Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1176/18.6 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/08/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:DIREITO DE ASILO
TOMADA A CARGO
Sumário:I - Se a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional pertencer a outro Estado-Membro, incumbe ao SEF dar início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável, conforme determinam os ºs 37.º a 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06 e 22.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento n.º 604/2013, de 26-06;
II - O início desse (sub)procedimento especial faz suspender o procedimento destinado à concessão da requerida protecção internacional até que seja proferida uma decisão final naquele (sub)procedimento – cf- art.º 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06;
III - Caso as autoridades do Estado-Membro requerido aceitem a tomada a cargo, por força dos art.ºs 26.º n.º 1, do Regulamento n.º 604/2013, de 26-06, e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, o Director do SEF terá de considerar inadmissível o pedido de protecção internacional formulado, nos termos do art.º 19.º, n.º 1, al. a), 19.º-A e 20.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, determinando, apenas, a transferência do requerente para o Estado-Membro responsável pela respectiva análise – cf. art.º 38.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO
A.... Camara interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente o pedido de condenação do Ministério da Administração Interna (MAI) a admitir e a instruir o pedido de protecção internacional por si formulado.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “I.O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 18 de agosto de 2018, a qual julgou improcedente a acção interposta pelo aqui Recorrente.
II. A douta sentença de que se recorre não fez um correto enquadramento jurídico dos factos alegados pelo ora Recorrente, não se pronunciando sobre todos os factos alegados e as questões colocadas na petição inicial, não as enquadrando como factos provados/não provados.
III. Limitando-se simplesmente a dar como provados os factos alegados em sede do Processo Administrativo (P.A.), que serviram de base ao Despacho proferido 'pela Diretora Nacional do SEF.
IV. Deste modo, a douta sentença recorrida enferma de vício, atendendo à manifesta falta de fundamentação e análise da matéria de facto invocada pelo Recorrente por não apresentar as razões determinantes para a decisão proferida, nomeadamente ao nível da matéria de facto dada como provada.
V. Com efeito o Tribunal “a quo” não apreciou nem sindicou devidamente, factos que se demonstrariam como fundamentais para a boa decisão da causa e apuramento da verdade material dos factos.”

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1- A douta sentença decidiu em conformidade com os comandos imperativos ínsitos na legislação aplicável - o Regulamento (UE) n.s 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e a Lei ns 27/2008, de 30 de junho, não padecendo de qualquer vício deforma ou de direito.
2 - O ora recorrente apresentou pedido de asilo no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF (GAR/SEF), mas apurou-se que essa responsabilidade cabe às autoridades espanholas, o que, em consequência dos dados apurados determinou que esse País fosse considerado o Estado responsável pela "Tomada a Cargo."
3. - Nesta conformidade, o GAR/SEF efectuou um pedido de tomada a cargo do recorrente às autoridades espanholas, que ao abrigo do artigo 12.9/2 do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o qual foi aceite por estas.
4. - Nos termos previstos no citado Regulamento, e bem assim na Lei de asilo, designadamente, no seu art. 38.9, o Estado português é responsável pelas medidas de execução de transferência.
5.-Resulta evidente, que a decisão do ora recorrido {devidamente acolhida pela douta sentença ora recorrida), foi de encontro às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente, no que respeita ao fazer accionar o mecanismo da Tomada a Cargo, ao qual a Espanha está vinculada e que gerou a sua decisão de aceitação.
6.- A douta sentença recorrida é igualmente consentânea com a jurisprudência da E.U.
7 - Não se trata de verificar se o ora recorrente preenche, ou não, claramente as condições para ser considerado refugiado ou beneficiário de proteção subsidiária, mas de reiterar que não impende sobre Portugal nenhum dever de apreciação nos termos do quadro legal suprarreferido, pelo contrário, está adstrito a proferir vinculadamente a decisão de transferência.
8.- Em suma, a validade do acto administrativo praticado pelo SEF é insindicável, tal como bem julgou a sentença ora recorrida, não havendo outras considerações a tomar.”

O DMMP apresentou a pronúncia no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro da decisão recorrida e da sua falta de fundamentação, por não ter sido considerada toda a alegação fáctica aduzida pelo A. e ora Recorrente.

Diga-se, desde já, que a decisão recorrida está certa, havendo que se manter.
Conforme os factos provados, não impugnados neste recurso, o A. e Recorrente formulou em 21-03-2018, junto dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), um pedido de protecção internacional.
Iniciada a instrução desse procedimento, considerando as declarações prestadas pelo requerente e documentos que apresentou, verificou-se, que o A. e Recorrente tinha permanecido em Espanha pelo menos desde meados de 2017.
Nessa sequência, em 05-04-2018, foi pedida às autoridades espanholas a tomada a cargo do Autor, nos termos previstos no art.º 22.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento n.º 604/2013, de 26-06.
Em 14-06-2018, as autoridades espanholas comunicaram ao SEF a aceitação do pedido de tomada de cargo do A. e ora Recorrente.
Neste enquadramento, o SEF teria sempre que considerar que o pedido feito pelo A. e Recorrente era inadmissível e teria de determinar a transferência do A. e Recorrente para Espanha, por ser este o Estado-Membro responsável pela análise do seu pedido, conforme preceituam os art.ºs 19.º-A, n.º 1, al a) e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.
Tal conduta do SEF decorre do preceituado nos art.ºs 37.º a 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06 e 22.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento n.º 604/2013, de 26-06, que determinam que se a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional pertencer a outro Estado-Membro, incumbe ao SEF dar início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável, que, por seu turno, faz suspender o procedimento destinado à concessão da requerida protecção internacional até que seja proferida uma decisão final naquele (sub)procedimento especial – cf- art.º 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06.
Entretanto, caso as autoridades do Estado-Membro requerido aceitem a tomada a cargo, por força dos art.ºs 26.º n.º 1, do Regulamento n.º 604/2013, de 26-06, e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, o Director do SEF terá de considerar inadmissível o pedido de protecção internacional formulado, nos termos do art.º 19.º, n.º1, al. a), 19.º-A e 20.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, determinando, apenas, a transferência do requerente para o Estado-Membro responsável pela respectiva análise – cf. art.º 38.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06.
Porque assim entendeu - e bem - a decisão recorrida, na sua fundamentação factual bastou-se com a fixação dos factos relevantes para a decisão e atinentes à situação procedimental em apreço nos presentes autos.
Ou seja, a decisão recorrida não padece de nenhum erro de direito ou de falta de fundamentação por não se ter considerado toda a alegação fáctica aduzida pelo A. e ora Recorrente na sua PI. A alegação que foi feita pelo A. e Recorrente relativamente à sua situação de vida na Guiné Bissau irrelevava para a decisão a tomar, pelo que não tinha de ser alvo de instrução e de fixação como provada e não provada.
No mais, remete-se para os termos integrais da decisão recorrida, que está certa e encerra uma fundamentação completa, decisão que se subscreve na íntegra: “Os pedidos de proteção internacional consideram-se inadmissíveis quando se verifique qualquer das situações previstas no artigo 19.º-A da Lei n.º 27/2008, de 30/06 (doravante designada Lei de Asilo), competindo tal decisão ao Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - cfr. artigo 20.º, n.º 1.
Não se verificando qualquer das circunstâncias previstas neste preceito - ou qualquer das situações consideradas infundadas pelo disposto no artigo 19.º do mesmo diploma –, o pedido deve ser admitido e instruído nos termos dos artigos 27.º e seguintes, tendo em vista a decisão de concessão ou recusa de proteção internacional, por parte do membro do Governo responsável pela administração interna - cfr. artigos 20.º, n.º 4, 21.º, n.º 1 e 29.º, n.º 5.
Dispõe o artigo 19.º-A da Lei do Asilo – sob a epígrafe “Pedidos inadmissíveis”:
“1 – O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que:
a) Está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV;
(…)
2 – Nos casos previstos no número anterior, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.”(negrito nosso).
No artigo 36.º do mesmo diploma – com inserção sistemática no capítulo IV da Lei de Asilo – estabelece-se que quando “haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo”.
Já o artigo 37.º - sob a epígrafe “Pedido de proteção internacional apresentado em Portugal” – dispõe:
“1 – Quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo.
2 – Aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente.
(…)..”
Por sua vez, o artigo 39.º deste mesmo diploma – sob a epígrafe “Suspensão do prazo para a decisão” – dispõe que a “instrução do procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional suspende, até decisão final, a contagem do prazo previsto no n.º 1 do artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 24º”.
O Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho [a que se refere o artigo 37.º, n.º 1, da Lei de Asilo], veio estabelecer os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas.
Dispõe o artigo 3.º do Regulamento indicado – sob a epígrafe “Acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional”:
“1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-
Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.
2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.
Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.
Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.
3. Os Estados-Membros mantêm a faculdade de enviar um requerente para um país terceiro seguro, sem prejuízo das regras e garantias previstas na Diretiva 2013/32/UE.”
Assim, os critérios de determinação do Estado-Membro responsável estão previstos no Capítulo III do Regulamento, ou seja, nos artigos 7.º a 15.º, dispondo o artigo 7.º, n.º 1 que os “critérios de determinação do Estado-Membro responsável aplicam-se pela ordem em que são enunciados no presente capítulo.” E no n.º 2 que a “determinação do Estado-Membro responsável em aplicação dos critérios enunciados no presente capítulo é efetuada com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez o seu pedido de proteção internacional junto de um Estado-Membro.
Da factualidade provada constata-se que no procedimento iniciado com o pedido de proteção internacional formulado pelo Autor, foi utilizado o critério previsto no artigo 13.º do Regulamento.
Sob a epígrafe “Entrada e/ou estadia”, dispõe o artigo 13.º do Regulamento:
“1. Caso se comprove, com base nos elementos de prova ou nos indícios descritos nas duas listas referidas no artigo 22.º, n.º 3, do presente regulamento, incluindo os dados referidos no Regulamento (UE) n.º 603/2013, que o requerente de asilo atravessou ilegalmente a fronteira de um Estado-Membro por via terrestre, marítima ou aérea e que entrou nesse Estado-Membro a partir de um país terceiro, esse Estado-Membro é responsável pela análise do pedido de proteção internacional. Essa responsabilidade cessa 12 meses após a data em que teve lugar a passagem ilegal da fronteira.
2. Quando um Estado-Membro não possa ser ou já não possa ser tido como responsável nos termos do n.º 1 do presente artigo e caso se comprove, com base nos elementos de prova ou indícios descritos nas duas listas referidas no artigo 22.º, n.º 3, que o requerente – que entrou nos territórios dos Estados-Membros ilegalmente ou em circunstâncias que não é possível comprovar – permaneceu num Estado-Membro durante um período ininterrupto de pelo menos cinco meses antes de apresentar o seu pedido de proteção internacional, esse Estado-Membro é responsável pela análise do pedido de proteção internacional.
(...).”
Relativamente ao procedimento de tomada a cargo, o artigo 20.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, dispõe, designadamente, o seguinte:
“1. O processo de determinação do Estado-Membro responsável tem início a partir do momento em que um pedido de proteção internacional é apresentado pela primeira vez a um Estado-Membro.
2. Considera-se que um pedido de proteção internacional foi apresentado a partir do momento em que as autoridades competentes do Estado-Membro em causa recebam um formulário apresentado pelo requerente ou um auto lavrado pela autoridade. No caso de um pedido não escrito, o período que medeia entre a declaração de intenção e a elaboração de um auto deve ser tão breve quanto possível.
(...).”
E o artigo 21.º dispõe:
“1. O Estado-Membro ao qual tenha sido apresentado um pedido de proteção internacional e que considere que a responsabilidade pela análise desse pedido cabe a outro
Estado-Membro pode requerer a este último, o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da apresentação do pedido na aceção do artigo 20.º, n.º 2, que proceda à tomada a cargo do requerente.
(…)
3. Nos casos a que se referem os n.os 1 e 2, o pedido de tomada a cargo por outro Estado- Membro deve fazer-se num formulário-tipo e conter os elementos de prova ou os indícios descritos nas duas listas referidas no artigo 22.º, n.º 3, e/ou elementos relevantes constantes da declaração do requerente que permitam às autoridades do Estado-Membro requerido verificar a responsabilidade desse Estado com base nos critérios definidos no presente regulamento.
(...).”
Nos termos do artigo 26.º, n.º 1, deste Regulamento prevê-se que caso “o Estado- Membro requerido aceite a tomada ou retomada a cargo de um requerente (…), o Estado- Membro requerente deve notificar a pessoa em causa da decisão da sua transferência para o Estado-Membro responsável e, se for caso disso, da decisão de não analisar o seu pedido de proteção internacional”.
Atenta a factualidade provada, importa ainda ter presente o disposto no artigo 22.º do Regulamento, mais concretamente os seus n.ºs 1 e 7:
“1. O Estado-Membro requerido procede às verificações necessárias e delibera sobre o pedido, para efeitos de tomada a cargo dum requerente, no prazo de dois meses a contar da data de receção do pedido.
(...).
7. A ausência de resposta no termo do prazo de dois meses mencionado no n.º 1 e de um mês previsto no n.º 6, equivale à aceitação do pedido e tem como consequência a obrigação de tomada a cargo da pessoa, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.”
Tendo presente o quadro normativo convocado pela situação dos autos, dir-se-á, em suma, resultar do mesmo que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertencente a outro Estado-Membro, incumbe ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que dá início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável, regulado especificamente nos artigos 37.º a 39.º da Lei de Asilo e no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, podendo requerer a esse Estado a tomada a cargo do requerente de proteção internacional.
Nesta hipótese – atento o disposto no artigo 39.º da Lei de Asilo –, verificar-se-á a suspensão do procedimento destinado à concessão de proteção internacional, propriamente dito, até que seja proferida a decisão final no (sub)procedimento especial de determinação do Estado- Membro responsável pela análise do pedido, a qual, em caso de aceitação da tomada a cargo pelas autoridades do Estado-Membro requerido, determina que o Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras profira a decisão a que aludem os artigos 26.º n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho e 37.º, n.º 2, da Lei de Asilo, considerando inadmissível o pedido de proteção internacional formulado, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 19.º-A e do artigo 20.º da Lei de Asilo, e determinando a transferência do requerente para o Estado-Membro responsável pela respetiva análise, a executar nos termos do artigo 38.º da Lei de Asilo, devendo, por conseguinte, abster-se da análise sobre o mérito do pedido de proteção internacional.
No caso dos autos, resulta dos factos provados que em 21/03/2018 o Autor formulou pedido de proteção internacional junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e que na instrução do procedimento, atentas as declarações prestadas pelo Autor e documentos que este se fazia acompanhar, o SEF constatou que este havia permanecido em Espanha pelo menos desde meados de 2017.
Perante estes factos, em 05/04/2018, as autoridades portuguesas efetuaram um pedido de tomada a cargo do Autor às autoridades espanholas, as quais, nos termos previstos no artigo 22.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento (UE) n.º 604/2013, tinham um prazo de dois meses para se pronunciarem, sob pena de aceitação do pedido, factualidade que resultou provada nos autos e que teve como consequência a prática do ato impugnado, a qual se revela conforme ao quadro legal aplicável.
Acresce que, mesmo após o decurso do prazo de dois meses referido e a prática do ato impugnado, as autoridades espanholas emitiram pronúncia expressa de aceitação do pedido de tomada de cargo.
Assim, outra não poderia ter sido a decisão da Entidade Demandada, senão a de considerar o pedido de proteção internacional inadmissível, nos termos dos artigos 19.º-A, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1, da Lei de Asilo, e determinar a transferência do Autor para Espanha, por ser este o Estado-Membro responsável pela respetiva análise, falecendo a pretensão do Autor.
Diga-se, ainda, que não foi alegado nos presentes autos a existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo no Estado Espanhol, que permitam concluir pela probabilidade séria de o Autor, ao ser transferido para aquele Estado, correr um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.º da CDFUE -cfr., neste sentido, os Acórdãos do Tribunal de Justiça proferidos, em 10/12/2013 (Proc. C-394/12) e em 21/12/2011 (Procs. C-411/10 e C-493/10).
Assim, ter-se-á de concluir que, in casu, não se encontram reunidos os pressupostos legais de constituição da Entidade Demandada no dever de admitir o pedido de proteção internacional formulado pelo Autor à fase de instrução, não se encontrando, por este motivo, também constituída no dever de apreciação dos concretos fundamentos do pedido, para efeitos de preenchimento, ou não, dos requisitos previstos no artigo 7.º da Lei de Asilo, porquanto – nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho – o Estado-Membro unicamente competente para a sua apreciação é Espanha.
Perante a aceitação, pelas autoridades espanholas, do pedido de tomada a cargo do Autor, verifica-se que a apreciação dos fundamentos do pedido de proteção internacional, formulado pelo Autor, passaram a constituir responsabilidade do Estado Espanhol – cfr. artigo 18.º, n.º 1 do referido Regulamento.”

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- sem custas por isenção objectiva (cf. art.º 84.º da Lei nº 27/2008, de 30-06).

Lisboa, 8 de Novembro de 2018.

(Sofia David)
(Conceição Silvestre)
(José Correia)