Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1030/21.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL; DISPENSA DE GARANTIA. ÓNUS DE PROVA.
Sumário:1. A lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa de prestação de garantia, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cf. o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT), norma esta que não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória, obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.
2. Alegando o requerente que apenas dispõe do rendimento da sua actividade profissional e que tem dois filhos, impunha-se que ele também alegasse e demonstrasse quais eram os seus efectivos encargos e, tendo referido que não tinha condições para obter garantia bancária (financiamento), impunha-se que ele demonstrasse que tinha realizado diligências no sentido de a obter e que a mesma não lhe tinha sido concedida ou que os encargos associados lhe eram incomportáveis (artigos 52/4 LGT e 170/3 CPPT).
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação apresentada por G. C. F. C. do despacho datado de 15-04-2020, que no processo de execução fiscal (doravante PEF) n° 3085201501682865 e apensos, contra si revertido e originariamente instaurado contra a sociedade “O. S. I. SGPS, S.A.”, lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.

Com o requerimento de recurso, o Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes e doutas Conclusões:
«
I. Veio o Reclamante, acima melhor identificado, interpor reclamação ao abrigo do artigo 276.° do CPPT, do despacho datado de 15-04-2020, proferido no âmbito do processo de execução fiscal (doravante PEF) n° 3085201501682865 e apensos, no qual é revertido, instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 3, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia. Por sentença datada de 02-08-2021, veio o Mm.° Juiz do Tribunal a quo conceder provimento à Reclamação apresentada e, consequentemente, anular o despacho reclamado que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.

II. Ressalvado o sempre devido respeito, com o desta forma decidido, não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na incorreta apreciação e valoração da matéria factual à luz do Direito aplicável ao caso dos autos.

III. Resulta da al. D) dos factos dados como provados na sentença ora recorrida que o despacho de indeferimento da pretensão do Reclamante se baseou fundamentalmente na não junção de prova por parte deste aos autos com vista a comprovar a alegada falta de meios económicos para prestar garantia bem como na existência de rendimentos de trabalho dependente consideravelmente elevados no ano de 2018, na ordem dos € 126.814,16 (“auferiu rendimentos da categoria A no valor de € 110.314,16, cuja entidade pagadora foi SPDH S. P. H. S A, NiF 506… e € 16.500,00, pagos por I. I. P. G. SA, NIF 500…"). Resulta ainda desta mesma al. F) dos factos tidos como provados na sentença ora recorrida que o Reclamante “não tem imóveis inscritos em seu nome, nem veículos automóveis”.

IV. Tendo presente esta factualidade, não se pode concordar com o Juiz do Tribunal a quo quando refere que “a AT não efectuou um juízo crítico sobre os meios de prova que tinha em seu poder relativamente aos factos alegados”, na medida em que este juízo crítico, ainda que sucinto, se extrai do plasmado na alínea D) dos factos provados, designadamente na parte da informação que sustenta o despacho reclamado:
“O revertido não é proprietário de bens imóveis, nem veículos automóveis, Não obstante, de acordo com a declaração de IRS relativa ao ano de 2018, última disponível, auferiu rendimentos da categoria A no valor de € 110.314,16, cuja entidade pagadora foi SPDHS. P. H. S A, NIF 506… e € 16.500,00, pagos por I. I. P. G. SA, NIF 500….
Ainda assim, o requerente alegou não ter condições financeiras para que lhe seja concedido financiamento bancário, não tendo, contudo, feito prova de lhe não ter sido possível a obtenção de nomeadamente, garantia bancária, caução ou seguro caução.
Poderia por exemplo, ter demonstrado a realização de diligências junto de entidades bancárias, e qual a resposta das mesmas às suas solicitações. Ou que a prestação de uma garantia deste tipo se traduziria num esforço financeiro incomportável.
Acresce que para além de referir que vive do seu trabalho e que tem 2 filhos, o contribuinte mais não alegou nem provou, nomeadamente quais são os seus encargos mensais”.

V. Estas considerações traçadas pelo OEF revelam uma ponderação quer dos elementos que estão no poder da administração fiscal (a falta de propriedade de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo bem como a existência de rendimentos declarados pelo Reclamante em sede de IRS no ano de 2018), quer daqueles que poderiam ter sido juntos pelo Reclamante com vista a instruir o seu pedido de dispensa de prestação de garantia, mas que não o foram. Note-se que está subjacente à referência aos rendimentos de trabalho dependente, a possibilidade de ocultação de alguma capacidade financeira do Reclamante e que pode ser manifestada através de outros elementos patrimoniais penhoráveis e que não são de fácil acesso por parte da Administração Tributária, designadamente contas bancárias. Com efeito, embora não seja referido de forma expressa no despacho reclamado, dele resulta a consideração de que os rendimentos de trabalho dependente auferidos pelo Reclamante em anos anteriores poderiam compor património bancário suficiente para, na totalidade ou ao menos parcialmente, garantir a dívida exequenda ou permitir a obtenção de uma garantia bancária para esse efeito. E nesta medida se entende as diversas alusões do despacho recorrido à falta de esforços probatórios por parte do Reclamante. Note-se, a título de exemplo, que alega a impossibilidade de obtenção de financiamento bancário, mas sequer faz prova indiciária de lhe não ter sido possível a obtenção de garantia bancária, caução ou seguro caução.

VI. O despacho recorrido demonstra claramente que a falta de património imobiliário ou móvel sujeito a registo e a existência de filhos menores ao seu cargo (factos que seriam do conhecimento da Administração Tributária) não bastariam para de forma efetiva dar por preenchido o requisito invocado pelo Reclamante para a dispensa de prestação de garantia prevista no n.° 4 do art.° 52.° da LGT e que se traduz na “manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido” . Este despacho, de forma crítica e sustentada nos elementos ao dispor da Administração Fiscal, observou que ainda haveria alguma prova ao alcance do Reclamante que seria pertinente acompanhar o requerimento de dispensa de prestação de garantia, mas que não o foi.

VII. O facto de vigorar em geral, no direito tributário, o princípio do inquisitório, não afasta o ónus probatório que impende sobre o interessado de alegar e provar a factualidade atinente aos factos constitutivos do direito invocado, para mais quando se tratem de factos patrimoniais sujeito a sigilo bancário para os quais ninguém se encontra melhor colocado do que o contribuinte para o fazer.

VIII. O requerimento apresentado pelo Reclamante deveria estar devidamente fundamentado, tanto de facto como de direito, e instruído com toda a prova documental necessária para a apreciação da sua pretensão, ou seja, com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa (art. 170.°, n.° 3 do CPPT). Não bastaria, para este efeito, partir do pressuposto de que a Administração Tributária é uma entidade omnipresente e omnisciente e que por isso detém todos os elementos para apreciar as pretensões dos contribuintes, pois que tal entendimento esvaziaria por completo a norma do n.° 3 do art.° 170.° do CPPT. Assim, levado este entendimento adiante, sempre que o contribuinte não fosse detentor de património sujeito a registo predial ou automóvel (elementos estes do conhecimento da Administração Tributária), deveria sem mais indagações a Administração Tributária conceder dispensas de prestação de garantia, fazendo-se tábua rasa da imposição ínsita no n.° 3 do art.° 170.° do CPPT (instrução com a prova documental necessária).

IX. O indeferimento patente no despacho reclamado se encontra devidamente fundamentado de facto e de direito, pois permitiu ao destinatário do ato conhecer o iter cognoscitivo e valorativo do órgão decisor, ficando assim em condições de, em consciência, reagir ou de se conformar com o ato praticado, sendo nele percetível uma ponderação crítica dos elementos probatórios em posse da Administração Tributária no sentido de que estes mesmos elementos, sem que outros fossem trazidos pelo contribuinte Reclamante, não seriam suficientes para dispensar a prestação de garantia visando a suspensão do PEF com base na “manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”.

X. Nestes termos, não pode a Fazenda Pública concordar com a apreciação do Tribunal a quo sobre o caso dos presentes autos, no sentido de que o Reclamante demonstrou cabalmente a verificação de uma situação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Ao assim entender, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da causa, violando o disposto no n.° 4 do art.° 52° da LGT e no n.° 3 do artigo 170.° do CPPT.
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!».

O Recorrido apresentou contra-alegações, que constam a págs. 692 e ss., do SITAF, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso.

No Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Senhor Conselheiro-Relator proferiu decisão sumária declarando o Supremo Tribunal Administrativo incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer deste recurso jurisdicional e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul para o efeito.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste tribunal emitiu mui douto parecer concluindo pela procedência do recurso.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 278.º, nº5, do CPPT e artigo 657.º, nº4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central do recurso reconduz-se a indagar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, por deficiente valoração da prova e violação do disposto nos n.º 4 do art.º 52º da LGT e no n.º 3 do artigo 170.º do CPPT.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:
«
Com base nos elementos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, julgo provados com interesse para a presente decisão, os factos que a seguir se indicam:

A) Pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 3 foi instaurada contra a sociedade “O. S. I. SGPS, S.A.”, em 15-09-2015 a execução fiscal n° 3085201501682865 e apensos, para cobrança coerciva de dívidas fiscais no montante total de € 295.417,32 (cf. PEF apenso).

B) A execução identificada reverteu contra o ora reclamante, enquanto responsável subsidiário, tendo o mesmo sido citado em 27-02-2020 (cf. fls. PEF apenso).

C) Em 04-03-2020 o reclamante dirigiu ao Serviço de Finanças de Lisboa - 3, um requerimento, no âmbito da citada execução, formulando o pedido de dispensa da prestação de garantia (cf. PEF apenso).

D) Sobre o requerimento referido na alínea precedente, foi proferido despacho de indeferimento, por não se mostrarem preenchidos os requisitos legais para tal, o qual se estribou na informação n° 257/2020, de 27-03-2020 (cf. PEF apenso e Doc. 2, junto com a petição inicial), da qual consta o seguinte:
«D) Dos factos
«Encontra-se pendente o processo de execução fiscal n.° 3085201501682865 e Aps. por dívidas de (IRS de 2015; IVA de 2016; IRC de 2012 e 2013; IUC de 2015 e 2016, no valor de € 295.417,32 (dívida exequenda),
O ora requerente foi citado em reversão em 2020.02.27.
Em 2020.03.04 o contribuinte remeteu requerimento ao SFde Lisboa 3 onde informa que irá (deduzir oposição judicial e solicita a dispensa de prestação de garantia, nos termos do n.° 2 do (artigo 169.° do CPPT e com os fundamentos do n,° 4 do artigo 52.° da LGT.
No seu petitório alega que não tem bens ou direitos penhoráveis; que não é proprietário de quaisquer bens imóveis nem móveis sujeitos a registo; que vive dos rendimentos do trabalho, tendo 2 filhos a cargo; não tem condições financeiras para obter financiamento bancário; que pendem contra si outras execuções, cuja exequente é a Segurança Social. Não junta prova, mas remete para os elementos ao dispor da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por consulta efetuada ao sistema informático, verifica-se que o sujeito passivo deduziu, entretanto, oposição judicial, instaurada em 2020.03.10.
O valor da garantia a prestar, segundo informação dada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, é de €443.700,41 (valor à data).
E) Do pedido de dispensa de garantia
Nos termos conjugados do n.° 1 e n.° 10 do artigo 169.° do CPPT, uma vez deduzida oposição judicial, o processo de execução fiscal pode ser suspenso mediante a prestação de garantia idónea, nos termos do n. ” 1 do artigo 199.° do CPPT, traduzida em garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente. É admissível ainda, nos termos do n.° 2 e 4 do mesmo dispositivo legal, a constituição de penhor ou hipoteca voluntária, com a concordância da administração, ou a realização de penhora.
Não obstante, a execução fiscal pode ainda ser suspensa, nos casos em que a administração tributária isente o executado da prestação de garantia quando a sua prestação lhe cause prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da divida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado artigo 52°, n.° 4 do CPPT).
Daquele normativo legal resulta assim, que a concessão do benefício depende da verificação de um de dois pressupostos alternativos: ou a existência de prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou a manifesta falta de meios económicos para a sua prestação.
Acrescendo que, além da verificação de um daqueles dois pressupostos alternativos, não devem existir fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do executado (pressuposto cumulativo).
A alegação e a prova dos pressupostos da isenção de garantia cabem ao executado, de acordo com o artigo 199.°, n.° 3 do CPPT, acrescendo que o pedido deve ser fundamentado de facto e de direito {e instruído com a prova documental necessária (n.° 3 do artigo 170. ° do CPPT).
Ademais, do regime geral de repartição do ónus da prova previsto no artigo 342. ° do Código Civil e artigo 74. ° n.° 1 da LGT, decorre que, tratando-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, cabe ao executado alegar e provar a admissibilidade da dispensa de garantia.
No presente caso, o sujeito passivo não juntou quaisquer meios de prova, remetendo ao invés para os elementos ao dispor da AT, para prova dos factos alegados.
Não obstante pertencer ao executado o ónus da prova dos factos por si alegados, estando a Autoridade Tributária e Aduaneira adstrita, na sua atuação, aos princípios da legalidade, do inquisitório e da boa fé, cabe-lhe considerar os meios de prova que tenha em seu poder. Assim:
O revertido não é proprietário de bens imóveis, nem veículos automóveis, Não obstante, de acordo com a declaração de IRS relativa ao ano de 2018, última disponível, auferiu rendimentos da categoria A no valor de € 110.314,16, cuja entidade pagadora foi SPDH S. P. H. S A, NiF 506… e € 16.500,00, pagos por I. I. P. G. SA, NIF 500…..
Ainda assim, o requerente alegou não ter condições financeiras para que lhe seja concedido financiamento bancário, não tendo, contudo, feito prova de lhe não ter sido possível a obtenção de nomeadamente, garantia bancária, caução ou seguro caução. Poderia por exemplo, ter demonstrado a realização de diligências junto de entidades bancárias, e qual a resposta das mesmas às suas solicitações. Ou que a prestação de uma garantia deste tipo se traduziria num esforço financeiro incomportável.
Acresce que para além de referir que vive do seu trabalho e que tem 2 filhos, o contribuinte mais não alegou nem provou, nomeadamente quais são os seus encargos mensais.
Desta forma, tendo em conta os factos alegados pelo revertido e os elementos probatórios à disposição da AT, que resultam do seu sistema informático, conclui-se pela não verificação do requisito da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, nos termos do n.° 4 do artigo 52.° da LGT, fundamento alegado pelo contribuinte para a peticionada concessão de dispensa de prestação de garantia.
F) Conclusão
Tendo em conta o acima exposto, propõe-se que seja proferida decisão e posterior remessa ao SF de Lisboa 3, para notificação da mandatária do sujeito passivo, de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, por não estarem reunidos os respetivos pressupostos, previstos no n.° 4 do artigo 52.° da LGT.»

E) O despacho referido na alínea precedente foi notificado ao Reclamante, através da sua mandatária, pelo do ofício n° 4174, de 29-04-2020 (cf. Doc. 2, junto com a petição inicial).

F) O ora reclamante não tem imóveis inscritos em seu nome, nem veículos automóveis (facto não controvertido).

G) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa - 3 em 14-05-2020 (cf. carimbo aposto na p.i.).
*
Nada mais se provou com relevância para a decisão.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados que constam dos autos e do PEF apenso, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como sobressai das alegações do recurso, que definem o seu objecto, o que está em discussão é, agora, a questão de saber se a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia apresentado pelo Reclamante, aqui recorrido, está ou não de acordo com as normas de direito substantivo e adjectivo aplicáveis.

Defende o Recorrente, a nosso ver com razão adiantamos já, que da análise dos elementos disponíveis nos serviços da Administração tributária não pode concluir-se, como era pretensão do Reclamante, ora recorrido, que se verificavam os pressupostos legalmente exigíveis para que fosse deferido o seu pedido de dispensa de garantia (na pendência da oposição à execução).

Vejamos.

Dispõe o art.º 52.º da Lei Geral Tributária, no segmento pertinente:

«1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
3 – (…).
4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
5 – (…)».

Em harmonia com o preceituado na LGT, dispõe o n.º1 do art.º 169.º do CPPT que «A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente», o mesmo se aplicando, nos termos do seu n.º 12, «Se for apresentada oposição à execução».

De acordo com o n.º 3 do art.º 170.º do CPPT, «O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária».

A possibilidade de dispensa de garantia, prevista nos n.ºs 4 e seguintes do artigo 52.º da LGT, configura uma solução absolutamente excepcional de tutela dos interesses do executado e com forte prejuízo das garantias do crédito fiscal.

É esta manifesta excepcionalidade que justifica os únicos dois fundamentos em que a mesma pode assentar: "prejuízo irreparável (com a prestação de garantia)" e "manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis".

O pedido de dispensa deve ser fundamentado, de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (art.º 170/3 CPPT), norma que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória (cf., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Novembro de 2012, tirado no rec. n.º 1162/12), obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.

Do regime legal enunciado e dos factos que se extraem dos autos, podemos concluir com segurança que as normas mencionadas conferem à Administração Tributária uma margem de discricionariedade que lhe permite apreciar e decidir, em função de cada caso concreto, se o requerente está ou não em condições de beneficiar da dispensa que requer, sendo certo que, alegando o requerente que apenas dispõe do rendimento da sua actividade profissional e que tem dois filhos, impunha-se que ele também alegasse e demonstrasse quais eram os seus efectivos encargos e, tendo referido que não tinha condições para obter garantia bancária (financiamento), impunha-se que ele demonstrasse que tinha realizado diligências no sentido de a obter e que a mesma não lhe tinha sido concedida ou que os encargos associados lhe eram incomportáveis.

A inexistência de bens penhoráveis comprovada por diligências de inquisitório circunscreve-se aos bens sujeitos a registo (imóveis, automóveis…), mas como bem observa o Recorrente, o Reclamante poderá dispor no seu património de bens penhoráveis não sujeitos a registo, nomeadamente contas bancárias a cujos valores a AT não tem acesso por iniciativa oficiosa.

Competia ao requerente, nos termos do disposto no art.º 52.º n.º 4 da LGT ter demonstrado prejuízo irreparável com a prestação de garantia ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, ónus de que manifestamente não se desincumbiu.

A existência de indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado apresenta-se-nos, no caso, de relevância diminuta uma vez que não foi o fundamento da decisão de indeferimento.

Do que ficou dito, concluímos que ao indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia, o despacho reclamado não padece do vício de violação de lei, nomeadamente por violação do art.º 52.º n.º 4 da LGT.

A sentença recorrida, que diferentemente decidiu, incorreu em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica.

O recurso merece provimento.
*

O valor atribuído ao processo é de 295.417,32 Euros.

Dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.».

Trata-se, portanto, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art. 7º do mesmo Regulamento, depende de concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cf., neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 15/10/2014, tirado no proc. nº 01435/12.

Ora, constata-se que, no caso, a questão decidida não se revestiu de especial complexidade e que a sua apreciação reclamou uma tramitação processual simples, potenciada pela adequada conduta processual das partes.

Assim, considerando a concreta e casuística avaliação, assente nos supra apontados pressupostos que, no caso, se têm por verificados, a que acrescem ainda razões constitucionais de justiça e proporcionalidade, entende-se estar justificada a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no recurso, ao abrigo do disposto no nº 7 do artigo 6º do citado Regulamento, (que aproveita a ambas as partes), que oficiosamente se concede.



5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes-desembargadores da 2.ª Subsecção deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação improcedente.
ii. Dispensar as partes do pagamento do remanescente de taxa de justiça devida no recurso.

Custas a cargo do Recorrido em ambas as instâncias.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2021



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Vital Lopes





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Luísa Soares





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Tânia Meireles da Cunha