Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1205/11.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/25/2018
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. O artigo 119.°, n.° 1, do CIMI, estipula quais os elementos que deverão constar na nota de cobrança a emitir aos sujeitos passivos de IMI, a saber, descriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.
II. No caso dos autos, o acto de liquidação constante do documento de cobrança não dá a conhecer ao contribuinte a base legal que sustenta a aplicação do novo valor patrimonial tributário (VPT) a anos anteriores à realização da avaliação, não se encontrado, por isso, devidamente fundamentado, padecendo de vício de forma por falta de fundamentação.
III. O artigo 37.º do CPPT não logra aplicação à situação de facto identificada em II. pois que, o mesmo visa estabelecer as consequências das deficiências das notificações dos actos em matéria tributária e não o regime dos vícios dos actos notificados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Tribunal Central Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por S..., na sequência do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de IMI, do ano de 2006, correspondente a 2/3 das fracções “A” a “P” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo 766º e no montante de €5.980,14.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I- O presente recurso visa a decisão proferida no processo em referência, com a qual não concordamos, em que o tribunal "a quo" considerou procedente o vício invocado pelo impugnante ("a falta de fundamentação dos ato tributário de liquidação de IMI de 2006"), decidindo não poder o ato sindicado manter-se na ordem jurídica, pelo que deve ser anulado.
II- O Tribunal "a quo" fundamenta a referida decisão na informação da Divisão de Justiça Contenciosa, oferecida na contestação, concluindo "que a AT assume como fundamentada a liquidação a que se refere a nota de cobrança aqui impugnada aquela que foi dada "a posterior" e em sede de reclamação graciosa."
III- Ora, não podemos concordar com tal conclusão, pois a mesma não se vislumbra do teor daquela informação. Ao contrário da leitura efectuada pelo Tribunal, a AT não pretendeu fundamentar a liquidação em momento posterior, ou seja, aquando da decisão da reclamação graciosa apresentada pelo contribuinte contra aquele acto.
IV- Apenas dar resposta a um pedido formulado pelo ora Impugnante, em sede de reclamação graciosa, pois, juntamente com a alegação da falta de fundamentação da liquidação adicional em causa, requereu ao abrigo do artigo 37º da LGT que fosse cumprido o requisito da fundamentação legal.
V- Por esta razão e face à necessidade de dar resposta aos argumentos apresentados pelo reclamante, o Serviço de Finanças de ..., na reclamação graciosa, fez um apanhado das razões de facto e de direito que estiveram na génese do acto de liquidação, aliás, retiradas da documentação junta àquele procedimento a fls. 14 a 17.
VI- Assim sendo, a referida informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa limita-se a referir que a reclamação graciosa contém a fundamentação do acto impugnado, remetendo-se para aquela, escusando-se assim de fazer uma nova análise sobre a fundamentação, por ser repetitiva.
VII- Conclui-se, pois, que no caso concreto, a alegada falta de fundamentação não se verifica, porquanto o impugnante tinha conhecimento da 1º transmissão, originada por óbito, bem como da avaliação que a mesma originou e que subjaz à liquidação ora impugnada, pelo que tais factos são manifestamente suficientes para conferir a este um conhecimento claro do motivo da liquidação.
VIII- Ora, considera-se o acto devidamente fundamentado sempre o respectivo destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos. Neste sentido, vide "Lei Geral Tributária Comentada e Anotada", CAMPOS, Diogo Leite, Benjamim Rodrigues, Jorge Lopes Sousa, 3ª ed., Vislis, Setembro 2003, pag. 381-382
IX- Conclui-se, pois, que no caso concreto, o acto tributário se encontra devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação do Impugnante revela que não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do acto.
X- Ainda assim, aquando da notificação do acto de liquidação, e caso alguma dúvida subsistisse no espírito do contribuinte, deveria este ter recorrido ao disposto no artigo 37º do CPPT (artigo 22º do CPT, à data dos factos), o qual lhe permitiria obter todos os elementos e esclarecimentos que entendesse necessários à compreensão do acto de liquidação.
XI- Neste sentido, se pronuncia António Lima Guerreiro, em anotação ao artigo 77° da LGT, "Lei Geral Tributária anotada", Ed. Rei dos Livros, 2000, pág. 341: "Tem sido jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (seguida a partir do Acórdão de 11 de Dezembro de 1991, recurso nº 11897), que a falta de notificação da fundamentação não afecta a legalidade do acto. É um elemento exterior ao acto e não um requisito da sua perfeição. A falta de notificação conduz apenas à consequência prevista no artigo 37º do CPPT, nos termos do qual, se a notificação não contiver todos os requisitos previstos na lei, pode o interessado requerer a notificação dos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha isenta de qualquer pagamento, contando-se apenas a partir da notificação dos factos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha o prazo de reclamação, recurso ou impugnação judicial". (sublinhado nosso)
XII- Assim a existir falta de fundamentação, tal vício estaria sanado, na medida em que a Impugnante não sentiu necessidade de recorrer à faculdade prevista no disposto no artigo 37º do CPPT.
XIII- O preceituado em tal disposição legal não pode deixar de constituir um ónus que impende sobre o sujeito passivo, sob pena de, a entender-se o contrário (isto é, como mera faculdade do sujeito passivo), se estar a favorecer "(...) a má fé do contribuinte, já que lhe permite maliciosamente não utilizar o direito de requerer os fundamentos omitidos e a passagem de certidão que os contenha até que decorra o prazo de caducidade do direito de liquidação (...)'', in GUERREIRO, António Lima, "Lei Geral tributária Anotada", Ed. Rei dos Livros, 2000, pág. 342.
XIV- Mas, bem vistos os factos, me parece que tal faculdade acabou por ser usada pelo contribuinte, não em momento prévio à reclamação graciosa, como previsto, mas na própria reclamação apresentada em reacção ao acto de liquidação em causa, pelo que, salvo melhor opinião, o pedido efectuado nos termos do artigo 37º do CPPT acabou por ser feito dentro do prazo e através dele teve acesso à fundamentação de forma exaustiva e completa no momento da notificação da decisão proferida na reclamação graciosa.
XV- Assim sendo, tendo conhecimento dos motivos que originaram a liquidação em causa, nada impediu o contribuinte de fazer a sua opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação.
XVI- Assim, com o devido respeito, deverá concluir-se pela inexistência de violação do princípio da fundamentação, mantendo-se a validade e eficácia legal do acto de liquidação.
XVII- Pelo que, ao decidir de forma diversa, é entendimento da Fazenda Pública que o Tribunal a quo fez na douta sentença erróneo julgamento dos factos e do direito, razão pela qual deverá ser revogada e substituída por acórdão que declare a improcedência dos presentes autos de impugnação.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

**
Não foram apresentadas contra-alegações.

**
O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do TCA emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso. (fls 156/157 dos autos)

**
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.

**
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
De harmonia com o disposto nos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil (CPC) ex vi, artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que aqui se não detectam.
Neste quadro, compulsando as conclusões do recurso verifica-se que a única questão que importa aqui apreciar consiste em saber se a sentença incorre em erro de julgamento por ter considerado que o acto de liquidação impugnado (liquidação de IMI do ano de 2006) padece do vício de forma por falta de fundamentação no que respeita ao valor patrimonial tributário utilizado na dita liquidação.

**
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1. Em 23/04/04, foi apresentada no Serviço de Finanças de ..., a declaração para inscrição ou actualização de prédios na matriz, relativamente ao Imposto Municipal sobre Imoveis (IMI) e ao prédio sito em Rua ..., 39 - freguesia de ... em Lisboa e inscrito na respectiva matriz sob o artigo nº766, por S... com o NIF ... – cfr. fls. 23 a 27 dos autos.

2. Da declaração supra consta que, à data, o prédio se encontrava na titularidade de, J... – Cabeça de Casal na herança de, como único proprietário e como motivo de entrega da declaração foi indicado “Prédio Melhorado / Modificado / Reconstruido” e “ Mudança da Afetação do Prédio” – cfr. fls. 23 a 27 dos autos

3. Por escritura lavrada no Cartório Notarial de …, sito na Rua … n.º 45 r/c Esq. em Lisboa, em 10/07/2007, foi constituída propriedade horizontal do prédio identificado em 1., deste probatório, do qual se declararam proprietários:
- Maria …, casada
- João …, solteiro
- S..., solteiro
Tudo conforme consta de fls. 28 a 33 dos autos

4. Do documento supra consta que o prédio é composto por cave, rés de chão e 5 andares e reúne os requisitos exigidos para ser submetido a propriedade horizontal, regime a que, por aquele instrumento, foi submetido, 16 fracções autónomas individualizadas pelas letras “A” a “P”cfr. fls. 28 a 33 dos autos

5. A constituição do prédio em propriedade horizontal a que nos vimos referindo, foi participada ao Serviço de Finanças de ..., através da declaração (Mod.1) “Comprovativo da declaração para inscrição ou actualização de Prédios Urbanos na Matriz” – cfr. fls. 43 e 43-a do PA aqui em anexo e assumido no ponto 22 da informação da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa elaborada em 15/02/2012

6. Da nota de cobrança nº2008 455452303, consta:

“imagem no original”

(…)”
Tudo conforme consta do PA aqui em anexo.

7. O Impugnante tomou conhecimento do teor da nota de cobrança supra, durante o ano de 2010 – não contestado

Factos não provados

Dos autos não resulta provado que a nota de cobrança a que nos referimos no ponto 6., do probatório tenha sido acompanhada de qualquer tipo de fundamentação.

Não se provaram outros factos que em face das possíveis soluções de direito importe registar como não provados.


«»

A convicção do Tribunal no estabelecimento deste quadro factológico fundou-se, na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra.
Quanto ao facto não provado, resulta da falta de informação em contrário e mostra-se assumido pela Fazenda Publica nos elementos e informações que foram juntas aos autos, nomeadamente, na informação da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa, oferecida pelo representante da Fazenda Publica na Contestação que refere expressamente que na decisão da reclamação graciosa foi dado ao aqui Impugnante, a fundamentação do ato Impugnado, é o que se extraí do trecho a que se reportam os pontos 16.º e 17.º da referida informação e que se transcrevem:
“(…)
I – Do Processo de Reclamação nº3247201104000455:
16.º
Compulsados os elementos do processo administrativo, nomeadamente a reclamação graciosa n.º 324720110400455 em apenso, constata-se que a AF já se pronunciou sobre o pedido, através da informação do processo de reclamação graciosa, pelo SF de ..., (…) indeferindo o pedido apresentado pelo então reclamante.
17.º
A referida informação, conclui pela manutenção daquele acto tributário e, observando o que deixamos escrito supra no ponto “A”, a titulo de questão prévia, afigura-se que a mesma contem a fundamentação do acto ora impugnado.
(…)”
Donde se conclui que a AT assume como fundamentada a liquidação a que se refere a nota de cobrança aqui impugnadas aquela que foi dada “a posterior” e em sede de reclamação graciosa.»
**

B.DE DIREITO

Como relatado, a Fazenda Pública (adiante recorrente) discorda da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de indeferimento expresso que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada visando a anulação da liquidação adicional de IMI do ano de 2006 e dela recorre com o fundamento de que foi feito errado julgamento quando se considerou que a liquidação padece do vício de forma por falta de fundamentação.

Na óptica da recorrente, não pode, manter-se o julgado recorrido, porquanto, « (…) o impugnante tinha conhecimento da 1ª transmissão, originada por óbito, bem como da avaliação que a mesma originou e que subjaz à liquidação ora impugnada, pelo que tais factos são manifestamente suficientes para conferir a este um conhecimento claro do motivo da liquidação.» [conclusão VII] e funda-se ainda na consideração que «(…) a existir falta de fundamentação, tal vício estaria sanado, na medida em que a Impugnante não sentiu necessidade de recorrer à faculdade prevista no disposto no artigo 37º do CPPT»[conclusão XII].

Posto isto, analisemos agora a questão que integra o objecto do presente recurso.

Não sofre dúvida que a fundamentação dos actos administrativos constitui um imperativo constitucional por força estatuído no artigo 268.º, n.º3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e reforçada pela Lei Geral Tributária (LGT) no seu artigo 77º.

Tal fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão. ( Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA de 11.12.2002, proferido no processo n.º 01434/02, disponível em texto integral em www.dgsi.pt.

E, foi neste enquadramento que a Meritíssima Juiz entendeu que estando em causa uma liquidação efectuada fora do prazo legalmente previsto, pois que se tratava de uma liquidação referente ao ano de 2006 levada ao conhecimento do seu destinatário em 2010: « [a] AT deveria ter dado a conhecer ao contribuinte todos os elementos que suportam a liquidação, nomeadamente: o valor patrimonial sobre que incide, a base legal que lhe permite sustentar a aplicação do novo valor, se foi ou fixado em avaliação e, se sim, a data em que a mesma foi realizada e porque motivo, até porque no caso em apreço, o imposto reporta-se, como se disse a 2006 e o imóvel sofreu alterações por força da constituição da propriedade horizontal em 2007, participada em tempo no respectivo serviço de finanças (Ponto 5. do probatório), o que pode suscitar dúvida quanto à origem do novo valor ora tributado».

Concorda-se com esta argumentação, acrescente-se, contudo, que em momento algum, a recorrente afirma que deu a conhecer ao recorrido na nota de liquidação o valor patrimonial sobre que incide e a base legal que lhe permite sustentar a aplicação do novo valor patrimonial tributário.

Neste quadro e a propósito de questão semelhante àquela que se discute nos presentes autos foi doutamente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.11.2013 proferido no processo n.º 668/13 (indicado na sentença recorrida)- sumário-« I.O documento de cobrança a que se refere o artigo 119.º do Código do IMI não afasta a necessidade de fundamentação normativa dos actos de liquidação de IMI determinados por nova avaliação do prédio quando o novo valor patrimonial tributário vá servir de base a liquidações de imposto referentes a anos anteriores àquele no qual o acto de avaliação teve lugar. II - Decorre das regras gerais consagradas quanto à fundamentação dos actos tributários, designadamente do disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT, que a Administração tributária tem de dar a conhecer ao contribuinte a base legal que lhe permite sustentar a aplicação do novo valor patrimonial tributário a anos anteriores à realização da avaliação, ou seja, desde a aquisição que justificou a avaliação do prédio segundo as regras instituídas pela Reforma da Tributação do Património de 2003, porquanto tal aplicação, embora se possa encontrar justificada em face das regras gerais do CIMI, não surge como uma evidência e os contribuintes têm direito à fundamentação expressa e acessível dos actos que afectem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.º, n.º 3 da Constituição).» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

O que tudo serve para dizer que, temos, portanto, como certo que a Administração Tributária não deu a conhecer minimamente, de facto e de direito, o que a levou a apurar o valor de € 5.980,14 referente a imposto a pagar, e nem se diga, como o faz a recorrente, que « [o] impugnante tinha conhecimento da 1ª transmissão, originada por óbito, bem como da avaliação que a mesma originou e que subjaz à liquidação ora impugnada, pelo que tais factos são manifestamente suficientes para conferir a este um conhecimento claro do motivo da liquidação uma vez que tal não ficou demonstrado.

Por outro lado, os argumentos contidos nas conclusões III a V acima transcritas não abalam os fundamentos da sentença, isso mesmo decorre do n.º1 do artigo 37º do CPPT, que sob a epígrafe “Comunicação ou notificação insuficiente” estabelece o seguinte:« Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.».

Comentando o preceito, JORGE LOPES DE SOUSA, afirma: «Este art. 37.º só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos actos notificados. No âmbito do art. 37.º a Administração apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado.» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume I, 6.ª ed., 2011, pág. 349, nota 3 a)

Dito de outra forma: uma coisa são as irregularidades ou vícios próprios do acto notificado que o contribuinte tem o direito de impugnar, outra são as irregularidades da notificação relativas a um acto que contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram enviados na respectiva notificação. Neste caso, só neste caso, impõe-se o recurso ao disposto no artigo 37º do CPPT sob pena de o contribuinte perder o direito a ser notificado dos elementos que existem, mas não lhe foram comunicados.
Aliás, não pode também esquecer-se que a fundamentação deve ser contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori.(Neste sentido, vide entre muitos outros os acórdãos do STA, de 26.03.2014e 23.04.2014, proferido respectivamente nos processos n.ºs 01674/13 e 01690/13, ambos disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt).

O que significa que a recorrente não pode, subvertendo a finalidade para a qual foi criado o artigo 37º do CPPT, pretender fundamentar a liquidação na sequência do pedido de comunicação dos fundamentos do acto.

Sendo assim, como bem decidiu a sentença recorrida, o sindicado acto de liquidação sofre de vício de forma, por falta de fundamentação, determinante da sua anulabilidade.

A sentença recorrida não merece, assim, censura.

IV.CONCLUSÕES

I. O artigo 119.°, n.° 1, do CIMI, estipula quais os elementos que deverão constar na nota de cobrança a emitir aos sujeitos passivos de IMI, a saber, descriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.

II. No caso dos autos, o acto de liquidação constante do documento de cobrança não dá a conhecer ao contribuinte a base legal que sustenta a aplicação do novo valor patrimonial tributário (VPT) a anos anteriores à realização da avaliação, não se encontrado, por isso, devidamente fundamentado, padecendo de vício de forma por falta de fundamentação.

III. O artigo 37.º do CPPT não logra aplicação à situação de facto identificada em II. pois que, o mesmo visa estabelecer as consequências das deficiências das notificações dos actos em matéria tributária e não o regime dos vícios dos actos notificados.

V. DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente.


Lisboa, 25 de Janeiro de 2018.

[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Vital Lopes]