Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1365/09.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:DÍVIDAS À SEGURANÇA SOCIAL (COTIZAÇÕES).
CASO JULGADO.
Sumário:A excepção do caso julgado implica verificação da tripla identidade do pedido, da causa de pedir e das partes, no que respeita a certa questão. Não existe esta identidade quando as dívidas em execução objecto de oposição são distintas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão



I- Relatório

F............., melhor identificada nos autos, deduziu oposição à execução fiscal nº ............. e apensos e após ter sido citada por reversão e na qualidade de responsável subsidiária da sociedade “M............., Lda”, por dívidas de contribuições e cotizações para a segurança social dos anos de 2005 e 2006 no montante total de €9.225,95.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por sentença proferida a fls. 150 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 18 de Janeiro de 2016, julgou procedente a oposição e, consequentemente, determinou a extinção, quanto a ela, do processo de execução fiscal nº ............. e apensos.

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, interpôs recurso jurisdicional contra a sentença.

Nas alegações de fls. 185 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), o recorrente formula as conclusões seguintes:

«a. O Recorrente vem recorrer da douta sentença do Tribunal "a quo", que julgou procedente a oposição judicial, por provada a ilegitimidade da oponente, F..............

b. A Mm.ª Juiz de direito refere na douta sentença que « (...) a entidade exequente não fez qualquer prova sobre a gerência de facto( ...)»

c. A douta sentença refere ainda que a convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e ainda que não existem factos relevantes que importe destacar como não provados.

d. Face à prova documental produzida pelo Recorrente, aquando da contestação, não lhe resta outra alternativa, por forma ver a decisão revogada, que a interposição do presente recurso judicial.

e. Existiu, evidentemente uma desvalorização e um desprezo da prova documental produzida pelo Recorrente, sendo que a mesma era absolutamente fundamental para provar o pressuposto do direito à reversão, por parte do órgão de execução fiscal.

f. Ao contrário da interpretação dos factos feita pela Mm.ª Juiz do Tribunal "a quo", a prova documental carreada para os autos pelo Recorrente demonstra que a Recorrida exerceu a administração de facto e de direito na devedora originária.

g. Errou o Tribunal "a quo" ao concluir pela ilegitimidade da Recorrida, face à inexistência de prova por parte do Recorrente do ónus que sobre si impendia.

h. Ora, apesar do princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal, que decorre do art. 607.º n.º 5 do CPC, a realidade é que os meios de prova carreados para os autos pelas partes devem ser examinados e avaliados, a fim da sentença reproduzir a verdade material e a justiça no caso concreto.

i. O Recorrente carreou para os autos documentos que atestaram os factos expostos no seu articulado e que permitem concluir que a Recorrida desempenhou a função de gerente de direito e de facto na devedora originária.

j. Salienta-se que a partir de 31.10.2003, o gerente J............. foi exonerado da gerência, tendo a Recorrida ficado designada como a única gerente de facto e de direito.

k. O Recorrente, provou, através de certidão da Conservatória do Registo Predial e Comercial do Seixal a gerência de direito da Recorrida.

1. Através de atas, de documentos oficiais e de procuração forense outorgada em nome da sociedade, o Recorrente provou a gerência de facto da Recorrida.

m. Neste contexto e, impendendo sobre o Recorrente, nos termos do art. 24.º n.º1 alínea b) da LGT, o ónus do pressuposto do direito à reversão, através da prova da gerência de facto, a mesma foi conseguida.

n. Ao contrário do expresso pelo douto tribunal "a quo", o Recorrente provou, através de documentos assinados pela Recorrida, que a devedora originária desenvolvia o seu objeto social e era representada nos seus atos pela Recorrida.

o. Do exame dos documentos anexos à contestação, para fixação da matéria de facto, resulta evidente que os mesmos preenchem o conceito de atos típicos de gerência, ou seja existe uma atuação no interesse e por conta da sociedade, permitindo a realização do objeto da mesma.

p. O Recorrente considera que existiu uma falta de exame critico da prova produzida nos termos do art.607.º n.º 4.d CPC.

q. Claramente, a Recorrida é parte legítima nos autos, ao contrário do decidido pelo douto Tribunal " a quo", não só porque era gerente de direito à data do pagamento da obrigação contributiva, como também apunha a sua assinatura, na qualidade de pessoa física que representava a sociedade, o que a tornava gerente de facto.

r. Ora, a aposição da assinatura em documentos em nome da sociedade permitia que esta representasse a sociedade perante terceiros e que a mesma ficasse juridicamente vinculada, logo praticava atos típicos de gerência nos termos dos artigos 259.º e 260.º do CSC.

s. Demostrou o Recorrente, através da atas, que a Recorrida participava na condução dos destinos da sociedade.

t. Sem prejuízo de se afirmar que, em momento algum do pleito, foi identificado pela Recorrida quem efetivamente exercia a gerência de facto na devedora originária.

u. Não foi realizada prova pela Recorrida do pressuposto da culpa que sobre si impendia.

v. Em face do exposto, considera-se que a sentença judicial proferida pelo Tribunal " a quo" não pode vigorar no ordenamento jurídico.

w. O Recorrente considera que se está perante um erro de julgamento de matéria de facto, considerando que os documentos fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente aquela que foi proferida pelo Tribunal "a quo".

x. Considera o Recorrente que a Recorrida é parte legítima nos autos nos termos do art.153.º n.º 1 do CPPT e art.24.º n.º 1 alínea b) da LGT.

y. Nestes termos, não ocorre a verificação da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, logo deve a oposição ser considerada improcedente.


X

A Recorrida, F............., devidamente notificada para o efeito, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

Formula as conclusões seguintes:

A Recorrida viu julgada procedente a oposição apresentada, atenta a sua evidente ilegitimidade para a reversão.

Para tal decisão, o Tribunal a quo, ponderou e avaliou a prova produzida em juízo.

O mesmo Tribunal decidiu observando e valorando a prova, ao abrigo do princípio da apreciação da prova, aplicável por força do artigo 607.°, n.º 5 do Código de Processo Civil, doravante CPC, ex vi, alínea e) do artigo 2.° do CPPT.

Nenhuma prova, muito menos documental, foi feita que imputasse à Recorrida a prática de algum ato caracterizador das funções de gerência societária.

E era à Recorrente que cabia a prova de gerência de facto e Direito por parte da Recorrida.

Na verdade, essa prova seria a única forma de provar a responsabilidade subsidiária desta - tal é pacífico na jurisprudência, como se verifica no Ac. de V. Exas. De 27.11.2012

X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X


II- Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«A) - A sociedade M............., Lda, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Seixal em 21/12/1990 sendo constituída pelos sócios J............. e F............., pertencendo a gerência a ambos os sócios e obrigando-se a sociedade com a assinatura de um sócio gerente (cfr. fls. 15 do processo de execução fiscal em apenso).

B) - Em 24/09/2004 foi registada na Conservatória do Registo Comercial a transmissão das quotas da sociedade mencionada na alínea anterior, a favor de F............., por partilha subsequente a divórcio (cfr. fls. 50/53 do apenso).

C) - Em 27/12/2006 foi instaurado o processo de execução fiscal nº ............. e apensos em nome de M............., Lda., por dívida de cotizações de diversos períodos de 2005, 2006 e 2007 no montante de € 9.225,95 (cfr. processo executivo em apenso).

D) - Com data de 29/06/2009 foi emitido o projecto de reversão contra F............. na qualidade de responsável subsidiária pela dívida exequenda no montante de € 9.225,95 relativa ao processo de execução fiscal nº ............. e apensos (cfr. fls. 66/67 do apenso).

E) - Em 23/07/2009 foi proferido despacho de reversão contra F............. com os fundamentos que a seguir se transcrevem “(…) Da consulta ao IDQ/CDF, a sociedade não tem bens imóveis inscritos na sua titularidade.
Em 08 de Maio de 2008 foram penhorados nos autos de execução nº ............. e apensos os veículos de matrícula ......... e .......... Todavia a Esquadra de Transito do Seixal não localizou os veículos, conforme informação veiculada em 22 de Outubro de 2008, pelo que não são susceptíveis de venda e a existirem o seu valor é manifestamente insuficiente Conservatória do Registo Predial e Comercial do Seixal e do Sistema Informático de Segurança Social afere -se que é gerente no período referente às dívidas constantes das certidões que deram origem aos processos:
- F........., NIF ........
II -Da Reversão:
1. Em 30 de Junho de 2009, foi expedida pela Secção de Processo Executivo a notificação para audiência prévia, devidamente acompanhada do projecto de decisão – reversão para a gerente supra identificada de harmonia com o disposto no art. 23º, nº 4 e art. 60º da Lei Geral Tributária e art. 153º do CPPT.
2. Em 03 de Julho de 2009, foi efectivada a notificação. Todavia a responsável subsidiária não veio exercer o direito de audição no prazo de 10 dias que lhe foi concedido.
3. Face à matéria factual supra exposta consideram-se reunidos os pressupostos contemplados no nº 2 do art. 153º do CPPT.
III-Conclusão:
O processo tramita para a fase de citação em reversão do responsável subsidiário, nos termos do art. 160º do CPPT, art. 22 e art. 23º da LGT. Assim, proceda-se à citação nos termos do art. 160º do CPPT em fase de reversão, da revertida: F............., NIF ........” (cfr. fls. 88/89 do apenso).

F) - A ora oponente foi citada por reversão em 29/07/2009 (cfr. assinatura do aviso de recepção de fls. 95 do apenso).

G) - Em 28/09/2009 deu entrada nos serviços da segurança social a petição de oposição (cfr. fls.99 do apenso)

H) – Em 06/10/2009 foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade “M............., Lda.” pelo 4º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa (cfr. fls. 129 do apenso).


* *

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo acima expressamente referidos em cada uma das alíneas do probatório.

* *

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.»

Compulsados os autos, impõe-se rectificar a alínea D) do probatório, da qual passa a constar o seguinte:

« D) - Com data de 23/07/2009 foi emitido o projecto de reversão contra F............. na qualidade de responsável subsidiária pela dívida exequenda no montante de €12.812,58  relativa ao processo de execução fiscal nº ............. e apensos (cfr. fls. 63 do apenso)».


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
I) Em 08.01.1991, a oponente e o outro sócio-gerente da sociedade devedora originária, J............., assinaram, nessa qualidade, a declaração de início de actividade da sociedade devedora originária – fls. 63/65.
J) A sociedade devedora originária tinha por objecto o comércio de actividades hoteleiras e similares – artigo 2.º da escritura de constituição e declaração de início de actividade.
K) Em 23.01.2004, J............. cessou as funções de gerente da sociedade – fls. 148/153, do pef.
L) Em 16.02.2004, na Assembleia da sociedade devedora originária, cujo ponto de ordem era: “Mencionar quem exerce de facto a gerência à data actual e a respectiva remuneração mensal”, a sócia, F............., afirmou que, «para os devidos efeitos, quem exerce de facto a gerência, à data actual, é a ela própria…» - acta n.º 20, fls. 75.
M) Em 20.04.2006, através de assembleia geral da sociedade, estando presente a única sócia gerente foi determinada a mudança da sede social da mesma para o Rio Sul Shopping, Arrentela, Seixal – fls. 76.
N) Com data de 02.09.2009, a oponente assinou em nome da sociedade devedora originária procuração forense – fls. 11.
O) As dívidas objecto do despacho de reversão referido em E) são as seguintes (fls. 94 do pef):

«imagem no original»

P) Em 19.02.2015, o TCAS proferiu acórdão no P. 1366/09.2BEALM, que negou provimento ao recurso interposto pelo oponente e confirmou a sentença recorrida, que havia julgado improcedente a oposição deduzida pela oponente contra a execução fiscal n.º ........ e apensos, instaurada contra “M.............” e revertida contra a oponente por dívidas à segurança social dos anos de 2004 a 2007, no montante global de €27.254,59 – doc. junto aos autos e sitaf.
Q) O acórdão referido transitou em julgado – sitaf.
R) A questão da alegada duplicação de colecta foi julgada improcedente pelo acórdão referido, com base na argumentação seguinte:
«Na conclusão 2 invoca o recorrente que resulta dos autos que há duplicação parcial de colecta, resultante da duplicação de liquidação de contribuições e de cotizações, supondo-se que isto vem na sequência do expendido na decisão sobre o invocado na pi relativamente a dívidas de contribuições constantes das certidões referidas em 15 do probatório, à excepção da n° 640285/2006.
A propósito dessa questão expendeu-se na decisão:
“Para que seja possível afirmar que estamos perante uma situação de duplicação de colecta é necessário que estejam reunidas as condições do art. 205°, n° 1 do CPPT, ou seja: Unicidade dos factos tributários, identidade da natureza da contribuição ou impostos e coincidência temporal dos mesmos.
Vejamos o que acontece no caso dos autos.
No processo de execução fiscal n° ............. e apensos que correm termos na Secção de Processo Executivos de Setúbal do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP., por dívidas de Cotizações do período de 12/2005, no montante de € 2.003,18 em que é executada a sociedade comercial por quotas sob a firma M............., Lda.. No processos apensos os processos executivos n° ........ é referente a cotizações de 06/2006 e 08/2006; ........ é referente a cotizações de 09/2006 e 11/2006; ........ referente a cotizações de 02/2005, 12/2006 e 02/2007; ........, referente a contribuições de 12/2005; ........ referente a contribuições de 05/2006, 07/2006 e 09/2006; ........ referente a contribuições de 09/2006 e 11/2006 e ........ referentes a contribuições de 08/2004, 09/2006 e 01/2007 no montante global de € 27.254,59.
Assim sendo e muito embora existam períodos coincidentes a verdade é que uns respeitam a cotizações e outros a contribuições pelo que não se verifica nenhuma duplicação de colecta
Para a decisão não há duplicação de colecta por umas dívidas serem de cotizações e outras de contribuições, mas isto resulta da grande confusão que pairou no processo, nomeadamente, na decisão que considerou as dívidas referidas em 5 do probatório, quando a oposição só se refere às dívidas referidas em 14 do probatório (veja-se o despacho de reversão a que se referem os n°s 10 e 14 do probatório) e que são as que resultam das certidões referidas em 15 do probatório, sendo que só relativamente a algumas destas de contribuições é que foi invocada a duplicação de colecta. E a invocação não satisfaz o preenchimento dos requisitos legais constantes do n° 1 do art. 205 do CPPT para que se verifique o fundamento de oposição previsto na al. g) do n° 1 do art. 204 do CPPT.
É que só haverá duplicação de colecta para efeitos do art. 204 do CPPT quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo (cfr. art. 205 n° 1 do CPPT). É, assim, um dos pressupostos da duplicação de colecta, a coincidência temporal do imposto pago e o que de novo se pretende obter e, no caso concreto, a oponente, ora recorrente, nem sequer invoca o pagamento de qualquer das contribuições, pelo que a simples invocação da duplicação de liquidação de contribuições e ou de contribuições e de cotizações não configura a figura da duplicação de colecta como fundamento de oposição à execução. A haver duplicação de liquidações em execução tal não constitui fundamento de oposição previsto no art. 204 do CPPT.
Improcede, pois, a invocada duplicação parcial de colecta como fundamento de oposição à execução».
S) Com o ofício de citação referido em F), foi remetido mapa com discriminação dos valores em divida (referido em O), seja no que respeita às cotizações em dívida, seja no que respeita aos juros de mora, os quais são reportados a cada quantia exequenda por período, sendo a dívida total de €12.890,89 – fls. 86/94, do pef.

X


2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida, no que respeita à asserção de que não foi feita a prova do exercício da gerência efectiva por parte da oponente, durante o período relevante.

2.2.2. Para julgar procedente a presente oposição, a sentença considerou não estar demonstrado nos autos o pressuposto do exercício da gerência efectiva. Estruturou em síntese, a argumentação seguinte:
«Ora no caso em apreço verifica-se que a entidade exequente não fez qualquer prova sobre a gerência de facto como um dos pressupostos da reversão como resulta do teor do despacho de reversão (cfr. alínea E) do probatório). // Não se mostrando preenchido um dos pressupostos para que lhe possa ser imputada a responsabilidade subsidiária pelo pagamento das dívidas - o exercício da gerência da sociedade executada originária - forçoso é de concluir que efectivamente a oponente é parte ilegítima no processo executivo, de acordo com as normas acima referidas, ficando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados».

2.2.3. O recorrente considera que a sentença incorreu em erro de julgamento, porquanto considera que existem elementos nos autos que comprovam o exercício da gerência efectiva por parte da oponente.

Apreciação. Nos presentes autos, está em causa a reversão da execução contra a oponente por dívidas à Segurança Social, dos anos de 2005, 2006 e 2007 (alínea C), do probatório).

Seja no quadro do regime do artigo 13.º do CPT, seja no âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente.

A este propósito de referir cumpre que «[c]omo resulta da regra geral de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à gerência de facto. Por outro lado, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função. Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)» [1]. Mais se refere que: «compete à AT invocar como fundamento da reversão que o revertido exerceu efectivas funções como gerente no período a considerar. Se o não fizer, e se limitar a invocar a gerência de direito como fundamento da reversão, não pode o tribunal com competência para o julgamento da matéria de facto inferir a gerência efectiva da gerência de direito. [N]ão pode a Fazenda Pública pretender, ao abrigo da referida presunção judicial – que não constitui mais do que a possibilidade do uso das regras da experiência concedida ao julgador no julgamento da matéria de facto -, que ao abrigo dessa possibilidade concedida ao julgador, que fica dispensada de alegar essa gerência efectiva, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do artigo 24.º da LGT»[2]. Existe gerência de facto «quando alguém – ainda que de modo esporádico e apenas em relação a um único pelouro da empresa – exterioriza de algum modo a representação da vontade social por meio de actos substantivos e materiais, vinculando terceiros» [Ac. do TCA Sul, de 09.02.99, P. 00227/97]. O que importa não é a relação jurídico-civil entre o oponente e a sociedade, mas antes a relação entre ele a vida da sociedade, a ponto de se poder comprovar a imediação entre a vontade por si externada e a vontade a imputável à sociedade e, como consequência, aferir do grau de censurabilidade que a sua actuação implicou para a garantia patrimonial dos credores da mesma. Por outras palavras, o que releva é o exercício de representação da empresa face a terceiros (credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado. Se é verdade que «[d]a nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade; // Contudo, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados»[3].

Dos elementos coligidos nos autos resulta que a oponente exerceu a gerência de facto no período relevante (2005 a 2007)[4]. Pelo que a sentença recorrida ao decidir em sentido discrepante, incorreu em erro de julgamento, devendo ser revogada e substituída por decisão que não julgue procedente aa oposição com base em tal fundamento.

Termos em que se jugam procedentes as presentes conclusões de recurso.

Havendo elementos nos autos e uma vez observado o contraditório prévio (ofícios de 22.09.2020), cumpre conhecer, em substituição, dos demais fundamentos da oposição.

2.2.4. Ambas as partes proferiram alegações complementares. A recorrida/oponente pugnou pela manutenção do julgado na instância. No final reiterou o alegado em sede de contra-alegações de recurso. Por seu turno, o recorrente, nas alegações complementares, formulou conclusões seguintes:
a) Encontram-se reunidos os pressupostos legais constantes do artigo 24.º n.º1 alínea b) da Lei Geral Tributária, ou seja a Recorrida é gerente de facto responsável pelas dividas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminada no período do exercício do seu cargo.
b) Cabendo, por força do disposto no mesmo normativo legal, ao responsável subsidiário a prova de que não foi por sua culpa que tais pagamentos não foram efetuados, não tendo a mesma ilidido a presunção de culpa na falta de pagamento da dívida.
c) Pelo contrário, a prova documental carreada para os autos pela Recorrente demonstra que a Recorrida exerceu a administração de facto e de direito na devedora originária.
d) Saliente-se que, em 31 de outubro de 2003 foi efetuada a cessação de funções de gerente, do marido da oponente, J........, tendo a Recorrida adquirido as suas quotas, conforme resulta da Certidão da Conservatória do Registo Predial/Comercíal do Seíxal.
e) Através das atas, de documentos oficiais e de procuração forense outorgada em nome da sociedade, a Recorrente provou a gerência de facto da Recorrida.
f) A Recorrente considera que existiu uma falta de exame critico pelo Tribunal "a quo" da prova produzida, nos termos do artigo 607º, n° 4 do Cód.Proc.Civil.
g) Demonstrou a Recorrente, através das atas, que a Recorrida participava na condução dos destinos da sociedade, de acordo com o disposto nos artigos 259º e 260º do Cód.Soc.Comerciais.
h) Considera a Recorrente que a Recorrida é parte legítima nos autos, nos termos do estipulado no artigo 153º, nº 1 do CPPT e no artigo 24º, nº 1 alínea b) da LGT.
i) Portanto, não ocorre o fundamento da oposição previsto no artigo 204º nºl alínea b) do CPPT.
j) Finalmente, deverá ser considerada provada a exceção perentória do caso julgado, em face de se tratar de uma repetição de uma ação, que correu termos sob o Proc. Nº 1366/09.2BEALM (Recurso Nº 07897/14), datado de 19 de fevereiro de 2015, proferido pelo TCA Sul, e que considerou a oposição totalmente improcedente.

Apreciação. A excepção do caso julgado, prevista nos artigos 580.º e 581.º do CPC, tem por função «proibir que o tribunal da segunda acção, dada a sua vinculação ao caso julgado da decisão transitada, profira uma decisão contraditória com a anterior, como a de obviar que esse órgão seja obrigado, numa situação de identidade de causas a repetir a decisão transitada»[5].

A este propósito, é ponto assente o de que:
i) «Ocorrido tal trânsito em julgado, a força obrigatória do decidido assume uma dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado; // tal efeito negativo traduz-se, por via da excepção dilatória de caso julgado, numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão, traduzindo-se o efeito positivo ou autoridade do caso julgado na vinculação das partes e do Tribunal a uma decisão antecedente;»[6].
ii) «A função negativa do caso julgado material está inerente à excepção de caso julgado, consubstanciando-se no impedimento de a mesma causa ser apreciada pelo Tribunal numa nova acção. // Já a função positiva respeita à chamada autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão»[7]

No caso em exame, verifica-se que, na petição de oposição, foi invocada a duplicação de colecta, com base no facto de haver certidões de dívidas relativas ao mesmo período de tempo. Alegação que consta também da petição inicial do P. 1366/09.2BEALM. Sucede, porém, que, apesar da identidade de partes, o pedido e a causa de pedir são distintos, dado que no Acórdão proferido no P. 1366/09.2BEALM estão em causa as dívidas cobradas através da execução fiscal n.º ........ e apensos, instaurada contra “M.............” e revertida contra a oponente por dívidas à segurança social dos anos de 2004 a 2007 (contribuições), no montante global de €27.254,59. Por seu turno, nos presentes autos, estão em causa as dívidas referidas na alínea O), do probatório (cotizações devidas à Segurança Social – anos de 2005 a 2007).

Pelo que o efeito preclusivo da autoridade do caso julgado não opera dado estarmos perante pedidos e causas de pedir distintos, uma vez que incidem sobre dívidas em execução distintas.

Cumpre, pois, apreciar os demais fundamentos da oposição, os quais consistem na alegada duplicação de colecta (artigos 15.º a 19.º) e na falta de discriminação das datas em que se vencem os juros de mora (artigos 20.º e 21.º).

2.2.5. No que respeita à invocação da duplicação de colecta, a recorrida invoca que estão em causa os mesmos factos tributários (cotizações) e, em alguns casos, o mesmo período de tempo.

Apreciação. Os requisitos da duplicação de colecta constam do artigo 205.º/1, do CPPT: «[h]averá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma pessoa ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo».

«A finalidade da duplicação de colecta é impedir que seja repetida a cobrança de um mesmo tributo. // A duplicação de colecta resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta»[8].

«De acordo com o artigo 205.º do CPPT, existe duplicação de colecta quando: i)  um tributo esteja pago por inteiro e ii)  outro tributo de igual natureza seja exigido à mesma ou a diferente pessoa, desde que este segundo tributo seja iii)  referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo»[9].

No caso em exame, estão em cobrança dívidas de cotizações discriminadas na alínea O), do probatório, pelo que não existe nenhuma sobreposição temporal em relação às dívidas em presença. Não se verifica, pois, o alegado vício da duplicação de colecta.

Termos em que se impõe julgar improcedente a presente imputação.

2.2.5. A recorrida invoca também a falta da indicação da data a partir da qual são devidos juros de mora, como vicio do título dado à execução.

Apreciação.  Os requisitos dos títulos executivos constam do preceito do artigo 163. º do CPPT[10]. «No título executivo deve ainda indicar-se a data a partir da qual são devidos juros de mora e a importância sobre que incidem, devendo, na sua falta, esta indicação ser solicitada à entidade competente» (n.º 2).

Como resulta do probatório (alínea S), a dívida exequenda (incluindo os juros de mora) foi comunicada à oponente, através do oficio de citação, de forma discriminada. Podendo a oponente solicitar ulteriores esclarecimentos ao órgão de execução. Pelo que o apontado vício de nulidade do título executivo não se comprova nos autos.

Termos em que se impõe julgar improcedente a presente alegação.


DISPOSITIVO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a oposição.

Custas pela recorrida em ambas as instâncias.


(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta)



 (2ª. Adjunta)



[1] Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente, I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pp. 45/64, maxime, p. 53/54.
[2] Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente … cit., p. 56/57.

[3] Ac. do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10.
[4] Alíneas I) a N), do probatório.
[5] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, p. 575.
[6] Acórdão do TRL, de 11.12.2019, P. 2677/08.0TVLSB-B.L1-2

[7] Acórdão do TCAS, de 18-12-2019, P.66/17.4BCLSB
[8] Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, Vol. III, 6.º Ed., p. 526.

[9] Acórdão do STA, 30.10.2019, P. 01225/09.9BEPRT

[10] Estabelece o n.º 1, que: «São requisitos essenciais dos títulos executivos: // a) Menção da entidade emissora ou promotora da execução; // b) Assinatura da entidade emissora ou promotora da execução, por chancela nos termos do presente Código ou, preferencialmente, através de aposição de assinatura electrónica avançada; // c) Data em que foi emitido; // d) Nome e domicílio do ou dos devedores; // e) Natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante».