Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:338/10.9 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Os embargos de terceiro são um meio de defesa da posse legítima contra ato público de apreensão de bens que não devam responder pelas dívidas exequendas.
II - Como decorre do artigo 1251º do Código Civil (CC), a posse integra um corpus ou elemento objetivo (um poder de facto sobre a coisa no sentido da sua submissão à vontade do sujeito para dela usar, fruir ou dispor como bem entender) e um animus ou elemento subjetivo (a intenção por parte do sujeito de, ao exercer tal poder de facto, atuar como titular do correspondente direito real de gozo).
III - Nos termos do artigo 1263.º CC, a posse adquire-se pela prática reiterada e pública dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito, a tradição material ou simbólica da coisa, feita pelo antigo possuidor, o constituto possessório e a inversão do título da posse.
IV - A Embargante não beneficia do título de aquisição, pois, nos termos do artigo 974º do Código Civil, a doação para ser válida, teria de ter sido celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A…, veio recorrer do despacho que indeferiu o pedido de inquirição da testemunha por carta rogatória e da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, julgou improcedentes os embargos de terceiros por si deduzida, contra a exequente fazenda pública e o executado B..., em virtude da penhora do prédio urbano, inscrito na matriz predial da freguesia da Luz, concelho de Lagos, sob o artigo …, Fração …, efetuada no âmbito do processo de execução fiscal 1074200801057146, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações do recurso primeiramente apresentado, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

A. «A inquirição da testemunha arrolada pela Recorrente-Embargante para demonstrar factos por si alegados em sede de resposta a novos factos trazidos pela Fazenda Pública na primeira inquirição de testemunhas é de todo essencial à descoberta da verdade material.
B. O Douto Tribunal já tinha deferido a expedição da carta rogatória, tendo inclusivamente ordenado que a Recorrente indicasse as questões e traduzisse documentos para que fossem enviados para Inglaterra.
C. Nada foi levado para o processo posteriormente ao deferimento da expedição que justificasse que o Tribunal alterasse o seu entendimento de conveniência sobre a inquirição da testemunha.
D. Assim, nos termos do artigo 13º e do 114º do CPPT, no exercício do seu dever de ordenar as diligências que forem necessárias ao apuramento da verdade material, e ainda do princípio da materialidade pelo qual a boa aplicação do direito implica que toda a verdade deve ser apurada pelo Tribunal que faz a aplicação e integração jurídica, deve o despacho do Tribunal Recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a expedição da carta rogatória para inquirição da testemunha arrolada pelo Recorrente.

Nestes termos e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, ordenando-se a revogação do despacho que indeferiu a carta de expedição para inquirição de testemunha arrolada pela Recorrente em Inglaterra.
SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo.


Nas alegações de recurso da sentença, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

a) «A douta sentença recorrida está viciada por violação do artigo 615º nº 1 d) e ainda por violação do disposto do artigo 607º mº 4 e 7.

b) O douto Tribunal valorou erradamente o depoimento das testemunhas formando a sua livre convicção sem fundamentação em consequência da forma como apreciou a prova.

c) A procuração em conjugação com o depoimento das testemunhas ouvidas demonstram a intenção de doação entre pai e filha, que eram as filhas que iriam fazer uso da loja e possui-la.

d) E caso o Tribunal necessitava de outros esclarecimentos estes certamente iriam ocorrer se a testemunha C… tivesse sido ouvida, por esta ter conhecimentos precisos sobre os termos da doação e razões subjacentes ou a efectiva ocorrência.

e) Mas o Tribunal optou por impedir a sua audição indeferindo o envio da carta precatória indeferimento do qual foi atempadamente interposto recurso o qual subirá agora juntamente com recurso da decisão final, pelo que se espera que o Tribunal para o qual se recorra reponha a justiça ordenando a sua inquirição.

f) O testemunho do funcionário o Serviço do finanças também foi incoerente e indirecto, referindo que falara com a arrendatária da loja, C… que lhe disse que pagava a renda sempre ao Sr D….

g) Esta testemunha deverá ser ouvida directa e pessoalmente porque foi objecto de ameaças,

h) A testemunha E… for muito clara no seu depoimento mas ainda que se aceite que o Tribunal o considere confuso esta consideração apenas servirá para reforçar o entendimento de que a testemunha C… deverá ser ouvida e que o Tribunal deveria ter ordenado a sua audição e não indeferido.

i) Pois ele mesmo tinha dúvidas.

j) A incoerência (única) acerca de datas especificas é irrelevante por a exactidão destas datas serem irrelevantes para se compreender a razão pela qual a escritura pública de doação nunca ter sido celebrada.

k) Pode mesmo entender-se que pelo contrário a incerteza quantos às datas de +permanência em Portugal demonstram apenas que a embargante teve pouco tempo em Portugal o que impossibilitou a realização da escritura.

l) O que deve ser retirado desta testemunha pelas suas declarações é que a aquisição da loja era para a filha para quando e se esta viesse para Portugal.

m) O Tribunal deveria ter promovido as diligências que considerasse adequadas ao esclarecimento dos factos.

n) Sendo a nacionalidade das partes Inglesa está justificada a não importância atribuída à realização de uma escritura pública.

o) A embargante, apesar do encerramento do estabelecimento comercial e de se encontrar fora de Portugal é a dona e possuidora da loja.

p) O depoimento do F… funcionário da fazenda nacional, é incoerente, esse sim, por este apenas concluir por um lado que a embargante seria residente em Portugal até 2010 pois apenas se teria inscrito como residente no estrangeiro a partir deste ano, mas por outro lado afirma a sua não residência com base em documentos que nem sequer refere.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO AO PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, ORDENANDO-SE A ANULAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL DESFAVORÁVEL.

SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA»


Os Recorridos, notificados para o efeito, optaram por não contra-alegar.


Após se pronunciar no sentido da não verificação das alegadas nulidades da sentença, o recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber:

(a) Se se pode manter o despacho que indeferiu a inquirição da testemunha por carta rogatória;

Depois, saber se:

(b) Se a sentença recorrida é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e/ou omissão de pronúncia;
(c) Em caso de resposta negativa padece de erro de julgamento na apreciação dos factos e aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) «A) Em 15/06/2005, B…, celebrou escritura de compra e venda, representado por gestora de negócios, através da qual declarou adquirir pelo preço de €87.600,00 a fracção autónoma designada pela letras “…”, destinada a comércio, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … (cfr. fls. 29 a 32 do PEF e 10 dos autos);

B) Em 30/06/2005, tal aquisição foi ratificada por B… (cfr. fls. 34 e 35 do PEF); Em 25/08/2005 foi registada na Conservatória do Registo Predial a aquisição a favor de B… (cfr. fls. 12 a 14 dos autos);

C) Em 01/09/2005 foi feito contrato de arrendamento entre C…e B… na qualidade de gerente da sociedade “R… – R… Artigos de Decoração, Lda.”, relativamente à fracção autónoma inscrita sob o artigo … – P, feito por um ano, com término a 31/08/2006, renovando-se por períodos iguais (cfr. fls. 37 a 40 do PEF);

D) Em 03/03/2006 a sócia da sociedade “R… – R… Artigos de Decoração, Lda” F…, cedeu aos restantes dois sócios, C… e G… a sua quota, passando estes a ser os gerentes da referida sociedade (cfr. fls. 42 a 44 do PEF);

E) Em 27/05/2008 foi instaurado processo de execução fiscal a B… ao qual foi apensado outro processo em que o valor total da dívida exequenda é de €37.190,65 (cfr. fls. 1 e segs. do PEF);

F) Em 02/11/2009 foi registada penhora do imóvel identificado na alínea A) (cfr. fls. 4 e 10 do PEF);

G) Em 21/11/2009 foi enviada notificação da penhora ao executado B… (cfr. fls. 10 do PEF);

H) Em 23/12/2009 foi emitida procuração pela Embargante a Dra. H…, onde consta, nomeadamente que “ confere os necessários poderes para o fim especial de, em seu nome, aceitar a doação da Loja (…)” (cfr. fls. 60 e 61 dos autos);

I) Em 13/04/2010 foi designado o dia 22/07/2010 para a venda do imóvel penhorado (cfr. fls. 13 e 14 do PEF);

J) Em 21/04/2010 foram apresentados os presentes Embargos (cfr. fls. 4 dos autos);

K) A Embargante é filha de B… (cfr. depoimento das testemunhas);»



Quanto a factos não provados, a sentença exarou o seguinte:

«Não ficou provada a doação, por B… à Embargante, do imóvel em causa.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
O depoimento da testemunha da Embargante mostrou-se pouco credível, por ser confuso, contraditório, principalmente quanto à data de residência daquela em Portugal e em Inglaterra.»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, no PEF junto aos autos e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência contraditória.

Do depoimento das testemunhas resultou o seguinte:

A testemunha E…, referiu, em suma que, a Embargante é filha de B…, residiu em Lagos e trabalhou na loja de loiças, mármores para o chão, etc. A intenção do Sr. E… quando comprou a loja era de doar à filha, mas como a mesma se entrava ao tempo, a residir em Inglaterra, entre 2003 e 2005, fez a escritura em seu nome.

A Embargante trabalhou na loja durante 3 anos.

A penhora impediu o Sr. E… de fazer a doação e actualmente a loja está fechada. Actualmente, a Embargante reside em Inglaterra pois a loja fechou.

A casa onde a Embargante residia estava em nome dela, mas o Sr. E… é que a comprou.

Referiu, posteriormente, em sede de esclarecimentos, que a Embargante residiu cá entre final do ano de 2003 e 2006, a escritura de compra e venda da loja foi em 2003 e desde 2008 que a loja está fechada.

A testemunha F…, referiu, em suma que, todos os documentos verificados concluem que a Embargante nunca teve residência em Portugal ou teve actividade comercial antes da penhora do imóvel. A mesma só se inscreveu na base de dados do contribuinte, em 05/01/2010, com residência no estrangeiro e representação fiscal pela Dra. H….

Desde Setembro de 2005 a Janeiro de 2010, a sociedade R… arrendou a loja. Referiu que falou com a arrendatária da loja, C… que lhe disse que pagava a renda sempre ao Sr. B…, nunca à Embargante e que esta, nada tinha a ver com a loja.

Na escritura de compra e venda não estiveram presentes nem o Sr. B…, nem a Embargante. Só posteriormente, veio tal aquisição, a ser ratificada pelo Sr. B…, não se percebendo porque é que não foi a Embargante a ratificar.

Contribuiu para prova dos factos o conhecimento da testemunha F…, que teve intervenção no processo de execução fiscal movido contra o pai da Embargante e que deu origem à penhora do imóvel em causa, pelo seu depoimento claro e coerente, tenho sido bastante esclarecedor no confronto com os documentos juntos aos autos, nomeadamente, contrato de arrendamento do referido imóvel.»


II.2 Do Direito

Vem a Embargante e ora Recorrente recorrer do despacho que indeferiu a audição por carta rogatória de uma testemunha, recurso admitido por despacho, com subida diferida e da sentença que julgou improcedentes os embargos apresentados.

Nos presentes autos foi, assim, interposto recurso da sentença que julgou improcedentes os embargos deduzidos mas tinha já sido interposto recurso do despacho que indeferiu, por desnecessária, a inquirição de uma das testemunhas.

Vejamos, pois, em primeiro lugar quanto ao recurso do despacho que considerou desnecessária a audição da testemunha, porquanto a eventual procedência deste recurso é suscetível, por si só, de alterar a decisão de mérito proferida na sentença recorrida.

A Embargante e ora Recorrente deduziu os presentes embargos com fundamento em que, apesar de a propriedade do imóvel penhorado estar em nome de seu pai, o mesmo tinha sido adquirido por este com intenção de lhe ser doado, não tendo, porém, sido ainda formalizada a doação através da celebração de escritura pública. Alega, pois, ser ela a verdadeira proprietária do imóvel e não seu pai, pelo que a penhora ordenada ofende o direito de que se arroga.

Com a petição de embargos arrolou uma testemunha que foi ouvida, tendo esta prestado depoimento.

Posteriormente, através de requerimento, veio solicitar a inquirição de duas outras testemunhas, que teriam conhecimento de factos relevantes para prova do alegado.

Nesse requerimento pediu a notificação da testemunha C… sendo a outra testemunha a apresentar.
Na sequência da notificação efetuada a própria testemunha informou estar a residir em Inglaterra e não se poder deslocar a tribunal para a inquirição por não puder suportar a despesa com a deslocação.

Foi então solicitado pela Embargante e ora Recorrente a expedição de carta rogatória para inquirição da testemunha.

Entretanto, tinha feito juntar requerimento no qual enunciou os temas aos quais as testemunhas aditadas deveriam responder.

Foi então proferido o despacho recorrido, que considerou desnecessária a inquirição da testemunha por carta rogatória e agendou dia e hora para inquirição da segunda testemunha. Anote-se que no dia e hora agendadas para a inquirição, esta testemunha não compareceu.

Ora bem! Feito este introito pelas ocorrências processuais relevantes, vejamos, então:

Com petição de embargos, devem ser disponibilizados os meios de prova dos fundamentos da ação e apresentados os documentos em que se aleguem os factos correspondentes. Assim o obriga o princípio da autorresponsabilidade das partes.

À luz deste princípio a possibilidade de apresentação de requerimento probatório fora do devido tempo era já temerária, certo é, porém, que os requeridos, mormente a Exequente, nada opuseram à produção de prova testemunhal adicional requerida pela Embargante e ora Recorrente.

Ora, em face da indicação das «perguntas» às quais a testemunha em causa iria responder, verifica-se que essa matéria não só não foi alegada na petição inicial, como corresponde a uma narrativa que foi sendo «construída» ao longo do processo pela Requerente e ora Recorrente, ou seja, a posteriori. Com efeito, na sua maioria dizem respeito à irmã da Embargante, ao Executado e ao contrato de arrendamento celebrado entre a inquilina e o Executado e que afinal não seria um contrato de arrendamento mas de comodato, não tendo sido pagas quaisquer rendas.

Há ainda a considerar que algumas das matérias às quais iria prestar depoimento coincidiam com aquela à qual foi admitida a outra testemunha.

Ora, se é certo que a inquirição desta última se frustrou, a verdade é que o juízo de desnecessidade foi emitido naquele momento processual e perante a prova já carreada para os autos, e não perante circunstâncias que ocorreram posteriormente.

Ao que já foi dito acresce ainda que algumas das «perguntas» formuladas no requerimento ou são conclusivas ou fazem apelo a conceitos de direito e que, por isso mesmo, não seriam, em todo o caso, admissíveis.

Nada há, pois, a censurar ao despacho que considerou desnecessária a inquirição da testemunha por carta rogatória.

Termos em que improcede o primeiro recurso do despacho interlocutório.


Vejamos, agora, quanto ao recuso da sentença.

Na conclusão a) das alegações de recurso, alega a ora Recorrente nulidade da sentença por violação do artigo 615º nº 1 d) e ainda por violação do disposto do artigo 607º nº 4 e 7.

Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 125/1 do CPPT, constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

A nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 615/1.d) do Código de Processo Civil (CPC), apenas ocorre quando o Tribunal não tenha decidido alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Por questões submetidas à apreciação do Tribunal deve entender-se aqui as que se referem aos pedidos formulados, atinentes à causa de pedir ou às exceções alegadas, não se confundindo, pois, com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem verdadeiras questões para os efeitos preceituados na norma citada.

Nas palavras de Alberto dos Reis Aut Cit, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: anotado, I Vol. pág. 284, 285 e V Vol. pág. 139, são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão

No caso em apreço, lidas as alegações de recurso, consideramos que a alegada não pronúncia se prende com a apreciação da prova produzida e com a necessidade de produção de melhor prova, entendimento reforçado com a invocação do artigo 607º CPC.

Com efeito, as alegações de recurso, centram-se no despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal adicional, por ter sido julgada desnecessária a inquirição da testemunha aditada, como vimos já supra.

Todavia, questão diversa da omissão de pronuncia é a de saber se o Tribunal a quo o fez com acerto ou se se verifica no caso erro de julgamento, mas esta não se confunde com a omissão de pronúncia.

Não procede, pois, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia porquanto sobre o pedido de levantamento da penhora, bem ou mal, pronunciou-se a sentença, não estando o juiz obrigado, como vimos, a emitir pronuncia sobre os argumentos, fundamentos e razões invocadas pelas partes.

Em face do exposto, não procede, pois, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia porquanto o tribunal conheceu da questão que foi colocada pelas partes.


Vejamos agora quanto alegado erro de julgamento.

Alega a ora Recorrente que a sentença recorrida, que julgou improcedentes os embargos, incorreu em erro de julgamento na seleção e apreciação da matéria de facto.

Vejamos se estamos perante uma verdadeira impugnação da matéria de facto ou mera manifestação de discordância com o decidido na sentença recorrida.

Em regra, quando impugna a matéria de facto, a Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso [artigo 640º, n.º 1, alíneas a) a c) e n.º 2, alínea a) do CPC, aplicável ex vi artigo 281º CPPT], cabendo à Recorrente especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas quanto aos indicados pontos da matéria de facto.

Desde já diremos que este ónus não foi cumprido pela ora Recorrente.

Quando os meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe aos Recorrente, transcrevê-las ou indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso [artigo 640/2.a) CPC].

Incumbe à Recorrente cumprir este programa, identificando os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório.

A ora Recorrente nas alegações de recurso não indica os pontos concretos da matéria de facto que não foram dados como provados e contra os quais se insurge, aqueles que foram desconsiderados quando o não deveriam ter sido, e nem indica com a precisão que lhe era exigível os meios de prova em que funda a sua discordância. Com efeito, a ora Recorrente não transcreve e/ou indica as passagens da prova gravada que suportariam a alteração pretendida.

Em suma, a crítica dirige-se à valoração da prova que foi feita e à que no seu entender o deveria ter sido, não se tratando, pois, de uma verdadeira e própria impugnação da matéria de facto assente.

Termos em que se rejeita a impugnação da matéria de facto.


Vejamos agora:

Como é consabido, no processo tributário, os embargos de terceiro constituem incidente no processo de execução fiscal [artigo 166/1.a) CPPT].

Diz o artigo 237/1 CPPT, sob a epígrafe função do incidente dos embargos de terceiro (…):
1 - Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro.

Os embargos de terceiro são, pois, o meio processual apropriado para defender os direitos do possuidor ou detentor de qualquer outro direito incompatível pré-existente com a penhora.

Como enunciamos supra, no caso em análise está em causa se a Embargante e ora Recorrida é, ou não, dona e possuidora da fração autónoma em causa.

Não vem posta em causa a qualidade de terceiro da Embargante, nem a tempestividade da dedução dos embargos, pelo que não nos deteremos sobre estes temas, tendo a sentença recorrida transitado em julgado nesta parte.

Os embargos de terceiro são, pois, um meio de defesa da posse legítima contra ato público de apreensão de bens que não devam responder pelas dívidas exequendas.

Pode dizer-se que a penhora não retira a propriedade dos bens (a qual só se operará pelos futuros atos executivos), gerando tão só a respetiva indisponibilidade material já que priva o possuidor do relativo poder de detenção e fruição Cf. CASTRO, Anselmo de, ACÇÃO EXECUTIVA SINGULAR, COMUM E ESPECIAL, 1970, pág. 150 ss..

Como decorre do artigo 1251º do Código Civil (CC), a posse integra um corpus ou elemento objetivo (um poder de facto sobre a coisa no sentido da sua submissão à vontade do sujeito para dela usar, fruir ou dispor como bem entender) e um animus ou elemento subjetivo (a intenção por parte do sujeito de, ao exercer tal poder de facto, atuar como titular do correspondente direito real de gozo).

A utilização direta da coisa há de ainda revestir-se de um carácter duradouro e público.

Em contraponto, o exercício de um poder de facto sobre a coisa, mas desprovido da intenção de agir como beneficiário do direito (animus) implica que será havido como mero detentor ou possuidor precário [artigo 1253.a) Código Civil].
Sobre as formas de aquisição da posse dispõe o artigo 1263.º CC, que a posse se adquire pela prática reiterada e pública dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito, a tradição material ou simbólica da coisa, feita pelo antigo possuidor, o constituto possessório e a inversão do título da posse.
No caso a Embargante alega que é a verdadeira dona do prédio, porquanto seu pai o comprou com a intenção de lhe o doar.

Todavia, não beneficia do título de aquisição, pois, nos termos do artigo 974º do Código Civil, a doação para ser válida, teria de ter sido celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado.

A Embargante e ora Recorrente, mesmo que tivesse conseguido provar a prática de atos materiais de posse, até à realização da escritura de doação, sempre seria havida como mera detentora ou possuidora precária.

Ora, a mera expetativa da futura celebração de um contrato de doação, não a transforma em possuidora em nome próprio, porquanto a coisa pertence ainda ao doador e só lhe passará a pertencer depois de celebrada a escritura de doação.

Mas mais, no caso em apreço nada se provou que permita concluir que a Embargante tenha agido convicta de lhe assistir o direito de propriedade da fração que veio a ser penhorada.

Não alegou nem consequentemente provou a prática de quaisquer atos materiais sobre a coisa em data anterior à penhora da fração ou o exercício de poderes de facto sobre o imóvel entre 2005 e 2009, de onde se pudesse retirar ter exercido o corpus.

Com efeito e como assente na sentença recorrida, a Embargante e ora Recorrida não residia no território nacional e a procuração tem data posterior à penhora ordenada no âmbito do processo de execução fiscal e ao respetivo registo.

Na verdade, a Embargante e ora Recorrente, por quem corria o respetivo ónus, insiste-se, nada alegou nesse sentido e consequentemente nada provou.

E nem se diga que a carência de prova se deve à não audição da testemunha, a inquirir por carta precatória, porquanto, pelas razões aduzidas supra, mesmo que a testemunha tivesse sido inquirida apenas se poderia dar como provado que a irmã da Embargante teria residido em Portugal e exercido uma atividade ligada ao comércio em território nacional, tendo posteriormente regressado a Inglaterra.

Nada disso se dirige à prova do exercício de poderes de facto sobre a coisa por parte da Embargante e ora Recorrente.

Uma nota final, relativa ao ataque, nas alegações e conclusões de recurso à prova testemunhal apresentada pela Exequente: em primeira linha a prova recai sobre a Embargante e ora Recorrida que se arroga do direito. Sobre a Exequente recaía apenas o ónus de fazer a contraprova.

Para a procedência dos embargos, era necessário provar o corpus e o animus. Sem essa prova, a pretensão da Embargante e ora Recorrente estava fadada ao insucesso.

A sentença recorrida não merece, pois, a censura que lhe foi feita.

Termos em que improcedem ambos os recursos, mantendo-se o decidido na sentença recorrida.


Sumário/Conclusões:

I - Os embargos de terceiro são um meio de defesa da posse legítima contra ato público de apreensão de bens que não devam responder pelas dívidas exequendas.
II - Como decorre do artigo 1251º do Código Civil (CC), a posse integra um corpus ou elemento objetivo (um poder de facto sobre a coisa no sentido da sua submissão à vontade do sujeito para dela usar, fruir ou dispor como bem entender) e um animus ou elemento subjetivo (a intenção por parte do sujeito de, ao exercer tal poder de facto, atuar como titular do correspondente direito real de gozo).
III - Nos termos do artigo 1263.º CC, a posse adquire-se pela prática reiterada e pública dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito, a tradição material ou simbólica da coisa, feita pelo antigo possuidor, o constituto possessório e a inversão do título da posse.
IV - A Embargante não beneficia do título de aquisição, pois, nos termos do artigo 974º do Código Civil, a doação para ser válida, teria de ter sido celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Seção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento aos recursos e manter as decisões recorridas.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

Lisboa, 18 de maio de 2023

Susana Barreto

Lurdes Toscano

Jorge Cortês