Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:183/09.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO,
PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA,
ESCLARECIMENTO DO PEDIDO,
RESTITUIÇÃO DE IMPOSTO AUTOMÓVEL
Sumário:I. Numa interpretação conforme ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, a ambiguidade na determinação da forma do processo resultante das leis processuais tributárias deverá ser decidida no sentido de assegurar o direito dos contribuintes de acesso aos tribunais;
II. A impugnação judicial é o meio próprio para a A. fazer valer a sua pretensão quando em juízo vem esclarecer que pretendeu sindicar a legalidade da liquidação de imposto automóvel, e formulou na p.i. o pedido de restituição do imposto automóvel ao abrigo do art. 14.º do DL n.º 40/93, de 18 de fevereiro (pedido esse que implica necessariamente a alteração do quantum inicial da liquidação do imposto automóvel, por força de uma norma de exclusão de incidência de imposto) e o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Votação:Com voto de vencida
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

P... Portugal Automóveis, SA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que na Acção Administrativa Especial, por si apresentada, julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu a Directora da Alfandega Marítima de Lisboa da instância.

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«5 CONCLUSÕES
A. A sentença notificada ao Recorrente em 5 de Novembro, não apreciou a matéria de facto e de direito da acção por considerar que os prazos de propositura da acção se encontram ultrapassados.
B. A Recorrente não concorda com a referida decisão porque entende que no âmbito da acção interposta é questionada a legalidade da liquidação (ainda que de forma mediata) do IA, razão pela que a mesma deveria ter sido oficiosamente convolada em acção de impugnação judicial e seguir os respectivos trâmites legais, caso em que, uma vez que os prazos de interposição da acção eram à data dos factos, de 90 dias, nos termos do disposto no artigo 102.º do CPPT, a mesma foi interposta dentro daquele prazo e é tempestiva.
C. De facto, no âmbito da presente acção está em causa um pedido de reembolso de Imposto Automóvel, conforme amplamente descrito no Recurso, pago ainda na vigência do artigo 14.º do Decreto­ Lei n.º 40/93, de 18 de Fevereiro e instruído com os documentos exigidos no n.º 4 do artigo 14.º do diploma, referente a veículos expedidos após a entrada em vigor da Lei n.º 22-A/ 2007, de 29 de Junho que aprova a entrada em vigor do ISV.
D. A Direcção-Geral de Alfândegas, indeferiu os pedidos de reembolso do Imposto Automóvel pago relativamente a veículos da marca P... cuja expedição ocorreu após a entrada em vigor da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho.
E. A Recorrente entende que tinha o direito e a legítima expectativa de ser reembolsada do montante do Imposto Automóvel que lhe havia sido liquidado nos termos do artigo 14.º do Decreto – Lei n.º 40/ 93, de 18 de Fevereiro.
F. A entidade Recorrida no Despacho de indeferimento parcial que lhe foi notificado em 12 de Junho, refere que "(..) o direito ao reembolso só nasce com a expedição dos veículos e não consubstancia, de todo, um direito que nasça desde logo com a admissão dos veículos e consequente pagamento de imposto e atribuição de matricula. " concluindo que "(..), o direito ao reembolso do imposto constitui-se nos casos em que os veículos venham a ser expedidos ou exportados e cujo imposto já tenha sido cobrado1 ou seja, tem origem em factos que se verificam posteriormente à ocorrência do facto gerador e à exigibilidade do imposto.".
G. A Recorrente não pode aceitar esta posição na medida em que o facto gerador do imposto, é um conceito do Direito Tributário que traduz o facto q ue determina o nascimento da obrigação tributária.
H. A instrução do pedido nos termos do n.º 4 do artigo 14.º do DL 40/ 93, de 18 de Fevereiro, é um procedimento meramente declarativo e não constitutivo do direito, razão pela qual, no prazo de um ano a contar da expedição ou exportação, o sujeito passivo tem o direito de pedir a restituição do Imposto cobrado.
I. De facto, subjacente ao pedido de reembolso em concreto efectuado, em que está em causa uma sucessão de leis no tempo, é questionada, ainda que de modo mediato, a legalidade da liquidação do Imposto Automóvel.
J. Os pressupostos do direito ao reembolso e a respectiva quantificação do montante a reembolsar, nasceram ao abrigo da Lei n.º 40/93, de 18 de Fevereiro (CIA) e não ao abrigo da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho (Código do Imposto sobre Veículos).
K. Assim, o reembolso objecto do pedido efectuado pela Recorrente tem que ser analisado à luz da legislação em vigor a data do facto gerador e liquidação do Imposto Automóvel.
L. Ao ser efectuado o pedido de reembolso, mediatamente é questionada a legalidade da liquidação do imposto.
M. Neste pressuposto, o meio processual adequado para questionar o indeferimento do pedido de reembolso do IA é a impugnação judicial nos termos do disposto no nº 1do artigo 97.º do CPPT.
N. Adicionalmente ao supra exposto, a Recorrente considera que foi posto em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva, principio este consagrado constitucionalmente consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n,º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP) uma vez que a decisão contém vários erros e omissões.
O. A apreciação efectuada pelo tribunal a quo foi meramente formal e assenta em erros de fundamentação e de análise dos elementos constantes do processo, que colocam em causa a sentença.
P. Os factos que a Recorrente refere são os descritos nas alínea a K) da douta sentença.
Q. A douta sentença menciona - o que é erróneo - no ponto D, que "Em complemento do ofício indicado no ponto anterior, foi remetido o ofício nº 6347, de 13.05.2008, para a Autora dando-lhe conhecimento do projecto de indeferimento dos pedidos de reembolso (......).".
R. Tal não corresponde à verdade pois não era um projecto de indeferimento, mas o indeferimento definitivo do reembolso (. Documento nº 1).
S. Na sequência da referida notificação a Recorrente apresentou um primeiro recurso hierárquico a 15 de Maio de 2015 que foi recebido pela Autoridade Tributaria a 19 de Maio conforme referido na douta sentença no ponto E), e que está correto (Documento nº 2).
T. Posteriormente à apresentação do recurso hierárquico a Recorrente foi notificada a 13.05.2015, conforme referido no ponto D) da sentença, para exercer o direito de audição que havia sido esquecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e que foi exercido.
U. Subsequentemente, a Recorrente foi notificada de um segundo indeferimento do recurso hierárquico recebido a 17.11.2008.
V. Ou seja a Recorrente foi, por esta ordem, notificada de um indeferimento definitivo de um pedido de reembolso; apresentou recurso hierárquico; foi notificada para exercer o direito de audição do indeferimento do reembolso; e posteriormente foi notificada do indeferimento do reembolso pela segunda.
W. Parece absolutamente inequívoca a falta de boa-fé da Autoridade Tributaria e Aduaneira que conforme se pode verificar pretendeu apenas sanar a sua falha fornal o que fez de modo pouco claro e sem qualquer explicação.
X. O douto Tribunal por sua vez, considera assentes nos pontos D) e F) da sentença que a primeira notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira é um projecto e indeferimento de reembolso o que é erróneo. Tal documento nunca foi recebido.
Y. Assim, no entender da Recorrente, os factos em que assentam a decisão são manifestamente erróneos e contraditórios e parecem ser construídos para que tudo se encontre certo do lado da Autoridade Tributaria e Aduaneira o que não corresponde à realidade, e consubstanciam falta de fundamentação da sentença.
Z. Tudo o acima exposto tem como consequência a violação do principio da tutela jurisdicional efectiva, sendo manifesto que a decisão enferma de vicio de falta de fundamentação e que o processo administrativo que lhe subjaz viola o principio da confiança e da boa-fé na relação entre a administração e os seus administrados.
AA. Existe ainda falta de respeito pelo contraditório, pelo que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro.
BB. Nestas condições a sentença enferma de vício de violação de lei, nomeadamente dos artigos 20.º e 268 .º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).»

A Entidade Recorrida, apresentou as suas contra-alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«IV – Conclusões:
A. Conforme decidido na douta sentença recorrida, resulta comprovado dos autos que a petição que deu origem à ação foi apresentada em 18/02/2009, já tendo ocorrido em 03/02/2009 a caducidade do direito de ação, exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, nos termos do art. 89° nº 1 alínea h) do CPTA.
B. Sem conceder, à cautela, entende a Administração que não há erro na forma de processo, não tendo a Recorrente alegado nem comprovado qualquer vício ou ilegalidade de que enferme o ato de liquidação de imposto automóvel que justifique a alegada convolação oficiosa em processo de impugnação judicial.
C. O que pretende a Recorrente é que os pedidos de reembolso do imposto automóvel pago relativamente a veículos da marca P... cuja expedição tenha ocorrido após a entrada em vigor da Lei nº 22-A/2007, de 29 de junho, sejam apreciados à luz do Decreto-Lei nº 40/93, de 18 de fevereiro .
D. No caso em análise o direito ao reembolso nasce com a expedição dos veículos e não consubstancia, de todo, um direito que nasça desde logo com a admissão dos veículos e consequente pagamento de imposto e atribuição de matrícula.
E. É que, se por um lado, o veículo é admitido ainda na vigência da lei antiga, já , por outro lado, a expedição ocorre na vigência da lei nova.
F. Assim, a questão fulcral é a de saber, perante duas leis que se sucedem no tempo, qual a lei aplicável e que dá fundamento ao reembolso do imposto solicitado por consequência da expedição dos veículos.
G. Sendo que tanto a lei antiga como a lei nova regulam o facto "expedição ou exportação de veículo cujo imposto já tenha sido cobrado".
H. Contudo, O Decreto-Lei nº 40/93, de 18 de fevereiro foi revogado pela alínea g) do nº 1 do art. 13° da Lei nº 22-A/2007, de 29 de junho, a qual, segundo o seu art.14°, entrou em vigor no dia 1de julho de 2007.
I. Não existindo disposições transitórias no que respeita à matéria, temos de nos socorrer da aplicação dos critérios definidos no art. 12° do CC que contém os princípios gerais sobre a aplicação da lei no tempo.
J. E que estabelece, no seu nº 1 que "A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular."
K. Referindo o nº 2 que, "Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor."
L. Este normativo resulta da doutrina do facto passado, para a qual a lei nova não se aplicaria (sob pena de retroatividade) a factos passados e aos seus efeitos (só se aplicaria a factos futuros) que foi complementada pelo chamado princípio da aplicação imediata da lei nova às situações em curso no momento do seu início de vigência.
M. Pelo que, de acordo com esse critério, a lei antiga deve regular os factos anteriores à lei nova, nas condições da sua existência e validade, bem como aqueles dos seus efeitos que não possam ou não devam ser destacados ou separados dos factos que os geraram.

N. Ou seja, a lei nova virá regular os factos que lhe forem posteriores e ainda os efeitos de factos anteriores, desde que esses efeitos se possam e devam considerar destacados, separados ou autonomizados dos factos que os geraram.

O. No caso em apreço, a expedição dos veículos cujo imposto já tinha sido cobrado consubstancia um facto que, desde que verificados os respetivos condicionalismos legais, dá lugar ao reembolso do imposto.

P. Ora, o reembolso do imposto, sendo um efeito desencadeado pela expedição dos veículos, está intimamente ligado a esse facto, não podendo dele ser destacado, pelo que deverá ser sempre analisado à luz da lei que estava em vigor à data da expedição dos veículos, tendo em conta que a lei só dispõe para o futuro e que, ao dispor sobre os efeitos dos factos, só visa os factos novos.

Q. E a expedição dos veículos em análise ocorreu na vigência da nova lei pelo que será esta a lei aplicável.

R. Conforme resulta comprovado do P.A. a administração observou o princípio da boa­ fé durante todo o procedimento, não tendo retirado qualquer garantia à ora Recorrente nem tão pouco a induziu em erro, antes pelo contrário, para que dúvidas não restassem, entendeu repetir o procedimento, pese embora lhe tivesse sido já dada a oportunidade de participar na formação da decisão, que ela tinha aproveitado, mas que não tinha sido rotulada de audição prévia.

S. Relativamente à alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, parece­ nos que não assiste razão à Recorrente, na medida em que lhe foi garantido o acesso ao direito e aos tribunais, não tendo havido privação ou limitação do seu direito de defesa perante os órgãos judiciais.

Nestes termos, nos demais de direito, doutamente supridos por V. Exas., deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, como é de Direito e de justiça.»

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A Magistrada do Ministério Público, notificada para o efeito, não se pronunciou sobre o recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que se verifica o erro na forma de processo.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«III - Encontra-se suscitada a excepção dilatória de caducidade do direito de acção.
Com relevo para o conhecimento da questão suscitada, consideram-se assentes os seguintes factos, mediante prova documental junta aos autos e por acordo e confissão resultante da articulação das partes em juízo:
A). A 26.10.2007 foi pela Autora apresentados junto da Alfandega Marítima de Lisboa, requerimentos onde solicitava a restituição do Imposto Automóvel, ao abrigo do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de Fevereiro [cf. fls. 3, 220, 443, 651, 754 do processo administrativo tributário em apenso, e fls. 46 a 79 dos autos].
B). Por despacho de 27.03.2008, da Directora da Alfandega Marítima de Lisboa, exarado na informação n.º 243/08, de 25.03.2008, foi deferido o pedido de reembolso do imposto referente aos veículos expedidos até 01.07.2007, e decidido que “os pedidos de reembolso do imposto automóvel pago relativamente a veículos da marca P... cuja expedição tenha ocorrido após a entrada em vigor da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, só serão deferidos mediante a entrega de documentos que comprovem que os veículos foram efectivamente matriculados em França, nos termos do art. 29.º da referida Lei” [cf. fls. 985 a 999 do processo administrativo tributário em apenso].
C). A mandatária da Autora foi notificada do teor do despacho identificado no ponto anterior através do ofício n.º 2588, recebido a 08.04.2008 [cf. fls. 1004 e 1005 do processo administrativo tributário em apenso, e fls. 89 a 98 dos autos]. D). Em complemento do ofício indicado no ponto anterior, foi remetido o ofício n.º 6347, de 13.05.2008, para a Autora dando-lhe conhecimento do projecto de indeferimento dos pedidos de reembolso dos veículos da marca P... cuja expedição tenha ocorrido após a entrada em vigor da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, com vista ao exercício do direito de audição prévia [cf. fls. 858 a 859 do processo administrativo tributário em apenso].
E). A 19.05.2008 foi apresentado pela Autora recurso hierárquico contra o acto de deferimento parcial identificado em B) supra [cf. fls. 860 a 921 do processo administrativo tributário em apenso].
F). A 27.05.2008 foi pela Autora apresentado requerimento onde exerceu o direito de audição prévia relativamente ao projecto de decisão indicado em D) supra [cf. fls. 922 a 984 do processo administrativo tributário em apenso].
G). Por despacho de 16.06.2008, da Directora da Alfandega Marítima de Lisboa, exarado na informação n.º 473/08, de 09.06.2008, foi indeferido o pedido de reembolso no valor de €154.611,49, correspondente ao imposto referente aos veículos expedidos após o dia 01.07.2007 [cf. fls. 985 a 999 do processo administrativo tributário em apenso].
H). A mandatária da Autora foi notificada do teor do despacho identificado no ponto anterior através do ofício n.º 4674, de 12.06.2008, recebido a 18.06.2008 [cf. fls. 1004 e 1005 do processo administrativo tributário em apenso, e fls. 102 a 121 dos autos].
I). A 14.07.2008 foi apresentado pela Autora recurso hierárquico da decisão identificada no ponto anterior [cf. fls. 1006 a 1016 do processo administrativo tributário em apenso, e fls. 123 a 133 dos autos. Resulta provado a data de 14.07.2008, e não a data de 11.07.2008 alegada pela Autora uma vez que é esta a data aposta no carimbo de entrada da Alfandega Marítima de Lisboa, embora a Autora tenha juntado aos autos o “print” do registo dos CTT referente n.º RO81...PT, o mesmo não parece referir-se ao requerimento em análise uma vez que consta do referido documento que o mesmo terá sido recebido em 15.07.2008, quando consta do carimbo de recepção que o mesmo foi recebido em 14.07.2008].
J). Por despacho de 03.11.2008, do Director-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, foi negado provimento ao recurso hierárquico identificado no ponto anterior [cf. fls. 1006 a 1016 do processo administrativo tributário em apenso].
K). A mandatária da Autora foi notificada do teor do despacho identificado no ponto anterior através do ofício n.º 01303, de 14.11.2008, recebido a 17.11.2008 [cf. fls. 4 a 7 do processo de recurso hierárquico em apenso, e confissão no artigo 16.º da petição inicial não controvertido no artigo e fls. 135 a 138 dos autos].
L). A 16.02.2009 foi interposta a presente acção [cf. fls. 139 dos autos].»
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Com base matéria de facto supra, a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra julgou procedente a exceção de caducidade de direito de ação, por decurso do prazo previsto no art. 58.º, n.º 2 do CPTA.

A Recorrente não se conforma com essa decisão, entendendo, desde logo que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de facto, impugnando a alínea D) da matéria de facto, entendendo que não se trata de um projeto de indeferimento, mas antes de um indeferimento definitivo do reembolso (conclusões Q) e R) das alegações de recurso).

Tal impugnação assentou no com base no documento n.º 1 junto às alegações, que voltou a juntar para essa impugnação, a que corresponde ao documento n.º 10 junto na p.i. De igual modo, juntou o documento n.º 2 que corresponde ao documento n.º 13. Ora, sendo manifestamente desnecessária uma nova junção com as alegações de recurso de documentos juntos anteriormente pela A., não há que admitir a sua junção, não se verificando qualquer das situações previstas no art. 651.º do CPC.

Prosseguindo.

Relativamente ao erro de julgamento de facto, resulta do documento de fls. 858 e 859 do Processo Administrativo, no qual assenta o facto dado como provado na alínea D), que foi remetido à A. o ofício n.º 3647 (e não o 6347 como por lapso manifesto foi dado como provado) que a notifica para o exercício do direito de audiência prévia, nos termos do art. 60.º da LGT, sobre o “projecto de indeferimento dos pedidos de reembolso dos veículos da marca P... cuja expedição tenha ocorrido após a entrada em vigor da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho com os fundamentos de facto e de direito constantes da Informação n.º 243/08, de 25/03/2008, que se anexa e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais”.

A Recorrente entende que não estamos perante um projeto de indeferimento, mas de um indeferimento definitivo de reembolso. Contudo, como vimos, o documento de fls. 858 no qual assentou a alínea D) dos factos provados é um ofício que refere expressamente “projeto de indeferimento”, e tanto assim é que é conferido o direito de audição sobre tal projeto. Por outro lado, resulta também da informação a que esse ofício se refere (informação n.º 243/08, de 25/03/2008) que se trata de um projeto de decisão, e não de uma decisão definitiva (cf. alínea B) dos factos provados), só após o exercício do direito de audição da A. é que foi proferida a decisão definitiva em 16/06/2008 (cf. alíneas F) e G) dos factos provados).

Por outro lado, mais se refere no ofício de fls. 858 do processo administrativo no qual assentou o facto dado como provado na alínea D), que o mesmo é remetido “em substituição do n/ofício n.º 2555, de 2008/04/08, com exceção nas referências nele efectuadas aos pedidos de reembolso que foram deferidos”. Ora, tal significa que este ofício vem claramente substituir aquele outro, no qual se comunicou os meios de impugnação graciosa e contenciosa, ou seja, vem suprir a preterição do direito de audição prévia que não havia sido concedido. Nessa medida, ao contrário do que entende a Recorrente, não se verifica qualquer violação do princípio da boa-fé, pois a atuação da AT é no sentido de corrigir a preterição de uma formalidade legal (art. 60.º da LGT), deixando-se claro a “substituição” de um ofício anterior.

Portanto, o documento no qual assenta a impugnação da matéria de facto (documento n.º 10 junto à p.i.) não prova de que se trata de um projeto definitivo de indeferimento, desde logo porque claramente a AT vem clarificar essa situação num ofício posterior ao conceder ao contribuinte o direito de audição prévia, e a dizer que esse ofício substitui o n.º 2555.

Pelo exposto, improcede o erro de julgamento de facto invocado, havendo apenas de retificar oficiosamente o lapso material supra referido quanto ao número do ofício que é o 3647, e não o 6347, e, por conseguinte, a alínea D) passa a ter a seguinte redação:

D) Em complemento do ofício indicado no ponto anterior, foi remetido o ofício n.º 3647, de 13.05.2008, para a Autora dando-lhe conhecimento do projeto de indeferimento dos pedidos de reembolso dos veículos da marca P... cuja expedição tenha ocorrido após a entrada em vigor da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, com vista ao exercício do direito de audição prévia [cf. fls. 858 a 859 do processo administrativo tributário em apenso].

Estabilizada a matéria de facto, passemos a conhecer do erro de julgamento de direito.

Entende a Recorrente que não se deveria ter decidido pela caducidade do direito de ação, devendo, antes se ter convolado oficiosamente a ação em impugnação judicial, considerando que subjacente ao pedido de reembolso está em causa a legalidade da liquidação do Imposto Automóvel (IA), tendo sido violado o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Ou seja, a Recorrente vem invocar que se deveria ter conhecido, antes de mais, o erro na forma de processo e convolado a ação administrativa especial na forma adequada, impugnação judicial, sendo certo que esta é tempestiva.

Resulta dos fundamentos do recurso que a Recorrente não coloca em causa a decisão de caducidade do direito de ação em si mesma (AAE), nem quanto ao prazo ou cômputo concreto do mesmo, e nessa medida, independente do acerto da decisão proferida em 1.º instância quanto à tempestividade da AAE, o tribunal de recurso não poderá rever a decisão nessa parte. Efetivamente, considerando os fundamentos do presente recurso, cumpre apenas aferir se a Meritíssima Juíza a quo errou ao não ter conhecido previamente do erro na forma do processo e convolado a presente ação em impugnação judicial.

Ora, a verdade é que conforme se sumariou no acórdão do STA de 15/92/2017, proc. n.º 0216/15 “I - O Código de Processo e Procedimento Tributário não dispõe de uma norma própria que indique a ordem do conhecimento das questões a resolver pelo tribunal, não tendo préstimo para o efeito o que consta do disposto no art.º 124.º do Código de Processo e Procedimento Tributário que indica a ordem do conhecimento dos vícios do acto de liquidação. II - Como determina o art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário tal ordem há-de recolher-se, atenta a natureza da lacuna, no Código de Processo Civil, art. 608.º, n.º 1, iniciando-se pelo conhecimento das excepções dilatórias e, só, por regra, posteriormente, tomando conhecimento das peremptórias.”

Portanto, nos termos desse acórdão, o erro na forma de processo é uma exceção dilatória que o Tribunal deveria de ter conhecido em momento anterior à exceção perentória de caducidade do direito de ação. E assim é, mesmo nos casos em que o erro na forma de processo não tenha sido suscitado pelas partes, pois tal exceção é de conhecimento oficioso.

Na verdade, aplicando aquela jurisprudência ao caso dos autos, cumpre aferir do erro na forma de processo em primeiro lugar, pois a verificar-se tal exceção dilatória, e a ser possível supri-la com a convolação da presente ação para a forma de processo adequada à pretensão formulada em juízo, então, já não fará sentido saber se a presente AAE, foi ou não deduzida no prazo legal, como se fez na 1.ª instância, e nessa medida, a decisão da 1.ª Instância no sentido da caducidade do direito de ação (AAE) não se poderá manter na ordem jurídica.

Face ao exposto, e sufragando aquela jurisprudência, in casu, assiste razão à Recorrente, pelo que importa aferir, antes de mais, do invocado erro na forma do processo e da possibilidade de convolação do presente processo na forma adequada.

Vejamos.

A cada direito corresponde um, e apenas um, meio processual adequado para o seu reconhecimento em juízo (“a ação adequada”), a não ser que a lei determine o contrário (cf. art. 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).

Verifica-se o erro na forma de processo quando o A. faz uso de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.

A propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na p.i., ou seja, pela pretensão que o A. pretende fazer valer com a ação. O pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/3/2012, proc n.º 1145/11, e de 29/2/2012, proc. n.º 1161/2011, de 28/05/2014, proc. 01086/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, de 05/11/2014, proc. n.º 01015/14).

Se as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas à forma de processo escolhida pelo A., então estamos perante questões relacionadas com a viabilidade do pedido, e não da propriedade do meio processual, pelo que não haveria erro na forma do processo, mas improcedência da ação (nesse sentido, Ac. 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, Ac. do STA de 17/04/2013, proc. n.º 0484/13, e Ac. do STA de 20/02/2013, proc. n.º 0114/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13).

In casu, o pedido formulado é o de “procedência” e “revogando-se a decisão recorrida na parte em que condiciona o deferimento de pedido de substituição de imposto automóvel à apresentação de prova de atribuição de matrícula no país de destino”, mais se peticiona a restituição “do imposto automóvel cobrado e juros indemnizatórios”.

Saliente-se que o Juiz está vinculado pelo pedido, uma vez este delimita as questões que o tribunal deve apreciar nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, não obstante, pode interpretar o pedido, determinando o real sentido da pretensão do A.

Efetivamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem admitido de forma reiterada que o pedido formulado na petição possa ser interpretado (vide, entre muitos outros, Ac. do STA de 16/04/2008, proc. n.º 051/08, de 4/02/2009, proc. n.º 0925/08, de 11/02/2009, proc. n.º 924/08, de 7/07/2010, proc. n.º 0366/10, e de 26/09/2012).

Por outro lado, o facto de haver cumulação de pedidos não obsta a que se conclua pela propriedade do meio processual utilizado com base num dos pedidos, devendo ser considerado sem efeito os demais que não sejam adequados, prosseguindo o processo relativamente ao pedido adequado à forma de processo escolhida pelo A. (solução que se extrai do tratamento dado a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do CPC – nesse sentido, cf. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. I, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 92) – Também neste sentido, vide, Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 01086/13.

Partindo, então, da análise do pedido formulado pela A., e procedendo à sua interpretação, vejamos então qual a forma de processo adequada para que a A. possa valer a sua pretensão que decorre do pedido.

Assumimos, desde já, que a questão não é linear, face à imperfeição das nossas leis processuais tributárias para fazer face à realidade das relações jurídicas tributárias que revestem um cariz de complexidade crescente. Contudo, entendemos que o caminho a seguir na determinação da forma processual adequada, face à imperfeição da lei processual tributária que assume um papel preponderante na existência de ambiguidades, deverá ser aquele que confere pleno cumprimento ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.

Por essa razão, na interpretação do pedido do A., ou seja, da pretensão jurídica que visa fazer valer com a presente ação, podemo-nos socorrer de todos os elementos interpretativos disponíveis que conduzam a um resultado que não seja a perda do direito de ação (como sucederia no presente caso se assim não o fizéssemos), inclusive, a vontade real do A. que no caso dos autos é no sentido de que sindicou, ainda que indiretamente, a legalidade da liquidação de imposto automóvel.

Na verdade, se a pretensão do A. exarada na p.i. não conduz à conclusão de que a sua pretensão jurídica direta e imediata seja a de sindicar a legalidade da liquidação de imposto automóvel, uma vez que o seu pedido imediato e direito visa a decisão que recaiu sobre o seu pedido de reembolso, e nesse contexto peticiona “revogando-se a decisão recorrida na parte em que condiciona o deferimento de pedido de substituição de imposto automóvel à apresentação de prova de atribuição de matrícula no país de destino”, indiretamente podemos inferir que na p.i. está sindicada a legalidade da liquidação, pois a A. peticiona a restituição “do imposto automóvel cobrado e juros indemnizatórios”, o que como infra argumentaremos, poderá ser interpretado no sentido que pretende a A., nomeadamente, no sentido em que colocou em causa a legalidade da liquidação.

Efetivamente, interpretando o pedido formulado na p.i. considerando a vontade real da A. manifestada na pronúncia sobre o erro na forma do processo, podemos concluir que a sua pretensão jurídica mediata, porém principal, contende com a legalidade da liquidação de imposto automóvel porque, em última instância, o que realmente pretende é que o quantum da liquidação de imposto automóvel seja alterado por força do disposto no art. 14.º do DL n.º 40/93, de 18 de fevereiro, norma de exclusão de incidência de imposto que opera a posteriori da liquidação e cobrança do imposto que se dá com a matrícula do veículo automóvel (cf. art. 3.º, n.º 1).

Na verdade, não está em causa nos autos questão relacionada com pedidos de isenção total ou parcial de imposto, que se encontram previstas no art. 7.º e 9.º, e 8.º daquele diploma, respetivamente, mas antes uma situação de exclusão de incidência de imposto que opera em momento posterior à liquidação e cobrança do imposto, mas que importa necessariamente uma alteração do quantum dessa liquidação, e nessa medida, verificados os pressupostos previstos na lei para a exclusão de incidência de imposto, será ilegal a manutenção na ordem jurídica o quantum inicial da liquidação ou até mesmo a totalidade da liquidação, nos casos de exclusão de tributação a 100% do imposto (cf. n.º 3, do art. 14.º, do DL n.º 40/93, de 18 de fevereiro).

Efetivamente, o procedimento de liquidação e cobrança do imposto automóvel ao abrigo do DL n.º 40/93, de 18 de fevereiro assume contornos suis generis que devem ser considerados para a aplicação do direito processual tributário.

Resulta do art. art. 3.º, n.º 1 daquele diploma que a liquidação e cobrança do imposto automóvel se dá com a matrícula do veículo automóvel (cf. art. 3.º, n.º 1). Contudo, num momento posterior, poder-se-á verificar uma situação de exclusão de tributação, nomeadamente, quando estão em causa veículos exportados ou expedidos. Nesses casos, o procedimento adotado na lei é de restituição do imposto automóvel, cuja percentagem é calculada em função do período de tempo compreendido entre a atribuição e o cancelamento da matrícula definitiva nacional. Ou seja, existe uma liquidação e cobrança inicial do imposto automóvel, que deverá ser corrigida pela AT, por força da verificação dos pressupostos previstos na lei para a exclusão de incidência de imposto, restituindo-se uma percentagem desse imposto inicialmente liquidado e pago, ou até mesmo, 100% do mesmo nos casos em que os veículos automóveis não tenham sido matriculados (cf. art. 14.º).

O direito à restituição do imposto automóvel não é mais do que uma consequência de uma norma de exclusão de incidência de tributação, e nessa medida, implica, necessariamente, e ainda que a posteriori, uma alteração da liquidação e cobrança inicialmente efetuadas, alteração parcial da liquidação, mais precisamente do quantum liquidado, ou até mesmo uma alteração total, ou seja, eliminação total da liquidação e cobrança inicialmente operada.

Nesse contexto, a não restituição do imposto automóvel previamente liquidado e cobrado, quando por força da lei existe uma exclusão de incidência que importa a alteração da liquidação inicialmente emitida e cobrada, coloca em causa, em última instância, a legalidade da liquidação inicialmente emitida, pois o seu quantum, ainda que a posteriori, deveria ter sido reduzido.

Do exposto se conclui que o direito à restituição do imposto automóvel por força do art. 14.º do DL n.º 40/93, de 18 de fevereiro implica a alteração do quantum da liquidação do imposto automóvel inicialmente liquidado nos termos do art. 3.º, n.º 1, e nessa medida, a não alteração desse quantum da liquidação pela AT, e consequente restituição do imposto pago, faz com que a liquidação enferme de vício de violação da lei, e nessa medida, em última instância, está em causa a legalidade da liquidação, pois aquela, nos termos inicialmente emitidos, não se poderá manter na ordem jurídica.

Por outras palavras, a restituição do imposto pago consubstancia uma consequência jurídica da alteração do quantum da liquidação de imposto automóvel, e nessa medida, podemos afirmar que o que está em causa é a legalidade da liquidação de imposto automóvel, na medida em que esta não se poderá manter na ordem jurídica com aquele quantum inicial, por força de uma norma de exclusão tributária que opera a posteriori do procedimento de liquidação e cobrança de imposto.

Deste modo, o pedido de restituição do imposto pago que é formulado à AT “nas sedes das Alfândegas” poderá ser materialmente configurado, como uma reclamação graciosa interposta da liquidação de imposto automóvel, nos termos do n.º 1, do art. 68.º do CPPT, pois o contribuinte visou com o pedido de restituição de imposto automóvel, ainda que indiretamente, a alteração parcial do ato de liquidação de imposto automóvel, porque, no seu entender, verificam-se os pressupostos de exclusão de tributação (in casu, parcial) previsto no art. 14.º do DL n.º 40/93, de 18 de fevereiro.

Ademais, não tendo sido deferido o seu pedido de restituição de imposto, a A. formula na presente ação, interposta daquela decisão que configuramos materialmente como uma reclamação graciosa, o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, o que reforça o nosso entendimento de que o A. configurou a ação visando a legalidade da liquidação por entender que o imposto pago é indevido e deverá ser restituído dentro de uma determinado prazo, e não tendo sido, deverá ser ressarcido através do instituto dos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT.

A coerência do sistema jurídico reforça esse entendimento, porque se está em causa um quantum de imposto liquidado que não é devido (ainda que a posteriori) e ainda se peticiona juros indemnizatórios pelo atraso nessa restituição, a impugnação judicial é o meio próprio e adequado para o A. fazer a sua pretensão jurídica, porque em última instância está em causa a legalidade da liquidação de imposto automóvel que deveria ter sido alterada no seu quantum.


Finalmente, importa sublinhar que esta solução se impõe sobretudo numa interpretação das leis processuais em conformidade com a Constituição e seus princípios, nomeadamente, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, relevando em particular no caso dos autos o esclarecimento prestado pela A. sobre a finalidade da sua pretensão, no sentido de pretender ver apreciada a legalidade da liquidação de imposto automóvel, sendo que, em última instância, o que deve prevalecer é uma justiça fiscal material e não meramente formal.

Em suma, in casu, verifica-se que a decisão de indeferimento do recurso hierárquico constitui o objeto imediato dos presentes autos, constitui um ato administrativo em matéria tributária que comportou a apreciação da legalidade da liquidação de imposto automóvel, sendo que o objeto mediato é a liquidação de imposto automóvel.

Pelo que, importa concluir que o meio próprio para a A. fazer valer a sua pretensão de restituição de imposto e condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios é a impugnação judicial, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1, do art. 97.º, e 99.º, a), ambos do CPPT, na redação vigente à época, ou seja, na redação dada pelo DL n.º 433/99, de 26 de outubro.

Tendo a A. apresentado Ação Administrativa Especial, e sendo a forma adequada a impugnação judicial, deve o tribunal convolar a presente ação em impugnação judicial, desde que esta seja tempestiva, pois não é lícito realizar no processo atos inúteis (art. 130.º do CPC).

Cumpre, então, aferir da tempestividade da impugnação judicial.

A impugnação ´judicial deve ser apresentada no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, ao abrigo da alínea e), do n.º 1, do art. 102.º, do CPPT, na redação do DL n.º 433/99, de 26 de outubro (cf. nesse sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 152).

Este prazo é substantivo, contando-se de modo contínuo nos termos do disposto no art. 279.º, n.º 1 do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte (cf. art. 20.º, n.º 1 do CPPT).

Considerando que a A. foi notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico em 17/11/2008 (cf. alínea J) e K) dos factos provados), o decurso do prazo de 90 dias iniciou-se no dia 18/11/2008 (cf. alínea b), do art. 279.º do Código Civil), terminado no dia 15 de fevereiro de 2009. Contudo, como esse dia é um domingo, o termo do prazo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, dia 16 de fevereiro de 2009 (segunda-feira).

Considerando que a presente ação foi interposta em 16/02/2009 (cf. alínea L) dos factos provados), importa concluir que é tempestiva a impugnação judicial, pois foi apresentada no último dia do prazo.

Pelo exposto, impõe-se determinar a convolação do presente processo para a forma adequada de impugnação judicial (art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT), com a anulação dos atos que não se possam aproveitar para a forma processual adequada sem a diminuição das garantias de defesa (ac. do STA de 20/02/2013, proc. n.º 01147/12), e portanto todo o processo a partir da p.i., incluindo a sentença recorrida, devendo os autos seguir os demais trâmites legais da impugnação judicial, e posterior prolação de decisão.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrida, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Numa interpretação conforme ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, a ambiguidade na determinação da forma do processo resultante das leis processuais tributárias deverá ser decidida no sentido de assegurar o direito dos contribuintes de acesso aos tribunais;

II. A impugnação judicial é o meio próprio para a A. fazer valer a sua pretensão quando em juízo vem esclarecer que pretendeu sindicar a legalidade da liquidação de imposto automóvel, e formulou na p.i. o pedido de restituição do imposto automóvel ao abrigo do art. 14.º do DL n.º 40/93, de 18 de fevereiro (pedido esse que implica necessariamente a alteração do quantum inicial da liquidação do imposto automóvel, por força de uma norma de exclusão de incidência de imposto) e o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.


II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em

a) Ordenar o desentranhamento e restituição à Recorrente dos documentos juntos com as alegações de recurso, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC;

b) Conceder provimento ao recurso, anular todo o processo a partir da p.i., inclusive a sentença recorrida, e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para que os presentes autos sigam os trâmites da impugnação judicial, e posterior prolação de decisão, se a isto nada mais obstar.

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Custas pela Recorrida.
D.n.
Lisboa, 15 de abril de 2021.
A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora

Voto de vencida

Vencida, uma vez que considero que, in casu, estamos perante um ato administrativo, relativo a questão tributária, que não comporta apreciação da legalidade do ato de liquidação.
Com efeito, s.m.o., in casu, estamos perante situação em que, com a emissão da matrícula, foi liquidado o imposto automóvel (IA), nos termos do disposto no art.º 3.º do DL n.º 40/93, de 18 de fevereiro. Não se tratou de automóveis, ab initio, destinados a outros países da União Europeia (situação em que se aplicaria o regime do art.º 13.º do mencionado diploma), mas sim situações abrangidas pelo seu art.º 14.º, dado o imposto já ter sido cobrado. Nestes casos, para automóveis já matriculados, assiste direito ao sujeito passivo à restituição do imposto pago, em percentagem variável, atento o período de tempo que tenha decorrido entre a atribuição da matrícula nacional e o seu ulterior cancelamento.
A questão que se coloca, in casu, centra-se nos pressupostos exigíveis para efeitos de restituição do imposto (se os previstos no DL n.º 40/93, de 18 de fevereiro, se os previstos na Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho).
Ou seja, considero que à liquidação de IA efetuada não é assacada, nem indiretamente, qualquer ilegalidade. Está, sim, em causa a reunião dos pressupostos específicos da restituição do imposto.
Por outro lado, no caso da restituição de IA, o legislador não prevê expressamente qual a forma processual adequado [ao contrário do que sucede para os reembolsos do IVA, para os quais o legislador expressamente previu como meio de reação a impugnação – cfr. o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 21.02.2018 (Processo: 0239/16)].
Como tal, manteria a decisão do Tribunal a quo.

Lisboa, 15 de abril de 2021
Tânia Meireles da Cunha
A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e Susana Barreto.