Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08049/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2015
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:DOAÇÃO/ESTABELECIMENTO ENSINO/DEDUÇÃO
Sumário:I – Nos termos do artigo 56.º do Código de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (na redacção vigente em 1998) ao rendimento líquido que tivesse sido determinado (nos termos dos artigos antecedentes) deveria ser abatido o valor de 15% de donativos em dinheiro ou espécie concedidos à administração central, regional e local ou a qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados e ainda donativos realizados a entidades várias, como sejam escolas, institutos e associações de ensino, de educação ou de investigação, centros de cultura e desporto ou centros populares de trabalhadores organizados nos termos dos estatutos do Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres ou que se destinem a custear a instalação ou manutenção de creches ou jardins-de-infância.

II – Do teor do preceito referido não resultava, nem implicitamente, que da aplicação do normativo referido em I estivessem excluídas as doações realizadas a estabelecimento de ensino frequentado pelos doadores ou pelos seus representados legais, sendo, por essa razão, absolutamente irrelevante do ponto de vista de delimitação do âmbito de aplicação da norma que no caso concreto a doação tenha tido por destinatário estabelecimento de ensino onde os filhos dos Recorridos prosseguem ou desenvolvem a sua aprendizagem escolar.

III – Tendo a liquidação adicional impugnada assentado numa ilegítima exclusão de aplicação do regime mencionado à situação concreta e numa ausência de prova quanto à doação, que se não verifica, tem que ter-se por ilegal e, consequentemente, ser anulada aquela decisão administrativa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l - Relatório

A Fazenda Pública inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Daniel ……….. e V…………. contra o indeferimento parcial da reclamação graciosa por eles também instaurada contra o acto de liquidação adicional de IRS, do ano do 1998, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional pelas razões vertidas nas suas alegações, cujas conclusões ora se transcrevem:

«I) Afirma a douta sentença que, em sede de Reclamação Graciosa e é dado por assente no ponto 6 do probatório que, "Tendo sido notificado a fim de apresentar os documentos justificativos das despesas de educação, com discriminação dos montantes por rubricas, apresentou a factura n°……….. de 98.11.09, no montante de € 816.000$00 e n°000747 de 98.09.01, no montante de 833.000$00, no total de € 1.649.000$00 (€8.225,18), declarando que a terem existido outros documentos, os mesmos se extraviaram. Logo, não apresenta o documento comprovativo do valor constante do recibo n°13 dos autos, no montante de €979,000$00, desconhecendo-se se o mesmo foi emitido".

II) Resulta, porém, dos autos e afirma-se em sede de contestação (§36° da Informação produzida pela Divisão de Justiça Contenciosa) que, analisados os documentos que o sujeito passivo juntou a fls.35 a 37, verifica-se que os mesmos respeitam a recibos de pagamento, sem a correspondência às facturas emitidas que deveriam estar na origem dos mesmos, indicando apenas pagamentos a uma entidade, sem a identificação do tipo ou da natureza da despesa que foi paga.

III) E que, instado a apresentar os documentos juntos a fls. 13 a 15 do processo de reclamação Graciosa e fls. 35 a 37 do presente processo de impugnação, justificativos dessas quantias concedidas ao estabelecimento de ensino - não logrou a justificação dos mesmos, declarando que a terem existido outros documentos, os mesmos se extraviaram (fls. 92 do Processo de Reclamação Graciosa).

IV) É certo que em sede de Reclamação Graciosa (e a douta sentença dá isso por assente, transcrevendo precisamente a essa parte) se alude a eventuais faturas. Mas como é bom de ver, o lapso é terminológico porque as faturas a que a mesma se reporta são na verdade os tais recibos que carecem de justificação. Aliás, decorre dos autos a completa inexistência de faturas, tal qual as configuramos.

V) Não se encontrando suportados os recibos apresentados num qualquer documento justificativo e não contendo os próprios recibos a necessária descrição — fica por demonstrar, cabalmente, a que título foram pagas estas despesas ou identificada a natureza das mesmas.

VI) Devendo-se ter concluído que, não sendo possível imputar aqueles pagamentos a despesas de educação e não havendo outras - as que foram declaradas eram, de facto, muito inferiores ao custo praticado pelo colégio e constante da tabela de preços junta aos autos - forçosamente dando por provada a notória contrapartida pecuniária em que consistiu, afinal, o "donativo" realizado pelos Impugnantes, no montante de € 7.481,97, e que somado do valor inscrito pelos Impugnantes na declaração de rendimentos Mod. 3, a título de despesas de educação no montante de € 5606,49 - coincide, aproximadamente, com o valor da anuidade do colégio, multiplicada pelos 2 filhos.

VII) Ao invés, julgou suficiente a douta sentença a junção aos autos de meros recibos que, por si só, não permitem demonstrar que os pagamentos se devem sequer a despesas de escolares, violando, ademais, o disposto no art.83°, n°3, do CIRS que exige a devida comprovação das despesas de educação.

VIII) Mas o que a lei fiscal permite não é a dedutibilidade da despesa escolar, mas a dedutibilidade da comprovada despesa de educação. E, nem todas as despesas escolares são despesas de educação - passíveis de dedução.

IX) Não basta, portanto afirmar, que, fosse como fosse, a despesa era escolar, cabendo ainda indagar se a mesma era de educação - sendo certo que, estas últimas carecem de comprovação - prova que o Impugnante não logrou fazer.

X) Saber, porém, se a despesa é ou não de educação, é um labor que resulta da apreciação concreta da prova - não havendo que conceder, sob pena de ilegalidade, um juízo de presunção judicial aos Impugnantes, quando, sem prejuízo do disposto no art.83°, n°3, do CIRS, impendia sobre eles o ónus de demonstrar que as despesas eram de educação, nos termos do art.74°, da LGT, pois que foram alvo de uma ação de fiscalização aberta por uma O.I., estribada no art.75°, n°1 e 2, alínea a), da LGT, destruindo, inexoravelmente, as hipóteses de poderem vir a beneficiar da presunção de boa-fé.

XI) Com efeito, defender, no fundo, só porque estão em causa recibos passados por um colégio que as respetivas despesas terão de ser, necessariamente, de educação - é um pressuposto ou um raciocínio abstrato, simplesmente, inadmissível e falacioso, conforme se demonstrou pelos exemplos dados no capítulo anterior

XII) É, pois, inadmissível pensar que todas as faturas ou recibos emitidos pelos colégios são, ou, configuram sempre despesas de escolares, e sendo escolares que as mesmas configurem sempre despesas de educação - dedutíveis, como tal, do ponto de vista fiscal.

XIII) Determinar o que é ou não uma despesa de educação, resulta da valoração concreta da prova, sob pena de comprometer indelevelmente a devida e correta apreciação da matéria de facto e de direito em que deveria assentar a decisão.

XIV) Resulta do Relatório de Inspeção Tributária, bem retratado, aliás, pela decisão proferida em sede de Reclamação Graciosa que "10 - As corações efectuadas pelos serviços, foram propostas com base no facto de a entidade beneficiária do donativo ser a mesma que a entidade proprietária do estabelecimento de educação frequentado pelos dependentes, o que indica a presença de contrapartidas pecuniárias ou de simples tratamento preferencial por parte da mesma entidade, em relação aos mesmos dependentes, e ainda porque os preços praticados pelo estabelecimento de ensino são manifestamente superiores aos indicados pelo reclamante, constituindo sensivelmente a soma do valor do donativo com o valor indicado a título de despesa de educação."

XV) A declaração pelos Impugnantes de despesas de educação suportadas naquele ano, no montante inferior à metade que corresponderia (no mínimo, pois ali não estão contempladas eventuais despesas extra) pela frequência dos dois filhos, permite afirmar que o donativo configurou antes uma contraprestação pecuniária, encapotada sob a figura de uma doação.

XVI) Inquinando o tal espírito de liberalidade ("artimus donandi") - pois que fica demonstrada a tal ideia de necessidade ou dever de pagar o remanescente, por contraposição à tal ideia de generosidade ou expontaneidade, brigando com a natureza gratuita da doação.

XVII) Se assim não se entender, a prova carreada para os autos, no mínimo, deveria ter criado a dúvida no julgador, permitindo que, ao abrigo do princípio do inquisitório, a que o mesmo se encontra vinculado (art. 99°, n°1 e 2, da LGT e 13° do CPPT), o mesmo solicitasse junto daquele estabelecimento de ensino, o registo contabilístico que confirmasse os alegados mas não demonstrados pagamentos. E nada se apurando, por essa via, naturalmente que o sentido da decisão não poderia ser outro, senão contra quem se mostrava onerado pela prova dos factos, nos termos do art.83°, n°3, do CIRS e art.74°, da LGT.

XVIII) A sentença recorrida, ao assim não entender, não fez uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito em que assenta a decisão, violando o disposto nos arts. 83°, n° 3, do CIRS; 74.°, da LGT e 970°, do CC, não merecendo por isso ser confirmada - antes substituída por uma outra que, dê por provados os factos alegados pela AT, improcedendo, assim, a presente Impugnação Judicial.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça».

Admitido o recurso [a processar como apelação em matéria cível com subida imediata e efeito suspensivo] e notificados os Recorridos, por estes não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal Central, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em que conclui no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II – Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n°1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que no caso concreto o objecto do recursos e esgota na seguintes questões:

- Comprovaram ou não os Recorridos terem procedido a doações no ano de 1998 à Fundação ............................ no valor de Esc. 1.500.000$00 (€7.481,97)?

- Em caso afirmativo, obsta à aplicação do preceituado no artigo 57.º do CIRS, o facto de aquelas doações terem sido realizadas a instituição também proprietária do estabelecimento de ensino frequentado pelos seus filhos?

Ill – Fundamentação de facto

Em 1ª instância foram considerados como relevantes e provados para a apreciação e decisão da causa os seguintes factos:

1. A Administração Tributária, através da Direcção de Finanças de Lisboa, desencadeou uma acção inspectiva circunscrita ao IRS do ora Impugnante, na sequência de proposta nesse sentido, proveniente da análise interna à declaração daquele imposto, do ano de 1998;

2. Foi então apurado, com base na documentação apresentada pelo ora Impugnante, entre o mais, que:

"Donativos concedidos à administração central, regional e a fundações:

• Foi englobado o montante de 1.500.000$00 (€7.481,97), documentado com uma declaração processada pela Fundação ………………………….;

• Verifica-se que este donativo foi feito à entidade proprietária do estabelecimento de ensino frequentado pelos dois filhos dos detentores dos rendimentos englobados;

• O montante total das anuidades, por aluno, na referida escola é de, no ano escolar de 1997/1998 e para a idade etária dos mesmos, de cerca de 1.124. 000$00 (5.606,49) como despesas de educação dos dois dependentes;

• Pelo facto do donativo ter sido concedido à entidade proprietária do estabelecimento de ensino dos filhos e o montante de despesas de educação ser de montante muito inferior ao da tabela de preços praticada no referido colégio, considera-se que este não se encontra abrangido nos termos do então artigo 56° do CIRS

3. Por despacho de 26 de Junho de 2002 o Chefe de Divisão da 1ª DFL, no uso de poderes delegados, alterou os valores declarados pelos ora Impugnantes, nos termos do artigo 65° n°4 do CIRS;

4. Em consequência do despacho referido em 3. foi emitida a liquidação impugnada;

5. Os ora Impugnantes deduziram reclamação graciosa que tomou por objecto a liquidação adicional referente ao IRS de 1998, que veio a ser, por despacho de 10.07.1003 do Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 1, parcialmente indeferida quanto ao abatimento ao rendimento colectável do donativo efectuado à "Fundação ……………………………", no valor de €7.481,97;

6. O despacho que decidiu a reclamação foi proferido em concordância com a seguinte informação:

"9 - Da validade do donativo concedido, alega que nos termos da redacção; à data do artº57° do CIRS, o mesmo apenas condicionava o direito à dedução, ao pagamento real e efectivo do mesmo donativo, o que não é questionado no relatório dos serviço de Inspecção Tributária a folhas 67 a 86 destes autos.

10 - As correcções efectuadas pelos serviços, foram propostas com base no facto de a entidade beneficiária do donativo ser a mesma que a entidade proprietária do estabelecimento de educação frequentado pelos dependentes, o que indica a presença de contrapartidas pecuniárias ou de simples tratamento preferencial por parte da mesma entidade, em relação aos mesmos dependentes, e ainda porque os preços praticados pelo estabelecimento de ensino são manifestamente superiores aos indicados pelo reclamante, constituindo sensivelmente a soma do valor do donativo com o valor indicado a título de despesa de educação.

11 - Assim, e nos termos do art°940° do Código Civil, o conceito de donativo pressupõe o espírito de liberalidade, e a forma gratuita.

12 - Não constituem donativos, quaisquer entregas que pressuponham de uma forma directa ou indirecta, contrapartidas em razão do pagamento dos mesmos donativos.

13 - O reclamante junta como comprovativos dos valores pagos a título de despesas de educação, contrapondo os valores constantes da tabela de preços praticados pelo estabelecimento de ensino, constante do relatório dos Serviços de Inspecção a fls. 86 destes autos, documentos correspondentes a conta corrente de pagamentos, a fls. 13 a 15 destes autos. Os mesmos respeitam a recibos de pagamento, sem a correspondência às facturas emitidas que deveriam estar na origem das mesmas, logo indicam apenas pagamentos a uma entidade, sem a identificação da coisa paga.

14 - Tendo sido notificado a fim de apresentar os documentos justificativos das despesas de educação, com discriminação dos montantes por rubricas, apresentou a factura n°001171 de 98.11.09 no montante de 816.000$00 e n°…………… de 98.09.01, no montante de 833.800$00, no total de 1.649.000$00 (8.225,18€), declarando que a terem existido outros documentos, os mesmos se extraviaram. Logo, não apresenta documento comprovativo do valor constante do recibo a fIs.13 destes autos, no montante de 979.000$00, desconhecendo se o mesmo foi emitido.

15 - Acresce ainda referir que a entidade proprietária do estabelecimento de educação, e simultaneamente beneficiária do donativo, tem a contabilidade regularmente organizada, pelo que se encontra obrigada ao registo de quaisquer quantias recebidas, independentemente do título a que se verifique o abono das mesmas; Logo é obrigada à emissão e registo de todas as facturas correspondentes à prestação de serviços de educação bem como à emissão de recibo e correspondente registo de todas as quantias recebidas a título de donativo.

(...)

17 - Pelo exposto sou de parecer de a presente petição merecer deferimento no tocante às despesas de saúde, ser de indeferir no tocante ao donativo à Fundação …………………………………………";

7. Durante o ano de 1998 os Impugnantes efectuaram os seguintes pagamentos ao estabelecimento de educação a que se alude em 6.:

- Escudos 979.000$00 em 24.03.1998 - Recibo n°A 000465

- Escudos 833.800$00 em 28.07.1998 - Recibo n°A 000883

- Escudos 816.000$00 em 04.12.1998 - Recibo n°A 001462

No valor total de Escudos: 2.628.800$00 (Euros 13.112,39);

8. Durante o ano lectivo de 1997/1998 o estabelecimento de ensino denominado "Saint …………………………", aludido em 6. e 7., cobrava anualmente, por aluno, entre o 7° e o 9° anos de escolaridade, o montante de Escudos 1.194.000$00».

IV – Fundamentação de Direito

Sendo certo que o objecto do recurso é sempre a sentença que visa atacar, do confronto de todas as peças processuais, em especial do confronto da contestação com as conclusões do recurso, pode concluir-se com relativa facilidade que permanecem nesta sede a ser as mesmas as questões a decidir: primeiro, a questão da prova da doação; segundo, a questão de saber se o facto de a doação ser realizada a uma instituição que também é proprietária do estabelecimento de ensino frequentado pelos Recorridos é, só por si, factor impeditivo da sua consideração para efeitos de dedução em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Adiante-se, desde já, que a sentença julgou bem de facto e de direito.

Efectivamente, e como se expendeu na sentença recorrida, a desconsideração/descaracterização da doação realizada pelos Recorrentes assentou num raciocínio, exposto na fundamentação da liquidação, a todos os títulos insustentável na realizada comprovada nos autos.

Senão, vejamos.

Para justificar a liquidação que veio a realizar a Administração Fiscal aduziu a título de fundamentação no relatório que emitiu na sequência da inspecção realizada, o seguinte raciocínio que, em síntese nossa, adiantamos:

- Os Recorrentes englobaram o montante de 1.500.000$00 (€7.481,97), que documentaram com uma declaração processada pela Fundação …………………………..;

- Esse donativo foi feito à entidade proprietária do estabelecimento de ensino frequentado pelos dois filhos dos detentores dos rendimentos englobados sendo que o montante total das anuidades, por aluno, na referida escola é de, no ano escolar de 1997/1998 e para a idade etária dos mesmos, de cerca de 1.124. 000$00 (5.606,49) como despesas de educação dos dois dependentes.

- Tendo o donativo ter sido concedido à entidade proprietária do estabelecimento de ensino dos filhos e sendo o montante de despesas de educação de montante muito inferior ao da tabela de preços praticada no referido colégio, considera-se que este não se encontra abrangido nos termos do então artigo 56° do CIRS

Ou seja, se em compreendemos a fundamentação da correcção efectuada, o que a Administração entende é que a doação declarada pelos Recorridos, não obstante ter sido documentalmente comprovada por declaração emitida pela Fundação, não é na realidade uma doação, mas um pagamento das despesas escolares relativas aos filhos que leccionam em estabelecimento que àquela pertence (“doação encapotada”), resultando essa conclusão do confronto do valor da doação e dos valores pagos a título de despesas escolares, em valor manifestamente inferior ao que seria devido ou que deveria ter pago no mesmo período de tempo pela frequência de dois filhos nos anos escolares em referência.

É, pois, com base nestes pressupostos de facto que a Administração Fiscal vem a concluir não pode ser aceite o abatimento ao rendimento colectável dos Impugnantes do donativo efectuado à "Fundação ………………………………………..", no valor de € 7.481,97, isto é, decide afastar a pretensa aplicação do disposto no artigo 56.º do CIRS.

Comecemos por recordar a redacção que assumia o referido preceito à data dos factos e, consequentemente, aplicável:

"1 - Ao rendimento determinado nos termos do artigo anterior abater-se-ão os donativos em dinheiro ou espécie concedidos à administração central, regional e local ou a qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados (...).

2 - Ao rendimento líquido, e até 15% do valor deste, abater-se-á ainda o valor dos donativos, em dinheiro ou em espécie, concedidos às seguintes entidades beneficiárias:

a) Igrejas, Instituições religiosas, pessoas colectivas de fins não lucrativos pertencentes a confissões religiosas ou por elas instituídas, pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, instituições particulares de utilidade social ou instituições de beneficência;

b) (...)

c) Escolas, institutos e associações de ensino, de educação ou de investigação, centros de cultura e desporto ou centros populares de trabalhadores organizados nos termos dos estatutos do Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres ou que se destinem a custear a instalação ou manutenção de creches ou jardins-de-infância.

Atentando no teor do preceito transcrito, uma primeira asserção se impõe extrair para que fique devidamente definido o quadro jurídico (norma-interpretação) em que necessariamente nos temos de mover: o legislador não afastou da aplicação do normativo a situação de a doação ser realizada a estabelecimento de ensino frequentado pelos doadores ou pelos seus representados legais.

Daí que, salvo o devido respeito, seja forçoso concluir-se que é absolutamente irrelevante do ponto de vista do âmbito de aplicação da norma que a doação tenha por destinatário estabelecimento de ensino onde os filhos dos Recorridos prosseguem ou desenvolvem a sua aprendizagem escolar.

O que não significa que, a coincidência entre esses dois factores, isto é, da doação ser realizada a estabelecimento de ensino frequentado pelos filhos dos doadores não possa ser merecedora de maior cuidado, designadamente quando existem ou se julguem existirem indícios de que, não obstante formalmente apresentada como doação, a mesma mais não seja de que uma forma de beneficiar de uma dedução em despesas escolares para além do que legalmente é admissível. Ou beneficiar de dedução por despesas escolares, enquanto tal, até ao limite estabelecido na lei e beneficiar, para as mesas despesas, de outro tipo de deduções, in casu a coberto de uma alegada doação.

Foi este, ainda que não correctamente expresso, o juízo realizado pela Administração Fiscal, apontando, como suporte do mesmo, a referida desconformidade entre o que deveria ter sido pago a título de mensalidade pela frequência do Colégio e o que efectivamente os Recorridos pagaram a esse título.

Acontece, porém, que está provado que durante o ano lectivo de 1997/1998, os Recorridos pagaram ao colégio pertença da donatária os valores por esse estabelecimento de ensino praticados para frequência de alunos nos anos escolares correspondentes aos dos filhos dos Recorridos, conforme resulta de forma evidente do probatório, mais concretamente dos factos 7. e 8. do ponto III supra.

Conclui-se, assim, que nem os pressupostos de facto, nem os pressupostos de direito em que assentou a liquidação impugnada se verificam pelo que, são totalmente irrelevantes neste contexto, e mesmo impertinente, a realização de quaisquer diligências probatórias que oficiosamente viessem a ser determinadas, como sugerido (exigido) pela Recorrente, antes sendo de inteira justiça a manutenção da sentença recorrida que, com a improcedência do recurso, se assegura.

V – Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo, julgando totalmente improcedente o recurso, em manter na íntegra na ordem jurídica a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

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Lisboa, 10 de Julho de 2015

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(Anabela Russo)

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(Lurdes Toscano)

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(Ana Pinhol)