Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1692/09.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS.
ISENÇÃO DE TRIBUTAÇÃO DAS MAIS-VALIAS REINVESTIDAS NA AQUISIÇÃO DE HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE.
COOPERATIVA DE HABITAÇÃO.
Sumário:1. A interpretação da norma do artigo 10.º/5/a), do CIRS, deve ter presente a noção de «ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (…) devendo tais valores ser reinvestidos no prazo de 24 meses, contados da data de realização (deduzidos da amortização de eventual empréstimo contraído com a aquisição do imóvel), destinados à aquisição de outro imóvel com o mesmo fim».
2. Para efeitos da noção de reinvestimento, pode relevar o contrato-promessa de aquisição de bem futuro com a entrega do imóvel ao aquiritente.
3. Sendo reinvestido apenas parte do montante do valor da realização no momento da compra da nova habitação, deve-se considerar que ocorreu reinvestimento meramente parcial, e, portanto, a exclusão da tributação cingir-se-á apenas à parte da mais-valia tributável proporcional ao reinvestimento efectuado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório

C....e M...., melhor identificados nos autos, vieram deduzir impugnação judicial contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2005, n.º 2009 5003….., no montante de € 30.915,32, e liquidação dos respectivos juros compensatórios n.º 2009 00001…., no montante de € 2.517,25, bem como contra o acto que determina o estorno da liquidação n.º 2006 5603…, no montante de € 3.612,57, indevidamente recebidos a título de reembolso de IRS, e liquidação dos respectivos juros compensatórios n.º 2009 00001…, no montante de € 241,08.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 149 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 29 de Janeiro de 2016, julgou improcedente a impugnação.

Nas alegações de fls. 170 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente, M...., formula as conclusões seguintes:

«a) A sentença recorrida, embora dando como provado que os Impugnantes haviam feito pagamentos parciais de €159.615,33, €15.921,00, e 184.079,00, não deu como provado que estes pagamentos esgotavam a totalidade do valor de realização do preço da residência da rua J….. e eram cerca de €50.000 superiores àquele preço - sofre, pois, a sentença recorrida, do vício de omissão de pronúncia;

b) Na fundamentação de direito, a sentença recorrida insiste na falta de prova de subscrição de um título de € 37.500,00, não se pronunciando nunca sobre o facto do reinvestimento da totalidade do preço realizado com a venda da residência da Rua J… na aquisição da fração "A…. do Lote 4…. ° D";

c) Embora dando como provado que ainda em 2005 os Impugnantes obtiveram a tradição do imóvel da Rua do C… que adquiriram para destino exclusivo de sua habitação própria e permanente, e estabeleceram ai o seu domicílio fiscal, não considerou estes factos como relevantes para efeitos de aquisição com a isenção consagrada no n.º 5 do artigo 10° do CIRS da fração "A…" correspondente ao 6° andar D do imóvel lote 4…., pelo que sofre do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

d) A sentença recorrida faz do Normativo do n.º 5 do artigo 10° do CIRS uma interpretação que viola o n.º 1 do artigo 9° do CC, pelo que sofre também do vício de violação de lei. Na verdade

e) Apelando aí o legislador para uma interpretação que respeite a unidade do sistema jurídico, a sentença recorrida não toma em conta que são precisamente normas fiscais insertas no CIMT (n.ºs 2 a) e 3 do art.º 2°) que dão peso à interpretação que faz relevar situações de verdade substantiva em detrimento da verdade meramente formal.

f) A sentença recorrida sofre, pois, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito fazendo uma interpretação que, ignorando que parte do sistema fiscal interpreta a expressão "reinvestimento na aquisição" constante do n.º 5 do art.º 10º do CIRS como se significasse apenas "reinvestimento em aquisição com escritura pública", enquanto outra parte do sistema fiscal entende que contrato promessa com tradição da coisa é transferência de propriedade para efeitos de tributação em IMT.

Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, a douta sentença recorrida e, com ela, as liquidações impugnadas serem anuladas e restituído aos impugnantes o Imposto pago.

Mais deve a Fazenda pública ser condenada no pagamento de juros compensatórios e de mora e em custas e procuradoria.»


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A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II- Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«A) Em 09-12-1991, os Impugnantes adquiriram a fracção autónoma designada pela letra “U”, correspondente ao quinto andar, letra “C”, para habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua J….., n.ºs 1-A, 1 e 1-B e Impasse 20-A, n.ºs 2, 2-A e 2-B, freguesia do L…, concelho de Lisboa, descrito na 7.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 404 da freguesia do L…. e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1978, pelo montante de € 67.337,72 [acordo; cfr. certidão a fls. 49-53 dos autos e print a fls. 91 do PAT apenso].

B) Em 29-03-2003, o Impugnante C… participou numa assembleia geral de cooperadores da cooperativa “N…. –…, C.R.L.”, relativa ao projecto de construção de um prédio no Lote 4.01.01, sito na Rua do C…., freguesia de Santa Maria dos O…., para habitação dos cooperadores nele participantes [cfr. ata a fls. 37-45 dos autos].

C) Os Impugnantes contraíram junto da Caixa Geral de Depósitos um empréstimo intercalar para sinalizar a aquisição de habitação própria permanente, cujo saldo em dívida era de € 159.615,33 em 22-09-2004, data da respectiva liquidação [cfr. declaração a fls. 46 dos autos].

D) Em 10-01-2005, os Impugnantes alienaram a fracção autónoma identificada em A) pelo montante de € 299.278,74 [cfr. escritura a fls. 49-53 dos autos].

E) Em 17-02-2005, o Impugnante C…. subscreveu e realizou o montante de € 15.921,00 a título de investimento na “N…. –…., C.R.L.” referente ao Lote 4.01.01 [cfr. título a fls. 47 dos autos].

F) Em 25-02-2005, o Impugnante C.....subscreveu e realizou o montante de € 184.079,00 a título de investimento na “N.... - ..., C.R.L.”referente ao Lote 4.01.01 [cfr. título a fls. 47 dos autos].

G) Em 25-02-2005, a “N.... - ..., C.R.L.”entregou ao Impugnante C.....a fracção correspondente ao 6.º andar esquerdo do prédio construído no Lote 4.01.01B, sito na Rua do C…., em Lisboa, entregando-lhe as respectivas chaves [cfr. declaração a fls. 60 dos autos].

H) Em 11-07-2005, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa - 11 um pedido de alteração da morada dos Impugnantes, que indicaram como domicílio fiscal a Rua do C…., Lote 4.01.01B, 6.º Esquerdo, Santa Maria dos O…, Lisboa [cfr. print a fls. 99 do PAT apenso].

I) No anexo G da Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2005 que entregaram, os Impugnantes declararam a alienação onerosa identificada em D), bem como a intenção de reinvestimento da totalidade do produto da mesma nos prazos previstos no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS [cfr. prints a fls. 87 e 91-92 do PAT apenso].

J) Com base na declaração entregue, foi emitido em 21-07-2006 o ato de liquidação n.º 2006 56031…., de reembolso aos Impugnantes no valor de € 3.572,66 [cfr. print a fls. 89 do PAT apenso].

K) Em 22-11-2007, os Impugnantes adquiriram a fracção autónoma designada pelas letras “AG”, correspondente ao sexto andar, esquerdo nascente, para habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua do C…. e A…., Lote 4.01.01 – A I, freguesia de Santa Maria dos O…, concelho de Lisboa, descrito na 8.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3665, da referida freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo provisório P4594, pelo montante de € 330.000,00, tendo declarado destinar a identificada fracção a sua habitação própria permanente [cfr. certidão a fls. 54-59 dos autos].

L) Em 17-06-2009, foi emitido o acto de liquidação de IRS do ano de 2005 n.º 2009 50031…., no montante de € 30.915,32, o acto de liquidação dos respectivos juros compensatórios n.º 2009 000010…., no montante de € 2.517,25, o acto que determina o estorno da liquidação n.º 2006 56031…., no montante de € 3.612,57, por recebimento indevido de reembolso de IRS, e o acto de liquidação dos respectivos juros compensatórios n.º 2009 000010…., no montante de EUR 241,08, todos notificados aos Impugnantes, no montante total de € 37.286,22, com data limite de pagamento até 29-07-2009 [cfr. ofícios a fls. 34-36 dos autos].

M) A petição inicial dos presentes autos foi remetida a juízo em 10- 09-2009 [cfr. e-mail a fls. 2 dos autos].


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Factos não provados:

1. Que, em 08-01-2007, os Impugnantes tenham pago um título de investimento emitido pela cooperativa “N.... - ..., C.R.L.”de € 37.500,00.


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A decisão da matéria de facto foi tomada com base nos documentos juntos aos autos e não impugnados, bem como no processo administrativo tributário (PAT) apenso, conforme especificado nos vários pontos do probatório.»

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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

N) Em 09.01.2007, os recorrentes dirigiram ao Chefe da Repartição de Finanças do 14.º Bairro Fiscal requerimento com o teor seguinte:
«1. Em 10 de Janeiro de 2005, conforme escritura lavrada no 20° Cartório Notarial de Lisboa, alienámos, a favor de J…… e cônjuge, pelo valor de € 299.278,74 (duzentos e noventa e nove mil duzentos e setenta e oito euros e setenta e quadro cêntimos), a fracção autónoma que possuíamos no Lote K1 da Rua J…., T…., Freguesia do L…., Lisboa, referenciada na caderneta predial urbana como fracção “ U” - 5° andar C .
2. O produto da venda dessa habitação foi totalmente reinvestido na compra de uma nova habitação permanente (onde, à data da escritura, já residíamos e onde continuamos a residir - Rua do C…., Lote 4…., 6° Esq , Lisboa), da seguinte forma:
Pagamentos no total da € 237.500,00 à N…., ….., CRL, proprietária s responsável peta construção do imóvel (Lote 4….., na Rua do C…., em Lisboa) para Liquidação dos valores devidos pala fracção que nos corresponde (cfr. Fotocópia dos títulos de investimento em anexo, datados respectivamente de 17 e de 25 de Fevereiro de 2005 e de 9 de Janeiro de 2007)
3. Apesar de residirmos há já dois anos na nova habitação, por, em Assembleia Geral da Cooperativa, nos ter sido atribuída a fracção correspondente ao 6° andar esquerdo, e apesar dos montantes já pagos, não foi ainda possível, por razões que nos são totalmente alheias, realizar, em cartório notarial, o contrato de compra da fracção» - fls. 61/62.

M) Na assembleia geral da “N… –…., C.R.L.”, de 29.04.2003, foi atribuída aos recorrentes a fracção referida em G – fls. 42.


X

2.2. De Direito

2.2.1. Nos presentes autos, está em causa sentença proferida a fls. 149 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 29 de Janeiro de 2016, que julgou improcedente a impugnação do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2005, n.º 2009 50031…., no montante de € 30.915,32, e liquidação dos respectivos juros compensatórios n.º 2009 000010…., no montante de € 2.517,25.

2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre os vícios da sentença seguintes:

i) Omissão de pronúncia, porquanto a sentença não se pronunciou sobre o facto do reinvestimento da totalidade do preço realizado com a venda da residência da Rua José Escada na aquisição da fração "AG do Lote 4….. 6° D".

ii) Erro de julgamento, porquanto a sentença não relevou o reinvestimento realizado na aquisição do imóvel de “chegada”, tendo feito uma errónea aplicação do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS.

2.2.3. No que respeita ao alegado desvalor de nulidade por omissão de pronúncia.

A omissão de pronúncia sobre questões de que devesse tomar conhecimento é fundamento da nulidade da sentença (artigo 615.º/1/d), CPC). «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem»(1).

Compulsado o teor da sentença sob escrutínio, impõe-se concluir que a mesma não enferma do apontado vício, dado que inexiste questão de que cumpre conhecer e que não tenha sido objecto de conhecimento. A sentença considerou, em síntese, que o pressuposto do reinvestimento dos ganhos obtidos com a venda de imóvel destinado à habitação própria e permanente do agregado familiar do contribuinte na aquisição de outro imóvel, com o mesmo destino, no prazo de vinte e quatro meses a contar da data da realização não se mostrava comprovado nos autos. A sentença assim decidiu, seja por que a escritura de aquisição não foi celebrada no prazo de 24 meses a contar da realização, seja porque a construção do novo imóvel não teve lugar em momento posterior à data da realização.

Nesta medida, o vício que vem apontado não se comprova nos autos.

Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.

2.2.4. Os recorrentes censuram a sentença recorrida, por erro de julgamento, dado que foram desconsiderados os reinvestimentos por si realizados com vista à aquisição da casa de habitação própria e permanente do agregado familiar. Mais referem que a sentença enferma de um entendimento formalista, o qual implica errada interpretação da norma do artigo 10.º, n.º 5, do CIRS.

Por seu turno, para julgar improcedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:

«(…) [Q]uando esteja em causa “outro imóvel” – situação configurada pelos Impugnantes – ou “terreno para a construção de imóvel”, o preceito transcrito exige, para as excluir da tributação, o reinvestimento das mais-valias na “aquisição da propriedade” respectiva no prazo de 24 meses contados da data da sua realização.

Tendo esta realização ocorrido em 10-01-2005, os Impugnantes tinham até 10-01-2007 para adquirir a propriedade de outro imóvel, reinvestindo, nessa aquisição, as mais-valias obtidas.

Sucede que, sendo a escritura pública a forma legalmente exigida para os contratos de compra e venda de bens imóveis e, assim, para a transmissão do direito real de propriedade dos mesmos – cfr. artigo 879.º, alínea a), do Código Civil –, tal escritura apenas foi celebrada em 22-11-2007».

2.2.5. O artigo 10.º do CIRS (“Mais-Valias”), n.º 5, determina o seguinte:

«São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português»

Pontos firmes sobre a interpretação do artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, são os seguintes:

i) «A norma sob exegese contém dois elementos na sua previsão: por um lado, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação devem ser reinvestidos na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino; por outro, tal reinvestimento deverá realizar-se no prazo de vinte e quatro meses. Como obrigação acessória, o sujeito passivo deve fazer constar na declaração do ano fiscal em que ocorreu a realização da mais-valia, a intenção de efectuar o reinvestimento (art.57, nº.3, do C.I.R.S., na versão em vigor em 2005), mais tendo que provar a sua efectivação, o mais tardar, na declaração de rendimentos do último ano fiscal em que esta pode ocorrer»(2).

ii) «O artigo 10.º/5/a), do CIRS, consagra uma exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, assim favorecendo a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente do sujeito passivo (ou do respectivo agregado familiar) sempre que, dentro de determinados prazos e condições, o valor de realização for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim e situado no território nacional. O imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente(3).

iii) «Para efeito de exclusão de tributação das mais-valias, a quantia a reinvestir na nova habitação deve ter uma correspondência directa com o montante recebido com a venda da habitação antiga; // Sendo reinvestido apenas parte do montante do valor da realização no momento da compra da nova habitação, deve-se considerar que ocorreu reinvestimento meramente parcial, e, portanto, a exclusão da tributação cingir-se-á apenas à parte da mais-valia tributável proporcional ao reinvestimento efectuado; // O pagamento parcial do empréstimo obtido para a compra da nova habitação em momento posterior ao da aquisição, com a parte restante do valor de realização, não pode ser considerado para efeitos de exclusão de tributação de mais-valias»(4).

iv) «O objectivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se a técnica de roll over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis destinados à habitação (…). A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino»(5).

A interpretação da norma do artigo 10.º/5/a), do CIRS, deve ter presente a noção de «ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (…) devendo tais valores ser reinvestidos no prazo de 24 meses, contados da data de realização (deduzidos da amortização de eventual empréstimo contraído com a aquisição do imóvel), destinados à aquisição de outro imóvel com o mesmo fim».

2.2.6. Os recorrentes censuram a sentença recorrida, porquanto: i) foram feitos reinvestimentos dos valores obtidos com a venda do imóvel referido em A) do probatório, através da aplicação na “N…. –…., CRL”, referente ao Lote 4…..; ii) a entrega das chaves do imóvel referente à fracção correspondente ao 6.º andar esquerdo do prédio construído no Lote 4.01.01B, sito na Rua do C…., em Lisboa, teve lugar em 25-02-2005; iii) a aquisição através de contrato-promessa com a tradição do bem constitui forma de aquisição.

Vejamos.

Do probatório resulta que a aquisição não teve lugar na data requerida pelo disposto no artigo 10.º/5, do CIRS. Ou seja, a venda do imóvel referido na alínea a), do probatório teve lugar em 10.01.2005 (alínea D), do probatório). O prazo de outorga da escritura de aquisição terminava em 10.01.2007. No entanto, os outorgantes celebraram a escritura de aquisição em 22.11.2007 (alínea K), do probatório). De onde se extrai que os recorrentes acederam à titularidade do imóvel referido em K) para além do prazo de 24 meses, o que afastaria a aplicação do regime do artigo 10.º/5, do CIRS.

Importa, contudo, apurar qual o relevo da tradição do imóvel, ocorrida em 25.02.2005, ou seja, um mês após a alienação do imóvel antigo.

Do probatório resulta que os recorrentes acederam à posse e propriedade do imóvel adquirido através da participação numa cooperativa de habitação (29.04.2003, alínea M), do probatório).
O regime das cooperativas de habitação e construção decorre do disposto no Decreto-Lei n.º 502/99, de 19 de Novembro. Estatui o artigo 26.º do diploma o seguinte:
«1 - No regime de propriedade individual dos fogos o direito de propriedade é transmitido pela cooperativa aos cooperadores mediante um contrato de compra e venda.
2 - Quando o preço deva ser pago em prestações, pode a cooperativa reservar para si a propriedade do fogo até ao integral pagamento do preço ou transmiti-la sob a condição resolutiva do não pagamento de três prestações sucessivas ou seis interpoladas.
3 - No caso previsto no número anterior não se aplica o artigo 781.º do Código Civil».

No caso em exame, resulta do probatório que os recorrentes realizaram entregas com vista à aquisição da nova casa nos valores seguintes: 1) de € 15.921,00 a título de investimento na “N… –…., C.R.L.”(6) ; 2) de € 184.079,00 a título de investimento na “N.... - ..., C.R.L.”referente ao Lote 4.01.01(7).

Em 25-02-2005, a cooperativa entregou aos recorrentes as chaves do prédio(8); em 09.01.2007, os recorrentes dirigiram ao Chefe de Finanças requerimento, nos termos do qual afirmam que: «Apesar de residirmos há já dois anos na nova habitação, por, em Assembleia Geral da Cooperativa, nos ter sido atribuída a fracção correspondente ao 6° andar esquerdo, e apesar dos montantes já pagos, não foi ainda possível, por razões que nos são totalmente alheias, realizar, em cartório notarial, o contrato de compra da fracção»(9) ; em 11.07.2005, os recorrentes alteraram a morada, junto do Fisco, passando a ser a seguinte: a Rua do C…., Lote 4.0…, 6.º Esquerdo, Santa Maria dos O…, Lisboa [nova casa](10).

Em face da factualidade descrita, importa aferir se houve lugar à aquisição, por parte dos recorrentes, de direito real sobre imóvel, em momento anterior à data da celebração da escritura de aquisição da mesma 22.11.2007 e se tal aquisição releva para efeitos de dispensa da tributação ao abrigo do disposto no artigo 10.º/5, do CIRS.

Nada obsta à qualificação da participação dos recorrentes na cooperativa de habitação em causa como contrato-promessa de aquisição de bem futuro (artigo 410.º do CC). Recorde-se que, após realização do pagamento de parte substancial do preço de aquisição da nova casa (cerca de €200,000,00(11).) e após a entrega da mesma, em caso de incumprimento do promitente-vendedor, os recorrentes podiam optar pela outorga da compra e venda definitiva (artigo 442.º/3, do Código Civil); dispõem sobre o imóvel de direito de retenção (artigo 755.º/1/f), do Código Civil).

Também não sofre dúvida que os recorrentes podem deduzir embargos de terceiro contra diligências executivas incidentes sobre a nova casa.

«Com efeito, o promitente-comprador pode deduzir embargos de terceiro quando o corpus da posse por si exercida seja acompanhado do respectivo animus possidendi, isto é, quando o promitente-comprador actua com um animus rem sibi habendi. Tal situação verifica-se quando o promitente-comprador se comporta como um possuidor em nome próprio, designadamente quando já tenha sido liquidada uma parte significativa do preço do imóvel, quando tenha sido requisitada em nome do promitente-comprador a ligação da água, energia eléctrica, telefone ou televisão por cabo, quando tenha procedido à realização de obras de remodelação ou de acabamento do imóvel objecto do contrato-promessa ou à instalação do mobiliário, quando participe na administração do condomínio»(12). Recorde-se que, pelo menos, os mesmos exercem a posse sobre o imóvel desde 25-02-2005. A compra e venda «é o contrato pelo se qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço» (artigo 874.º do Código Civil); de onde resulta que, independentemente, das exigências de forma, o efeito característico do contrato em causa, a translação da propriedade do imóvel, do ponto de vista fiscal, deve considerar-se realizada no momento em que os recorrentes obtêm a tradição da posse sobre o imóvel. De onde resulta que, pelo menos, desde 25.02.2005, os recorrentes exercem a posse em nome próprio, como proprietários do imóvel, não lhe sendo imputável o atraso na celebração da escritura (alínea N), do probatório).

O que significa que o requisito relativo ao prazo limite de 24 meses para a aquisição da nova habitação foi observado.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida deve ser substituída por decisão que considere preenchido o pressuposto em causa.

2.2.7. No que respeita ao pressuposto relativo ao reinvestimento dos ganhos obtidos com a alienação da casa antiga, cumpre referir que apenas se mostram comprovados nos autos, como valores reinvestidos, os valores seguintes: 1) de € 15.921,00 a título de investimento na “N… –…, C.R.L.”(13); 2) de € 184.079,00 a título de investimento na “N.... - ..., C.R.L.”referente ao Lote 4.0….(14), pelo que tais valores são os únicos a atender para efeitos da norma de dispensa de tributação do artigo 10.º/5, al. a), do CIRS. Não colhe a asserção de que o empréstimo liquidado em 22.09.2004, mas contraído anteriormente com vista a sinalizar a aquisição da nova casa(15), corresponde a reinvestimento na aquisição desta última, pela razão de que a casa antiga foi alienada em 10.01.2005(16), donde não existe causalidade entre o empréstimo contraído e os ganhos obtidos com a venda da casa antiga, cujo preço de venda foi de €299.228,74.

De onde se impõe concluir que: «Sendo reinvestido apenas parte do montante do valor da realização no momento da compra da nova habitação, deve-se considerar que ocorreu reinvestimento meramente parcial, e, portanto, a exclusão da tributação cingir-se-á apenas à parte da mais-valia tributável proporcional ao reinvestimento efectuado» [Acórdão do STA, de 23.11.2016, P. 039/16].

Mais se refere que pese embora a ocorra reinvestimento parcial, a sua desconsideração por parte da liquidação acarreta a anulação total da mesma e não a sua anulação parcial.
É que «para se saber se o acto de liquidação deve ser total ou parcialmente anulado há que determinar o tipo de ilegalidade que o inquina e analisar se ele é susceptível de o afectar no seu todo, caso em que ele tem de ser integralmente anulado.
Ora, no caso dos autos, há que ter atenção que estamos perante imposto sobre o rendimento, em que a determinação do quantitativo de imposto devido passa pela aplicação das taxas gerais correspondentes ao rendimento colectável determinado, taxas que são, em regra, progressivas e não fixas, como acontece com a tributação dos ganhos com a alienação de imóveis por sujeitos passivos residentes, a que são aplicáveis as taxas finais de IRS.

No caso vertente, o rendimento colectável é afectado pelo saldo anual positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias imobiliárias realizadas no ano em questão (…). E daí que a ilegalidade cometida e a consequente exclusão de tributação desse valor de realização vá não só alterar a quantificação do rendimento colectável, como pode influir decisivamente na taxa de imposto aplicável» [Acórdão do STA, de 23.11.2016, P. 039/16].

Em face do exposto, impõe-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar integralmente procedente a impugnação, com a consequente anulação do acto tributário impugnado.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar integralmente procedente a impugnação, com a consequente anulação do acto tributário impugnado.
Custas pela recorrida, com dispensa da taxa de justiça, por não ter contra-alegado.
Registe.
Notifique.



(Jorge Cortês - Relator)
(1º. Adjunto)
Mário Rebelo

(2º. Adjunto)
Lurdes Toscano


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(1). Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363.

(2). TCAS, de 15.05.2014, P. 07529/14.

(3). TCAS, de 27.11.2014, P. 06948/13.

(4). Acórdão do STA, de 23.11.2016, P. 039/16.

(5). José Guilherme Xavier de Bastos, IRS, Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 413.

(6). Alínea e), do probatório.

(7). Alínea f), do probatório.

(8). Alínea g), do probatório.

(9). Alínea n), do probatório.

(10). Alínea h), do probatório.

(11). Alíneas e) e f), do probatório.

(12). Marco Carvalho Gonçalves, Embargos de terceiro na acção executiva, Coimbra Editora, 2010, pp. 151/152.

(13) Alínea e), do probatório.

(14). Alínea f), do probatório.

(15). Alínea c), do probatório.

(16). Alínea d), do probatório.