Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1810/09.9BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRC
NULIDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
NULIDADE SENTENÇA
ERRO JULGAMENTO
CADUCIDADE DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I. Resulta do regime geral das nulidades dos actos que as nulidades processuais devem, em regra, ser arguidas perante o tribunal em que as mesmas foram cometidas, cabendo recurso, nos termos gerais, da decisão proferida sobre o requerimento de arguição.
II. Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
III. Tendo sido efectuada a gravação da audiência em conformidade com o disposto na lei, com registo na própria acta, assinada pelo juiz, é uma realidade que consta do processo, que tem de ser considerada.
IV. O princípio da plenitude de assistência dos juizes é um corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova e a ele está subjacente a ideia de que para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os actos de instrução e discussão da causa realizados na audiência de julgamento.
V. A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto abrange tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123.º, n.º 2 do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC.
VI. Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios.
VII. Quando se aplica a extensão do prazo da caducidade prevista no n.º 5 do art. 45.º da LGT aos prazos que já se encontravam em curso na data do início da vigência da norma (1 de Janeiro de 2006) isso não significa a aplicação retroactiva da nova disposição legal, porquanto o facto extintivo do direito à liquidação é duradouro (reconduzindo-se ao decurso do prazo) e não instantâneo.
VIII. Com a instauração do processo de inquérito criminal a Administração Tributária não fica inibida de diligenciar através dos procedimentos legais e tecnicamente indispensáveis, designadamente, com a elaboração do relatório de inspecção tributária no âmbito de uma acção inspectiva, e com o desenvolvimento dos procedimentos técnicos de promoção da liquidação e notificação ao sujeito passivo.
IX. Embora a administração tributária possa desconsiderar o valor indicado como preço de compra e venda de certo imóvel constante de escritura pública (cfr. artigo 39.º da LGT), e sem necessidade de previamente haver decisão judicial que declare a nulidade de tal acto, é entendimento consolidado na nossa jurisprudência que para desconsiderar esse preço (declarado) terá de carrear elementos certos, seguros e consistentes, que demonstrem com um elevado grau de certeza que o montante do preço declarado não foi aquele, mas outro superior.
X. O acto tributário estará fundamentado quando contenha os requisitos gerais e especiais de fundamentação previstos na lei, que impõe se dêem a conhecer ao contribuinte não só as razões factuais que motivaram a decisão como também as disposições legais aplicáveis.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. Construções F..., S.A, representada por A..., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou parcialmente procedente a impugnação por si deduzida contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra o acto de liquidação de IRC e Juros Compensatórios do ano de 2003, no valor de 204.987,57€.

2. O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso é interposto da, aliás, douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria na parte em que julgou improcedente a impugnação deduzida, após indeferimento total de reclamação graciosa, contra a liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 2003.

B. Enfermam os autos de nulidades processuais, de que só com a confiança dos Autos para preparação do presente recurso a ora recorrente tomou conhecimento, contra as quais, se em tempo, reclama para os devidos e legais efeitos.

C. Na verdade, tanto a contestação como as alegações apresentadas pela Digna Representante da Fazenda Pública foram apresentadas, segundo a contagem dos correspondentes prazos feita pela ora recorrente no dia subsequente ao último dia do prazo legal, pelo que deviam ter pago coima, que não pagaram.

D. Consequentemente, tal nulidade acarreta o desentranhamento dessas peças processuais dos Autos e a sua inexistência processual com todos os efeitos legais.

E. Bem como a inexistência de quaisquer referências, com relevância processual, que lhes sejam feitas nos mesmos Autos.

F. Do facto, aliás, se terá apercebido o MM.º Juiz a quo, que em matéria decisória preferiu invocar documentos constantes do Processo Administrativo junto aos Autos e não de documentos idênticos juntos, designadamente, com a contestação.

G. No Processo Administrativo encontra-se, com relevância para a justa decisão da causa, uma INFORMAÇÂO prestada pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Faro na sequência de um procedimento externo de fiscalização que aqueles levaram a efeito à ora recorrente, ao exercício de 2003 e com referencia a IRC.

H. Assim, invoca-se a ilegalidade, e requer-se que seja desentranhado dos Autos, do Relatório de Inspeção Tributária produzido pela Direção de Serviços de Finanças de Santarém, por violação do n.º 4 do artigo 63.0 da LGT e o disposto no artigo 7.º do RCPIT.

I. Sem prescindir, a liquidação que foi objeto de impugnação e em relação à qual não foi considerado procedente o fundamente de ilegalidade por caducidade, é, no entender da ora recorrente, ilegal por caducidade.

J. O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos quanto a lei não fixar outro.

K. Reportando-se a liquidação ao exercício de 2003 e a IRC, terminando o prazo de caducidade em 31-12-2007 e tendo a liquidação sido efetuada e notificada em finais de 2008, objetivamente o prazo legal de caducidade de quatro anos não foi respeitado.

L. Embora a ora recorrente o considere ilegal, o procedimento de inspeção tributária iniciado ainda em 2007 pela Direção de Finanças de Santarém, deixou de ter virtualidade suspensiva do prazo de caducidade nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, porque se prolongou para lá de seis meses, pelo que o prazo de caducidade aqui em causa terminou inapelavelmente em 31- 12-2007.

M. É entendimento da DF de Santarém, sufragado pelo Tribunal a quo, que, por ter sido instaurado inquérito, se aplica neste caso o prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT.

N. Discorda radicalmente a ora recorrente de tal entendimento.

O. Aproveitar-se dos "prazos normais" de caducidade e da sua eventual extensão por força do n.º 1 do artigo 46.º da LGT e, quando não chegam, "proteger-se" sob a capa do n.º 5 do artigo 45.º da LGT é uma conduta ilegal adotada pela Administração Fiscal que está nos limites do abuso do direito, se não é mesmo abuso de direito.

P. Nada teria a ora recorrente, por princípio, contra a aplicação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT se liquidação se processasse uma vez verificados os respetivos pressupostos: arquivo do inquérito ou trânsito em julgado da sentença que tenha posto fim ao processo.

Q. Mas não foi isso que se passou: a AT procedeu à liquidação antes sequer de o inquérito prosseguir, uma vez que este ficou, por aquele facto, pendente da decisão, transitada em julgado, que decidir impugnação ou oposição judiciais.

R. Há aqui, em matéria de aplicação da lei, alguma coisa que não bate certo.

S. Pode haver muitas e diversas interpretações do n.º 5 do artigo 45.º da LGT. Porém,

T. O prazo fixado no n.º 5 do artigo 45.º da LGT é um prazo autónomo (em razão dos pressupostos de cuja verificação depende se considere vigente - note-se que pressupõe uma liquidação de imposto a final), e não um prazo sucessivo ou substitutivo.

U. Uma vez instaurado inquérito suspensivo da caducidade nos termos do n.º 5 do artigo 45.º, tem de entender-se, sob pena de irracionalidade normativa, que fica prejudicada a averiguação autónoma de factos tributários, nomeadamente através do procedimento de inspeção tributaria, para efeitos de liquidação imediata, devendo esta aguardar a verificação de algum dos factos que nele se preveem.

V. A intenção do legislador do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não foi a de viabilizar, através da mera instauração de um processo de inquérito, a suscetibilidade de liquidação de impostos já abrangidos pela caducidade ou de evitar que o fossem se, em condições normais, pudessem e devessem ter sido liquidados pela AT.

W. A mais conceituada doutrina que sobre a matéria se pronunciou, fê-lo sempre no sentido da "separação das águas", isto é, da segregação de funções da própria AT e da específica utilização do prazo consagrado no n.º 5 do artigo 45.º da LGT.

X. Que nunca abrangeria um caso como o que aqui se discute.

Y. Está, pois, inquinada de vício de violação de lei, por caducidade a liquidação efetuada à ora recorrente, que, com tal fundamento, tem de ser anulada.

Z. Sem prescindir, alega-se erro de julgamento sobre a matéria de facto.

AA. Expressa-se o Tribunal a quo no sentido em que a convicção que lhe permitiu dar como provados os factos assentou, em primeiro lugar, na análise dos documentos constantes dos autos.

BB. Ora, o que foi tal análise é algo que não se descortina na fundamentação da decisão: os documentos foram pura e simplesmente enumerados no probatório e, em certos casos, sem se saber com que critério, tal quem sabe para os "dar como provados" a transcrevê-los praticamente na íntegra.

CC. Por razões de análise, classificam-se em três categorias os documentos referidos: "Documentos de natureza contabilística"; "Documentos de Natureza Declarativa"; e "Documentos Oficiais".

DD. Sobre os "Documentos de natureza contabilística" têm eles a inusitada característica de constituírem anexos à INFORMAÇÃO prestada pela DF de Faro, no âmbito do procedimento inspetivo que levou a cabo e que a DF de Santarém "deitou para o caixote do lixo". Nesse procedimento, tais documentos constituíam indícios com base nos quais era proposta a aplicação de métodos indiretos para a determinação da matéria coletável da ora recorrente.

EE. Sobre os "Documentos de natureza declarativa", são documentos relativos, por um lado, a depoimentos obtidos dos adquirentes de frações autónomas à ora recorrente, por outro, relativos ao pagamento de sisa/ imposto do selo.

FF. De sete documentos qualificados como "Auto de Declarações" transcritos no Relatório de Inspeção da DF de Santarém e nos factos dados como provados, apenas dois foram juntos ao Relatório de Inspeção, havendo mais um nos Autos que foi junto a instâncias da ora recorrente.

GG. Podem indiciar o que quer que seja, muito mais podem fazer prova, "Autos de Declarações" não juntos aos Autos? É a sua transcrição no Relatório que faz prova? E se não estiverem assinados, por exemplo?

HH. A que declarações se refere o Tribunal a quo quando escreve na sentença que "Enfatizo, pois, pela sua importância, as declarações prestadas pelos adquirentes à Administração Fiscal, os quais vieram confessar que o preço pago foi superior ao escriturado"?

II. E vieram, os adquirentes, "confessar" o quê? Um preço pago ou um valor patrimonial que é elemento de comparação no pagamento da sisa, obtido por avaliação, sobre o qual a maioria deles, que aparentemente se terá deslocado ao serviço de finanças competente, persuadidos pela senhora inspetora tributária que os não esclareceu como era seu dever profissional e ético de que já tinha caducado o direito de liquidação, para pedir a liquidação, terá pago a sisa diferencial?

JJ. Quanto às declarações para pagamento de sisa (adicional) bem se pode afirmar que constituem prova de que o preço pago foi superior ao "escriturado" - expressão de muito agrado do MMº Juiz a quo, quando os preços constam de escrituras públicas que, como s sabe, são documentos autênticos. Mas a verdade é que, com exceção de um, em seis, a "nova" sisa é liquidada sobre o "valor da avaliação", isto é sobre o valor patrimonial nos termos do § 2.º do artigo 19.º do Código da Sisa, aplicável ao tempo, "por ser maior que o convencionado", não se podendo, com legitimidade, retirar desse "valor patrimonial" um valor equivalente ao preço pago, como é óbvio.

KK. Quanto aos "Documentos Oficiais", é óbvio e por demais evidente que a convicção do Tribunal se formou em torno do Relatório da Inspeção Tributária da DF de Santarém, que transcreveu integralmente, mesmo naqueles partes em que não se fazia prova do que nele se escrevia, impugnando-se a sua validade nesta parte.

LL. As principais omissões e imprecisões que, no mínimo, não podem deixar de incutir dúvida fundada sobre os factos nele relatados, foram antes integradas em conclusões que aqui se dão por reproduzidas por economia processual.

MM. O quadro dos "preços" para as frações que resulta do método adotado pela DF de Santarém, além de não ter qualquer fundamentação - e teria que estar provado plenamente - parece deixar ficar mal, no plano da justiça tributaria, a própria Direção de Finanças.

NN. Para além de "documentos" de muito duvidosa consistência mermente indiciária, quanto mais probatória, não se juntam ao Relatório, pese embora a sua elaboração tenha sido levada a cabo em simultâneo com a realização de diligências para um inquérito criminal, quaisquer outros documentos, designadamente meios de pagamento ou da sua evidência (para além de fotocópia de um cheque que foi enviada à DF de Santarém pela DF de Faro!) que comprovassem as próprias declarações dos adquirentes.

OO. Trata-se, pois, de uma prova documental incapaz de provar plenamente, como se exigia face à repartição do ónus da prova que decorre do disposto no artigo 74.º da LGT em concordância com opção pelo método direto por que a DF de Santarém optou, as correções diretas efetuadas à matéria coletável da ora recorrente com referência ao exercício de 2003 e a IRC.

PP. Mas também a convicção do Tribunal recorrido se motiva "nos depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante".

QQ. Neste ponto, assinala-se que não existe gravação áudio dos depoimentos das duas testemunhas arroladas pela ora recorrente, ouvidas no TT de Lisboa, matéria em relação à qual o Tribunal recorrido é omisso

RR. E assinala-se ainda que não é referido pelo MM.º Juiz a quo o depoimento da senhora inspetora autora do Relatório da Inspeção Tributária que, aliás, foi ouvida por expressa determinação da MMª que, à data, presidiu à inquirição das testemunhas, sem que se saibam as razões da omissão.

SS. O que se julga configurar nulidades que ora se alegam e das quais se reclama, com todos os devidos e legais efeitos.

TT. Invoca-se, igualmente, para os fins tidos por convenientes, a inexplicável violação do princípio da oralidade e da imediação: tendo a inquirição de testemunhas terminado a 5 de abril de 2011 só mais de cinco anos depois a sentença é proferida, naturalmente por magistrado diferente daquele que presidiu à inquirição.

UU. Sobre os depoimentos, fica provada a tendenciosidade das referencias aos depoimentos das duas testemunhas arroladas pela ora recorrente, porquanto nenhuma das suas afirmações que lhe eram favoráveis foram relevadas pelo MMº Juiz a quo nem sequer sustentaram o ensaio de qualquer outra tese que não a defendida pela Fazenda Pública.

VV. Não apenas não houve um julgamento crítico e analítico da prova testemunhal produzida, como não houve sequer o necessário distanciamento e consequente imparcialidade que se exige do julgador nestas circunstâncias.

WW. De tudo se conclui que a ora recorrente mostrava aos adquirentes um andar modelo.

XX. Que os adquirentes compravam um andar modelo e, subsequentemente, pediam alterações, por sua conta e ordem.

YY. Que o preço da fração não pode deixar de ser aquele que era pedido pelo "andar modelo", reportado naturalmente à tipologia que estivesse em negociação.

ZZ. Que todas as alterações solicitadas mais não poderiam que configurar um contrato de empreitada, na acepção que deste nos dá o artigo 1207.º do Código Civil, enquadramento que a AT não quis e continua, inexplicavelmente, a não querer fazer, como se fosse ilegal ou, até, criminoso!

AAA. As declarações dos adquirentes valem o que valem, quando não são acompanhadas de outros meios de prova, sobretudo dos pagamentos que dizem ter feito, pois é deles o ónus de provar o que dizem ter pago, e quando nem sequer podem ter o valor de confissão em sentido jurídico, na medida em que delas não resulta para eles qualquer prejuízo jurídico : a terem de pagar sisa, pelos valores por que terão pago, se pagaram, tal dever já resultava diretamente da lei, sem necessidade de qualquer “auto de declarações" ou de “sugestão dos funcionários".

BBB. Não se mostra provado, e tinha de ser provado pela AT, que as frações B, C, H, I, K, J, O e P tenham sido vendidas pelos preços por que a AT diz que foram vendidos, pelo que devem prevalecer os preços de venda que constam da contabilidade da ora recorrente e das correspondentes escrituras públicas de compra e venda.

CCC. A decisão sobre a matéria de facto enferma, assim, de erro no julgamento que a invalida, não podendo ser tida em conta.

DDD. Sem prescindir, a liquidação é ilegal por inexistência de facto tributário e ou errónea quantificação da matéria coletável, por violação do disposto nos artigos 17.º e ss e 57.º do Código do IRC, com a redação ao tempo dos factos, e do artigo 90.º da LGT.

EEE. A AT não fez prova plena, como lhe competia, da veracidade das correções que efetuou ao lucro tributável, pelo que, quando muito, apenas lhe assistia o direito de determinar aquele mediante aplicação dos métodos indiretos.

FFF. Sem prescindir, a liquidação não se pode manter por falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 77.º da LGT.

GGG. Sendo a sua fundamentação constituída exclusivamente pelo Relatório da Inspeção Tributária da DF de Santarém, já ficou demonstrado à saciedade que este, pelas suas omissões, insuficiências, imprecisões e contradições, não é suscetível de fundamentar o que quer que seja, muito menos a liquidação em causa.

HHH. Ainda sem prescindir, o n.º 5 é materialmente inconstitucional por ser retroativo, na medida em que, tratando-se de um prazo que contende diretamente com garantias dos contribuintes, se aplicou aos prazos em curso, norma inútil porque mesmo que o legislador nada dissesse era o que decorreria do n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil.

III. E é igualmente inconstitucional porque, pelo mesma razão de ser um prazo que contende diretamente com as garantias dos contribuintes, viola os princípios da certeza e segurança jurídicas, bem como o princípio da legalidade, constantes da CRP.

NESTES TERMOS, e nos mais que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deve a, aliás, douta sentença recorrida, na parte em que é desfavorável à recorrente, ser revogada, com todas as legais consequências.”

3. A Fazenda Pública, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, nos termos constantes de fls. 607 (da numeração dos autos de suporte físico).

5. O Mmo. Juiz a quo omitiu despacho sobre a apreciação das suscitadas nulidades da sentença. Porém, entendemos dispensável que tal despacho seja proferido, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 617.º do Código de Processo Civil (CPC).

6. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, as questões suscitadas e a apreciar e decidir são as seguintes:

(i) Nulidades processuais, por a contestação e alegações da Fazenda Pública terem sido apresentadas no dia subsequente ao último dia do prazo e não ter sido paga multa;

(ii) Ilegalidade do Relatório de Inspecção Tributária, por existência de Informação prestada pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Faro;

(iii) Nulidade por não existir gravação áudio do depoimento das testemunhas;

(iv) Nulidade por violação do principio da oralidade e da imediação, por a sentença ter sido dada por magistrado diferente daquele que presidiu à inquirição de testemunhas;

(v) Nulidade da sentença por falta de analise critica e analítica da prova;

(vi) Erro de julgamento da matéria de facto e da valoração da prova;

(vii) Erro de julgamento, quanto à apreciação da inconstitucionalidade do n.º 5, do artigo 45.º da LGT;

(viii) Erro de julgamento, por ter considerado que não se verifica a caducidade do direito à liquidação;

(ix) Erro de julgamento por ter validado as correcções, por inexistência de facto tributário e errônea quantificação;

(x) Erro de julgamento por ter julgado improcedente a alegada falta de fundamentação da liquidação.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) A Impugnante é uma sociedade anónima que exerce a actividade de "Construção de Edifícios” inscrita com o CAE 45211 – cfr. fls. 39 do Processo Administrativo (PA) apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B) Em 6/03/2003, foi outorgado entre A..., na qualidade de representante da sociedade Construções F..., S.A. e C... o instrumento junto a fls. 109 a 112 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, ali identificados, respectivamente, como Primeiro Outorgante e Segundo Outorgante;

C) Pelo instrumento referido na alínea anterior, o 1º outorgante prometeu vender ao 2º outorgante, pelo preço de 150.000,00€, o apartamento T3, fracção P, no 1º andar do empreendimento “C..., Lte. 6.2.2/2”;

D) Em 7/03/2003, foi outorgado entre A..., na qualidade de representante da sociedade Construções F..., S.A. e C... o instrumento junto a fls. 113 a 114 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda”, ali identificados, respectivamente, como Primeiro Outorgante e Segundo Outorgante, através do qual as partes acordaram que preço da fracção referida na alínea anterior era elevado para 250.000,00€;

E) Em 24/03/2003, foi creditado na conta n.º 225/11649/000.2 do B..., titulada pela Construções F..., Lda., a importância de 19.016,82€ proveniente de J... – cfr. fls. 140 dos Autos;

F) Em 16/04/2003, foi creditado na conta n.º 225/11649/000.2 do B..., titulada pela Construções F..., Lda., a importância de 24.94166€ proveniente de J... – cfr. fls. 142 dos Autos;

G) Em 21/07/2003, C... emitiu à ordem de A... o cheque n.º 98... do B... no valor de 100.000,00€ - cfr. fls. 115 e 118 dos PA apenso aos Autos;

H) Em 16/10/2007, foi instaurado o processo de inquérito crime n.º 44/07.1IDSTR, tendo como arguidos a sociedade Construções F... S.A., A... e M..., em virtude da alegada prática de crimes de fraude fiscal por eventuais ilícios cometidos em sede de IRC, SISA e IMT - cfr. cópias de fls. 425 e 433 dos Autos;

I) Em 27/10/2007, foi elaborado pelo Serviço de Investigação Criminal da Direcção de Finanças de Santarém da DGCI o instrumento constante a fls. 442 a 447 dos Autos, relativo ao processo de inquérito que correu em nome da Construções F..., S.A., ao exercício de 2003, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde consta o seguinte: «(…)

2. Análise prévia - à área da construção e venda de imóveis

No seguimento do processo que nos foi enviado pela Direcção de Finanças de Faro, emitiu-se Despacho nº D1200702828 a fim de se efectuar procedimento inspectivo à sociedade em causa para o exercício de 2003.

Com base na análise da documentação recepcionada da Direcção de finanças de Faro esclarecimentos prestados ao abrigo do dever de cooperação pelos adquirentes seleccionados e instituições bancarias, verificou-se a existência de omissão de proveitos por parte do Sujeito Passivo em causa, bem como omissão de rendimentos de um administrador.

2.1.- Factos indiciadores de omissão de proveitos por parte da sociedade Confrontando-se o valor de aquisição reconhecido pelos adquirentes dos imóveis em causa com o valor das escrituras detectou-se a seguinte diferença que indicia omissão de proveitos:

Quadro I


«Imagem no original»

Da análise do quadro anterior conclui-se que existem indícios da omissão de proveitos no valor de € 100.000,00.

Pela análise do quadro 1 verificamos que o sujeito passivo declarou no exercício de 2003 um lucro tributável de € 74.399,57, a vantagem patrimonial que é obtida aplicando-se a taxa de imposto em vigor neste exercício ao valor das omissões de proveitos, é a seguinte:

Vantagem patrimonial = € 100.000,00 X 30% = € 30.000,00.

Conclui-se que existem indícios de que a vantagem patrimonial do sujeito passivo tenha sido pelo menos de € 30.000,00.

2.2.- Adquirentes que reconheceram omissão de parte do valor declarado (ANEXO I) De seguida apresentamos um quadro resumo com o adquirente que confirmou como valor de aquisição um valor diferente do que foi declarado para efeitos de SISA. Não nos foi disponibilizado nenhum documento comprovativo do pagamento do valor da SISA adicional, mas foi pago imposto selo adicional relativamente à escritura.


«Imagem no original»


Em anexo juntam-se cópia dos documentos apresentados pelo adquirente, nomeadamente cópia do contrato de promessa e do seu aditamento, cópia do cheque e extracto bancário, cópia do pagamento da coima e do imposto selo adicional.

2.3.- Divergências na valorização de fracções semelhantes

As fracções a seguir descriminadas, embora tenham uma tipologia diferente da atrás identificada T2 e T1) são no mesmo prédio, tendo por isso a mesma localização e qualidade de construção. Apresentam valores de venda substancialmente diferentes (menos de metade), o que indicia a existência de disparidade entre os valores constantes das escrituras (declarados para efeitos de sisa) e os valores reais de aquisição.

QUADRO V


«Imagem no original»

2.4.- Matéria a ser tributada em sede de IRS

Verificou-se que o valor referente à diferença apurada entre o valor real de venda e o declarado para efeitos de sisa (€ 100.000,00), foi recibo pelo administrador do sujeito passivo (A...), conforme cópia do cheque.

Será este valor, matéria a ser tributada em sede de/RS na esfera do administrador.

3. Conclusão

Em face do exposto existem fortes indícios de prática de crime de fraude fiscal previsto no artigo 103º do RGIT conforme subponto 2.1 desta informação. (…)»;

J) Em 27/11/2007, foi subscrito por M... o instrumento constante a fls. 321 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, denominado de “Auto de Declarações” no qual consta que declarou à Administração Fiscal o seguinte: «(…) tanto quanto me recordo em finais de 2001 negociei com o sr. A... a aquisição do imóvel atrás referido, pelo valor de €125.000,00, posteriormente vim a acordar a compra de um lugar adicional de garagem bem como a realização de algumas benfeitorias nomeadamente pré-instalação de ar condicionado modificação de acabamentos, pelo que o valor final acabou por totalizar a verba de 150.000,00€.

Assinei contrato de promessa de compra e venda em Janeiro de 2002

Entreguei ao sr. A... a título de sinal em Janeiro de 2002 um cheque no valor de €24.939,89.

Em 28/02/2002 entreguei um outro cheque no valor de €24.939,89. O sr. A... tratou de toda a documentação relativa à execução da escritura.

Foi efectuado um financiamento de €74.819,00 junto da instituição bancária, B..., o qual destinei totalmente ao pagamento do referido imóvel.

O remanescente do valor foi pago em cheques mensais de €2.494,00.

Os cheques foram emitidos em nome da sociedade “Construções F..., SA”.

Para além dos €150.000,00 nada mais pagou ao senhora A... nem à sociedade “Construções F…” (…)»;

K) Em 28/11/2007, foi emitido pelo Serviço de Finanças de Loulé 2 o instrumento constante a fls. 90 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, denominado de “Termo de Declaração de SISA n.º 3859/2180/2007”, em nome de M..., com vista à liquidação adicional à SISA n.º 3859/1281 de 2003-10-22 no valor de 187,32€ resultante da diferente entre o valor declarado (99.759,58€) e o valor da avaliação (150.000,00€);

L) Em 29/11/2007, foi emitido pelo Serviço de Finanças de Loulé 2 o instrumento constante a fls. 88 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, denominado de “Termo de Declaração de SISA n.º 3859/2181/2007”, em nome de D..., com vista à liquidação adicional à SISA n.º 3859/980 de 2003-09-25 no valor de 95,85€ resultante da diferente entre o valor declarado (99.760,00€) e o valor da avaliação (150.000,00€);

M) A 30/11/2007, foi subscrito por A... o instrumento constante a fls. 128 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, denominado de “Auto de Declarações”, relativo ao imóvel designado pela letra I, correspondente ao 1º andar, porta 9, artigo 1…, fracção I, no qual consta que declarou à Administração Fiscal o seguinte:«

Tanto quanto me recordo o negócio foi efectuado directamente com o sr. A... em Junho de 2002, da sociedade “Construções F..., SA” pelo valor de €149.638,50 (30.000 contos). O sr. A... referiu que o apartamento seria de aproximadamente €99.000,00 e aproximadamente €50.000,00 por melhoramentos, no entanto o apartamento foi entregue pronto a habitar. Lembro-me de ter assinado um contrato de promessa e um aditamento no contrato que já não possuo.

Entreguei ao sr. A... a título de sinal em Junho de 2002, dois cheques no valor de €24.939,75 cada um.

Em meados de Setembro de 2002 reforcei o sinal, entregando ao sr. A... uma verba de €49.878,50 em dois cheques e numerário.

O remanescente do valor foi pagão no dia da escritura pública e entregue ao sr. A... através:

- um cheque no valor de €24.867,00 sobre o B..., sendo que este foi deduzido de cerca de 70€ por via do pagamento o do distrate na conservatória.

- um outro cheque e numerário no valor de €24.939,75.

Para além dos €149.638,50 nada mais pagou ao senhor A... nem à sociedade “Construções F..., SA”.

E mais não declarou. (…)»;

N) Em 10/12/2007, foi emitido pelo Serviço de Finanças de Loulé 2 o instrumento constante a fls. 82 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, denominado de “Termo de Declaração de SISA n.º 3859/2185/2007”, em nome de M..., com vista à liquidação adicional à SISA n.º 3859/979 de 2003-09-25 no valor de 2.798,73€ resultante da diferente entre o valor declarado (90.000,00€) e o valor da avaliação (150.000,00€);

O) Em 11/12/2007, foi emitido pelo Serviço de Finanças de Loulé 2 o instrumento constante a fls. 76 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, denominado de “Termo de Declaração de SISA n.º 3859/2186/2007”, em nome de J..., com vista à liquidação adicional à SISA n.º 3859/1328 de 2003-10-28 no valor de 2.196,61€ resultante da diferente entre o valor declarado (99.760,00€) e o valor da avaliação (174.580,00€);

P) Em 19/02/2008, foi emitido pelo Serviço de Finanças de Loulé 2 o instrumento constante a fls. 71 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, denominado de “Termo de Declaração de SISA n.º 3859/2189/2008”, em nome de T... Construções, Lda., com vista à liquidação adicional à SISA n.º 3859/1768 de 2003-12-10 no valor de 1.701,63€ resultante da diferente entre o valor declarado (99.759,58€) e o valor da avaliação (174.579,26€);

Q) Em 9/04/2008, foi emitido pelo Serviço de Finanças de Loulé 2 o instrumento constante a fls. 92 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, denominado de “Termo de Declaração de SISA n.º 3859/2190/2008”, em nome de C..., com vista à liquidação adicional à SISA n.º 3859/978/2007 de 24/09/203 no valor de 6.432,79€ resultante da diferente entre o valor declarado (150.000,00€) e o valor real da transmissão (250.000,00€);

R) A 7/07/2008, foi subscrito por J... o instrumento constante a fls. 135 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, denominado de “Auto de Declarações”, relativo ao imóvel designado pela letra B, correspondente ao r/c, porta 2, artigo 1…, fracção B, no qual consta que declarou à Administração Fiscal o seguinte:«

Tanto quanto me recordo em meados do ano de 2002, negociei com o sr. A... a aquisição do apartamento atrás identificado pelo valor de cerca de 160.000,00€, não me recordando face ao lapso de tempo decorrido do valor exacto.

Recordo-me de ter assinado um contracto de promessa de compra e venda pelo valor correspondente á avaliação das finanças.

Tanto quanto me recordo fui fazendo diversos pagamentos faseados em função das minhas disponibilidades financeiras, os quais sempre entreguei ao sr. A....

O remanescente do preço no valor que não me recordo foi entregue ao sr. A... no dia da assinatura da escritura, ou até em momento posterior através de cheques pré- datados, realizada no dia 14 de Novembro de 2003 nas instalações do Primeiro Cartório Notarial de Loulé.

Para além dos €160.000,00 nada mais paguei, nem entreguei, quer ao sr. A... quer à sociedade “Construções F..., SA”.

Para efeitos de aquisição do imóvel contratei um financiamento junto do B..., pelo montante de 75.000,00€ o qual destinei ao pagamento do imóvel.(…)»;

S) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI20… os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém da DGCI, desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente ao exercício de 2003, em sede de IRC, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, de natureza meramente aritmética, no montante 589.127,85€ - cfr. fls. 40 do PA apenso aos Autos;

T) Em 6/08/2008, foi elaborado o relatório de fiscalização junto aos autos a fls. 39 a fls. 69 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções de 2003, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes: «

(…)





»Imagem no original»


U) Em 22/09/2008, foi emitida pela AF a liquidação de IRC de 2003 n.º 2008831…, no valor de 204.987,57€, em nome da Impugnante - cfr. fls. 29 do PA e fls. 155 dos Autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

V) Em 9/12/2008, a Impugnante foi notificada da liquidação referida na alínea anterior – por confissão, cfr. artigo 56º da p.i.;

W) Em 7/05/2009, a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Alcanena a Reclamação Graciosa referente à liquidação de IRC de 2003, a qual correu termos sob o n.º 19372… – cfr. fls. 1 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos Autos;

X) Em 15/10/2009, no âmbito do processo de reclamação referido na alínea anterior foi elaborada pela Divisão da Justiça Tributária da DF de Santarém a informação constante a fls. 121 a 134 e 148 a 151 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde o técnico propõe o indeferimento total da reclamação graciosa tendo explicitado as razões para este indeferimento;

Y) Em data não concretamente apurada durante Outubro de 2009, a reclamação graciosa referida na alínea anterior foi indeferida – cfr. fls. 152 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos Autos;

Z) O preço das fracções adquiridas pelos adquirentes à Impugnante foi superior ao valor escriturado devido aos melhoramentos e extras solicitados pelos adquirentes, nomeadamente, equipamentos de melhor qualidade na cozinha, instalação do ar condicionado e aquisição de lugares de estacionamento – cfr. depoimentos das testemunhas M…e J…;

AA) A PI deu entrada neste Tribunal a 16/11/2009 - cfr. fls. 2 dos Autos.


*

3.2 Factos Não Provados

Todos os restantes, nomeadamente os alegados em contrário do que se deu como provado supra, e ainda, com interesse, os seguintes:

1) Que o preço real da fracção F, adquirida por J..., tenha sido de 118.776,40€;

2) Que o preço real da fracção G, adquirida por J..., tenha sido de 149.641,00€.


*

Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos autos, referidos a propósito de cada alínea do probatório, bem como, nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante que depuseram de forma esclarecedora.

Todavia, em audiência as testemunhas foram unânimes ao afirmar que compraram as fracções ainda em construção e que solicitaram de imediato melhoramentos nos apartamentos adquiridos, razão pela qual os valores pagos à Impugnante foram superiores os valores escriturados.

Todavia, as testemunhas acabaram por não conseguir explicar de forma clara e credível como chegaram ao valor declarado para efeitos da liquidação adicional da SISA.

Mas em concreto, o Tribunal valorou o depoimento de M..., que adquiriu uma fracção à Impugnante no início de 2002, e depôs de forma isenta e sincera; Explicou que comprou o apartamento ainda em construção directamente à Impugnante; Esclareceu que celebrou um contrato-promessa de compra e venda no valor de 120.000,00€; Referiu que negociou com o Sr. A... uma cozinha diferente e que pagou um preço adicional pelos “extras” solicitados, tal como pela montagem do sistema de ar-condicionado; Disse que o Sr. A... não entregou todas as facturas dos equipamentos extras que forneceu; Explicou que quando foi prestar declarações à Administração Fiscal os técnicos da DGCI informaram que o valor do andar deveria incluir o equipamento extra que foi pedido; Frisou que declarou na AF que tinha adquirido o andar por 125.000,00€, com o lugar de estacionamento extra e os melhoramentos no apartamento, totalizando o preço de 150.000,00€; Não soube explicar a razão de constar na escritura o valor de 90.000,00€.

E J..., gestor, tendo comprado um apartamento à Impugnante no início de 2002 através da sua empresa, e depôs de forma elucidativa; Disse também em audiência que comprou o apartamento ainda em construção; Explicou que o valor exacto que adquiriu a fracção foi obviamente superior ao valor da escritura; Referiu que mandou proceder a alterações ao imóvel, tendo também adquirido um lugar de garagem, mas admitiu que este lugar de garagem não fazia a diferença entre o valor escriturado e o valor corrigido; Explicou que o valor que declarou posteriormente foi o calculado de forma aproximada, com base nas alterações que mandou proceder ao apartamento.

Quanto ao depoimento da inspectora T..., coordenadora da inspecção tributária, depôs de forma isenta e esclarecedora, tendo a mesma confirmado o conteúdo do relatório da inspecção; Referiu que a AF recorreu à colaboração dos compradores das fracções no sentido de saber qual o valor real das transacções e que a AF não procedeu à correcção oficiosa dos valores das fracções vendidas em que não tiveram colaboração dos adquirentes; Referiu também que a Impugnante tinha registado saldos negativos nas contas de alguns clientes adquirentes das fracções.

Ora, a conclusão que devemos retirar destes depoimentos é a de que, face às regras da experiência, a Impugnante vendeu aos adquirentes fracções autónomas por valor superior ao que foi escriturado, ainda que tais diferenças, possam ter resultado de imposições e pedidos de alteração aos apartamentos.

Aliás, este é mais um momento da fundamentação em que entram em jogo as regras da experiência, o bom senso, e a livre apreciação do Julgador e por isso o Tribunal entende, conjugando todos os meios de prova obtidos nos Autos, que ainda que o valor da diferença entre o declarado na escritura e valor efectivamente pago devesse aos extras solicitados pelos adquirentes, a verdade é que as fracções foram entregues aos seus proprietários já com os melhoramentos realizados, razão pela qual o valor que os adquirentes declararam à AF é o preço final da fracção autónoma.

E nesta parte o Tribunal valorou de forma especial as declarações prestadas pelos adquirentes à AF através dos Autos de Declarações que constam no probatório, os quais fizeram de forma voluntária e consciente, e que confessaram à AF que os valores reais de aquisição eram superiores aos valores escriturados.

Outro elemento que foi decisivo para o Tribunal foi o aditamento do contrato promessa outorgado com o Sr. C... que sem uma explicação convincente aumentou o preço da fracção em 100.000,00€. E ainda que se aceite que os 100.000,00 foi o custo de equipamentos diversos, a verdade é que estes equipamentos solicitados fazem parte integrante da fracção, razão pela qual este é o preço final da referida fracção.

Quanto aos factos não provados obtiveram resposta negativa em virtude de não ter sido produzida prova suficiente para formar a convicção do Tribunal devidamente fundamentada da realidade dos factos em causa, nomeadamente, através da prova documental, não se logrou concluir em sentido afirmativo; salienta-se, ainda assim, que o Tribunal entendeu que não é suficiente para chegarmos à conclusão que as fracções F e G foram vendidas por um preço superior ao escriturado através das irregularidades verificadas pela AF, nomeadamente através dos extractos de conta- corrente dos clientes.

Exigia-se, pelo menos, que a AF tivesse conseguido a colaboração dos referidos adquirentes tal como fez para os restantes casos.


*

2. DE DIREITO

2.1. A primeira questão que vem suscitada é a nulidade processual consubstanciada em a contestação e as alegações apresentadas pela Fazenda Pública terem sido apresentada fora de prazo, sem pagamento de multa (conclusões B a F da alegação de recurso).

A Recorrente entende que tanto a contestação, como as alegações apresentadas pela Digna Representante da Fazenda Pública foram apresentadas, segundo a contagem dos correspondentes prazos que fez, no dia seguinte ao último dia do prazo legal, pelo que devia ter pago multa, e como não pagou, tal nulidade acarreta o desentranhamento dessas peças processuais.

Vejamos.

O artigo 195.º, n.º 1 do CPC, com a epígrafe “Regras Gerais sobre a nulidade dos actos” dispõe que «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a pratica de uma acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.»

Resulta do regime geral das nulidades dos actos que as nulidades processuais devem, em regra, ser arguidas perante o tribunal em que as mesmas foram cometidas, cabendo recurso, nos termos gerais, da decisão proferida sobre o requerimento de arguição.

A arguição das nulidades deve ser efectuada no prazo de 10 dias, de acordo com o estatuído no artigo 149.º, n.º 1 do CPC (cfr. artigo 139.º, n.º 3 do CPC).

No caso concreto dos autos, não foi a ora arguida nulidade suscitada perante o tribunal a quo no prazo de 10 dias, a contar das notificações, respectivamente, da contestação e da alegação, ou da primeira intervenção no processo.

Mas estamos perante a prática de alguma nulidade processual?

Esclarece-se, desde já, que a pratica de um acto fora do prazo legal, não configura qualquer nulidade, pode é determinar a perda de praticar o acto.

Porém, a falta de notificação à parte para o pagamento da multa prevista no artigo 139.º, n.º 6 do CPC, integra omissão de formalidade que a lei prescreve, podendo constituir tal omissão uma nulidade, enquanto irregularidade susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.

A falta de notificação à parte nos termos do n.º 6, do artigo 139.º do CPC trata-se de uma nulidade secundária, que não é do conhecimento oficioso, pelo que deve considerar-se sanada se não for arguida em prazo e perante o tribunal onde ocorreu.

Assim sendo, a invocação desta nulidade, decorridos mais de 10 dias, como no caso presente, e nas alegações de recurso para o tribunal superior, é extemporânea e fora do tribunal próprio para o seu conhecimento.

Sempre se dirá, que de acordo com as contas da Recorrente as aludidas peças processuais entraram no último dia do prazo indicado na nota 1 ao ponto 6 da alegação de recurso por, conforme resulta dos autos, tais peças terem dado entrada no tribunal a quo por email, nessas datas.

Improcede, pois, este fundamento de recurso.

2.2. Ilegalidade do Relatório de Inspecção Tributária, por existência de Informação prestada pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Faro

A segunda questão colocada pela Recorrente tem a ver com a ilegalidade do relatório de inspecção tributária produzido pela Direcção de Finanças de Santarém, por violação do n.º 4, do artigo 63.º da LGT e artigo 7.º do RCPIT, relativamente ao qual pede o seu desentranhamento, por existência de uma “informação” prestada pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Faro na sequência de um procedimento externo de fiscalização que aqueles levaram a efeito à Recorrente, ao exercício de 2003, com referência a IRC (conclusões G e H da alegação de recurso).

Vejamos.

A liquidação adicional de IRC do ano de 2003 impugnada resultou de correcções meramente técnicas, na sequência de acção externa levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária.

Foi deduzida reclamação graciosa contra esta liquidação e do indeferimento desta impugnação judicial.

Como bem refere a Recorrente no Relatório de Inspecção Tributária consta que a acção inspectiva teve origem numa proposta de verificação externa enviada pela Direcção de Finanças de Faro, com o objectivo de averiguar a veracidade das declarações e o cumprimento das obrigações fiscais do sujeito passivo, relativamente ao exercício de 2003.

Compulsado o processo administrativo apenso verifica-se do mesmo consta uma Informação da Direcção de Finanças de Faro (fls. 98 a 105 e 106 a 107), na qual se propõe procedimento inspectivo à sociedade vendedora e o envio da mesma à Dircção de Finanças de Santarém, em cuja área o sujeito passivo tinha ao tempo a sua sede, a qual mereceu despacho concordante do Director de Finanças, em 17/0972007.

O referido processo administrativo foi junto aos presentes autos, por apenso, com a contestação apresentada pela Fazenda Pública, devidamente notificada à ora Recorrente, pelo oficio datado de 26/03/2010, no qual consta expressamente que “Mais fica notificado de que se encontra disponível neste Tribunal o PA para consulta” (cfr. fls. 272 e 292).

O fundamento de recurso ora sob apreciação constitui questão que não foi invocada na petição inicial do presente processo, nem posteriormente aquando da notificação da contestação da Fazenda Pública e da junção do processo administrativo.

Assim sendo, esta questão não poderia ser objecto de conhecimento pelo Tribunal a quo, sendo suscitada pela primeira vez nesta sede de recurso.

Acresce referir, que não se trata de matéria de conhecimento oficioso.

Constitui entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, excepto se forem do conhecimento oficioso do Tribunal.

Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal e que se recorre (neste sentido, entre muitos outros, vide o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 01/10/2014, processo n.º 466/14, disponível em www.dgsi.pt/).

De acordo com o preceituado no artigo 627.º, n.º 1, do CPC, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e, como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida, sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas (vide Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, áreas editora, 2007, Volume II, pág. 786).

Concluindo, a Recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que excede o objecto do recurso, pelo que não se conhece da alegada ilegalidade do Relatório de Inspecção Tributária e do seu desentranhamento dos autos.

2.3. Nulidade por não existir gravação áudio do depoimento das testemunhas

Alega a Recorrente na conclusão QQ da alegação de recurso que não existe gravação áudio dos depoimentos das duas testemunhas da Recorrente, que foram ouvidas por videoconferência.

Vejamos, então.

Nos termos do n.º 2, do artigo 118.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) «Os depoimentos são prestados em audiência contraditória, devendo ser gravados, sempre que existam meios técnicos para o efeito, cabendo ao juiz a respectiva redução a escrito, que deve constar da acta, quando não seja possível proceder àquela gravação.»

No regime do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a gravação das audiências passou também a ser obrigatória, de acordo com o preceituado no artigo 155.º, n.º 1, que determina «A audiência final de acç~es, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo ser assinalados na acta o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respectiva resposta, despacho, decisão e alegações orais.»

No caso dos autos, consta das actas de audiência de julgamento, realizadas em 22/03/2011 e em 05/04/2011, a referência à gravação dos depoimentos das testemunhas (fls. 308 a 312 e 317 a 318 da numeração dos autos de suporte físico), onde foi expressamente referido a gravação em “CD”.

Ora, tendo sido efectuada a gravação da audiência em conformidade com o disposto na lei, com registo na própria acta, assinada pelo juiz, é uma realidade que consta do processo, que tem de ser considerada.

Aliás, tais “CDs” encontram-se juntos aos autos na contracapa do processo e são perfeitamente audíveis.

Diga-se, ainda, para que fique esclarecido que o depoimento das testemunhas inquiridas por videoconferências é gravado pelo tribunal onde decorre o julgamento, devendo-se com certeza a manifesto lapso o pedido feito ao Tribunal Tributário de Lisboa, cuja resposta se encontra a fls. 481 indicada pela Recorrente.

Assim sendo, o processo passou a dispor de todos os elementos necessários para que qualquer das partes pudesse impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois, o registo que resultou da gravação dos depoimentos das testemunhas passou a integrar o acervo processual, em sintonia com o princípio da aquisição processual.

De salientar, por último, que como bem é referido pela Recorrente na conclusão PP da alegação de recurso o Tribunal a quo considerou o depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante.

Improcede, neste segmento, o recurso.

2.4. Nulidade por violação do principio da oralidade e da imediação, por a sentença ter sido dada por magistrado diferente daquele que presidiu à inquirição de testemunhas

Alega a Recorrente que a sentença foi proferida por magistrado diferente daquele que presidiu à inquirição das testemunhas, em violação do princípio da oralidade e da imediação (conclusão TT da alegação de recurso).

Vejamos, então, se assiste razão à Recorrente, verificado que está que o Meritíssim Juiz que proferiu a sentença não foi o que presidiu à diligência de inquirição de testemunhas.

Como nota prévia, importa que referir que a apreciação da nulidade terá de ser efectuada à luz do Código de Processo Civil de 1961 (anterior ao aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junh), ao abrigo do qual foi realizada a audiência de julgamento (12.°, n.° 1 do Código Civil).

O artigo 654.°, n.° 1 do Código de Processo Civil com a epígrafe "Princípio da plenitude da assistência dos juizes" estabelece que «Só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final».

Este princípio é um corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova e a ele está subjacente a ideia de que para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os actos de instrução e discussão da causa realizados na audiência de julgamento.

Não tendo o Código de Procedimento e de Processo Tributário norma idêntica, o artigo 654.°, n.° 1 do Código de Processo Civil apenas poderia ser aplicável ao processo de impugnação judicial subsidiariamente nos termos do artigo 2.°, alínea e) do CPTT.

Porém, entendemos que a fisionomia própria do processo de impugnação judicial, em face das normas adjectivas aplicávieis, não impõe tal aplicação, acompanhando a doutina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Adminsitrativo sobre esta matéria.

Como escreve Jorge Lopes de Sousa, «(…) É de notar, porém, que a evolução no sentido da obrigatoriedade de produção de prova no tribunal, foi feita ao arrepio da evolução do processo civil, pois o art. 638.°-A do CPC, aditado pelo DL n.° 183/2000, de 10 de Agosto, veio abrir a possibilidade de, havendo acordo das partes, a testemunha ser inquirida pelos mandatários judiciais no domicilio profissional de um deles.

Estas evoluções legislativas dos processos civil e tributário demonstram que, sendo certo que há conveniência em que o julgamento da matéria de facto seja efectuado pelo juiz que assiste à produção de prova, tal regime não deve ser considerado uma regra absolutamente imperativa, que não possa ceder quando imperativos práticos relacionados com o bom funcionamento do serviço público de justiça se lhe devam sobrepor» (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 6' edição, 2011, nota 13 ao artigo 206.°, pág. 546)

O Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se já sobre a questão no acórdão de 12/12/2012, processo n.° 1152/11, no sentido que não tem aplicação ao processo de impugnação judicial a norma do n.° 1 do artigo 654.° do Código de Processo Civil, devendo a sentença ser proferida pelo juiz a quem o processo estiver distribuído no momento da prolação da sentença, independentemente de ter sido ele a presidir às diligências de instrução tendo para tanto formulado as conclusões, que seguidamente se transcrevem:

«1- O princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no art° 654.° do CPC, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto.

2- Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verifica em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.

3- Embora o principio da plenitude da assistência dos juízes seja um corolário dos princípios da oralidade e da imediação, na apreciação da prova, sendo preferível que ocorra contacto directo, imediato, entre o juiz e a testemunha, tal princípio não é absoluto.

4- Ainda assim, o princípio da imediação sofria limitações, pois em tempos não muito distantes, mas em que não existia a nova tecnologia da videoconferência, sempre se utilizou a inquirição por carta precatória concretizada em meios escritos ou áudio que não proporcionavam a imediação na sua plenitude do juiz julgador com a testemunha mas valorizados e aproveitados na busca da verdade material influenciando a fixação do probatório e a realização da justiça.

5- Tais limitações continuam a justificar-se sobretudo quando se tem de ponderar, também, os inconvenientes de um "desaforamento" generalizado de processos ou a sua remessa para prolação de sentença a Magistrados entretanto destacados para equipas extraordinárias de recuperação de processos como as criadas pela Lei n.° 59/2011 de 28 de Novembro.

6- Sopesando as vantagens e inconvenientes, sempre por atenção ao quadro legal supra exposto, o qual, reitera-se, não encerra norma própria que imponha a aplicação do dito princípio na pureza enunciada e, atendendo também à especialidade do processado da impugnação judicial que não tem uma fase autónoma de fixação dos factos provados e não provados somos levados a considerar, numa interpretação sistemática, também pautada por critérios de justiça e equidade, que se justificam as referidas limitações consubstanciadas na prática em dever ser o juiz a quem o processo está distribuído a elaborar a sentença no momento em que a mesma tem de ser proferida.». (vide ainda no mesmo sentido Ac. do STA de 03/07/2019, proc. n.º 499/04.6BECTB (1522/15), ambos disponíveis em www.dgsi.pt/)

Improcede nesta parte o recurso.

2.5. Nulidade da sentença por falta de fundamentação da matéria de facto e analise critica e analítica da prova

Nas conclusões AA, BB e VV da alegação de recurso, embora a Recorrente não invoque a nulidade da sentença, nem indique a norma jurídica, depreende-se da sua leitura que arguiu a nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão de facto e análise critica, prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.

De referir que na alegação de recurso e respectivas conclusões as questões não são devidamente enunciadas e identificadas com a clareza exigível e desejável, e também não se mostram tratadas separadamente, configurando, assim, uma amálgama de questões sem um fio condutor, a exigir a sua individualização em vista da posterior apreciação.

Alega, em suma, que o Mmo. Juiz inicia na sua motivação por dizer “A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assenta na análise dos documentos constantes dos autos (…), que não descortina na fundamentação da decisão de facto, a análise sobre os documentos que permitiram dar como provados os factos, que são enumerados no probatório e que não sabe o que é “analise” e em que consiste e que relativamente aos documentos, limitou-se a enumera-los no probatório, em certos casos a transcrevê-los praticamente na íntegra, não se sabe com que critério, tendo aceitado o Relatório da Inspeção Tributária integralmente sem qualquer observação critica e analítica. E quanto ao depoimento das testemunhas não se compreende a razão porque não há nenhuma referência ao depoimento prestado pela Inspectora Tributária Teresa Fernandes, que foi ouvida por determinação expressa da Mma. Juíza que presidiu à diligência de inquirição de testemunhas.

Vejamos se a decisão recorrida padece de tal vicio.

No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do CPPT, norma onde estão consagrados os vícios susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário

Nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Por sua vez, o artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, comina com nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.

A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto abrange tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123.º, n.º 2 do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa «Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.

A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.

Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.

Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.

Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.

Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária.» (in CPPT anotado e comentado, Vol. II, 2011, Áreas Editora, págs. 321 e 322).

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, «A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção». (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, pág.348).

Assim, no exame critico da prova o julgador procede à análise ponderada de todos os meios de prova realizados, da sua credibilidade, estabelece as ligações possíveis destes meios entre si, submete-os à luz dos princípios lógicos e das regras da experiência para poder formar, e expressar, a sua convicção.

O Tribunal recorrido sob o título “Dos Factos” deu como provado, com interesse para a decisão os factos que enumerou nas alíneas A) a AA) indicando relativamente a cada um deles os documentos e o depoimento das testemunhas em que se baseou para dar como provados tais factos.

Quanto à discriminação dos factos não provados deu como não provados dois factos (relativos às fracções F e G) e ainda quanto aos restantes nomeadamente os alegados em contrário aos que se deu como provados.

Quanto à transcrição integral ou quase integral de alguns documentos, não podemos deixar de registar que não é a mais consentânea com a boa prática processual, porém, no caso concreto - declarações dos adquirentes e relatório de inspecção tributária - é a forma mais transparente e rigorosa de fixação da factualidade pertinente, já que da sua transcrição parcial não pode resultar qualquer dúvida quanto à decisão que viesse a ser tomada sobre cada uma das questões que a propósito do seu teor foram suscitadas.

Acresce que, os factos mostram-se suficientemente discriminados e especificados, quer na motivação da matéria de facto, quer na fundamentação fáctico-jurídico esclarecendo-se a relevância dada às declarações e à fundamentação das correcções constantes do probatório.

Analisando a motivação da decisão de facto, é possível ver que o Mmo Juiz a quo esclareceu as circunstâncias e os processos lógicos ou resultantes das regras da experiência comum que levaram a fixar os fatos provados, quer os que resultam da prova documental, quer os que resultam de prova testemunhal, conforme se pode ver na transcrição supra da motivação da decisão de facto.

Dir-se-á, por último, que para que haja nulidade da sentença por falta do exame crítico da prova não basta, uma fundamentação insuficiente ou medíocre. É necessário que haja uma falta absoluta de fundamentação. O que manifestamente não acontece no caso autos.

Improcede, também, nesta parte o recurso.

2.6. Erro de julgamento da matéria de facto e da valoração da prova

A Recorrente questiona a matéria de facto fixada na sentença, por segundo alega, ter dado como provados factos com base nas declarações dos adquirentes, pagamentos de sisa, no relatório de inspecção tributária e seus anexos, documentos de duvidosa consistência e nos depoimentos das testemunhas. Mais alega que não se mostra provado, que as fracções B, C, H, I, K, J, O e P tenham sido venidas pelos preços por que a AT diz que foram vendidos, devendo prevalecer os preços de venda que cosntam da contabilidade da ora Recorrente e das correspondentes escrituras de compra e venda (conclusões F, CC a PP, UU, AAA, BBB e CCC das conclusões da alegação de Recurso).

Vejamos.

O n.º 1 do artigo 662. ° do Código de Processo Civil (CPC), determina que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Precisa-se ainda que, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce aquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na perspectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).

O legislador rejeitou a possibilidade de repetição de julgamentos bem como de recursos genéricos sobre a matéria de facto impondo ao recorrente não só que indique os concretos pontos da matéria de facto em divergência bem como os concretos meios probatórios que constam do processo que permitam o julgamento pretendido.

Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios.

Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11, proferido no processo 334/07.3 TBASL.E1): O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.

Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento. (disponível em www.dgsi.pt/).

Como vimos, a Recorrente nas suas conclusões do recurso, questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, limitando-se a desvalorizar de forma conclusiva a prova produzida nos autos, afirmando que se trata de prova documental incapaz de provar plenamente os factos, contrapondo que os preços de venda constam de escrituras publicas, que são documentos autênticos.

No caso em apreço, a Recorrente não cumpre o ónus de impugnação da matéria de facto, que sobre ela recaía, especificando, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como também os concretos meios de prova constantes do processo e do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adoptada na decisão recorrida, sendo que a indicação dos meios probatórios é feita genericamente, remete para os documentos dos autos e refere fragmentos dos depoimentos das testemunhas, descontextualizados e sem os relacionar com cada um dos pontos da matéria de facto.

Mas, não é admissível o recurso genérico contra a decisão da matéria de facto, não podendo a Recorrente quedar-se pela avaliação fragmentada de cada elemento probatório ou de partes de cada meio de prova isolados.

Em consonância com o supra exposto, não tendo a Recorrente cumprido o determinado na norma citada, a deficiência apontada é o bastante para importar a rejeição da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto em vista da sua alteração.

Vejamos agora se a sentença sofre do vício de erro notório na apreciação da prova.

A Recorrente impugna a matéria de facto por existência de vício de erro na apreciação da prova quando alega a “tendenciosidade das referências aos depoimentos das duas testemunhas arroladas pelo ora recorrente, porquanto nenhuma das suas afirmações que lhe eram favoráveis foram relevadas pelo Mmo. Juiz a quo nem sequer sustentam o ensaio de qualquer outra tese que não a defendida pela Fazenda Pública” e mais à frente “não houve sequer o necessário distanciamento e consequente imparcialidade que se exige do julgador nestas circunstâncias”. Afirma ainda que “as declarações dos adquirentes valem o que valem, quando não são acompanhadas de outros meios de prova, sobretudo dos pagamentos que dizem ter feito, pois é deles o ónus de provar o que dizem ter pago, e quando sem sequer podem ter o valor de confissão em sentido jurídico, na medida em que delas não resulta para eles qualquer prejuízo jurídico: a terem de pagar sisa, pelos valores por que terão pago, se pagaram, tal dever já resultava directamente da lei sem necessidade de qualquer “auto de declarações” ou de “sugestão dos funcionários”.

A Recorrente limita-se a impugnar a valoração da prova produzida, pretendendo que seja alterada segundo a sua versão dos factos, no sentido que o preço da fracção não pode deixar de ser aquele que era pedido pelo “andar modelo” e que as alterações solicitadas mais não podiam configurar que um contrato de empreitada.

O vício de erro na apreciação da prova, contrariamente ao erro de julgamento, é intrínseco à sentença e deve resultar do próprio texto, isto é, da factualidade nela fixada e da respectiva motivação, da qual deve constar a fundamentação da decisão de facto.

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgado se basear em opção assente na imediação e oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é ilógica e é inadmissível face às regras da experiência e ao senso comum.

Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (v.g. prova testemunhal) por parte do julgador que se mostra vertido no artigo 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do CPC.

O Tribunal ad quem aprecia apenas os aspectos sob controvérsia e não vai à procura duma nova convicção, pois o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo Tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta dos elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos (neste sentido vide Acórdão do TCAS de 10/10/2019, processo nº 2327/08.4BEBLS, disponível in: www.dgsi.pt.).

Nos sistemas mistos de livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto da discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

O Tribunal na apreciação dos meios de prova de livre apreciação não julga com base em suposições, mas com base em prova que seja segura, lógica e coerente, e a consideração de certas provas em detrimento da desconsideração de outras sustenta-se no princípio da convicção racional.

O julgador embora livre no exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.

Importa recordar, nesta sede, que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do Código Civil), e para esse efeito, o que releva e é exigível é que o julgador forme a sua convicção assente na certeza relativa do facto, devendo existir um alto grau de probabilidade da sua verificação.

Ora, analisada a decisão recorrida constatamos que o Tribunal a quo, sustentado no princípio da livre apreciação da prova produzida nos autos, fixou os factos que resultaram da prova documental existente no processo e na prova testemunhal produzida e que considerou necessários para a solução dada ao caso (art. 607º, nº 5 do CPC).

Em sede motivação da matéria de facto o Mm. Juiz a quo escreveu o seguinte:

(…) em audiência as testemunhas foram unânimes ao afirmar que compraram as fracções ainda em construção e que solicitaram de imediato melhoramentos nos apartamentos adquiridos, razão pela qual os valores pagos à Impugnante foram superiores os valores escriturados.

Todavia, as testemunhas acabaram por não conseguir explicar de forma clara e credível como chegaram ao valor declarado para efeitos da liquidação adicional da SISA.

Mas em concreto, o Tribunal valorou o depoimento de M..., que adquiriu uma fracção à Impugnante no início de 2002, e depôs de forma isenta e sincera; Explicou que comprou o apartamento ainda em construção directamente à Impugnante; (…) Frisou que declarou na AF que tinha adquirido o andar por 125.000,00€, com o lugar de estacionamento extra e os melhoramentos no apartamento, totalizando o preço de 150.000,00€; Não soube explicar a razão de constar na escritura o valor de 90.000,00€.

E J..., gestor, tendo comprado um apartamento à Impugnante no início de 2002 através da sua empresa, e depôs de forma elucidativa; Disse também em audiência que comprou o apartamento ainda em construção; Explicou que o valor exacto que adquiriu a fracção foi obviamente superior ao valor da escritura; (…).

Ora, a conclusão que devemos retirar destes depoimentos é a de que, face às regras da experiência, a Impugnante vendeu aos adquirentes fracções autónomas por valor superior ao que foi escriturado, ainda que tais diferenças, possam ter resultado de imposições e pedidos de alteração aos apartamentos.

Aliás, este é mais um momento da fundamentação em que entram em jogo as regras da experiência, o bom senso, e a livre apreciação do Julgador e por isso o Tribunal entende, conjugando todos os meios de prova obtidos nos Autos, que ainda que o valor da diferença entre o declarado na escritura e valor efectivamente pago devesse aos extras solicitados pelos adquirentes, a verdade é que as fracções foram entregues aos seus proprietários já com os melhoramentos realizados, razão pela qual o valor que os adquirentes declararam à AF é o preço final da fracção autónoma.

E nesta parte o Tribunal valorou de forma especial as declarações prestadas pelos adquirentes à AF através dos Autos de Declarações que constam no probatório, os quais fizeram de forma voluntária e consciente, e que confessaram à AF que os valores reais de aquisição eram superiores aos valores escriturados.

Outro elemento que foi decisivo para o Tribunal foi o aditamento do contrato promessa outorgado com o Sr. C... que sem uma explicação convincente aumentou o preço da fracção em 100.000,00€. E ainda que se aceite que os 100.000,00 foi o custo de equipamentos diversos, a verdade é que estes equipamentos solicitados fazem parte integrante da fracção, razão pela qual este é o preço final da referida fracção.

Aqui chegados, não vislumbramos nós que o juízo em que assentou a fixação da factualidade padeça de qualquer erro de julgamento ou que a prova tenha sido erradamente valorada, pois, não se nos afigura irrazoável, infundada ou arbitrária, a convicção que o Mmo. juiz do Tribunal a quo dela retirou, atente-se para o efeito à motivação que sustenta cada um dos factos dados como assentes, assim como à motivação que lhe subjaz.

O Tribunal a quo valorou o depoimento da testemunha nos precisos termos que constam da motivação da matéria de facto, não existindo motivos para o contrariar.

Como já se deixou expresso supra, a sentença recorrida está bem fundamentada quanto à apreciação critica que fez da prova, de acordo com a observância das regras da experiência e da livre convicção, conforme se vê pela leitura da motivação da decisão de facto supra transcrita,

Pelo contrário, não logrou a Recorrente provar que a matéria de facto enferma do erro que lhe aponta, quer nos pressupostos em que se estribou quer, ainda, nas conclusões a que chegou, de forma a dar como provado que as fracções não foram vendidas pelo preço escriturado.

Nesta conformidade, tendo o juiz do tribunal a quo ponderado a factualidade apurada e dela retirado ilações segundo a convicção que firmou com base nos documentos e no depoimento recolhido, improcede o apontado erro de julgamento por errada valoração da prova.

Improcedem neste segmento as conclusões da alegação do recurso.

2.7. Erro de julgamento, quanto à apreciação da inconstitucionalidade do n.º 5, do artigo 45.º da LGT

Nas conclusões HHH e III da alegação de recurso, a Recorrente alega que o n.º 5 do artigo 45.º da LGT é materialmente inconstitucional por ser retroactivo, na medida em que, tratando-se de um prazo que contende directamente com garantias dos contribuintes, se aplicou aos prazos em curso, norma inútil porque mesmo que o legislador nada dissesse era o que decorreria do n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil.

Alega ainda que a citada norma viola os princípios da certeza e segurança jurídicas, bem como o princípio da legalidade.

Vejamos.

A sentença recorrida quanto a esta matéria estruturou o seguinte discurso:

Pelo artigo 57.º, n.º 1, da Lei n.º 60-A/2005, publicada no Diário da República, Suplemento I - A, n.º 250, de 30-12-2005, que aprovou o Orçamento do Estado para 2006, e que, conforme artigo 108.º entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006, foi alterado o artigo 45.º da Lei Geral Tributária, mantendo os n.º s 1, 2, 3 e 4, mas introduzindo aquele n.º 5.

Mas, há aqui a ter consideração o igualmente válido n.º 2 do mesmo preceito do artigo 57.º, da já mencionada Lei n.º 60-A/2005, que relativamente aos processos pendentes, estatui que o disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da presente lei.

E tal norma, contrariamente ao que afirma a Impugnante no artigo 87º e seguintes da sua PI, não é inconstitucional, uma vez que só se aplica para futuro, maxime, a partir de 1 de Janeiro de 2006, ainda que seja aplicado a processos pendentes.

E o mesmo se diga relativamente à violação do princípio da adequabilidade, da proporcionalidade e da proibição do excesso. Com efeito, não se descortina, na ausência de factos concretos, onde é que a prática do acto subjudice poderia violar os referidos princípios.

Diga-se, desde já, que o decidido pela primeira instância merece a nossa concordância.

A jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a decidir que a aplicação imediata do no n.º 5, do artigo 45.º da LGT aos prazos em curso não configura uma aplicação retroactiva.

O Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 21/10/2017, proferido no processo n.º 01477/13, cujo discurso fundamentador sufragamos na íntegra, decidiu esta questão dos seguintes termos, que com a devida vénia, transcrevemos:

«Salvo o devido respeito, a norma do n.º 2 do art. 57.º da Lei do Orçamento do Estado para 2006 não enferma da inconstitucionalidade que lhe vem assacada por contradição com os princípios da não retroactividade da lei fiscal, da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança inerentes ao Estado de Direito.

Na verdade, aquela norma, ao determinar que a aplicação da regra introduzida no n.º 5 do art. 45.º da LGT pela referida Lei do Orçamento do Estado – de extensão do prazo de caducidade do direito à liquidação quando este acto respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal – se aplica aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor desta Lei, não determina aplicação retroactiva da lei. Já assim não seria se a norma em causa determinasse essa aplicação aos prazos que já tivessem atingido o seu termo; mas não é esse o caso.

Vejamos:

Face ao n.º 1 do art. 45.º da LGT, que fixa o prazo de caducidade em quatro anos, o n.º 5 do mesmo artigo veio estabelecer, inovadoramente, um alongamento do prazo nas situações, como a sub judice, em que a liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. Nessas situações, o prazo só termina um ano após o arquivamento do inquérito ou após o trânsito em julgado da sentença.

No caso, porque o prazo de caducidade do direito à liquidação relativamente ao IRC do ano de 2003, tal como previsto no n.º 1 do art. 45.º da LGT, ainda não se tinha esgotado em 1 de Janeiro de 2006, data em que entrou vigor a redacção do n.º 5 do mesmo artigo, introduzida pela Lei n.º 65-A/2005, de 30 de Dezembro, verifica-se uma questão de sucessão de leis no tempo.

Ora, como ensina BAPTISTA MACHADO, quando a lei nova alonga o prazo em curso, é aplicável aos prazos em curso, salientando que esta regra, constante do n.º 2 do art. 297.º do Código Civil (CC), «não passa de uma aplicação directa dos critérios gerais do direito transitório»; e explica: «Com efeito, tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento de início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova» (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 242/243, sendo que nos permitimos substituir as abreviaturas usadas no texto original.).

Ou seja, quando se aplica a extensão do prazo da caducidade prevista no n.º 5 do art. 45.º da LGT aos prazos que já se encontravam em curso na data do início da vigência da norma (1 de Janeiro de 2006) isso não significa a aplicação retroactiva da nova disposição legal, porquanto o facto extintivo do direito à liquidação é duradouro (reconduzindo-se ao decurso do prazo) e não instantâneo.

Não se trata, pois, de aplicação retroactiva da lei, mas de simples aplicação do princípio geral em matéria da aplicação da lei no tempo, consagrado no art. 12.º do CC, mas que constitui uma regra geral, de que a lei vale para o futuro. A questão da aplicação retroactiva da lei apenas seria de colocar se, quando da entrada em vigor da lei nova, estivesse já esgotado o prazo face à lei antiga, o que não é o caso.
A norma do n.º 2 do art. 57.º da Lei do Orçamento do Estado para 2006 mais não faz do que replicar esta doutrina, o que, a nosso ver, até seria dispensável, pois a solução nela preconizada resultaria da aplicação das regras gerais estipuladas no art. 12.º do CC e no art. 12.º da LGT.

Aliás, é nesse sentido a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo; não a propósito do n.º 5 do art. 45.º da LGT, é certo, mas a propósito da alteração do n.º 4 do art. 45.º da LGT pelo art. 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, pela qual o prazo de caducidade do direito à liquidação no caso do IVA, passou a contar-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto» (Vide, sem preocupação de exaustividade, os seguintes acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

– de 26 de Novembro de 2008, proferido no processo com o n.º 598/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Fevereiro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32240.pdf), págs. 1362 a 1369, com texto integral também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3ac9ecec6143625d8025751500418930;
– de 20 de Maio de 2009, proferido no processo com o n.º 293/09, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 774 a 776, com texto integral também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8d3978939f694efd802575c2004faca9;
– de 25 de Junho de 2009, proferido no processo com o n.º 1109/09, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 1044 a 1048, com texto integral também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/917bec6606b37648802575e7004e7961;
– de 25 de Maio de 2010, proferido no processo n.º 115/10, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011

(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 770 a 774, também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/294c22cb144c7e9580257727004bf4fa;
– de 15 de Setembro de 2010, proferido no processo n.º 545/10, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 1 de Abril de 2011

(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32230.pdf), págs. 1377 a 1379, também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3dbe240b34a26791802577a500334176.).

A questão foi submetida ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que a decidiu por acórdão de 17 de Março de 2011, proferido no processo n.º 1076/09 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32410.pdf), págs. 11 a 14, também disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/deb8a6f77839e5438025785c0036c28c.), onde ficou dito, na sequência da jurisprudência anterior, que a alteração do prazo é de aplicação imediata, abrangendo, assim, os prazos ainda em curso, sem que isso signifique aplicação retroactiva da nova disposição legal, porquanto o facto extintivo do direito à liquidação é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo.

Regressando ao caso sub judice, e aplicando a doutrina que vimos de expor, podemos concluir que, para que pudesse verificar-se a invocada inconstitucionalidade do n.º 2 do art. 57.º da Lei n.º 65-A/2005, de 30 de Dezembro, por violação do n.º 3 do art. 103.º da CRP, na interpretação que dela foi efectuada pela sentença a quo, seria necessário que nesta se tivesse, com base naquela norma, determinado a aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT a um facto pretérito, todo ele ocorrido no domínio da vigência da lei antiga.

Ora, como deixámos já dito, quando entrou em vigor o n.º 5 do art. 45.º da LGT – em 1 de Janeiro de 2006 – ainda estavam a correr os prazos de caducidade relativamente ao IRC e aos anos de 2002, 2003 e 2004, pelo que, sendo caso disso (i.e., verificando-se as circunstâncias aí previstas), havia de aplicar-se-lhes imediatamente a extensão do prazo aí prevista (Neste sentido, vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

– de 2 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 343/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 7 de Novembro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32230.pdf), págs. 818 a 820, também disponível em
– de 10 de Fevereiro 2010, proferido no processo n.º 1086/09, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 312 a 321, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5c815cd8c2a55454802576cb004c418c;
– de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 178/14, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c010887b851997fa80257d6c002f7d96.).

Não há, pois, violação alguma da proibição de retroactividade tal como consagrada no art. 103.º, n.º 3, da CRP, pois da aplicação imediata do n.º 5 do art. 45.º da LGT aos prazos de caducidade em curso não resulta retroactividade alguma; nem, consequentemente, violação de qualquer outro princípio constitucional, designadamente os da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança inerentes ao Estado de Direito.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Sem necessidade de mais, por despiciendo, improcede nesta parte o recurso.

2.8. Erro de julgamento, por ter considerado que não se verifica a caducidade do direito à liquidação

A Recorrente imputa erro de julgamento de direito à a sentença recorrida por, por ter julgado válida liquidação de IRC do ano de 2003, por à data à data da liquidação já ter caducado o direito à liquidação.

Alega, para o efeito, em suma, reportando-se a liquidação ao exercício de 2003, termina o prazo de caducidade em 31/12/2007 e tendo a notificação da liquidação sido efectuada em finais de 2008, o prazo de quatro anos não foi respeitado (conclusões L a Y da alegação de recurso).

Vejamos.

A sentença sobre recurso, apreciou a questão da seguinte forma:

Estabelece o art. 45.º da Lei Geral Tributária o seguinte: «

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

(…)

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.(…)».

Para além disso, importa sublinhar que o n.º 1 do art. 46º da LGT dispõe o seguinte: «O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.».

Ora, com estes artigos pretendeu o legislador fiscal dizer que o prazo de caducidade suspende-se durante o período de duração da acção de inspecção externa aí referida, se esta for concluída antes de seis meses após a notificação do seu início.

Por outro lado, sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 do art. 45º da LGT é alargado até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, nos termos do n.º 5 do art. 45º da LGT (no mesmo sentido cfr. Acórdão do STA, de 2/07/2008, Rec. 0343/08, disponível em www.dgsi.pt).

Dito isto, vejamos o caso dos autos.

Dos factos dados como assentes resulta que as liquidações impugnadas reportam- se ao exercício de 2003.

Consta dos factos dados como assentes que em 16/10/2007 foi instaurado um processo de inquérito crime no qual a Impugnante é interveniente, recaindo sobre a mesma de suspeitas de ilícios cometidos em sede de IRC, SISA e IMT durante o ano de 2003.

Ora, tratando-se no caso em apreço de IRC do ano de 2003, o direito de liquidar este imposto caducaria, a priori, a 31/12/2007, se até essa data não fosse a ora Impugnante notificada da liquidação em causa.

Todavia, como já vimos, sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 do art. 45º da LGT é alargado até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Sublinhe-se que o n.º 5 do art. 45º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data de entrada em vigor da lei n.º 60-A/2005, de 30/12, por força do n.º 2 do art. 57º da Lei de Orçamento de Estado para 2006.

Assim, e retomando o caso dos Autos, e tendo em atenção que de acordo com o probatório o processo de inquérito criminal incide sobre factos ocorridos durante o ano de 2003, o prazo de 4 anos é alargado até ao arquivamento do processo de inquérito.

E sendo assim, tendo em conta a instauração do processo de inquérito em 2007, o prazo de caducidade encontra-se suspenso por força do n.º 2 do art. 57º da LOE de 2006, conjugado com o n.º2 do art. 297º do Código Civil.

Quer isso dizer, quando a Impugnante foi notificada da liquidação de IRC de 2003 (9/12/2008) ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade, e por isso, falece, o invocado fundamento, e deste modo a impugnação não pode proceder com base neste fundamento.

Entendemos que a sentença decidiu correctamente.

O recorrente alegou a caducidade do direito à liquidação, sem pôr em causa a argumentação da sentença, apenas revisitou o alegado na petição inicial, pretendendo afastando os efeitos da instauração de processo crime, que determina o alargamento do prazo de caducidade.

Ora, o facto tributário que dá origem à liquidação dos autos deu origem a instauração de processo de inquérito criminal, processo que se encontra suspenso a aguardar decisão final no presente processo.

O alargamento do prazo de caducidade previsto no n.º 5, do artigo 45.º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, ou seja, em 01/01/2006, por força do preceituado no n.º 2, do artigo 57.º da citada lei, pelo que é aplicável ao caso em apreço, uma vez que, em 16/07/2007 foi instaurado o processo de inquérito crime e o termo prazo de caducidade ocorria em 31/12/2007.

Alega o Oponente que com a instauração do processo de inquérito, tem de entender-se que fica prejudicada a averiguação autónoma de factos tributários, nomeadamente através do procedimento de inspecção tributária para efeitos de liquidação imediata, devendo esta aguardar a verificação de algum dos factos que nele se preveem.

Não podemos secundar esta argumentação.

Com a instauração do processo de inquérito criminal a Administração Tributária não fica inibida de diligenciar através dos procedimentos legais e tecnicamente indispensáveis, designadamente, com a elaboração do relatório de inspecção tributária no âmbito de uma acção inspectiva, e com o desenvolvimento dos procedimentos técnicos de promoção da liquidação e notificação ao sujeito passivo (vide neste sentido José Maria Fernandes Pires e outros in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2015, Almedina, nota 32 ao artigo 45.º, pág. 412).

A aplicação do n.º 5, do artigo 45.º da LGT está dependente, tão só, de o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, sendo a data relevante a da instauração do inquérito criminal (vide Acs. do STA de 21/10/2015, processo n.º 01477/13 e de 11/11/2015, processo n.º 0190/14, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Como resulta da factualidade provada, a notificação da liquidação de IRC do ano de 2003, foi levada a efeito em 09/12/2008, porém, antes do decurso dos quatro anos legalmente exigíveis (31/12/2007) foi instaurado em 16/10/2007 o inquérito criminal n.º 44/07.11DSTR, pelo que o prazo de 4 anos foi alargado até ao trânsito em julgado da sentença, por força do estatuído na citada norma, ínsita no n.º 5, do artigo 45.º da LGT.

Sobre esta questão pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 08/10/2015, proferido no processo n.º 05086/11, sumariado nos seguintes termos «(…) Todavia, a aplicação do artigo 45º, nº 5 da LGT basta-se com a instauração de inquérito criminal, ou seja, para que se verifique o alargamento do prazo de caducidade ditado pelo preceito é imperioso que os factos tributários subjacentes à (s) liquidação (ões) em causa tenham sido objecto de uma investigação em sede criminal e quanto a eles instaurado inquérito criminal.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Concluindo, a sentença recorrida não padece do invocado erro de julgamento, pelo que improcede as respectivas conclusões de recurso.

2.9. Erro de julgamento da sentença por ter validado as correcções, por inexistência de facto tributário e errônea quantificação

Alega a Recorrente que a liquidação é ilegal por inexistência de facto tributário e ou errónea quantificação da matéria colectável, por violação do disposto nos artigos 17.º e sgs. e 57.º do CIRC, e que a AT não fez prova plena, como lhe competia, da veracidade das correcções que efectuou ao lucro tributável, pelo que quanto muito apenas lhe assistia o direito de determinar aquele mediante aplicação dos métodos indirectos (conclusões DDD e EEE da alegação de recurso).

Vejamos.

Está em causa uma liquidação adicional de IRC emitida na sequência de uma acção de inspecção à Impugnante, em que a administração tributária concluiu pela omissão nos valores de venda de fracções localizadas em Vilamoura, por o preço declarado na transmissão das fracções ser inferior aos valores reais de transmissão dos imóveis.

Embora a administração tributária possa desconsiderar o valor indicado como preço de compra e venda de certo imóvel constante de escritura pública (cfr. artigo 39.º da LGT), e sem necessidade de previamente haver decisão judicial que declare a nulidade de tal acto, é entendimento consolidado na nossa jurisprudência que para desconsiderar esse preço (declarado) terá de carrear elementos certos, seguros e consistentes, que demonstrem com um elevado grau de certeza que o montante do preço declarado não foi aquele, mas outro superior. (vide, entre outros, acórdão do TCAS de 23/03/2017, proc. 08562/15, disponívei em www.dgsi.pt).

Com efeito, incumbe à administração tributária o ónus de prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas e desfavoráveis ao destinatário, como sejam a existência dos factos tributários e a respectiva quantificação (ressalvadas as excepções do artigo 100. °, n.º 2, do CPPT), isto quando o acto por ela praticado tem por fundamento a existência de facto tributário e a sua quantificação.

Porém, se o juízo da administração tributária assenta em ter considerado que a operação de compra/venda consubstanciada nos documentos em causa não tiveram como preço real o que nele é declarado, deverá demonstrar a existência de indícios sérios e objectivos de que o preço da operação foi simulado, passando então a competir ao contribuinte o ónus de provar que o preço foi o real.

Defende a Recorrente que o preço a considerar é o que consta da escritura pública, mas não tem razão, porque a força probatória plena dos documentos autênticos só compreende os factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo (artigo 371.º, n.º 1, do CC), factos que não estão em causa, nestes autos.

Tendo sido deduzida impugnação judicial contra essa liquidação, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi considerado que a Administração Tributária recolheu indicadores concretos, objetivos e suficientes e principalmente com a prova produzida em sede de audiência, que os valores declarados de vendas não correspondem aos reais e por conseguinte, foram omitidos aos proveitos receitas do produto dessas vendas, que por sua vez permitiram o emagrecimento das receitas fiscais.

A sentença recorrida para julgar improcedente este fundamento de impugnação, estruturou o seguinte discurso fundamentador:

Dispõe o art. 17º do CIRC (com a redacção à data dos factos) o seguinte: «

1 - O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do exercício.

3 - De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes. ».

E o art. 20º do CIRC (com a redacção à data dos factos) estabelece o seguinte: «

1 - Consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente os resultantes de:

a) Vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens;

(…)».

E por último, importa reter que a alínea a) do n.º2 do art. 75º da LGT prevê o seguinte:«

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;».

Com efeito, o legislador do CIRC entendeu consagrar a regra que o lucro tributável é obtido pela soma algébrica do resultado líquido do exercício, variações patrimoniais positivas e negativas depois de corrigidos nos termos do Código. E quanto ao lucro tributável, este é constituído em parte pelo resultado líquido da exploração.

Por outro lado, se as declarações ou a contabilidade do sujeito passivo apresentar erros ou omissões, ou existam indícios sérios de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo, deixa de valer a presunção de veracidade das declarações do sujeito passivo.

E nesta parte a prova dos factos que são objecto da contabilidade fica sujeita às regras do ónus da prova prevista no art. 74º da LGT.

Dito isto, vejamos o caso concreto.

Consta do probatório que a AF no âmbito da inspecção realizada e confrontando os valores das escrituras outorgadas com os valores declarados pelos adquirentes concluiu que a Impugnante omitiu proveitos em vendas.

Ficou provado que a sociedade T... Construções, Lda., tal como J.., J…, M…, A…, D…, M… e C... adquiriram fracções à Impugnante, tendo inicialmente declarado um determinado valor, mas posteriormente acabaram por declarar junto da AF um valor de aquisição mais elevado, quer em auto de declarações, quer através do pagamento do imposto de SISA adicional.

E dos factos dados como assentes resulta que C... celebrou com a Impugnante um contra promessa de compra e venda de uma fracção, tendo ambos acordado que o preço seria de 250.000,00€, tendo todavia a escritura de compra e venda sido realizada por 150.000,00€.

Ora, conjugando os factos dados como assentes com as disposições normativas supra referidas, podemos desde já concluir que a liquidação emitida pela AF não merece qualquer censura (pelo menos em parte).

Passemos a explicar.

Devemos começar por relembrar que o recurso aos métodos indiciários constitui um método excepcional de apurar o facto tributário, que só pode ter lugar quando o contribuinte não cumpra os deveres a que está obrigado, pois que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal, excepto se se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte (cfr. arts. 75º, 87º e 88º da LGT). Quer isso dizer que é ultima ratio que a AF deve lançar mão.

Ora, no caso dos Autos a AF não recorreu aos métodos indirectos, e muito bem, tendo em conta os elementos que tinha ao seu dispor – as declarações dos próprios contribuintes – e procedeu às correcções com base nos referidos valores DECLARADOS pelos adquirentes das fracções.

Aliás, as declarações prestadas pelos adquirentes à AF não merecem qualquer censura, razão pela qual não faz qualquer sentido a tese que a Impugnante tenta defender nos artigos 114º e seguintes da p.i.

Com efeito, resulta do probatório que a AF confirmou que as fracções indicadas na pág. 16 Relatório não foram vendidas pelo preço escriturado.

Assim, a factualidade apurada e pormenorizadamente exposta ao longo deste extenso relatório, analisada de forma conjugada e ponderada à luz das regras da experiência, e principalmente com a prova produzida em sede de Audiência, sugere fortemente que, efectivamente, os valores declarados de vendas não correspondem aos reais e que, por conseguinte, foram omitidas aos proveitos receitas do produto dessas vendas, que por sua vez permitiram o emagrecimento das receitas fiscais.

Enfatizo, pois, pela sua importância, as declarações prestadas pelos adquirentes à Administração Fiscal, os quais vieram confessar que o preço pago foi superior ao escriturado.

Vejamos melhor cada uma das fracções vendidas:

Quanto à fracção A, adquirida pela sociedade T... Construções, Lda., foi comprada efectivamente por um preço superior ao declarado na escritura, tal como o gerente desta sociedade referiu em sede de audiência, recorrendo à expressão “obviamente que o valor real foi superior…”.

Relativamente à fracção B, o Tribunal destacou o auto de declarações de 7/07/2008, no qual o adquirente confessa que comprou o apartamento por cerca de 160.000,00€.

O mesmo sucede quanto às fracções C, H, I, K, J, O, P.

Todavia, quanto às fracções F e G, como já referimos supra, o Tribunal não aceita como suficiente para abalar os valores declarados pela Impugnante as incoerências registadas nos extractos bancários e extractos de conta-corrente da mesma, razão pela qual, e apenas relativamente a estes 2 adquirentes, a Impugnação tem que proceder.

Quanto ao facto da Impugnante não aceitar que as meras declarações dos depoentes prestadas têm validade de indícios de por em causa a sua contabilidade, o Tribunal não só as aceita, por que não merecem qualquer censura, à luz do art. art. 58º da LGT, como o Tribunal os valoriza, e conjugando com os depoimentos da testemunhas em sede de audiência pelas razões supra referidas, resulta efectivamente que nesta parte a contabilidade da Impugnante padece de omissões.

Por outro lado, em relação ao argumento do direito de liquidar a SISA tinha caducado, não é verdade que isso tenha sucedido.

Porém, ainda que fosse, só os próprios sujeitos passivos – os adquirentes - é que deviam ter arguido tal vício em sede de eventuais reclamações/impugnações. Não o tendo feito, este argumento não pode proceder.

Assim sendo, nos termos do art. 75º/2, a) da LGT, conjugado o n.º1 do art. 74º do mesmo diploma, as correcções propostas pela AF (excepto quanto às fracções F e G) estão correctas, razão pela qual a Impugnação não pode proceder com base neste fundamento.

Secundamos a apreciação das questões colocadas nesta matéria pela Recorrente e a decisão da primeira instância, nada mais havendo a acrescentar.

In casu, julgamos, tal como decidido na primeira instância, que a Administração Tributária recolheu indícios concretos e objectivos de que os valores das vendas não correspondem aos reais, tendo procedido às correcções com base nos valores declarados pelos adquirentes.

Por último, não poderá deixar de se registar que a Recorrente nas suas alegações alheia-se em algumas das questões apreciadas dos fundamentos determinantes da decisão de improcedência desta questão na sentença recorrida, não ensaiando demonstrar o desacerto da respectiva fundamentação, pondo antes em crise os procedimentos e os fundamentos determinantes do acto de liquidação, já antes invocados e apreciados pela primeira instância, pelo que também por aqui, o presente recurso sempre estaria votado ao insucesso, já que as alegações e conclusões se revelam, como se viu, completamente ineficazes para suscitar qualquer tipo de censura à decisão recorrida.

Improcede, pois, nesta parte o recurso.

2.10. Erro de julgamento por ter julgado improcedente a alegada falta de fundamentação da liquidação.

A última questão colocada e a apreciar alegada nas conclusões FFF e GGG da alegação de recurso respeita à falta de fundamentação da liquidação.

Alega a Recorrente o Relatório de Inspecção Tributária contem omissões, insuficiências, imprecisões e contradições, não sendo susceptível de fundamentar a liquidação.

Vejamos.

O artigo 77.º da Lei Geral Tributária, pretendendo garantir o mérito e a legalidade dos actos da Administração Fiscal, prescreve um dever de fundamentação.

Com efeito, estatui a referida norma «1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, propostas, incluindo os que integram o relatório de fiscalização tributária.»

Daqui decorre que a fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer ou não o contribuinte e permitir-lhe o controlo do acto.

Tal significa que o contribuinte deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve dar-se-lhe, ainda que de forma sucinta, conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada da decisão, ou seja, do modo e das razões por que foi tributado em determinado imposto e quantia.

Dito de outro modo, o acto tributário estará fundamentado quando contenha os requisitos gerais e especiais de fundamentação previstos na lei, que impõe se dêem a conhecer ao contribuinte não só as razões factuais que motivaram a decisão como também as disposições legais aplicáveis.

A este propósito escreveu-se na sentença:

O direito à fundamentação dos actos tributários ou «praticados em matéria tributária» que «afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes», estabelecido no art. 268º, nº 3, da CRP, no art. 77º nº 1 da LGT e no art. 125º do CPA constitui uma garantia específica dos contribuintes.

E nesta matéria o STA já concluiu, através do Acórdão de 2/2/06, Rec. 1114/05 o seguinte: «este dever legal da fundamentação tem, a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.»

Por outro lado, o n.º 1 do art. 77º da Lei Geral Tributária (LGT) prescreve o seguinte: «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.».

Por isso, a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto, expressa e acessível, clara, suficiente e congruente equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

Dito isto, vejamos o caso dos Autos.

Quer da leitura do relatório da inspecção efectuada à Impugnante, quer da leitura da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que foi acompanhada pela informação de 15/10/2009, permite à Impugnante perceber que a Administração Fiscal pretendeu liquidar adicionalmente o imposto em falta derivado da omissão de vendas, com base na recolha de elementos feita na acção inspectiva, tendo explicado, ainda de forma sucinta que os métodos usados foram os adequados, e que o direito de liquidar não estava caducado e que inexiste falta de fundamentação.

Assim sendo, cabia agora à Impugnante concretizar em que medida é que o seu direito foi prejudicado ou em que medida existe falta de fundamentação, uma vez que relatório da inspecção e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa continham todos os dados exigidos pela lei.

Quer isso dizer que a Impugnante ficou munida, desde da data da notificação do Relatório e posteriormente da notificação do indeferimento da reclamação graciosa de toda a informação necessária para poder reagir contenciosamente, tal como assim o fez.

Assim sendo, a presente Impugnação não pode proceder com tal fundamento.

Nesta questão, a sentença recorrida merece também o nosso inteiro acolhimento.

Na verdade, entendido o dever de fundamentação (na sua dimensão formal) nos moldes supra referidos, afigura- se- nos que a administração tributária externou no caso dos autos as razões de facto e de direito que estão na base da decisão de um modo tal que as mesmas se revelam apreensíveis para o seu destinatário e, dessa forma, cumpriu aquele dever.

Em todo o caso sempre se dirá que, a discordância da Recorrente, quanto aos elementos de prova recolhidos pelos Serviços de Inspecção Tributária,, não transforma a fundamentação da liquidação numa falta de fundamentação, nem sequer mesmo numa fundamentação insuficiente, poderiam revelar a existência de violação de lei (e não vício de forma por falta de fundamentação) e respeitam a erro de julgamento, que já foi apreciado no âmbito do erro de julgamento quanto à inexistência de facto jurídico e errônea quantificação.

Improcede, portanto, este fundamento do recurso.

Nesta conformidade, improcedem todas as conclusões das alegações do recurso da Recorrente, impondo-se negar provimento ao mesmo e confirmar a decisão recorrida.


*

Conclusões/Sumário:

I. Resulta do regime geral das nulidades dos actos que as nulidades processuais devem, em regra, ser arguidas perante o tribunal em que as mesmas foram cometidas, cabendo recurso, nos termos gerais, da decisão proferida sobre o requerimento de arguição.

II. Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

III. Tendo sido efectuada a gravação da audiência em conformidade com o disposto na lei, com registo na própria acta, assinada pelo juiz, é uma realidade que consta do processo, que tem de ser considerada.

IV. O princípio da plenitude de assistência dos juizes é um corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova e a ele está subjacente a ideia de que para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os actos de instrução e discussão da causa realizados na audiência de julgamento.

V. A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto abrange tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123.º, n.º 2 do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC.

VI. Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios.

VII. Quando se aplica a extensão do prazo da caducidade prevista no n.º 5 do art. 45.º da LGT aos prazos que já se encontravam em curso na data do início da vigência da norma (1 de Janeiro de 2006) isso não significa a aplicação retroactiva da nova disposição legal, porquanto o facto extintivo do direito à liquidação é duradouro (reconduzindo-se ao decurso do prazo) e não instantâneo.

VIII. Com a instauração do processo de inquérito criminal a Administração Tributária não fica inibida de diligenciar através dos procedimentos legais e tecnicamente indispensáveis, designadamente, com a elaboração do relatório de inspecção tributária no âmbito de uma acção inspectiva, e com o desenvolvimento dos procedimentos técnicos de promoção da liquidação e notificação ao sujeito passivo.

IX. Embora a administração tributária possa desconsiderar o valor indicado como preço de compra e venda de certo imóvel constante de escritura pública (cfr. artigo 39.º da LGT), e sem necessidade de previamente haver decisão judicial que declare a nulidade de tal acto, é entendimento consolidado na nossa jurisprudência que para desconsiderar esse preço (declarado) terá de carrear elementos certos, seguros e consistentes, que demonstrem com um elevado grau de certeza que o montante do preço declarado não foi aquele, mas outro superior.

X. O acto tributário estará fundamentado quando contenha os requisitos gerais e especiais de fundamentação previstos na lei, que impõe se dêem a conhecer ao contribuinte não só as razões factuais que motivaram a decisão como também as disposições legais aplicáveis.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.

Notifique.


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Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão aos serviços do Ministério Público, Departamento de Investigação e Acção Penal, Secção de Torres Vedras, proc. 44/07.1DSTR.

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Lisboa, 19 de Novembro de 2020.


Maria Cardoso - Relatora

Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta

Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta


(assinaturas digitais)