Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11507/14
Secção:
Data do Acordão:01/15/2015
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:DOPING, PROCESSO DISCIPLINAR, PRAZO
Sumário:I - O prazo legal e regulamentar de 60 dias previsto no artigo art. 57°, nº 3, da Lei nº 27/2009, é um prazo meramente ordenador e disciplinador do andamento do processo, cujo incumprimento não acarreta consequência jurídica alguma, designadamente a da extinção do poder disciplinar.

II - O legislador pretendeu apenas sinalizar claramente que o processo disciplinar por violação das normas antidopagem deverá correr célere. A eventual inobservância daquele prazo não acarreta a extinção da responsabilidade disciplinar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

· RODRIGO …………….. intentou

Processo cautelar contra

· FEDERAÇÃO PORTUGUESA ………………...

Pediu ao T.A.C. de LISBOA o seguinte:

- Suspensão de eficácia da deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de ............. (de ora em diante, CD-FPF), que aplicou ao mesmo, em primeira instância, a sanção disciplinar de suspensão da atividade desportiva por um período de quatro anos,

- Suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Jurisdicional da Federação Portuguesa de ............. (abreviaremos, apenas por economia, por CJ-FPF) que, em sede de recurso, manteve totalmente, o juízo alcançado pelo citado CD-FPF.

*

Por sentença de 23-7-2014, já no âmbito do artigo 121º do CPTA, o referido tribunal decidiu julgar improcedente o pedido principal (anulação ou a declaração de nulidade destas deliberações, bem como de todos os atos consequentes destas e a condenação da R. na adoção dos atos e operações materiais necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato impugnado não tivesse sido praticado) e absolver do mesmo a ré.

*

Inconformado, o a. recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes longas conclusões:

«(…)»

*

A recorrida contra-alegou, concluindo:

«(…)»

*

O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência. Teremos presente o seguinte: (i) o primado do Estado democrático e social de Direito material, num contexto de uma vida política e económica submetida ao Bem Comum e à suprema e igual Dignidade de cada pessoa; (ii) os valores ético-jurídicos do ponto de vista da nossa Lei Fundamental e os princípios ou máximas estruturais vigentes, como os da Juridicidade, da Igualdade e da Proporcionalidade.

*

Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas).

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido

1

0 Requerente é praticante de ............., encontrando-se inscrito na Federação Portuguesa de ............., com a Licença n.° ……. e na época desportiva 2011/2012 no "Real ………." corno jogador da classe de amador, na categoria de júnior "A" em ............. de onze, masculino (cfr. listagem de inscrição constante do processo administrativo).

2

Em cumprimento da determinação legal expressa no art.12° da Lei 27/2009, a FPF aprovou e fez publicar o seu Regulamento Antidopagem, em vigor desde 17-6-2010, no preâmbulo do Regulamento, publicado no Comunicado Oficial da FPF n°470, de 17/06/2010, pode-se ler:

"Tendo em consideração que o Regulamento Antidopagem da Federação Portuguesa de ............. foi aprovado e registado pela Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) em 11 de Junho de 2010, nos termos e para os efeitos do Artigo 47° n° 1 al. e) dos Estatutos da FP.., o Conselho de Justiça emitiu Parecer positivo á publicação do citado Regulamento, concluindo este Conselho que, face à revogação expressa do Decreto-Lei no 183/97, de 26 de Julho, operada por força da publicação da Lei no 27/2009 de 19 de Junho, da Convenção Contra o Doping, aprovada pelo Decreto-Lei 2/94 de 20 de Janeiro, da Convenção Internacional contra a Dopagem no Desporto (Convenção da UNESCO) aprovada pelo Decreto n°4-A/2007 de 20 de Março, do Código da Agencia Mundial Antidopagem (WADA) e das normas da FIFA aplicáveis, o anterior regulamento Antidopagem da FPF foi também ele objeto de revogação, verificando-se, face aos normativos expressos, urna lacuna na ordem interna jurisdicional da Federação."

3

A Requerida instaurou procedimento disciplinar contra o Requerente.

4

Deduziu contra o Requerente nota de culpa com data de 11 de Junho de 2012 nos termos e com os fundamentos constantes do de fls. 49 a 55 do processo administrativo, que aqui se da por integralmente reproduzida, sendo o seguinte o seu teor:

«(…)»

5

0 Requerente foi notificado da nota de culpa (fls.46 a 56 do Proc. instrutor 105).

6

0 Requerente apresentou tempestivamente defesa escrita no procedimento disciplinar, juntando documentos e arrolando testemunhas, nos termos da defesa escrita que consta de fls. 58 a 68 do processo administrativo instrutor e que aqui se dá por integralmente reproduzidos, nela tendo escrito, designadamente, o seguinte:

«(…)»

7

Foi o Requerente notificado para a diligência de inquirição de testemunhas (fls. 145 e 146 do Proc.105), a qual foi adiada a seu pedido (fls.147 a 151 do Proc.105).

8

As testemunhas arroladas pelo Requerente foram ouvidas nos termos dos autos de declaração que constam a fls. no processo administrativo instrutor e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

9

O Requerente não foi notificado do relatório final com data de 24 de Maio de 2012, apenas tendo conhecimento da sua existência no momento da notificação da deliberação proferida pelo Conselho Disciplinar).

10

Por deliberação do Conselho de Disciplina da Requerida com data de 17 de Agosto de 2012 foi decidido condenar o Requerente em pena de suspensão da atividade desportiva por quatro anos, nos termos e com os fundamentos de fls. 200 a 205 do processo administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

«(…)»

11

Foi o Requerente notificado, na pessoa do seu Mandatário forense, dos atos processuais referentes ao recurso por ele interposto para o Conselho de Justiça (fls.59 a 61 e 65 do Proc.06).

12

0 Requerente, não se podendo conformar com a deliberação do CD-FPF, dela interpôs recurso para o CJ-FPF.

13

Por deliberação do Conselho de Justiça da Requerida com data de 11 de Outubro de 2012 foi decidido negar provimento ao recurso e confirmar pena de "suspensão da atividade desportiva por quatro anos", nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 213 a 226 cujo teor se da por integralmente reproduzido.

14

0 Requerente foi enviando e juntando ao processo disciplinar análises para a deteção de canabinoides na urina, com resultado de "não detetável", efetuadas por sua iniciativa, na Clínica …………….., a primeira datado de 2 de Maio de 2012 e a última datada de 09.06.2012 (cfr. fls. 71 a 83 do processo administrativo instrutor n° 105).

*

Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e para, de modo facilmente sindicável, apreciarmos o seu mérito.

Vejamos, pois.

A)

INTRODUÇÃO

No essencial, o recorrente foi condenado pela FPF na cit. pena disciplinar pelos factos de (i) ter recusado fazer análises antidoping e (ii) simultaneamente ter tentado corromper o médico que as iria fazer no atleta ora recorrente.

Está em causa uma sentença adotada depois de recurso pelo tribunal ao artigo 121º do CPTA, em sede de processo impugnatório.

O tribunal decidiu em 6-6-14: «Considerando o Tribunal que se encontram reunidos os requisitos para o efeito, quer o requisito substancial previsto na primeira parte do n° 1 do artigo 121° do CPTA, (pelas razões expostas no despacho de fls. 1064 já oportunamente notificado às partes (1)), quer o requisito processual previsto na segunda parte do mesmo preceito (por se entender que os autos contêm todos os elementos necessários para o efeito, não se mostrando necessário produzir prova testemunhal), decide-se antecipar o juízo sobre a causa principal».

Depois, em 23-7-2014, decidiu absolver a ré do pedido feito na ação principal, de anulação da deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de ............. (de ora em diante, CD/FPF), que aplicou ao mesmo, em primeira instância, a sanção disciplinar de suspensão da atividade desportiva por um período de quatro anos, e ainda, a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Jurisdicional da Federação Portuguesa de ............. (abreviaremos, apenas por economia, por CJ/FPF) que, em sede de recurso, manteve totalmente o juízo alcançado pelo citado CD/FPF.

Vejamos, pois.

B)

DO EFEITO DO RECURSO

Como resulta do disposto nos artigos 143º/2 e 121º do CPTA, o efeito do recurso contra a decisão (datada de 18-2-2014 e 6-6-2014) de antecipar o juízo sobre a causa principal é, logicamente, meramente devolutivo, por força do âmbito e da lógica do instituto previsto no cit. artigo 121º.

Cfr., assim, MÁRIO AROSO/C.CADILHA, Comentário ao CPTA, 3ª ed., pp. 823-827; MÁRIO AROSO, Manual de Processo Administrativo, pp. 495-496.

Além disso, os nº 4 e nº 5 do artigo 143º do CPTA só têm aplicação nos casos em que o efeito meramente devolutivo resulta de decisão do juiz e não, como no caso presente, nos casos em que o efeito meramente devolutivo resulta de imposição da lei.

Cfr., assim, MÁRIO AROSO/C.CADILHA, Comentário ao CPTA, 3ª ed., p. 943.

Portanto, o recorrente não tem razão.

C)

DO ARTIGO 121º/1 do CPTA, DO DIREITO À PROVA e DOS FACTOS DA P.I.

O recorrente invoca, contra a decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal, que (i) o tribunal deveria então ter deferido liminarmente a providência cautelar pedida, ao abrigo do artigo 120º/1/b) do CPTA, (ii) que violou o nº 1 do artigo 121º CPTA (os requisitos não se verificariam), e (iii) que se deveria ter feito produção da prova testemunhal, pericial e por declarações de parte, em obediência ao seu direito à prova.

Vejamos.

São requisitos da antecipação no processo cautelar do juízo sobre a causa principal:

-manifesta urgência na resolução definitiva do caso (atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos);

-a situação não se compadece com a adoção de uma simples providência cautelar;

-que tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito.

Já atrás transcrevemos o teor do despacho a antecipar o juízo principal.

Quanto a este despacho, na verdade, o recorrente não afirma que a natureza das questões e a gravidade dos interesses envolvidos impõem o afastamento da figura regulada no artigo 121º CPTA.

Também não põe em crise a conclusão do tribunal a quo de que a situação não se compadece com a adoção de uma simples providência cautelar.

Neste contexto, não se aceita, porque não tem sentido, a invocação de que então se deveria ter deferido liminarmente a providência cautelar pedida, ao abrigo do artigo 120º/1/b) do CPTA. São aspetos distintos. Uma coisa é haver fumus boni iuris e periculum in mora, outra é haver condições para se conhecer do pedido principal num contexto de manifesta urgência na resolução definitiva do caso e insuficiência da tutela cautelar.

Finalmente, não se concorda com a tentativa do recorrente de ligar a este ponto o tema das provas. Não tem sentido. A prova interessa para demonstrar os factos relevantes, seja nesta causa principal, seja no processo disciplinar. Não existem quaisquer factos relevantes que faltasse instruir (probatoriamente) no p.d. ou no processo administrativo.

O que o recorrente refere no recurso, sobre esta questão factual e probatória, não tem interesse algum para a demonstração do todo do ilícito disciplinar em causa e tem, aliás, muito pouco de factual.

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

D)

DOS ALEGADOS ERROS DE JULGAMENTO DE FACTO (na decisão da causa principal)

Segundo o recorrente, a sentença de 23-7-2014 (i) contém factualidade insuficiente e (ii) a fundamentação da matéria de facto é obscura ou insuficiente.

Vejamos.

Esta questão parece misturada com parte da anterior respeitante às provas. Ainda assim, cabe apreciá-la no contexto já da decisão da causa principal.

Como já dissemos, a prova interessa para demonstrar os factos relevantes, seja nesta causa principal, seja no processo disciplinar. Não existem quaisquer factos relevantes que faltasse instruir (probatoriamente) no p.d. ou no processo administrativo. Não faltam na sentença quaisquer factos relevantes.

Por outro lado, quanto à fundamentação da matéria de facto, de base documental, ela nada tem de obscuro ou insuficiente. Está lá tudo o que de relevante resulta dos documentos dos autos.

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

E)

DOS ALEGADOS ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO (na decisão da causa principal)

E.1)

A sentença recorrida apreciou, expressa e claramente, uma a uma, as ilegalidades imputadas pelo A./recorrente contra o ato punitivo. E fê-lo muito bem, com inteiro acerto.

Como se disse na sentença, a defesa que o arguido apresentou no p.d. não pôs em causa a factualidade que está na base da sua condenação; o ora recorrente nunca negou sequer os factos do ilícito disciplinar por que foi acusado e condenado (cfr. artigo 3º/2/d)/e) da Lei nº 27/2009); o que tentou foi obter um justificativo para essa factualidade.

A alegação do Requerente de que, aquando do ato da recolha de amostra, em 24 de abril de 2012, não se encontrava consciente e de que, portanto, terá agido de forma não livre ou voluntária, não pode colher, pois nada do que o Requerente descreve permite tal conclusão: o Requerente confessou a troca da urina e a recusa em se submeter a controlo.

Quanto à questão da data da primeira análise ou do teste feito por iniciativa do Requerente, que o relatório do Conselho de Disciplina refere ter ocorrido em 26 de maio de 2012, não é verdade que tal relatório dê qualquer relevo à circunstância por si referida de tal teste ter ocorrido em 26 de Maio de 2012 (e não em 2 de maio), pois a realização desse teste não tem relevo, fosse qual fosse a data em que tivesse ocorrido, pois, repete-se, o motivo da condenação não tem a ver com o facto de o Requerente se encontrar dopado, mas com a circunstância de este se ter esquivado á análise que lhe foi pedida no dia 24 de abril de 2012 e por ter ludibriado a entidade requerida. A essência da condenação do Requerente não tem a ver com a existência, ou não, de substâncias dopantes no seu organismo, no dia 24 de abril de 2012. Mas, sim, com a circunstância de se ter esquivado e ludibriado o controlo da sua possível existência no seu organismo.

Daí ser irrelevante a alegação do Requerente quanto ao que vem referido no relatório sobre que este havia mentido relativamente ao receio de ser detetado na análise uma inalação passiva e ser impertinente a alegação de que a sua condenação assenta numa mera presunção de que o mesmo havia voltado a consumir estupefacientes da mesma natureza.

Pelo que se não verifica o vício de erro nos pressupostos de facto, nem a violação dos princípios constitucionais da culpa.

E.2)

Por outro lado, segundo o recorrente, o ato punitivo assenta na verificação da infração prevista no artigo 11°, n.° 1, do R.Ad./F.P.F. e não no n.° 2 da mesma disposição; portanto, o Requerente viria condenado na forma consumada do ilícito disciplinar e não na sua forma tentada, a que corresponderia, de acordo com os princípios gerais, a particulares pressupostos de punição e a uma pena especialmente atenuada (cfr. arts. 21.° a 24.° do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento Disciplinar da FPF, doravante R.D./FPF); ora, ao decidir assim, sem levar em linha de conta o que se apura a partir dos autos e das próprias decisões - do C.D./F.P.F. e do CJ./F.P.F. -, onde seria notório que o Rodrigo Almeida não consumou a adulteração, antes a teria tentado, a única subsunção possível, teria que levar em linha de conta o n° 2 desse artigo 11° do R.Ad./F.P.F., único fundamento normativo para punir a tentativa; com o que de atenuante essa configuração acarretaria, mesmo em termos sociais, pelo que, também por esta via, a decisão punitiva seria ilegal e enfermaria de erro sobre os pressupostos de direito na aplicação da norma contida no artigo 11.° cit., tendo ainda violado os arts. 21.° a 24.° do Código Penal, aplicáveis ex vi do artigo 7.°, n.° 1, do R.D.

Invoca, ainda o Requerente, a inexistência de norma antidopagem e sancionatória e a nulidade das normas do regulamento antidopagem por violação de norma de natureza hierárquica superior e, ainda, a inconstitucionalidade das normas do regulamento antidopagem por ausência de menção de norma de habilitação legal.

Ora, mais uma vez se repete que o ilícito disciplinar que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado foi o facto de se ter esquivado e ludibriado a entidade requerida, o que o Requerente fez na forma consumada. Nada mais.

Pelo que a qualificação do ilícito está corretamente feita no ato punitivo impugnado. A infração praticada constitui desrespeito pelas regras plasmadas nas alíneas d) e e) do n.° 2 do art. 3° da Lei 27/2009- Regime Jurídico da Luta Contra a Dopagem no Desporto (2), só revogado a partir de 2-9-2012 pela Lei 38/2012 de 28-ag.(com texto igual nos arts. 3°, n.°1 e 11°, n.°1, do Regulamento Antidopagem da FPF).

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

E.3)

Por outro lado, a sanção que lhe foi aplicada resulta, muito corretamente, do disposto no art. 54°, n. 3, do Regulamento Antidopagem, por violação do disposto no art. 11 °, n.1, do mesmo Regulamento. A previsão normativa do cit. art. 54° n.3 do Reg. Antidopagem tem evidente correspondência, praticamente ipsis verbis, com o disposto no art. 60°, n. 3, da Lei 27/2009. (3) Foi esta a norma punitiva aplicada. E foi-o corretamente, porque se verificavam os seus pressupostos.

Por isso não se pode acolher a pretensão de que a falta imputada ao arguido, aqui recorrente, não tenha previsão normativa, pois que, como se vê, tem fundamento legal expresso e muito claro.

Além disso, a norma, ao definir a segunda e terceira infrações, não distingue quanta à natureza da primeira infração: a norma apenas distingue se a segunda infração resulta da deteção de substâncias específicas (caso em que o art.59°, n.1, b), da Lei 27/2009 (4) e o art. 53°, n.1, b), do Reg. Antidopagem, preveem uma suspensão de 2 a 4 anos) ou de outras violações às normas antidopagem, situação última esta verificada nos presentes autos, caso em que o art. 60°, n. 3, da Lei 27/2009 prevê uma sanção de 4 a 8 anos de suspensão da atividade desportiva.

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

E.4)

Alega, ainda, o recorrente a inconstitucionalidade das normas do regulamento antidopagem por ausência de menção de norma de habilitação legal, mas sem razão.

Com efeito, como se apura pelo mero cotejo dos dois documentos, o Regulamento Antidopagem mais não é do que a mera transposição e cópia para um regulamento desportivo de disposições contidas na lei da antidopagem, a Lei n° 27/2009.

Por outro lado, tal encontra-se claramente enunciado no preâmbulo do Regulamento, publicado no Comunicado Oficial da FPF n°470, de 17/06/2010, onde se pode ler:

«Tendo em consideração que o Regulamento Antidopagem da Federação Portuguesa de ............. foi aprovado e registado pela Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) em 11 de Junho de 2010, nos termos e para os efeitos do Artigo 47° n° 1 al. e) dos Estatutos da FPF, o Conselho de Justiça emitiu parecer positivo à publicação do citado Regulamento, concluindo este Conselho que, face à revogação expressa do Decreto-Lei nº 183/97, de 26 de Julho, operada por força da publicação da Lei nº 27/2009 de 19 de Junho, da Convenção Contra o Doping, aprovada pelo Decreto-Lei 2/94 de 20 de Janeiro, da Convenção Internacional contra a Dopagem no Desporto (Convenção da UNESCO) aprovada pelo Decreto n°4-A/2007 de 20 de Março, do Código da Agencia Mundial Antidopagem (WADA) e das normas da FIFA aplicáveis, o anterior regulamento Antidopagem da FPF foi também ele objeto de revogação, verificando-se, face aos normativos expressos, uma lacuna na ordem interna jurisdicional da Federação».

O regulamento em causa não é um normativo concretizador de normas jurídicas superiores, mas sim a incorporação interna de normas superiores, não mantendo com estas qualquer relação de complementaridade, mas sim de total subordinação e equivalência.

Do texto do comunicado oficial que concretiza o ato normativo da difusão e implementação do dito Regulamento consta, afinal, a norma habilitante, conforme acima transcrito, pelo que, também aqui, falecem os argumentos do recorrente.

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

E.5)

O Recorrente insiste na alegação de que a decisão do Conselho de Disciplinar acusa-o erroneamente de ter realizado análises apenas em 26 de Maio de 2012, mais de um mês depois do controlo efetuado, e alega que a decisão do Conselho de Justiça conclui inexoravelmente, que o arguido, ora recorrente, não conseguiu produzir, sequer, um arremedo da prova por si pretendida. E diz que, como os órgãos da Requerida reconhecem, o consumo de canabinoides não desaparece do organismo em poucos dias, pelo contrário, as análises à urina podem detetar o consumo de canabinoides até 20 dias após o uso efetivo da substância estupefaciente; e que, assim sendo, os resultados das análises efetuadas em 02 de Maio de 2012 seriam com toda a probabilidade iguais aos resultados das análises efetuadas em 24 de Abril de 2012 (apenas sete dias depois), sendo certo que, se existiam dúvidas quanto à realidade das análises efetuadas, a verdade é que o Requerente desde 2 de Maio de 2012 que se comprometeu a se deslocar às instalações da ADoP para realizar as análises que esta bem entendesse, tendo ainda remetido semanalmente aquela entidade e aos órgãos da Requerida os resultados das análises que semanalmente realizava por sua livre vontade; e ainda que a ADoP e os demais órgãos da Requerida, se remeteram, porém, desde o dia 2 de Maio de 2012, ao puro silêncio, preferindo antes presumir infundadamente na decisão final do procedimento, sem que fosse produzida um "arremedo da prova" nesse sentido, que o Requerente havia "voltado a consumir estupefacientes da mesma natureza".

Mais invocou que não foi notificado no procedimento administrativo para se submeter tempestivamente a análises laboratoriais ou apresentar qualquer meio de prova adicional para provar os factos que alegou na sua defesa escrita, nomeadamente testemunhal. A instrução revelar-se-ia assim insuficiente e inadequada para determinar os pressupostos de facto de que depende a condenação do arguido à luz dos princípios que regem a prova a produzir no procedimento disciplinar e do onus probandi que onerava a Ré.

Concluiu o recorrente que o ato punitivo, ao ter condenado o Requerente sem ter diligenciado pela produção de prova dos factos alegados pelo arguido violaram os artigos arts. 10 °, 56.°, 76.°, 87.° a 93.°.°, 101.°, n.° 3, e 104.° do Código do Procedimento Administrativo, os arts. 124 °, 249.° a 253.° do Código de Processo Penal e os artigos 36.° e 37 °, n.° 1, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, aplicáveis ex vi do art. 7.° do R.D., pelo que o processo enfermaria de nulidade insuprível.

Ora, no que respeita ao pretendido défice de instrução, não existem quaisquer dúvidas quanto à realidade das análises efetuadas no dia 24 de abril de 2012, pela simples razão de que, nesse dia, não foram realizadas quaisquer análises ao Requerente, porquanto este, violando as disposições reguladoras do controle antidopagem, tentou subornar o médico para que não o controlasse e recusou-se a dar amostras para se fazer o controlo antidopagem.

Foi esse, repete-se, o motivo da sanção disciplinar e não o facto de o Requerente ter qualquer substância dopante no seu organismo naquele concreto dia, ou depois.

Não estamos perante quaisquer dúvidas relativamente a estas ações do Autor, sendo assim irrelevante se tinha, ou não, no seu organismo, qualquer substância dopante.

Pelo que não havia qualquer dever, por parte da entidade requerida, em fazer quaisquer diligências instrutórias para prova daqueles factos irrelevantes. Não tem assim qualquer relevo o facto de, no relatório disciplinar, se ter referido que a data do primeiro teste realizado por iniciativa do arguido se realizou no dia 26 de maio de 2012 e não no dia 2 de maio.

Improcede, portanto, este ponto das conclusões do recurso.

E.6)

Alega o recorrente que o ato administrativo punitivo impugnado não ponderou, mesmo oficiosamente, a aplicação da causa de redução do período de suspensão ou de suspensão da execução consagrada nos n°s 2 a 7 do seu artigo 67.° da Lei n° 38/2012, de 28 de Agosto, pelo que teria sido violado o princípio da aplicação da lei mais favorável e o art. 2 °, n.° 6, do Regulamento Disciplinar da FPF.

Não tem razão.

À data da decisão do conselho disciplinar, aquela Lei 38/2012 ainda não tinha sequer sido publicada, pelo que não tem aqui aplicação, sendo ainda certo que a natureza intencional e muito censurável da infração e seu contexto descrito nunca permitiriam o recurso aos n°s 2 a 7 do cit. artigo 67º.

Não há, também aqui, violação do artigo 2°, n.° 6, do Regulamento Disciplinar da FPF.

E.7)

Alega o Recorrente que a sanção da suspensão da prática desportiva por um período de 4 anos é demasiado pesada e que não se coaduna, de modo algum, com a medida da culpa e com a gravidade da infração praticada. Alega ainda que, a concluir-se pela prática da sanção por que vem acusado o Requerente, sempre se dirá que a culpa e a diminuta gravidade da infração só justificarão a aplicação ao arguido de uma pena de multa, pelo que a decisão impugnada violou os artigos 15.°, 40.°, 41.° e 43.° do Regulamento Disciplinar da FPF, os artigos 70.° a 74.° do Código Penal, os arts. 20.° a 23.° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Pública aplicáveis ex vi do artigo 7.° e 40.° do Regulamento Disciplinar da FPF e o princípios da culpa e da proporcionalidade, legal e constitucionalmente consagrados.

Vejamos.

A infração concreta do recorrente, como atrás descrita, foi intencional, grave e censurável, atentando contra a verdade e a ética desportiva.

Como resulta do já exposto, o quadro punitivo aplicável ao caso configura uma pena de suspensão de 4 a 8 anos de suspensão da atividade desportiva (artigo 60º, nº 3, da Lei 27/2009). Não se prevê outra pena.

O Conselho de Disciplina deliberou aplicar ao Requerente a sanção mínima, ou seja, 4 anos de suspensão da atividade desportiva, no que foi seguido pelo Conselho de Justiça. Ou seja, o recorrente (com a sua culpa) foi sancionado com a pena concreta mais baixa possível, razão pela qual o arguido não pode alegar questões de proporcionalidade na fixação da pena, para a baixar.

Não existe, pois, qualquer violação do princípio da culpa, nem do princípio da proporcionalidade, nem das demais normas legais que o recorrente refere a propósito da invocação deste vício, sendo aliás claro que nem alega factos integradores da violação.

E.8)

O recorrente, no recurso para o C.J., sustentou a nulidade da decisão do C.D., tendo em conta que o artigo 57° da Lei 27/2009, determina que, entre a comunicação da infração a uma norma antidopagem e a aplicação da correspondente sanção disciplinar, não pode mediar um prazo superior a 60 dias. (5)

Alega que o procedimento disciplinar teve o seu início com o despacho do C.D./­FPF de 18 de maio de 2012, por factos ocorridos numa ação de controlo de dopagem, realizada em 24 de Abril de 2012. E que a comunicação da infração foi necessariamente concretizada em data anterior ao mencionado despacho de 18 de Maio de 2012. Conclui ser manifesto que se encontra largamente excedido o prazo legal e regulamentar de 60 dias (cfr. artigo art. 57°, n.3, da Lei 27/2009).

Vejamos.

O prazo de 60 dias é um prazo meramente ordenador e disciplinador do andamento do processo, cujo incumprimento não acarreta consequência jurídica alguma, designadamente a da extinção do poder disciplinar. Mediante a adoção deste normativo, o legislador pretendeu apenas sinalizar claramente que o processo disciplinar por violação das normas antidopagem deverá correr célere. A eventual inobservância daquele prazo não acarreta a extinção da responsabilidade disciplinar.

Como bem apontou a ré, das normas invocadas apenas se pode colher que, se a decisão não for proferida dentro dos indicados 60 dias, a AdoP pode avocar o processo e exercer ela o poder disciplinar direto que, nos termos da Lei 27/2009, é por si delegada nas federações desportivas.

Improcedem, portanto, todas as conclusões do recurso.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com o disposto nos artigos 202º e 205º da Constituição, acordam os Juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em manter o efeito meramente devolutivo do recurso e negar provimento ao mesmo.

Custas a cargo do recorrente.

(Acórdão processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator)

Lisboa, 15-1-2015

Paulo H. Pereira Gouveia

Nuno Coutinho

Carlos Araújo

(1) «Analisados os autos, conclui-se que a natureza dos interesses em causa justifica a antecipação do juízo sobre a causa principal (a qual já foi proposta). Na verdade, a sanção disciplinar aplicada ao Requerente pela Federação Portuguesa de ............. determinou que este ficasse suspenso da atividade desportiva por um período de quatro anos, o que, tendo em conta a natureza desta atividade e a idade do Requerente, implica o comprometimento da carreira de praticante de ............. (a Requerida não contestou este prejuízo invocado pelo Requerente). Assim, se a providência cautelar não vier a ser decretada e a ação principal vier a ser julgada procedente, no futuro, ter-se-ão verificado, na esfera jurídica do Requerente prejuízos de difícil reparação. Por outro lado, se vier a ser concedida a providência cautelar e a ação principal vier a ser julgada improcedente, o Requerente será obrigado a suspender a sua atividade para cumprir a sanção disciplinar que lhe foi aplicada e terá perdido tempo da sua vida a investir na carreira .............ística».

(2)Artigo 3.º Proibição de dopagem e violação das normas antidopagem
1 - É proibida a dopagem a todos os praticantes desportivos dentro e fora das competições desportivas organizadas em território nacional.
2 - Constitui violação das normas antidopagem por parte dos praticantes desportivos ou do seu pessoal de apoio, consoante o caso:

d) A recusa, a resistência ou a falta sem justificação válida a submeter-se a um controlo de dopagem, em competição ou fora de competição, após a notificação, bem como qualquer comportamento que se traduza no impedimento à recolha da amostra;
e) A obstrução, a dilação injustificada, a ocultação e as demais condutas que, por ação ou omissão, impeçam ou perturbem a recolha de amostras no âmbito do controlo de dopagem;

h) A alteração, falsificação ou manipulação de qualquer elemento integrante do procedimento de controlo de dopagem;
….
(3) Artigo 60.º Suspensão do praticante por outras violações às normas antidopagem
1 - Ao praticante desportivo que violar a norma antidopagem prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 3.º é aplicada uma suspensão da atividade desportiva de 8 a 15 anos para a primeira infração.
2 - Ao praticante desportivo que tiver tido uma primeira infração por violação de uma norma antidopagem em resultado da qual foi punido com uma suspensão da atividade desportiva igual ou superior a 2 anos é aplicada uma suspensão por um período entre 15 e 20 anos no caso de uma segunda infração a uma norma antidopagem, qualquer que ela seja.
3 - Ao praticante desportivo que tiver tido uma primeira infração por violação de uma norma antidopagem em resultado da qual foi punido com uma suspensão da atividade desportiva inferior a 2 anos é aplicada uma suspensão da atividade desportiva entre 4 e 8 anos para uma segunda infração e uma suspensão por um período entre 15 e 20 anos no caso de uma terceira infração.
(4) Artigo 59.º Substâncias específicas
1 - Tratando-se do uso de substâncias específicas, nos casos em que o praticante desportivo prove como a substância proibida entrou no seu organismo e que o seu uso não visou o aumento do rendimento desportivo ou não teve um efeito mascarante, as sanções previstas no artigo anterior são substituídas pelas seguintes:
a) Tratando-se de primeira infração, o praticante é punido com pena de advertência ou com pena de suspensão até 1 ano;
b) Tratando-se de segunda infração, o praticante é punido com pena de suspensão por um período de 2 a 4 anos.
2 - Tratando-se de terceira infração, o praticante é punido com pena de suspensão por um período de 15 a 20 anos.

(5) Artigo 57.º Aplicação de sanções disciplinares
1 - A aplicação das sanções disciplinares previstas na presente lei compete à ADoP e encontra-se delegada nas federações desportivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva, a quem cabe igualmente a instrução dos processos disciplinares.
2 - As federações desportivas devem dispor de uma instância de recurso, para a qual o agente desportivo sancionado possa recorrer, sem efeito suspensivo, a qual deve ser uma entidade diversa e independente da que o sancionou em primeira instância.
3 - Entre a comunicação da infração a uma norma antidopagem e a aplicação da correspondente sanção disciplinar não pode mediar um prazo superior a 60 dias.
4 - A ADoP pode, a todo o tempo, avocar a aplicação das sanções disciplinares, bem como alterar as decisões de arquivamento, absolvição ou condenação proferidas por órgão jurisdicional de uma federação desportiva, proferindo nova decisão.
5 - Da decisão proferida pela ADoP cabe recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne.