Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03543/09
Secção:CT- 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/16/2010
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRECTOS
QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
Sumário:1. A nulidade da sentença, por falta de fundamentação, apenas ocorre quando ela seja total e absoluta e não quando seja meramente deficiente/insuficiente;
2. No domínio de utilização de métodos indirectos a actuação, da AT, não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- «A...& Silva, Ld.ª», com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão proferida pela Mm.ª juiz do TAF de Sintra e em que lhe julgou improcedente esta impugnação judicial deduzida contra liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1989, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

1. A recorrente defende que a AF dispunha de todos os elementos necessários à determinação da matéria tributável, não sendo as imprecisões mencionadas no relatório de Inspecção – RI – necessárias e bastantes para a impossibilidade de tal determinação, nem justificativas do recurso a métodos indirectos para determinação da matéria tributável.

2. Em sede de contestação à presente acção, a AF limita-se a reproduzir os argumentos aduzidos no RI, elencando “erros e inexactidões” do contribuinte, com isso procurando alicerçar a necessidade de recurso a métodos indiciários de quantificação da matéria tributável.

3. Não há qualquer nexo de causalidade entre o eventuais erros e a impossibilidade de quantificação da matéria tributável, com base nos elementos existentes e o mais aproximadamente possível do lucro real.

4. Esse apuramento era possível de ser efectuado, com os dados existentes na contabilidade da recorrente e com o eventual controlo de fiscalização cruzada que existiu mas para outros fins.

5. A douta sentença ora recorrida sufraga a tese propugnada pela AF de que estão verificados todos os pressupostos para a aplicação dos referidos métodos indirectos e de que a quantificação da matéria tributável não padece de erros.

6. A douta sentença considera facto assente e com interesse para a boa decisão da causa, o seguinte segmento do RI: “… em consequência das insuficiências citadas nos pontos anteriores, constatamos que a contabilidade do contribuinte não permite o apuramento dos resultados em cada uma das obras executadas …” Cfr. Facto Assente “I”.

7. A douta sentença considera, como assente o facto de os documentos de suporte da contabilidade não evidenciam qualquer indício de contabilização de custos por obras (centro de custos distintos), conforme se pode confirmar pelo Diário de Operações Diversas de encerramento que se anexa como n.º 1, não havendo, portanto, por parte da empresa, cumprimento do estipulado no art. 19º do CIRC. Cfr. Facto Assente “R”.

8. O nº 9 do Preâmbulo do CIRC determina que “(…) a determinação do lucro tributável por métodos indiciários é, consequentemente, circunscrita aos casos expressamente enumerados na Lei, que são reduzidos ao mínimo possível, apenas se verificando quando tenha lugar em resultado de anomalias e incorrecções da contabilidade, senão for de todo possível efectuar esse cálculo com base nesta.

9. A jurisprudência tem sufragado a tese de que a aplicação dos métodos indiciários, para a determinação da matéria colectável, constitui um recurso de última ratio dado que representa, para o contribuinte, uma espécie de “bomba atómica”.

10. Ainda que não fosse possível o apuramento de custos obra a obra – o que se alega sem conceder e por mero dever de raciocínio – tal questão é totalmente irrelevante em sede de IRC.

11. Dispõem os art. 17º e 18º do CIRC, que a determinação do lucro tributável é feita através da soma algébrica do resultado líquido e por período anual, onde são considerados os dois componentes principais para essa determinação: Proveitos ou ganhos (art. 20º CIRC) e custos ou perdas (art. 23º CIRC).

12. O cálculo da matéria colectável é feito de um todo que não parcela a parcela (no caso em análise, obra a obra).

13. A recorrente, cumpriu, na íntegra (porque demonstrou e provou) o ónus da prova que lhe competia de acordo com o art. 74º, nº 3 da LGT que dispõe que “em caso da determinação da matéria tributável por métodos indiciários, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.”

14. A douta sentença recorrida, não leva em conta os elementos carreados para os autos pela recorrente, afirmando que esta não procedeu ao apuramento da matéria colectável.

15. A recorrente, desde a exposição efectuada em sede de Comissão de Revisão, procedeu ao apuramento da matéria tributável, com base nos mesmos elementos de contabilidade dos quais os técnicos da AF dispuseram.

16. Esse apuramento está plasmado e documentado na exposição efectuada perante a comissão de revisão e também no art. 47º da PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.

17. A AF refere, em sede de contestação, que a informação foi disponibilizada, os elementos existiam e existem, mas (alegadamente) não são “inequívocos” e a AF preferiu seguir o caminho mais cómodo de colocar tudo em causa, ao invés de investigar, prosseguindo a verdade tributária e privilegiando a substância à forma, como é seu dever!

18. A recorrente não aceita que o Tribunal a quo dê maior ênfase à forma do que à substância, na apreciação dos factos em apreço, ao arrepio dos ditames da lei geral e da própria Constituição que manda prosseguir o objectivo da busca da Verdade Tributária.

19. A fls. 59 da douta sentença recorrida, refere-se que “a impugnante não apresentou prova da comunicação da aquisição do Lote B, ...” e que, portanto, não poderiam ser levados a custos as despesas com a obtenção das respectivas licenças de construção, por as mesmas terem sido pedidas em nome do antepossuidor e, portanto não serem – presumivelmente – custos da empresa.

20. A douta sentença recorrida limita-se a seguir a argumentação produzida pela AF sem qualquer apreciação crítica da mesma, porquanto, não levou em linha de conta que:
- em sede de impugnação se explicitou que a Licença de Construção foi levantada meros três dias após a celebração da escritura de aquisição do lote pela impugnante.
- tal era – ao tempo – um procedimento usual e que o custo recaiu, de facto, sobre a adquirente, ora impugnante.
- refere-se no art. 24º da contestação da AF que a construção no referido lote foi efectuada pela impugnante!
- daqui se inferindo que a impugnante teve de ressarcir o terceiro que havia solicitado a Licença de Construção, dos custos a ela inerentes.
- caso a AF não se contentasse com este raciocínio lógico, estaria também ao seu alcance e era sua obrigação proceder à tão falada “fiscalização cruzada” para apurar tal desiderato, o que optou por não fazer, ao abrigo do argumento de que a contabilidade não merece credibilidade.

21. Todo o raciocínio lógico e verídico explicitado pela impugnante é deitado liminarmente por terra, pela douta sentença recorrida, com a simples afirmação de que falta a comunicação da aquisição à Câmara Municipal – elemento que não é formalidade essencial para a aquisição do terreno pela impugnante – mais uma vez se dando ênfase à forma, sobre a substância, ao arrepio do que manda a lei e a Constituição.

22. No que tange ao capítulo da douta sentença recorrida denominado “da errónea quantificação da matéria tributável”, a recorrente expressamente argui o vício de falta de fundamentação da sentença, previsto na al. b) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável aos presentes autos ex vi do disposto no art. (…) 2.º, al. e) do CPPT.

23. O juiz a quo limita-se a transcrever um acórdão do STA, que propugna utilização lato senso da discricionaridade técnica e menciona que os autos não contem erros grosseiros, fazendo tábua rasa dos argumentos da impugnante aduzidos no art. 40º e ss. da impugnação judicial.

24. A recorrente, cumprindo, mais uma vez, o ónus da prova que lhe respeita, deu exemplos claros e concretos para a adequação dos valores de alienação de cada uma das fracções, o que não foi levado em conta na decisão de que ora se recorre.

25. A matéria tributável não se pode fixar, quanto a este item em concreto, em apreciações teóricas e desprovidas de qualquer suporte material ou real, como a que foi efectuada pela AF, que não cuidou de levar em conta as especificidades de cada fracção alienada, do prédio onde se inserem e do local onde foram construídas.

26. Carece, pois, a douta sentença recorrida da fundamentação exigida pelo art. 158º do CPC que, aliás, e salvo o devido respeito, viola grosseiramente..

27. A violação do dever de fundamentação imposto pelo art. 158º, nº 2 do CPC, constitui fundamento para a nulidade da sentença prevista no art. 668º, nº 1,al. b) do mesmo diploma legal.

- Conclui que, pela procedência do recurso, se anule a decisão recorrida, com as consequências legais.

- Não houve contra-alegações.

A Mm.ª juiz recorrida, sustentou a decisão no que concerne ao vício de forma que lhe é assacado pela recorrente.

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 115 a 117, inclusive, pronunciando-se, a final, pela improcedência do recurso no entendimento de que a nulidade das sentenças, por falta de fundamentação, apenas ocorre quando ela seja absoluta de direito e de facto e ainda de que a decisão recorrida decidiu correctamente, quer no que concerne à matéria de facto, quer no que diz respeito à matéria de direito.

*****


- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A sentença recorrida deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A) A impugnante tem como objecto social a construção e engenharia civil – CAE – 045212, sendo que no ano de 1989, o CAE onde se encontrava inscrita correspondia à identificação 500090 – construção de obras públicas. (Doc. de fls. 51 dos autos em apenso);

B) A impugnante encontra-se enquadrada em sede de IRC, no regime geral de tributação. (Doc. de fls. 49 a 51 dos autos em apenso);

C) A impugnante encontra-se enquadrada em sede de IVA, no regime mensal. (Doc. de fls. 49 a 51 dos autos em apenso);

D) A impugnante tem actividades sujeitas a IVA – empreitadas – e actividades isentas de IVA – construção de edifícios próprios – e optou por efectuar a dedução do IVA segundo o método da afectação real. (Doc. de fls. 360 dos autos em apenso);

E) A impugnante foi objecto de inspecção e de correcções relativas ao IVA de 1989, no que se reporta à actividade de empreitadas.

F) Em 08.11.1990, não tendo concordado com as correcções a que alude a Al. E) do probatório, deduziu reclamação junto do Chefe de Repartição e Finanças do Concelho da Amadora, ao abrigo do art. 84.º do CIVA. (Doc. a fls. 353 a 354 dos autos em apenso);

G) Na apreciação da reclamação identificada na al. F) do probatório foi referido, que as correcções efectuadas pela Inspecção com base em presunções estão directamente relacionadas com as actividades sujeitas a IVA – empreitadas – e não com as actividades não sujeitas – construção própria. (Doc. de fls. 358 a 365 dos autos em apenso);

H) Quanto às correcções efectuadas com base em presunções, as directamente relacionadas com as actividades sujeitas a IVA, a AT julgou procedente a reclamação a que alude a al. F) do probatório, tendo ficado consignado “que a intervenção das suas existências em empreendimentos próprios não foi efectuada correctamente nos anos de 1988 e 1989, pelo que(m) se propõe que a sua escrita seja objecto de exame para efeitos de Contribuição Industrial e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas respectivamente”. (Doc. de fls. 358 a 365 dos autos em apenso);

I) Através da Ordem de Serviço n.º 5499 de 9.05.91, pelos serviços do Departamento de Fiscalização Tributária (Ocidental) foi efectuado exame à escrita, relativo ao exercício de 1989 da impugnante. (Doc. de fls. 129 a 351 dos autos em apenso);

J) Em resultado do exame a que alude a al. I) do probatório, quan(d)to à actividade de construção própria, foram apuradas irregularidades que levaram à aplicação de métodos indiciários, conforme se retira do teor do Relatório Final:

Avaliação o controlo interno
1) Não dispõe de contabilidade analítica, muito embora exerça actividades com características diferenciadas e diversas obras em simultâneo;
2) Não movimenta os diários de bancos, embora detenha elementos suficientes para o fazer;
3) Não dispõe de inventários das existências físicas em armazém e nas obras, verificando-se que os registos contabilísticos evidenciam a existência de mercadorias quer no início quer no fim de 1989;
4) Não possui fichas de stocks dos materiais adquiridos, bem como as guias de transferência dos materiais do armazém para as obras;
5) As contas utilizadas na contabilidade geral, designadamente de compras, não se encontram adequadas ao movimento realizado pela empresa, uma vez que não demonstram qual a natureza dos materiais adquiridos (ex: ferro, betão, cimento …);
6) Não dispõe de folhas de pessoal, o que impossibilita o controlo da mão-de-obra utilizada em cada uma das obras executadas;
7) Não possui os contratos de promessa de compra e venda correspondentes à venda das fracções autónomas de um determinado lote de urbanização, o que impossibilita o controlo das fracções e dos respectivos adiantamentos;

Em consequência das insuficiências citadas nos pontos anteriores, constatamos que a contabilidade do contribuinte não permite o apuramento dos resultados em cada uma das obras executadas. (…)
As infracções detectadas prendem-se com as seguintes situações:
- Contabilização de custos alheios à actividade da empresa na rubrica de fornecimentos e serviços de terceiros;
- Omissão contabilística do documento nº 26 de operações diversas na rubrica de despesas financeiras;
- Inexactidões no apuramento e controlo das obras em curso no final do exercício de 1989.

K) Com base na fundamentação incorporada no Relatório Final a que alude a al. J) do probatório foram efectuadas correcções para efeitos de IRC, atingiram o montante de 49.451.955$00, o que implicou a alteração do lucro tributável declarado pela impugnante de 2.391.516$00 para 50.843.471$00. (Doc. de fls. 129 a 351 dos autos em apenso);

L) Em 14.01.1994, a impugnante reclamou da fixação a matéria tributável a que alude a al. k) do probatório para a Comissão de Revisão do IRC (Doc. de fls. 103 a 115 dos autos em apenso);

M) Em 06.07.1994, na sequência da reclamação a que alude a al. I) do probatório, foi elaborada a Acta de Reunião da Comissão de Revisão n.º 140/94, da qual denota que não foi possível o acordo entre os vogais. (Doc. de fls. 93 a 100 dos autos em apenso);

N) Na sequência da aludida falta de acordo, o Presidente da Comissão, através de despacho datado de 12.07.1994, decide “… dar o aval ao Laudo do Vogal da Fazenda Pública …” (Doc. de fls. 101 a 102 dos autos em apenso);

O) Em consequência do indeferimento proferido pela Comissão de Revisão, em 09.11.1994, foi emitida a liquidação de IRC n.º 83100187679, relativa ao exercício de 1989, na qual resultou apurado o montante a pagar de 17.648.963$00, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 25.0(1).1995. (Doc. de fls. 11 dos autos em apenso) – LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA -;

P) Em 12.04.1995, a impugnante apresentou reclamação graciosa quanto ao acto de liquidação referido na al. O) do probatório. (Doc. de fls. 2 a 21 dos autos em apenso);

Q) Sobre a reclamação a que alude a al. O) do probatório recaiu o nº 400/32/95, e com vista à sua decisão, a 3.ª Repartição de Finanças da Amadora, solicitou ao Director Distrital de Finanças de Lisboa, se se devia ou não alterar as correcções efectuadas ao lucro tributável do exercício de 1989, tendo em conta as alegações da ora impugnante. (Doc. de fls. 36 dos autos em apenso);

R) Na sequência do pedido identificado na al. Q) do probatório, foi elaborado pela Inspecção Tributária – Equipa 24, o Relatório junto a fls. 39 a 80 dos autos em apenso, do qual se destaca:

“a) Efectivamente, a conta de bancos não está contabilizada de uma forma que permita o controlo directos da mesma, contudo o procedimento da contribuinte passa por registar todos os cheques emitidos como entrada do Caixa, tratando como saída desse mesmo Caixa os depósitos bancários que vai efectuando.
b) Os documentos de suporte da contabilidade não evidenciam qualquer indício de contabilização dos custos por obras (centro de custos distintos), conforme se pode confirmar pelo Diário de Operações Diversas de encerramento que se anexa como n.º 1, não havendo portanto por parte da empresa cumprimento do estipulado no Art. 19 do CIRC.
c) relativamente aos custos registados em nome de terceiros, constata-se conforme fotocópias (que aliás constituem o anexo IV – folhas 1 e 2 do relatório de Inspecção)), aqui em anexo 2, que os documentos de suporte se encontram em nome da Sociedade de Construções Santos e Santos, Lda.. verificou-se também que esses custos se referem a uma licença de obras, requisitada na Câmara Municipal de Cascais, e emitida em 20/1/89 respeitante a um prédio a construir na Abóbora. Efectivamente o contribuinte disponibilizou, para juntar ao processo (anexo 2), fotocópia da escritura de compra, elaborada em 17/01/89) de um lote de terreno situado na Abóbora e designado por lote 9, da qual consta como vendedor a Sociedade de Construções Santos & Santos Lda.
d) Verificação de depósitos incluindo cheques relacionados pela Inspecção (anexos XIII fls. 1 a 7 e 14 fls. 1 a 4), aqui em anexo 3, constatando que os itens dessa relação se encontram correctos, isto é, analisaram-se documentos de suporte aos depósitos bancários, verificou- -se estarem os mesmos identificados com uma indicação manuscrita da fracção/fracções a que os mesmos corresponderão, tendo-se confirmado como correctas as afirmações do relatório de Inspecção no tocante à numeração sequencial de cheques pertencentes à mesma conta, os quais constituem depósitos referentes a pagamentos de fracções cujos adquirentes são completamente diferentes.
Em controlo cruzado, efectuado pela Inspecção, aos clientes; Interatlântica de Férias, S.A., e Amadeu Dias, recolheram-se elementos sobre o meio de pagamento utilizado por aqueles para quitação das facturas que lhe foram emitidas por este contribuinte, confirmando-se as afirmações a fls. 32 a 33 do relatório então elaborado (anexo 4), e que resumidamente são: Cheques emitidos a favor do contribuinte por aqueles clientes para pagamento das facturas que este lhes emitiu, sendo que parte desses cheques não constam dos depósitos da empresa, tendo em sua substituição cheques de igual valor, provenientes de contas bancárias que se desconhecem ou que a Inspecção diz terem sido identificadas como pertencentes ao gerente da empresa.
(c) e) No cálculo de variação de produção efectuado pela Inspecção, o valor encontrado difere do evidenciado pelo contribuinte na sua reclamação, devido ao facto de o contribuinte não ter entrado em linha de conta com as correcções efectuadas no próprio exercício pelos técnicos de Inspecção, conforme mapas incluídos na informação elaborada a fls. 24, 25 e 26, que constituem anexo 5. Tendo por base os valores da contabilidade, rectificados com as correcções que também se entendem como correctas, constato estarem os cálculos efectuados pela Inspecção de forma correcta. Quan(d)to à margem dos 20% aplicada pela fiscalização, contrariamente aos argumentos apresentados pela reclamação, percentagem considerada, se outros indicadores não houvesse, encontraria fundamento á partida na avaliação efectuada pela Direcção Distrital de Finanças de Faro, anexo 6, avaliação essa que se constata, foi concretamente efectuada por zonas,.
Contudo salienta-se o facto de que, de acordo com rácios do sector à data, a margem bruta dos produtos era de 53,7%, conforme cópia em anexo 6, sendo que as desvalorizações invocadas na reclamação apresentada pelo contribuinte poderão encontrar(a) resposta na diferença de percentagem apurada neste sector de actividade e a aplicada nas correcções levadas a efeito.”.

S) Em 08.10.2003, a impugnante foi notificada, que por despacho proferido em 03.10.2003, pelo Director de Finanças Adjunto fora indeferida a reclamação graciosa a que alude a al. O) do probatório. (Doc. de fls. 394 a 395 dos autos em apenso);

T) A impugnante não possui inventários das existências finais em armazéns e nas obras. (Cfr. art. 14º da p.i.);

U) A impugnante não possui fichas de stocks para os materiais utilizados nas obras. (Cfr. art. 14º da p.i.);

V) A impugnante possui um inventário final das obras em curso, sem qualquer discriminação os valores nele constantes. (Doc. de fls. 212 dos autos em apenso);

X) Em 31.01.1997, a impugnante aderiu ao DL n.º 124/96, de 10.08, tendo-lhe sido autorizado o pagamento em 150 prestações, dos quais já efectuou 78. (Doc. de fls. 78 e 30, 34, 41 e 42 dos autos em apenso);

Z) Em 23.10.2003, deu entrada em tribunal a presente impugnação judicial. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos):

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- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros facto relevantes à decisão de mérito a proferir.

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- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida, o seguinte;
«Alicerçou-se a convicção do Tribunal na fixação dos factos provados nos documentos identificados em cada uma das respectivas alíneas, bem como, pela posição assumida pela impugnante na p.i. que originou os presentes autos.».

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- Por se encontrar documentalmente demonstrada e se revelar relevante à decisão de mérito a proferir adita-se, ao abrigo do art.º 712.º, n.º 1, do CPC, ao probatório, a seguinte factualidade;

Aa) Do relatório mencionado na al. J) que antecede consta, ainda e designadamente, o seguinte;

«X- Fundamentos da Proposta de Tributação
1) Em face do exposto e atendendo ao facto dos elementos evidenciados nos registos contabilísticos não possibilitarem o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao apuramento e controlo do lucro tributável de acordo com as disposições previstas na Secção II do Capítulo III do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas somos do parecer que a empresa em análise deverá ser tributada no exercício fiscal de 1989 pelo resultado obtido decorrente da aplicação de métodos indiciários nos termos do artigo 51.º do citado Código.
2) Neste sentido e atendendo a que a contabilidade não revela os valores reais de venda das fracções autónomas do lote E 12 da Urbanização da Quinta do Romão, procedemos à sua determinação pela aplicação de métodos indiciários que se consubstanciaram na actualização para o exercício de 1989 dos valores de vendas das fracções na mesma urbanização apurados pela fiscalização da DDF – Faro em 1990 aquando da prospecção aos preços de venda levada a efeito nessa urbanização.
2.1) A taxa de actualização aplicada para determinação do valor de venda é de 20% dado ser esta a que melhor traduz o índice de inflação na venda das fracções para habitação.
Acresce ainda que através da aplicação desta taxa de actualização aos valores de venda, nos conduz a valores bastante aproximados dos valores de avaliação para efeitos de garantia de empréstimo fixados pelo Montepio Geral aquando da concessão dos mesmos no acto das escrituras de compra e venda efectuadas entre a empresa (…) e os diferentes compradores.» - cfr. fls. 174/175 do PAT apenso;

Ab) Em sede de Comissão de Revisão o vogal da Fazenda Pública exarou laudo do seguinte teor;
«O vogal da Fazenda Pública considera que existem motivos para aplicação das correcções previstas no art.º 52.º do CIRC tendo em conta os argumentos apresentados no relatório da fiscalização que aqui se dá como inteiramente reproduzido nomeadamente os seguintes pontos:
V - 1) Não dispõe de contabilidade analítica, muito embora exerça a sua actividade simultaneamente em diversas obras com características diferenciadas, tais como : execução de estrutura resistente em vários edifícios e construção própria de edifícios para venda;
2) Não movimento os diários de bancos, muito embora disponha de todos os elementos necessários à sua contabilização;
3) Não dispõe dos inventários das existências físicas em armazém e nas obras, verificando- -se que os registos contabilísticos evidenciam a existência de mercadorias quer no início quer no fim dos períodos analisados;
4) Não possui fichas de stock das matérias adquiridas bem como as guias de transferência dos materiais do armazém para as obras;
5) As contas utilizadas na contabilidade geral, designadamente em compras não se encontram adequadas ao movimento realizado pela empresa, uma vez que não demonstram qual a natureza das matérias adquiridas;
6) Não dispõe de folhas do ponto do pessoal o que impossibilita o controlo da mão-de-obra utilizada em cada uma das obras executadas;
7) Não possui os contratos de promessa de compra e venda das fracções autónomas do lote E 12 da Urbanização da Quinta do Romão – Quarteira, o que impossibilita o controlo das condições do pagamento das fracções e dos respectivos adiantamentos.
VIII – 4) a) Grande parte dos cheques depositados são pertença do sócio gerente a firma, o qual se substitui aos clientes nas entregas de fundos à sociedade por conta das vendas que esta lhes efectua, não deixam transparecer quer os números quer os montantes dos cheques efectivamente recebidos dos clientes;
b) Constata-se que alguns dos cheques emitidos pelos próprios clientes são depositados nas contas da firma a fim de titularem outras operações, impossibilitando desse modo o conhecimento dos montantes efectivamente entregues por conta das fracções adquiridas bem como o valor de compra das respectivas fracções;
c) Verifica-se que na contabilidade não se encontram movimentados grande parte dos cheques emitidos pelos clientes de empreitadas, que traduz que a contabilidade não revela a totalidade dos fundos entrados na empresa.
Uma vez que o vogal do contribuinte não demonstrou em meu entender que os valores calculados pela fiscalização e que constam de fls 42 a fls. 50 do relatório se encontram incorrectos sou do parecer que os mesmos se devem manter.» - cfr. fls. 95, 95v.º e 97 do mesmo PAT apenso;

Ac) O Presidente da Comissão de Revisão, na decisão a que se reporta a al. N) que antecede, depois de se reportar aos fundamentos da impugnante e do seu vogal, pronuncia-se nos seguintes e expressos termos;
«II) Laudo do Vogal da Fazenda Pública
O Vogal da Fazenda Pública no seu Laudo, que aqui se dá como inteiramente reproduzido, concorda integralmente com o relatório da fiscalização, referindo que o Vogal do contribuinte não demonstrou em seu entender que os valores calculados pela fiscalização se encontravam incorrectos, pelo que propõe que esses valores se devem manter.

III) CONCLUSÃO
1) A decisão de tributar com recursos a Métodos Indiciários suscitada pelo Contribuinte e seu Vogal, não pode ser dirimida nesta Comissão de Revisão, porquanto o artº 84º nº 1 do Código de Processo Tributário limita o seu âmbito à apreciação da errónea quantificação do Lucro Tributável por métodos indiciários. (…).

2) Em relação ao valor das vendas presumidas, que o Contribuinte contesta, nomeadamente o facto de a prospecção ser efectuada em 91/01/04, verifica-se no relatório da fiscalização que aqui se dá como inteiramente reproduzido que os valores de prospecção foram deflacionados com a taxa de 20%, conforme ponto 2.1 do referido relatório.

3) (…)

4) Tudo ponderado dou o meu aval ao Laudo do Vogal da Fazenda Pública por considerar, que nem o Contribuinte nem o seu Vogal demonstraram que os elementos que serviram de base à fixação do Lucro Tributável se encontram incorrectos, pelo que fixo o Lucro Tributável em 50.843.471$00 apurado conforme folha 47 do relatório da fiscalização.» - cfr. fls. 101/102 do mesmo PAT apenso.

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- Nas conclusões 22. e 23. a recorrente imputa, desde logo, à decisão recorrida, vício de forma acarretando a sua nulidade e consistente n falta de fundamentação; E tal vício concretiza-o na circunstância da decisão recorrida, no capítulo denominado “da errónea quantificação da matéria tributável” se ter limitado a transcrever um acórdão do STA e a referir que os autos não contêm erros grosseiros fazendo tábua rasa dos seus argumentos vertidos nos art.ºs 40.º e segs. da p.i..

- Ora, crê-se manifesta a sem razão da recorrente.

- Desde logo porque, na linha de entendimento jurisprudencial que se tem por firma, a nulidade cominada no art.º 125.º/1(1), do CPPT, e consistente na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, apenas ocorra quando tal ausência seja total e absoluta e não já quando meramente deficiente/insuficiente, caso em que integrará um vício de fundo colidente com o valor doutrinal daquela, e não com a sua validade formal.

- O excerto da decisão recorrida em causa refere que «Como resulta apurado nos presentes autos, a liquidação adicional de IRC, foi efectuada tendo por base o recurso à tributação pelos métodos indiciários, a Administração Fiscal actuou, assim, “… no âmbito da chamada ‘discricionaridade técnica’, no qual o tribunal não sobrepõe o seu critério ao do órgão administrativo decidente, sem prejuízo de lhe censurar eventuais erros grosseiros ou manifesto …” – vide Acórdão do STA DE 23-04-1997, disponível em www.DGSI.pt.
Ora, não resultando dos autos, como não resulta, a existência de tais erros grosseiros ou manifestos na qualificação e quantificação do lucro tributável, impõe-se a conclusão de que a actuação da Administração Fiscal não merece, no caso concreto, censura.”.

- Ou seja, o que a Mm.ª juiz considerou foi que, no âmbito da fixação da matéria colectável por recurso a métodos indiciários a AT goza/usufrui de uma “discricionaridade técnica” na fixação do “quantum” a qual apenas é contenciosamente sindicável com base em erros grosseiros ou manifestos, erros esses que, à luz da factualidade que deu, por provada, se não verifica(ram) no caso em análise.

- É, pois, patente, que a Mm.ª juiz recorrida, com tal discurso, não deixou de fundamentar a sua decisão, em termos de que se lhe não possa assacar que a mesma padeça de tal tipo de vício; pode-se discordar de que o afirmado na sentença e acima transcrito tenha cobertura legal mas essa é uma questão que se prende com a validade substancial da decisão e já não com a sua validade formal.

- Sem embargo e ainda que assim se não entendesse, sempre a arguida nulidade por falta de fundamentação da sentença estava condenada ao malogro.

- É que, apesar de, do ponto de vista da estruturação formal da decisão, a Mm.ª juiz recorrida ter intitulado uma secção da mesma com a epígrafe “Da errónea quantificação da matéria tributável”, a verdade é que, para efeitos de aferição da fundamentação da sentença, no que a esta matéria respeita, se tem de ponderar toda a argumentação fundamentadora, acolhida na sua globalidade, e que a Mm.ª juiz recorrida tenha utilizado para decidir como decidiu.

- Ora a decisão recorrida não deixa, ainda, de referir que “No que se reporta à matéria alegada no art.º 19.º da p.i de inexistência de contrato promessa de compra e venda para os anos de 1988 e 1989, resulta do Relatório de Inspecção que as correcções efectuadas ao Lote E-12 tiveram como fundamento as irregularidades detectadas no que respeita às obras em curso e, por outro lado aos adiantamentos a clientes (…).
Quan(d)to aos demais argumentos produzidos na p.i., não logrou a impugnante abalar como lhe competia a legalidade das correcções efectuadas pela AT.
(…).”.

- Ora, face à forma como se encontra estruturada a sentença não se crê possível afastar o § que se vem de transcrever, a sublinhado, de um corroborar do afirmado posteriormente, no que concerne à fixação do “quantum”, que, como já referido, a recorrente não logrou demonstrar quaisquer erros grosseiros ou manifestos de que a mesma enferme e que, nessa estrita medida, viabilizassem a anulação do acto impugnado.

- Reafirma-se, pois, que não ocorre a invocada nulidade da decisão.

- Importa, por isso, passar a conhecer do mérito do recurso, no sentido de saber se a decisão recorrida, ao dar cobertura ao acto tributário impugnado, padece ou não, de erro de julgamento, sendo duas as questões decidendas.

- Por um lado, a questão de saber, se “in casu”, se podem considerar verificar os necessários e legais pressupostos de recurso à metodologia indiciária de que a AF lançou mão; Por outro e subsidiariamente, a de saber se a quantificação da matéria tributável operada padece de erro, pela utilização de critérios desajustados/inaptos ao “quantum” fixado e que está na base do imposto apurado.

- Vejamos então;

- Por questão de metodologia de trabalho, começaremos por tecer algumas sucintas considerações sobre o regime jurídico aplicável e, sequentemente, procederemos à subsunção da realidade factual apurada nos autos a esse mesmo regime para, daí, extrapolar a decisão que, a nosso se ver, se imporá.

- Assim e como é sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento da matéria colectável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AF, como meios subsidiários ou residuais.

- De facto e como é bem de ver o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte, como será, além do mais e designadamente, o caso de não disponibilizar os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei, ou de os disponibilizar com fundadas suspeitas, segundo juízos de probabilidade e normalidade adequada, de que não têm aderência á realidade, tendo presente que, se por um lado «... a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais» se «fundamenta(...) na chamada escrituração comercial, constituída pelos livros e registos obrigatórios e submetidos a formalidades legais, pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. folhas de caixa, artºs. 31º a 37º do C. Com.) e, ainda, pelos documentos justificativos, não sendo de esquecer que, de acordo com a lei, a escrituração comercial é, não só, o meio descritivo dos factos patrimoniais como, também, o modo formal da respectiva comprovação.»(2), por outro, a afirmação da regularidade formal da contabilidade, não implica, por si só, qualquer contradição insanável com a atestação da impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria colectável, impondo-se, por isso, o recurso a métodos indiciários, ou seja e dito por outras palavras, não é a correcção formal da escrita dos contribuintes que acarreta a sua aderência à realidade substancial .

- Do que resulta que, tendo os elementos contabilísticos do contribuinte de se encontrar organizados segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista substancial, casos em que gozam de uma presunção de veracidade, tal não implica, no entanto e “a contrario”, como já acima se referiu,- pela circunstância de tais elementos se encontrarem organizados correctamente do ponto de vista meramente formal -, a inibição da AT, no uso daqueles poderes de controlo, servindo-se dos meios legais alternativos ao declarativo no apuramento da matéria colectável, já que o que importa é apurar, tanto quanto possível e ao que aqui releva, o rendimento tributável efectivo.

- Por outro lado a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso à metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AF, tendo presente que, nos termos das regras do ónus da prova em sede de direito administrativo tributário, sem embargo de não haver uma particular incumbência de prova, por parte de quem quer que seja, à luz dos vigentes princípios de descoberta da verdade material e, da consequente, oficiosidade de investigação e indagação das provas, tal não deixa de implicar que, pela impossibilidade de manutenção de um “non liquet”, a ausência de prova de factos relevantes tenha de desfavorecer quem com ela estiver onerado, o que vale por dizer que tal obrigação de prova significa que é à AT que cabe a obrigação “... da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...” sob pena de a sorte do pleito, no que da respectiva factualidade dependa, lhes seja desfavorável.

- Importa, no entanto, ter ainda presente que, sendo embora, a opção do legislador a de abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente á maior subjectividade da metodologia indiciária em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - por falta de colaboração do contribuinte, como única solução, de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos os súbitos nacionais que revistam, casuísticamente, a qualidade de sujeitos passivos, a verdade é que a actuação da AF não deixa, no entanto de ter como baliza, o princípio de que a metodologia em causa há-de alcançar, na medida do possível as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional(3).

- Na linha deste entendimento e secundando jurisprudência deste Tribunal(4) “... cabendo à AF o ónus de provar dos pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto (...)».

- Ora, dentro desta linha de entendimento, afigura-se-nos que a razão falece á recorrente, quando questiona a verificação dos legais pressupostos legitimadores do recurso aos métodos indiciários, no caso vertente.

- Sem embargo de não deixarmos de acompanhar a recorrente no entendimento de que parte do lucro tributável do exercício em causa poderia ser corrigido tecnicamente, - como é. V.g., o caso da licença de construção, na medida em que, independentemente da sua aderência à realidade [questão que se coloca a outro nível], se se considerou que tal despesa não era de ser aceite por falta de demonstração cabal, parece que bastava expurgá-la -, a verdade é que se crê, reafirma-se, que, no caso vertente, a AF estava legitimada a lançar mão da metodologia de que se serviu.

- De facto não se vislumbra como, face à simples circunstância, afirmada no relatório e incontrovertida, de que a recorrente não dispunha de inventários de existências físicas(5) (cfr. art.º 14.º, da p.i.), quanto mais não seja nas obras, sendo certo que se não contesta que nos finais, e por consequência forçosa, também, nos inícios dos exercícios os registos contabilísticos evidenciavam que elas existiam, se possa concluir que tal não é, em si mesmo inviabilizante do real apuramento do lucro tributável,

- E, sendo assim tanto basta para se concluir pela legitimação do recurso á metodologia indiciária, uma vez que, sendo a extrapolação inerente a da inviabilização da quantificação directa e exacta do lucro tributável, no que daqueles elementos dependam, não era necessário que existissem quaisquer outros.

- Sem embargo, e em face de alguma da argumentação com que esgrime a recorrente, não deixaremos de tecer algumas considerações no sentido de que, nesta matéria, lhe falece a razão.

- Assim não tem razão, a nosso ver quando, no art.º 9.º das suas alegações de recurso sustenta que a falta de disponibilização de informação inequívoca não consubstancia qualquer tipo de fundamento para o recurso a métodos indiciários, como resulta do que acima se referiu a propósito desta metodologia e das obrigações de cooperação a que se encontram adstritos os contribuintes, designadamente ao nível da elaboração e credibilização dos seus elementos contabilísticos; Ou seja, quando a AF solicita informação inequívoca está necessariamente a reportar-se aos elementos que, o contribuinte, até no seu próprio interesse no âmbito do direito privado, não pode deixar de possuir, desde logo num critério prudencial, que permitam apurar um resultado com aderência à realidade, seja ele o declarado, seja ele um outro que importe corrigir tecnicamente.

- Se os não possui, eventual e independentemente de tal não resultar de uma imposição legal expressa, e essa ausência se revelar indispensável ao real apuramento do resultado obtido, é assertivo que se consubstancia em elemento legitimador do recurso á metodologia indiciária.

- Também se não acompanha a recorrente, v.g., quando nos art.ºs 13.º e segs. das suas alegações, sustenta a desnecessidade de possuir distintos centros de custo, com o argumento de que o lucro tributável é uno, enquanto resultado do diferencial do global de proveitos e custos.

- De facto, exercendo a recorrente duas actividades em que uma está sujeita e outra está isenta de IVA, tem-se por axiomática a relevância de tal distinção pela possível “engenharia contabilística” no sentido de, por referência às mesmas, se procederem a imputação de custos e de proveitos por forma a obter uma “maximização” de resultados, ainda que indevida, por falta de aderência á realidade acontecida, decorrente da diferenciação de regimes de tributação em sede de IVA.

- Sendo a linha argumentativa da recorrente passível, em nosso entender, do mesmo tipo de considerações que se vêm de fazer, em muitos outros aspectos, torna-se, contudo, inútil fazê-lo, na medida em que se entende que a solução final não pode deixar de lhe ser favorável.

- Isto porque, como acima se deixou dito, a actuação da AF não se pode ficar pela demonstração da ocorrência dos pressupostos legitimadores do recurso à metodologia indiciária, antes se lhe impõe, ainda e também, que, desde logo do ponto de vista substancial, fundamente os critérios de que venha a lançar mão naquela tarefa de quantificação se apresentem como os mais adequados ao alcançar da matéria tributável mais próxima da realidade, sem embargo de, o que se vem de dizer, não invalidar que, nesta matéria mas a jusante, ser sobre o contribuinte que recai um ónus de prova positivo de que a matéria tributável fixada pela AT não tem aderência à efectivamente verificada.

- Ora, com o atesta o relatório da acção inspectiva, nos termos em que se aditou o probatório, a AF lançou mão do recurso a presunções, para a quantificação da matéria tributável que suporta o acto de liquidação impugnado, no que concerne à fixação dos valores de venda das fracções autónomas do Lote E-12, sito na urbanização da Quinta do Romão em Quarteira (cfr. fls. 174, do PAT, apenso).

- E, como critérios quantificativos serviu-se, num primeiro momento, dos valores apurados pela DDF de Faro, em 1990, em acção de prospecção dos preços de venda em tal urbanização e, num segundo, na aplicação de uma taxa de actualização de 20%.

- Ora é na quantificação desta taxa de actualização de 20%, que se crê que a AF não apresenta fundamentação, designadamente substancial bastante à extrapolação dessa conclusão, enquanto elemento apto ao apuramento do efectivo valor de venda das referidas fracções autónomas que, por seu turno, constitui elemento nuclear ao apuramento final do imposto.

- De facto, o relatório, a este respeito, ancora-se a duas únicas referências;

- Por um lado porque tal taxa é, no entender do autor do relatório, a que melhor traduz o índice de inflação na venda das fracções de habitação; Ora, tal afirmação consubstancia um mero juízo conclusivo sem referência a qualquer circunstância factual que a suporte, já que nada é referido que permita dar por líquido que de facto assim é, isto é, que aquela referida taxa, e não uma outra qualquer, corresponde à que melhor traduz o índice de inflação na venda de fracções de habitação, com relevância ao apuramento do valor de venda das fracções em causa nos autos por reporte ao exercício a que respeita a liquidação impugnada.

- Por outro, porque, num raciocino que, desde logo, se nos afigura ilegítimo, por partir daquilo que se pretende demonstrar para a sua própria demonstração, afirma que é a utilização de tal taxa que permite conduzir a valores bastante aproximados dos valores apurados em avaliações bancárias para efeitos de empréstimos, quando o que teria era de aportar critérios objectivos e aferíveis da origem e justeza de tal taxa, sendo que os referidos valores apurados em avaliações bancárias se podiam ser uma resultante coerente com a taxa assim determinada, não lhe podem, contudo, servir de fundamento.

- Ora, limitando-se a tanto o teor do relatório da acção inspectiva, constata-se, por outro lado, que a decisão tomada na CRevisão, enquanto acto final de fixação e que, nessa medida, se tem de mostrar formal e substancialmente fundamentado, mas também, o laudo do vogal da FP, são completamente inócuos ao aportar de fundamentação da fixação da referida taxa, já que, neste último, tal questão é totalmente ausente e, a decisão do Presidente da CR, limitando-se remeter para o Laudo da FP e para o relatório inspectivo, quanto a esta questão se circunscreve à afirmação de que o referido relatório considerou a aludida taxa de 20% como valor deflacionista (cfr. fls. 102, dos autos).

- Sendo assim, e tendo-se, desde início, a recorrente insurgido contra o acto de liquidação desde logo pelos valores quantificados quanto aos valores de venda das referidas fracções do Lote E-12, forçoso se impõe concluir, a nosso ver, que a AF não cumpriu o ónus que sobra ela impendia de fundamentar substancialmente os critérios de quantificação utilizados, enquanto critérios aptos/adequados ao resultado obtido em tal domínio, inquinando, por consequência, de ilegalidade, esse acto de quantificação e, por consequência, o acto a jusante e subsequente de liquidação aqui sindicado.

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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e em julgar procedente a presente impugnação, anulando-se o acto de liquidação impugnado.
- Sem custas.

1- Correspondente ao invocado art.º 668.º, n.º 1, al. b), do CPC, invocado pela recorrente.
2- Cfr. Ac. deste Tribunal , in Rec. n.º 2.597/99.
3- Cfr. Prof. Saldanha Sanches in “A Quantificação da Obrigação Tributária” , 305.
4- Cfr. Ac. de 02.06.18 , Rec. nº. 6.388/02.
5- A recorrente apenas pretendeu justificar a inexistência de inventários de existências em armazém porque o(s) não possuía sendo todas as mercadorias enviadas de imediato para as obras.