especialização em alimentos e bebidas (cfr. fls.118 a 121).
9. A Requerida trabalhou para a empresa portuguesa "T……..", como estilista, no sector da promoção e da imagem na área de confecções, de Março de 1996 a Fevereiro de 1998 (cfr. fls. 33).
10. Inscreveu-se na Direcção-Geral dos Impostos em Portugal em 1996 (cfr. fls. 116).
11. Durante o período de 1996 a 1998 residiu em Portugal, altura em que conheceu o marido.
12. No ano de 1998 foi residir para o Brasil.
13. A R. reside na Rua ………….. 24/408, L……….., Rio de Janeiro, onde foi citada (cfr. fls, 98 e 101).
14. Viveu também na Suíça (declaração de fls, 13 e 14).
15. A R. desloca-se regularmente a Portugal, ultimamente, cerca de duas a três vezes por ano.
16. Em data que não se apurou mas, pelo menos, desde há 3 anos, desloca-se a Portugal sempre sozinha.
17. Nas primeiras vezes que se deslocou a Portugal após o casamento fez-se acompanhar do marido.
18. Conhece Sintra, Setúbal, Óbidos, Guimarães, Aveiro e o Algarve.
19. A R. convive com portugueses que vivem no Brasil.
20. Os sogros da R. estão separados.
21. A sogra reside em Inglaterra há 30 anos.
22. O sogro vive no Brasil há muitos anos, já desde antes do casamento da R.
23. O filho da R. e do seu marido estuda num colégio em Oxford, Inglaterra, Reino Unido, em regime de internato.
24. A R. não exerce de momento qualquer actividade profissional.
25. O marido da R. é arquitecto e sócio da sociedade B……….. C………. Limitada (cfr. fIs. 189 e sgts.).
26. O marido da R. tem residência na Rua …….., 636/301, I……….., Rio de Janeiro (cfr. doe. de fIs. 189 e sgts.).
Nos termos dos artigos 662º, n.º1 e 665º, n.ºs 1 e 2, do (novo) CPC, acrescentam-se os seguintes factos por provados:
27. Com data de 22.07.2012 foi passada por Jaime ……………. a declaração de fls. 210 a 211, que aqui se dá por reproduzida.
28. Com data de 17.06.2012 foi passada por Rita ……….., a declaração de fls. 210 a 211, que aqui se dá por reproduzida.
O Direito
Alega a Recorrente a nulidade decisória porque após a audiência, que teve lugar, o tribunal não notificou as partes para a apresentação de alegações escritas, nos termos do artigo 91º, n.º 4, do CPTA. Diz a Recorrente, que a tramitação prevista no artigo 58º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (RN) apenas se aplica à fase dos articulados, determinando que após a contestação não há lugar a mais articulados ou a alegações por escrito. Mas no caso das indicadas alegações, considera a Recorrente que se regulam pelo artigo 91º, n.º 4, do CPTA, por remissão do artigo 60º do RNP, pois ocorreu audiência de julgamento e já não se está naquela fase dos articulados.
Mais diz a Recorrente, que a decisão recorrida foi errada porque à Recorrente não se exige que faça a prova de uma ligação efectiva à comunidade portuguesa, bastando que declare a existência de tal ligação, porquanto a lei presume aquela ligação por força do casamento com um português. Considera a Recorrente, que nos autos não ficou provada pelo MP a inexistência dessa ligação, pelo que errou a decisão sindicada ao assim não entender.
Alega a Recorrente, que a «convicção» do julgador, referida na decisão sindicada, é erradamente usada para ilidir uma presunção legal e que tal «convicção» foi o fundamento para o tribunal entender que a Recorrente estava separada do marido, facto que não foi alegado por nenhuma das partes, que não decorria da prova documental e que foi considerado oficiosamente pelo tribunal a partir do depoimento das testemunhas, sendo um facto novo, que não poderia ser considerado, sob pena de violação do artigo 264º, n.º 2, do CPC.
Considera a Recorrente, ainda, que foi errado o indeferimento da prova documental junta em sede de audiência de julgamento, relativa a depoimentos, que sempre teriam de ser considerados como documentos escritos, como prova documental, que, aliás se mostrou pertinente, face ao sentido decisório e à alegada «convicção» do julgador quanto à separação de facto da Recorrente e do seu marido.
Alega a Recorrente, também, que face à prova documental e testemunhal produzida, foi errada aquela convicção do julgador e que nos autos ficou provada a ligação da Recorrente a Portugal.
Vejamos.
O presente processo não é uma acção administrativa especial, mas uma acção de oposição à aquisição de nacionalidade, regulada em primeira linha nos termos previstos nos artigos 56º a 60º do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14/12, que aprovou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (RN).
Nos artigos 58º e 59º deste diploma refere-se expressamente a tramitação a adoptar nesta acção de oposição à nacionalidade. E conforme artigo 60º, apenas no que não estiver regulado naquele decreto lei segue a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa «os termos da acção administrativa especial, prevista no Código do Processo nos Tribunais Administrativos» (cf. ainda o artigo 26º da Lei n.º 2/2006, de 17.4, a Lei da Nacionalidade- LN).
Assim, determinam aqueles artigos 58º e 59º, n.º1, do RN, que «apresentada a petição pelo Ministério Público, o réu é citado para contestar, não havendo lugar a mais articulados ou alegações escritas. (…) Findos os articulados, é o processo, sem mais, submetido a julgamento, excepto se o juiz ou relator determinar a realização de quaisquer diligências».
Quer isto dizer, que a aplicação supletiva prevista no CPTA para a acção administrativa especial, conforme remissão do artigo 60º do RN, só ocorre relativamente ao que não estiver especialmente regulado no RN e com este não conflituar.
Logo, contrariamente ao estabelecido no CPTA para a acção administrativa especial, nesta oposição, após a PI, existe uma contestação e segue-se o julgamento.
Mas sendo suscitadas excepções ou questões prévias na contestação, por força do princípio do contraditório, a estas responderá o A. no (início da) audiência julgamento, se o houver, ou necessariamente em articulado de resposta, sob pena de se violar aquele princípio fulcral do processo civil e administrativo.
O julgamento tem lugar de imediato, após os articulados.
Não sendo necessária a produção de mais prova, o julgamento de facto e de direito, tem lugar logo após os articulados, sem mais delongas ou actos.
Sendo necessária a realização de uma fase de instrução, far-se-á a audiência de julgamento «sem mais», após os articulados, o que implica que o apuramento dos factos relevantes para o exame da causa seja feita nesse julgamento por remissão para os articulados apresentados (portanto, sem base instrutória) e que após a realização da prova, de imediato, sem outros actos judiciais, se proceda ao julgamento de facto e de direito, ou seja, ao julgamento da causa, do seu mérito, quer quanto às questões de facto, quer de direito.
Não consente o RN que após os articulados e antes do julgamento da causa – de facto e de direito - ocorram outros actos judiciais, para além daqueles que se afigurem ao juiz como necessários de realizar, nomeadamente os relativos às diligências de prova, a ter lugar na audiência de julgamento.
Quer isto dizer, que a remissão que é feita no artigo 60º do RN para o CPTA e para a acção administrativa especial, com o regime previsto nos artigos 46º a 96º, inclusos no Título III, não abrange a obrigação de haver lugar a um despacho saneador, tal como vem estipulado nos artigos 87º e 88º do CPTA, ou à apresentação de alegações escritas e prévias ao julgamento, previstas no artigo 91º, ns.º 4 a 6 do CPTA.
Portanto, não ocorreu nulidade alguma porque o processo de oposição à nacionalidade não seguiu a tramitação prevista no CPTA para a acção administrativa especial, com a apresentação das alegações escritas indicadas no n.º 4, do artigo 91º do CPTA, após os articulados e antes do julgamento.
Este processo não é uma acção administrativa especial, é antes um processo de oposição à nacionalidade, com uma tramitação própria, mais célere e simplificada, que apenas admite dois articulados (e necessariamente uma resposta caso sejam suscitadas excepções ou questões prévias), fase após a qual se procede ao julgamento – de facto e de direito- pelo juiz a quem foi distribuído o processo, sem mais delongas ou articulados escritos.
Aqui não se aplicam quaisquer regras processuais previstas no CPTA para a acção administrativa especial que conflituem com a especial tramitação que foi conferida pelo RN à acção de oposição da nacionalidade.
Não se aplica, assim, a norma prevista no artigo 91º, n.º 4, relativa à obrigatoriedade de alegações escritas após os articulados e antes do julgamento.
Conforme resulta dos autos, no caso em apreciação, após os articulados, foi elaborado o despacho de fls. 164, determinando como diligências a efectuar, a inquirição das testemunhas arroladas pela ora Recorrente, o que ocorreu em 10.01.2013 (ao abrigo do antigo CPC), conforme acta de fls. 205 a 208.
Teve lugar, assim, uma audiência de julgamento, para a inquirição das testemunhas arroladas pela A. e Recorrente, que por força da remissão do artigo 60º do RN, tem de se enquadrar nos artigos 90º, nº 1, 91º, n.ºs 1 a 3, daquele Código e subsidiariamente na lei processual civil, face ao determinado no artigo 35º, n.º 2, do CPTA (cf. ainda artigo 1º do CPTA).
Ou seja, por força da dupla remissão, do artigo 60º do RNP e do artigo 35º, n.º 2, do CPTA, aplicar-se-á a esta audiência de julgamento o regime estabelecido nomeadamente nos artigos 91º, n.º 1 a 3 do CPTA e 646º e seguintes do CPC, mas com as adaptações necessárias.
Há que adequar o julgamento quer à peculiar tramitação da acção de oposição à nacionalidade, tal como vem definida no RN, quer no que concerne às regras do processo civil, à tramitação da acção administrativa especial.
Assim, obviamente, não serão aqui aplicáveis as regras quer dos artigos 646º, 648º, 651º, n.º 1, alínea a) e 2, 653º, n.º 3 do CPC, totalmente desaproveitáveis porque agora não existe um tribunal colectivo, quer a do artigo 647º, porque em causa não está uma acção de indemnização, quer as dos artigos 653º, ns.º 4 e 5 e 657º, pois o artigo 59º do RN exige que findos os articulados seja, sem mais, o processo submetido a julgamento, excepto se forem determinadas a realização de quaisquer diligências, que obviamente terão de preceder o julgamento da causa. Logo, neste último caso, far-se-ão as diligências instrutórias na audiência de julgamento, e ainda nesta, ou logo de seguida a esta, deve ser proferido o julgamento, de facto e de mérito, a levar a cabo, em simultâneo, na decisão final.
Mais se acrescente, que a obrigação de discussão oral da matéria de facto neste processo de oposição à nacionalidade também não decorre do artigo 91º, n.ºs 1 a 3 do CPTA.
No caso em análise, não foram as partes que requereram a audiência, pelo que nunca aqui seriam aplicáveis os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91º do CPTA.
No que diz respeito ao determinado no artigo 91º, n.º 1 do CPTA, verifica-se, que nesse número se determina que é ao juiz que compete «finda a produção da prova» «sempre que a complexidade da matéria o justifique, ordenar oficiosamente a realização de uma audiência pública destinada à discussão oral da matéria de facto». Ou seja, se o juiz entender que essa complexidade não existe, pode, finda a produção da prova, não determinar essa discussão oral. O juiz tem aqui poderes discricionários para determinar a referida discussão, ou não.
Portanto, mesmo que não tenham ocorrido neste caso, após a produção da prova, alegações orais, essa omissão nunca acarretaria uma nulidade decisória, porque a mesma não está legalmente definida como obrigatória, mas cabe nos poderes discricionários do juiz (face ao teor da acta de fls. 205 a 208, finda a produção da prova, a juiz titular do processo não determinou a discussão oral da matéria de facto).
Mas certo, é que as alegações escritas previstas no n.º 4 do artigo 91º do CPTA, nunca seriam obrigatórias.
Porém, verifica-se também nestes autos, que após a produção da prova, foi proferido, de imediato, o despacho no qual se indicou às partes que seria de seguida proferida a sentença. Desse despacho foram as partes, que estavam presentes no acto, notificadas (cf. acta de fls. 205 a 208).
Logo, entendendo a A. e ora Recorrente que se estava a cometer uma nulidade, por não se ter determinado a discussão da matéria de facto, haveria de a ter invocado, de imediato, enquanto o acto não tivesse terminado, por força da aplicação supletiva dos artigos 201º, n.º1, 203º, 205ºdo CPC, ex vi artigo 1º do CPTA.
Logo, a arguição da nulidade de julgamento por na data da audiência não ter tido lugar a discussão da matéria de facto, sempre será extemporânea porque feita apenas em sede deste recurso e não na data em que a alegada nulidade foi praticada estando a parte presente no acto.
Foi também nesse acto que a Mandatária da ora Recorrente solicitou a apresentação de diversos documentos e que o seu pedido que foi parcialmente satisfeito. Do despacho que lhe indeferiu o pedido para juntar uma declaração do seu marido e uma outra declaração, de Rita ……………., foram notificados, de imediato, os presentes (cf. a citada acta). A junção daqueles depoimentos que não foi admitida porque o tribunal entendeu que o depoimento dessas testemunhas não tinha que ser apresentado por escrito, por não haver razões para essa admissão e o artigo 639º, à contrário, do CPC, o não admitir.
Ora, a Mandatária da Recorrente estava presente nesse acto e foi notificada do despacho de indeferimento da junção dos documentos.
Não recorreu a A. daquele despacho. A A. apenas recorre da decisão final, na qual se julgou de facto e de direito, mas que nenhuma pronúncia nova fez relativamente à não admissão dos indicados documentos, para além da referência ao já decidido em sede de audiência de julgamento.
Portanto, porque a A. não recorreu do despacho exarado na acta de fls. 205 a 208, que foi onde se indeferiu o pedido para serem juntos os indicados documentos, não pode agora, a pretexto do recurso da decisão final, que sobre esse assunto nenhuma pronúncia nova fez, pretender a reapreciação do anterior despacho.
Claudica, por isso, a alegação da Recorrente relativa ao erro decisório, por se ter indeferido a junção da prova relativamente aos depoimentos do seu marido e de Rita …………...
Neste recurso a A. e Recorrente não impugna a factualidade dada por assente, mas apenas discorda da convicção do julgador. Imputa a Recorrente à decisão recorrida um erro de julgamento quanto à apreciação que fez da matéria de facto, não com base na existência de provas diferentes e já ponderadas pelo tribunal de 1º instância, mas sim porque diz que foi errada a convicção do julgador.
Na motivação à decisão da matéria de facto, é explicitado na sentença recorrida o seguinte: «A prova do facto constante dos pontos 9., 11., 12., 15. e 16., 18. a 25. resultou do depoimento da R. que afirmou o que consta desses pontos. Mais disse que reside no Brasil desde que casou, mas que vinha, e vem, com muita frequência, a Portugal. Após o casamento e enquanto o bisavô do seu filho (avô do marido) foi vivo, vinha cá com o marido visitá-lo, assim como à bisavó (avó do marido), sendo que os avós do marido residiam no Estoril. Que, entretanto, o bisavô faleceu e agora desloca-se a Portugal sozinha, desacompanhada do marido porque este viaja muito em trabalho e não tem disponibilidade para a acompanhar. Perguntada sobre se quando vem a Portugal vai visitar a bisavó do filho (avó do marido), disse que não porque ela ter muita idade (cerca de 90 anos). Declarou também que não vem a Portugal acompanhada do seu filho pois este encontra-se a estudar em Oxford, Reino Unido, em regime de internato, e quando tem férias, passa-as no Brasil. Perguntada porque razão vem duas a três vezes por ano a Portugal desacompanhada do marido, disse que vem porque gosta e disse não exercer cá qualquer actividade profissional. Perguntada sobre se estava separada do marido, disse que não.
A prova dos factos 15., 16. e 18. resultou do depoimentos das testemunhas Jorge ……. e Jorge ………., ambos motoristas de taxi, que afirmaram que a R é sua cliente e que asseguram o transporte da R. sempre que esta vem a Portugal (a prova do facto n° 17. resultou do depoimento da testemunha Jorge …….).
O motorista Jorge …….. disse que conheceu a R. há dez anos através do Sr. Álvaro (que disse ser amigo da R) que lhe pediu para assegurar o transporte da R. em Portugal; que, de início, a R. vinha a Portugal com o marido, mas desde há muito tempo para cá, há 3 anos, pelo menos, ou talvez mais, que nunca mais viu o marido da R; que faz viagens longas com a R., a vários pontos do país; que, de uma conversa que teve com a R. ficou com a ideia de que ela e o marido estavam separados.
O motorista Jorge …… disse que conheceu a R. há 8 anos; que a conheceu através do colega Jorge Maria que lhe pediu assegurar o seu transporte quando aquele não o pudesse fazer; que esta ultimamente vem cá 2 a 3 vezes por ano e que a conduz a vários locais do país deixando-a sempre em hotéis; que, apesar de a transportar há oito anos, nunca viu o marido.
Ambos disseram que a R. conhece bem a realidade portuguesa e que gosta deste país. A prova dos factos 15., 16. e 19. resulta do depoimento da testemunha José ……….., que disse que conheceu a R. no Brasil através de amigos comuns que são portugueses e que estão no Brasil há muitos anos; que se encontram quando ela vem a Portugal; que é amigo dela; que não sabe o que ela faz, nem qual a sua formação; que não tem a certeza se a R. tem um ou dois filhos; que não conhece o marido da R.; que a R. é uma pessoa interessada em aprofundar o conhecimento de Portugal. Perguntado, não identificou que amigos tem a R. em Portugal».
Esta fundamentação ou motivação da decisão recorrida quanto à resposta que deu à matéria de facto não é passível de qualquer objecção, designadamente de poder reconduzir-se a um errado julgamento da matéria de facto.
Nos termos do artigo 712º do CPC, a decisão do tribunal de 1º instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pelo tribunal superior: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do artigo 690º-A do CPC, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que se baseou a decisão impugnada.
Ora, no caso em apreço, tal como resulta do acima exposto, não nos enquadramos em nenhuma destas situações.
Na realidade, não havendo gravação do depoimento prestado, os elementos em que o tribunal de 1º instância fundou a sua decisão não estão, todos eles, acessíveis a este tribunal. Do texto da acta também não se retiram tais elementos.
Quanto à situação referida na alínea b) daquele artigo 712º do CPC, a mesma também não ocorre aqui. Não existem nos autos elementos cuja força probatória plena não tenha sido abalada com outras provas.
Neste recurso limita-se a Recorrente a dizer que discorda da decisão de facto do tribunal, sem explicitar qual a concreta prova que é indicada no processo que a isso conduz fatalmente. Logicamente, porque a prova, totalmente testemunhal, não foi gravada (desde logo porque a ora Recorrente também não requereu tal gravação).
De igual modo, se não verifica a situação referida na al. c) do indicado artigo, pois nenhum documento novo superveniente foi apresentado, que fosse por si só suficiente para destruir a prova em que se baseou a decisão impugnada.
Quanto aos documentos juntos em sede de recurso, de fls. 210 a 212, constituem as declarações feitas pelo marido da Recorrente e por Rita Isabel Borges Antunes, as mesmas que não terão sido admitidas juntar em sede de audiência de julgamento, conforme acta de fls. 205 a 208.
Face à data desses documentos e à tramitação apurada nos autos, as declarações agora juntas não são documentos novos supervenientes, cuja apresentação não foi possível até ao encerramento da discussão, mas antes serão documentos que se entendeu necessário juntar em virtude do julgamento de facto feito.
Apreciado o teor desses documentos, não é o mesmo suficiente para destruir a prova em que se baseou a decisão impugnada, pois de forma alguma põem em crise a restante prova, que resulta dos autos, Também não põe em crise a justificação que foi dada pelo julgador para a decisão que tomou em sede de julgamento de facto.
Em suma, não opera aqui o artigo 712º, n.ºs 1 e 2, do CPC, porque em causa está a prova alicerçada sobretudo em testemunhas (e não em qualquer prova vinculada ou formal, com força ou eficácia probatória plena), que não foi gravada e existe na nossa lei um princípio básico – o da livre apreciação das provas, consignado no artigo 655º do CPC – que conduz a que incumba apenas ao julgador perante o qual foi produzida a prova testemunhal (e da qual não se lavrou registo completo) avaliar essa prova segundo aquele princípio, em ordem ao apuramento da verdade material.
Porém, este princípio da livre apreciação da prova encontra-se contrabalançado com o dever de fundamentação, que também incumbe àquele julgador perante o qual foi produzida a prova testemunhal.
A fundamentação das decisões judiciais é um dever constitucionalmente consagrado – cf. artigo 205º, n.º 1, da CRP. Como corolário desse dever impõem os artigos 158º, 653º, n.º 2 e 659º, n.º 3, do CPC, que as decisões sejam sempre fundamentadas, com a indicação dos factos julgados provados e não provados.
Ou seja, o princípio da livre apreciação da prova por banda do julgador perante o qual essa prova é produzida está cerceado pela obrigação de fundamentação das decisões judiciais. A esse julgador – livre na apreciação da prova – impõe-se que use tal liberdade de forma cuidadosa, socorrendo-se ainda dos seus conhecimentos científicos e dos que resultam das regras de experiência da vida e que exteriorize o cuidado que teve e os conhecimentos que utilizou na valoração da prova produzida – mormente a testemunhal, que há-de ser interligada com os demais elementos probatórios que se tenham produzido.
No caso em apreço ocorreu o julgamento da matéria de facto juntamente com a decisão final.
Como decorre do antes transcrito, verifica-se, que no caso em apreciação a decisão sindicada exteriorizou o julgamento de facto que foi feito, assim como, de forma minuciosa e plena, procedeu a uma análise critica que fez das provas. Especificou-se de forma totalmente clara, congruente e cabal os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, face aos factos alegados e cuja prova se pretendia fazer. Indicou a decisão, a análise que fez dos testemunhos ouvidos, em termos de idoneidade, credibilidade, isenção, imparcialidade e referiu quais as razões da decisão do julgador para os dar os factos alegados pelas partes como provados ou não provados.
Ora, apreciada a indicação e especificação que foi feita na decisão sindicada da convicção do julgador, compreende-se plenamente o seu iter cognoscitivo, afigurando-se não existir nenhum erro evidente na avaliação feita da prova. Estando correcta e cabalmente fundamentada a decisão, quanto à convicção do julgador, não apresentando a fundamentação aduzida nenhum erro crasso ou qualquer contradição, há que manter a matéria de facto tal como foi dada opor provada pelo tribunal de 1º instância, por vigorar aqui um princípio da livre apreciação da prova.
Quanto à invocação pelo tribunal do facto relativo à Recorrente estar separada do marido, trata-se de um facto que era o cerne do litígio, porquanto a Recorrente fundou o seu pedido de nacionalidade precisamente no casamento.
É totalmente incompreensível a alegação da Recorrente de que o casamento e a convivência que dali deriva, que foi o fundamento para a mesma requerer o pedido de nacionalidade, não era um facto alegado pelas partes neste litígio e que era um facto novo, que foi oficiosamente considerado pelo tribunal.
No que concerne à alegação de que a nova lei estipula uma presunção legal de ligação a Portugal, decorrente do casamento com um português, que basta ao requerente do pedido a declaração dessa ligação e que é ao MP que incumbe a prova da inexistência de uma ligação efectiva, também claudicam as alegações da Recorrente.
Nestes autos está em causa um pedido de arquivamento do processo relativo à aquisição da nacionalidade portuguesa, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, com fundamento em que a ora Recorrida não logrou demonstrar a sua ligação efectiva à comunidade nacional.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade (LN, Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, na versão conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04), «[o] estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio». «Constituem fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: // [a) [a] não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional».
«O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, se, na constância do matrimónio, quiser adquirir a nacionalidade, deve declará-lo» - artigo 11.º, n.º1, do RN. «A declaração será instruída com certidão do assento de casamento e com prova da nacionalidade do cônjuge português (…)» – artigo 11.º, n.º 2, do RN).
«Todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve: // a) Comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional» – artigo 22.º, n.º 1, do RN.
Constitui jurisprudência assente a de que: «Para que o cidadão estrangeiro adquira a nacionalidade portuguesa, não basta a prova do casamento com cidadão português há mais de três anos e a declaração da vontade de aquisição da nacionalidade do cônjuge, sendo conforme o art.º 9.º/a), da Lei da Nacionalidade (…) indispensável a existência duma ligação efectiva do interessado à comunidade nacional, que lhe incumbe provar, como estabelecido no art.º 22.º do RN (…) // A conclusão pela existência, ou não, de ligação efectiva ou pertença a comunidade nacional terá de resultar da ponderação dum conjunto de circunstâncias, como é o caso do domicilio, da estabilidade de fixação, da família, relevando a nacionalidade portuguesa do cônjuge e dos filhos, da actividade económica ou profissional, do conhecimento da língua falada ou escrita, dos usos, costumes e tradições, da história, da geografia, do convívio e integração nas comunidades portuguesas, das relações sociais, humanas, de integração cultural, da participação na vida comunitária portuguesa, designadamente, em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, isto é, de todos os aspectos familiares, sociais, económico-profissionais, culturais e de amizade reveladores dum sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto todos os elementos ou factores susceptíveis de revelar a efectiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional que no caso concorram – ou deixem de concorrer» – cfr. Ac. do STJ, de 06.07.2006, P. 06B1740, in www.dgsi.pt.
«A pertença á comunidade nacional ou a ligação efectiva a esta não se pode definir pelo preenchimento de todos os itens que habitualmente são enumerados (conhecimento da língua, dos usos e costumes, da história, da geografia, das tradições, etc. e convívio e integração nas comunidades de portugueses) nem requer que a cada um deles seja conferido o mesmo relevo; antes exige que, numa visão de conjunto, seja possível concluir que a caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa se encontra estruturada e arreigada no pretendente» – Ac. do STJ, de 21.09.2004, P. 5ª327, in www.dgsi.pt.
No caso dos autos, conforme resulta da prova feita, que aqui não ficou abalada, há que concluir que a Recorrente não logrou provar ter um sentimento de pertença a Portugal ou de identificação sócio cultural com a comunidade portuguesa.
Dos factos provados e não impugnados neste recurso, resulta que a Recorrente reside no Brasil e trabalhou em Portugal de 1996 a 1998, altura em que conheceu o marido.
Ficou ainda provado que se desloca a Portugal duas a três vezes por ano e que conhece o nosso país.
Mais se provou, que convive com portugueses que vivem no Brasil.
Mas na decisão indicada também é afirmado na decisão sindicada o seguinte: «Por outro lado, não ficou provado que a R. tenha amigos portugueses em Portugal com os quais se relacione, nomeadamente, amigos comuns a ela e ao marido. A testemunha José da Fonseca não se pode considerar amiga da R. pois revelou desconhecer aspectos básicos da vida da R. que não é normal que uma pessoa chegada desconheça. Não soube, designadamente, concretizar quais os amigos portugueses que a R. tem em Portugal e disse desconhecer o marido desta. Por outro lado, as testemunhas, motoristas disseram que quando a R. vem a Portugal a levam a hotéis (apenas tendo o Jorge ………referido que a levou a uma casa no Estoril no tempo em que vinha com o marido).
Quanto ao sentimento de pertença do marido a Portugal (sobre o qual importa atentar para ver se é suficientemente forte ao ponto de ter transmitido esse sentimento à mulher):
O marido nasceu em Lisboa e conheceu a R. em Portugal. Contudo, não está provado que o marido da R. tenha residido em Portugal desde que nasceu até que casou. Veja-se que a mãe do marido da R. reside em Inglaterra há 30 anos e que este tinha residência habitual nesse país quando casou com a R. Por seu turno, o sogro da R. já vive há muitos anos no Brasil, antes ainda de a R. e o marido terem casado.
Ou seja, não ficou provado que o marido da R. se encontre, ele próprio, ligado a Portugal a ponto de ter transmitido um sentimento nesse sentido à R..
Ficou também provado, ainda, que o casamento da R. só foi inscrito no registo civil português no ano de 2009 e que o nascimento do filho do casal só foi inscrito no registo civil português em 2011, circunstâncias que são reveladoras de algum distanciamento da família relativamente à comunidade portuguesa.
Sucede, ainda, que o Tribunal criou a convicção de que a R. se encontra desde há tempo, há 3 anos ou mesmo mais, separada de facto do marido, apesar de a R. ter negado essa situação. Isto porque, para além de causar muita estranheza o facto de a R., que não exerce qualquer actividade profissional em Portugal, se deslocar a este país cerca de 2 a 3 vezes por ano sempre desacompanhada do marido (de resto, o marido da R. deve ter vindo a Portugal muito poucas vezes com esta pois a testemunha Jorge Moisão, motorista, que já conhece a R. há 8 anos, diz nunca ter visto o marido), estes residem em moradas diferentes no Rio de Janeiro e a testemunha Jorge ………….referiu que, de uma conversa que teve com a R., ficou com a ideia de que ela e o marido estavam separados.
É certo que quer as testemunhas inquiridas disseram que a R. gosta de Portugal e que conhece bem o país.
Contudo, o facto de a R. gostar de Portugal (o que é revelado também pelas diversas visitas que a R. fez ao nosso país), e a circunstância de conviver com cidadãos portugueses no Brasil, não evidenciam, por si só, firmes e persistentes elos que possam corporizar um sentimento de pertença perene à comunidade nacional, de modo a poder afirmar-se que o R. é psicológica e sociologicamente portuguesa.
Não se questiona a simpatia que a R. possa ter por Portugal, mas os autos não traduzem por parte da R., relativamente ao nosso país, um sentimento que ultrapasse a afeição pelo país irmão, sentida por muitos brasileiros.
A factual idade apurada não permite concluir que a R. tenha criado, por via do casamento, a ligação que o preceito legal referido exige ao ponto de esta se sentir portuguesa.
Embora seja casada com um cidadão nacional português, não se pode considerar, atenta a factualidade provada, que a R. tenha estabelecido, por via dessa união matrimonial, uma ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa.
Pelo que, não se mostra verificado o pressuposto necessário para que, mediante a sua vontade, a R. possa adquirir a nacionalidade portuguesa, ou seja a ligação a Portugal obtida através do casamento. »
Ora, este julgamento, feito pela decisão recorrida, não pode agora ser alterado.
Face à prova feita, que neste recurso não logrou ser abalada, não podemos considerar que a Recorrente tem uma ligação efectiva a Portugal, porque tem relativamente ao nosso país um sentimento de pertença, que tenha um sentimento arreigado relativamente à nacionalidade portuguesa.
A Recorrente não reside em Portugal, não se prevê que aqui venha a estabilizar a sua vida, a fixar-se com a família e a trabalhar, que conviva e se integre na comunidade portuguesa, aqui ou além fronteiras e nessa comunidade participe e com ela se identifique sócia e culturalmente.
Os elementos constantes dos factos provados, apesar de demonstrarem uma proximidade da Recorrente a Portugal, desde logo familiar e que a Recorrente tem conhecimentos acerca da realidade portuguesa, tanto mais porque aqui vem amiúde, não são suficientes para se considerar provado um verdadeiro sentimento de pertença.
Portanto, não há agora que alterar o julgamento feito na 1º instância e que aqui vem impugnado.
Quanto ao entendimento de que a nova lei da nacionalidade passou a exigir apenas a declaração de ligação efectiva do Requerente do pedido de nacionalidade à comunidade nacional e que é à Conservatório e ao Ministério Público (MP), ora Recorrido, que compete a prova da inexistência daquela ligação, também não poderá ser aceite.
As alterações introduzidas à LN pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04 e o actual texto do RN, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14.12, não passaram a estabelecer qualquer presunção legal de que qualquer cidadão estrangeiro que seja filho ou case com um cidadão português passa a deter uma efectiva ligação à comunidade portuguesa.
Isso mesmo já foi decidido por este TCA em diversos arrestos, designadamente nos Acs. n.º 4125/08, de 21.10.2008, n.º 3697/08, de 13.11.2008, n.º 4150/08, de 19.11.2009, n.º 488/09, de 26.05.2011 ou n.º 5367/09, de 19.11.2009, todos em www.dsgi.pt. Concordando-se com tal jurisprudência para ai se remete.
Na senda da jurisprudência indicada, atendendo a que a presente acção é de simples apreciação negativa, competiria ao Requerente do pedido de nacionalidade, a ora Recorrente, fazer a prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa. Tal deriva dos artigos 342º e 343º, n.º1, do Código Civil (CC). A prova da ligação efectiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais. Logo, a prova tem de ser feita através de factos próprios do Requerente do pedido de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. Ao ora Recorrido, ao Estado, caberá depois, apenas, a contraprova daqueles factos.
Mais se diga, que a tese sustentada na sentença sub judice, se entendida como a do cometimento à Administração da averiguação dos factos constitutivos do direito – de ligação à comunidade e do direito à nacionalidade portuguesa – tudo factos pessoais do Requerente do pedido de nacionalidade, também sempre deveria ser entendida como uma prova diabólica e como tal inadmissível.
A prova da efectiva ligação à comunidade portuguesa tem de ser feita através da invocação de factos pessoais. Assim, se se entendesse que tal prova não competia apenas àquele a que se arroga o direito, mas antes, pela negativa, à Conservadora dos Registos Centrais ou ao Estado, estar-se-ia a exigir que estes últimos demonstrassem factos que só aquele a que se arroga o direito conhece e pode provar. Trata-se de uma prova impossível ou extremamente difícil de fazer, trata-se de «prova diabólica». Será «prova diabólica» exigir da Conservadora dos Registos Centrais ou do Estado v.g. que provem que um cidadão estrangeiro que pretende a nacionalidade portuguesa sabe (ou não) os usos e costumes portugueses, da história, da geografia ou que convive e se integra na comunidade portuguesa, com quem tem amizades e que detém um sentimento de pretensa a esta comunidade portuguesa. Não pode nunca a Conservadora dos Registos Centrais ou o Estado reunir tal prova, salvo se lançarem mão a uma verdadeira investigação policial, que certamente violaria o direito constitucionalmente protegido à reserva da intimidade da vida privada e familiar (cf. artigo 26º da CRP).
Refira-se, ainda, que se se entendesse que a alteração da Lei da Nacionalidade exige agora que a Conservadora dos Registos Centrais ou o Estado provem a inexistência da efectiva ligação à comunidade portuguesa – e não o inverso, ou seja, que é ao interessado que cabe fazer a prova dessa ligação – estar-se-ia ainda a admitir que através dessa lei se pudesse restringir o direito constitucional à reserva da intimidade da vida privada e familiar; estar-se-ia a tornar legítima e não abusiva a recolha de informações relativas a essas pessoas, suas famílias, amigos, locais que frequenta, associações onde se integra, neles se tendo inscrito etc.
Ora, este entendimento é claramente errado e ofende os mais elementares princípios de um Estado de Direito, em que prima a dignidade da pessoa humana. Não pode o Estado obter informações pessoais sobre as pessoas, sua família e amigos para efeitos da prova da inexistência da efectiva ligação à comunidade portuguesa. Essa prova, de factos pessoais, compete unicamente ao interessado, quando requer o seu direito. Por seu turno, ao Estado incumbe apenas a contraprova desses factos, sempre com respeito pelos princípios constitucionais e pelo princípio da reserva da intimidade da vida privada e familiar.
Em suma, considerando que o ónus da demonstração da ligação efectiva compete à Recorrente e atendendo aos elementos colhidos dos autos, não impugnados neste recurso, concluímos que a mesma não logrou provar tal ligação.
Por conseguinte, não tendo feito essa prova, terá de se julgar procedente a presente acção de oposição à nacionalidade.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam em:
a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;
b) Custas pela Recorrente.
Lisboa, 2 de Abril de 2014
(Sofia David)
(Cristina Santos)
(Rui Pereira) (Vencido, por entender que aos presentes autos caberia reclamação para a conferência nos termos do artigo 27º, nº2 do CPTA, e não recurso. Como tal não teria conhecido do recurso interposto).