Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09674/16
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2016
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ISENÇÃO DE IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS (ISV). EMIGRANTE.
Sumário:1) Estando em causa a acção administrativa especial de impugnação do acto administrativo que determinou a anulação da concessão do benefício fiscal de isenção de ISV, compete ao autor do acto o ónus de demonstração da ocorrência dos seus pressupostos.
2) Ónus que no caso não foi cumprido, porquanto dos autos resulta que a introdução da viatura em território nacional foi contemporânea da mudança de residência do recorrido, o que constitui pressuposto da isenção em causa.
3) A verificação e subsistência do pressuposto da isenção determina a preservação da mesma ao invés do pretendido pelo acto de anulação impugnado.
4) Não se comprova nos autos a ocorrência de violação dos ónus de intransmissibilidade do veículo, associados à concessão da isenção em apreço.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 204/211, que julgou procedente a acção administrativa especial, deduzida por D..., contra o despacho que revogou o benefício de isenção do Imposto Sobre Veículos (ISV) para o seu veículo automóvel de marca Mercedes-Benz modelo C270 CDI, com a matrícula ..., determinando a anulação do mesmo.
Nas alegações de fls. 220/225, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1. Considerando que no caso em pleito estamos perante a tributação em sede de Imposto sobre Veículos cujo enquadramento jurídico se encontra estabelecido no CISV.
2. Considerando que o legislador em sede de ISV consagrou no Capítulo VI do CISV, os Regimes de Isenção do Imposto sobre Veículos (artigos 45.º a 62.º), estabelecendo condicionalismos à sua concessão, impondo ónus e sujeição a fiscalização.
3. Considerando o estabelecido na alínea c) do n.º 2 do art.º 5.º do CISV constitui facto gerador de imposto “a cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados.”
4. Considerando que o legislador consagrou um hiato de tempo em que os veículos objecto de isenção ou redução de ISV, estão sujeitos a fiscalização e em consequência da inobservância dos condicionalismos impostos são tributados.
5. Entende-se, com o devido respeito, salvo melhor entendimento, que o legislador considerou a revogação da concessão de imposto e consequentemente a liquidação e cobrança de imposto, face à cessação ou violação dos pressupostos da isenção ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados.
6. Caso contrário, não teria imputado prazos para a verificação do cumprimento dos condicionalismos associados às isenções ou reduções concedidas.
7. No caso em pleito verificou-se em sede do controlo realizado no âmbito do art.º 64.º do CISV, que não foram cumpridas as condições estipuladas no n.º 1 do art.º 58.º e alínea a) do n.º 2 do art.º 45.º do CISV, havendo por conseguinte lugar à tributação do ISV, relativamente ao veículo automóvel objecto do pedido de isenção formulado, nos termos das disposições do CISV.
8. Considerando que estamos perante uma relação jurídica tributária cujo facto jurídico se enquadra nos códigos fiscais, e como tal, atendendo ao disposto no art.º 2.º da LGT, a estas aplicam-se sucessivamente:
a) A LGT;
b) O CPPT, e os demais códigos e leis tributárias, incluindo a lei geral sobre infracções tributárias e o EBF;
c) O CPA;
d) O Código Civil e o Código de Processo Civil
9. Considerando o estipulado na alínea d), do n.º 1 do art.º 54.º da LGT que “o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente, o reconhecimento ou revogação dos benefícios fiscais;”
10. Considerando o estipulado no n.º 1 do art.º 79.º da LGT que “O acto decisório pode revogar total ou parcialmente acto anterior ou reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão.
11. Considerando o disposto no n.º 1 do art.º 14.º do EBF que ”A extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra.” (Destaque nosso)
12. Verifica-se que inerente à revogação do benefício, há lugar à tributação do imposto devido, a qual está necessariamente dependente da liquidação.
13. Liquidação essa que em termos tributários e no caso em concreto se executa nos termos do disposto no art.º 26.º do CISV conjugado com o art.º 45.º da LGT.
14. Senão seria irrelevante a imputação de ónus e a fiscalização estabelecida no CISV, pelo legislador.
15. Não sendo esse o entendimento que retiramos quando temos tipificado na alínea c) do n.º 2 do art.º 5.º do CISV, que constitui facto gerador de imposto “a cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados.”
16. Facto este que se verificou em sede do controlo realizado nos termos do estabelecido no n.º 2 do art.º 64.º do CISV, pelo que, e nos termos da legislação aplicável ao caso em concreto houve lugar à tributação de ISV, tendo sido pago em sede de execução fiscal o que é demonstrativo de que o Autor reconheceu ser devido o imposto, tanto mais que em momento algum em sede do PCF (Processo de conferencia final) se insurgiu quanto aos procedimentos realizados tendo vários mecanismos legais ao seu dispor, designadamente o direito de audição.
17. Subjacente a todos os procedimentos inerentes ao ISV está a sujeição a tributação, verificando-se assim que a génese dos actos praticados pela administração tributária são relativos ao tributo, consistindo este a obrigação fiscal.
18. Pelo que e com o devido respeito, concluímos que quanto à revogação da isenção do ISV indevidamente concedida, há que aplicar a LGT, nomeadamente o respectivo art.º 79.º, onde se dispõe que o acto decisório pode revogar total ou parcialmente acto anterior ou reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão, nesta sede, apesar do art.º 79.º da LGT não fazer directamente referência ao prazo para a revogação, estando em causa a revogação de acto que concede benefício fiscal com subsequente liquidação do imposto devido e tendo em conta que a isenção implica genericamente uma tributação sujeita a condição legal suspensiva, fará sentido a aplicação do prazo de 4 anos para o efeito decorrente do art.º 45.º da LGT, por recurso ao elemento sistemático da interpretação a ter em conta na hermenêutica jurídica.
X
A fls. 244/249, o recorrido proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
Formulou as conclusões seguintes:

I. O acto revogatório da decisão que concedeu o benefício fiscal ao Recorrido é ilegal.
II. A revogação do acto que concedeu o benefício de isenção do pagamento do ISV ocorreu muito para além do prazo de um ano após o acto que deferiu o pedido de isenção.
III. O acto revogatório, objecto de impugnação, estará ferido do vício de violação de lei.
IV. Aquando do pedido do benefício fiscal, previsto na Lei 22-A/2007 de 29 de Junho, - Isenção do Imposto Automóvel - contemporâneo com a transferência de residência de França para Portugal, o Recorrido reunia todos os requisitos para que lhe fosse deferido o pedido do benefício de isenção do ISV.
V. O pedido foi-lhe deferido pelo Recorrente, tendo sido posteriormente revogado, por ter considerado que o Recorrido residia em Portugal desde o ano de 2003.
VI. Acontece que a transferência da residência do A. de França (onde residiu cerca de 45 anos) para Portugal ocorre efectivamente em Junho de 2008, conforme abundante prova documental junta aos autos.
VII. Passando a sua vida a centrar-se em território nacional, onde passou a residir habitualmente, a usufruir de todos os direitos de que qualquer cidadão português pode dispor.
VIII. A tese do Recorrente é infundada e precipitada, alicerçando-se em suspeitas, deduções e em presunções cuja fragilidade está demonstrada nos presentes autos.
IX. Da vasta prova documental junta aos autos - e não impugnada pelo Recorrente - é possível concluir sem qualquer hesitação que o Recorrido residiu em França até Junho de 2008.
X. Assim, não existia qualquer motivo sério e atendível para revogar o benefício de isenção que lhe fora concedido pelo Recorrente.
X
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
X

II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

1. Em 1963 o Autor imigrou para França (cf. cópia da carta de condução emitida em Paris a fls. 82, documentos de pagamentos constantes de fls.83 a 102, fls. 109, todas dos autos).

2. No ano de 2003 o Autor reformou-se em França (cf. quesito 21 da petição inicial, facto admitido pelo Autor e não contestado).

3. Em 28/5/2003 o Autor adquiriu a propriedade do Veículo automóvel de marca “Mercedes-Benz” modelo C270 CDI, com a matrícula francesa ….

4. Em 5/12/2005 o Autor realizou análises clinicas em França (cf. documento de fls. 56 dos autos).

5. Em 18/7/2006 o Autor realizou análises clinicas em França (cf. documento de fls. 59 dos autos).

6. Em 26/10/2006 no hospital de Paris foi prescrito ao Autor um electrocardiograma (cf. doc. de fls. 61 dos autos).

7. Em 30/1/2007 o Autor realizou análises clinicas em França (cf. documento de fls. 70 dos autos).

8. Em 5/3/2007 a Junta de Freguesia de ... emitiu o atestado constante de fls. 28 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, no qual atesta que o Autor reside na Avenida Principal n.º 166, ..., Freguesia de ..., Concelho de ....

9. Em 30/5/2007 em Champigny foi emitida a prescrição médica ao Autor, constante de fls. 71 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

10. Em 30/5/2007 a receita médica identificada no ponto anterior foi cumprida pelo Autor numa farmácia localizada em França (cf. recibo de fls. 72 dos autos).
11. Em 9/5/2008 foi emitida a prescrição médica constante de fls. 77 dos autos.

12. Nos anos de 2007 e 2008 o Autor pagou impostos em França (cf. cópias das declarações fiscais a fls. 107 e 108 dos autos).

13. Entre 30/4/2008 e 7/5/2008 o Autor esteve hospitalizado no hospital privado “…” conforme declaração constante de fls. 79 dos autos.

14. Em 23/5/2008 foi emitida em França a declaração de alteração do domicílio do Autor localizado em França para Portugal nos termos constantes de fls. 4 do Processo Administrativo Tributário, de ora em diante designado de PAT.

15. Em 13/6/2008 a Junta de Freguesia de ... emitiu o atestado constante de fls. 5 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, no qual atesta que o Autor reside na Avenida Principal n.º 166, ..., Freguesia de ..., Concelho de ..., desde 11 de Junho de 2008.

16. Em 30/6/2008 o Autor apresentou na Alfandega de ... o pedido de reconhecimento de benefício fiscal de isenção de pagamento de Imposto Sobre Veículos (ISV) ao abrigo do artigo 58.º do CISV, relativo à regularização fiscal do veículo automóvel de marca “Mercedes-Benz” modelo C270 CDI, com a matrícula francesa … (cf. requerimento a fls. 3 do PAT).

17. Em 22/7/2008 foi proferido o despacho de concordância com a proposta de deferimento do pedido de concessão do beneficio fiscal descrito no ponto 16, nos termos da informação constante de fls. 19 do PAT cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

18. Em 27/8/2008 foi emitida a Declaração Aduaneira do Veículo automóvel de marca “Mercedes-Benz” modelo C270 CDI, com a matrícula francesa … constante de fls. 18 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

19. No âmbito da acção de fiscalização realizada pela Alfandega de ..., em 27/1/2009, na residência do Autor, foi este ouvido no auto de declarações, assinado pelo mesmo, constante de fls. 27 frente e verso do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e das quais consta o seguinte:

“ (…)
O qual inquirido sobre: 1- Em que data a viatura entrou em território nacional. 2- Em que data regressou a território nacional.

Afirmou:
1- A viatura entrou em território nacional em 2003, tendo voltado a França somente em 2007 para ser presente à inspecção técnica periódica, em Maio de 2007, tendo permanecido em França pelo período de um mês, desde então não voltou a França.

2- Que regressou a território nacional no ano de 2003.

(…)”

20. Em 25/2/2009, os funcionários aduaneiros deslocaram-se à Junta de Freguesia de ... (...), onde foi fornecida uma cópia do atestado de residência do Autor naquela freguesia emitido em 5/3/2007, constante de fls. 28 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

21. Em 26/2/2009 a Alfandega de ... emitiu o parecer constante de fls. 31 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta o seguinte:

“ (…)

(…)
“Versão integral no original”

(…)”
21. Em 18/5/2010 a Alfandega de ... emitiu a informação constante de fls. 39 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto “Processo de conferência final n.º .../2009 Cobrança “a posteriori” de Imposto Sobre Veículos (ISV) e Juros Compensatórios (JC) D... – NIF …” na qual é proposto a revogação do acto de concessão do beneficio fiscal de isenção de ISV, descrito em 17, e a cobrança da liquidação da totalidade do ISV, à data da apresentação da DAV n.º…/1814 9, que titula o processo automóvel do autor na quantia de EUR 7.392,28.

22. Em 18/5/2010 o Director da Alfandega de ... emitiu o despacho de concordância com a informação descrita no ponto que antecede (cf. despacho aposto na informação a fls. 39 do PAT).

23. Em 18/5/2010 foi enviado ao Autor por carta registada com aviso de recepção o oficio n.º 03879, com o assunto “Direito de Audição Processo de Conferência final n.º .../2009 Cobrança “a posteriori” de Imposto Sobre Veículos (ISV) e Juros Compensatórios (JC) D... (…)” constante de fls. 43 a 46 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido (cf. registo e AR a fls. 47 e 48 do PAT).

24. Em 29/6/2010 o Director da Alfandega de ... emitiu o despacho de concordância com a informação constante de fls. 49 do PAT, no qual é proposta a revogação do acto de concessão do benefício fiscal de isenção de ISV, descrito em 17 e a liquidação de ISV no valor de EUR 7.392,28 ao ora Autor, no âmbito do processo de conferência final .../2009.

25. Em 29/6/2010 foi enviado ao Autor por carta registada com aviso de recepção o oficio n.º 05440, com o assunto “Notificação de Divida Processo de Conferência final n.º .../2009 Cobrança “a posteriori” de Imposto Sobre Veículos (ISV) e Juros Compensatórios (JC) D... (…)” cujo prazo limite de pagamento voluntário é 16/7/2010, constante de fls. 50 a 53 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido (cf. registo e AR a fls. 51 e 52 do PAT).

26. Em 23/8/2010 A Alfandega de ... emitiu a certidão de divida constante de fls. 58 do PAT, titulada pelo Autor no montante de EUR 7.932,28.

27. Em 25/10/2010 a divida relativa à liquidação de ISV, identificada nos pontos que antecedem, foi paga pelo ora Autor conforme carimbo aposto nos impressos de liquidação a fls. 59 a 61 do PAT.»

X
Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.».
X
2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 204/211, que julgou procedente a acção administrativa especial, deduzida por D..., contra o despacho que revogou o benefício de isenção do Imposto Sobre Veículos (ISV) para o seu veículo automóvel de marca Mercedes-Benz modelo C270 CDI, com a matrícula ..., determinando a anulação do mesmo.
2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, porquanto a decisão de revogação do benefício fiscal em causa assenta «em sólida prova, recolhida de forma legal e por forma a poder concluir-se que não houve lugar a uma transferência de residência do Autor, com introdução simultânea do veículo no consumo, para território nacional em 2008, verificando-se ambos os factos em data anterior (2003)»; donde resultaria que não estão preenchidas as condições previstas no artigo 58.º/1 conjugado com o artigo 45.º/a), do CISV (Código de Imposto sobre Veículos), para a manutenção do reconhecimento do benefício fiscal.
Ao invés, o recorrido defende que a transferência da residência para Portugal ocorre apenas em Junho de 2008, passando a residir em território nacional, a partir dessa data, pelo que não existe motivo sério e atendível para revogar o benefício fiscal em causa.
2.2.3. Para julgar procedente a presente acção administrativa especial, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Como resulta do probatório [pontos 21, 22, 24 e 25] a revogação do benefício teve na sua génese o facto de no âmbito de uma acção de fiscalização a Alfandega de ... se ter confrontado com declarações contraditórias do próprio sujeito passivo e de um atestado emitido pela junta de freguesia de ... (...) que põe em causa o cumprimento dos pressupostos legais que determinaram o acto ora revogado, de concessão da isenção.
Todavia, a revogação do benefício só poderia ser realizada no prazo de um ano, nos termos do estatuído nos artigos 136º e 141º do CPA e 58º/2/a) do CPTA.
Como decorre dos factos provados o benefício fiscal foi concedido em 22/7/2008 e revogado em 29/6/2010, portanto para além do prazo de um ano em que era legalmente possível a revogação.
No sentido ora exposto, veja-se o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 23/11/2011, no processo n.º 0590/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
No que se refere, aos pressupostos da isenção, importa ainda referir que da análise dos elementos constantes dos autos, resulta manifestamente provado que o Autor foi imigrante em França durante décadas e que nos últimos anos preparou o seu regresso definitivo a Portugal.
Verifica-se também que nos anos de 2007 e de 2008, o Autor dividiu as suas estadias entre Portugal e França, tendo procedido à transferência definitiva do seu domicílio para Território Nacional em 23/5/2008 (ponto n.º 14 dos factos provados).
Certamente, não são atendíveis os vícios apontados pelo Autor às declarações proferidas e assinadas pelo próprio em sede de fiscalização, contudo o conteúdo das mesmas, referindo-se a “regresso definitivo” não são totalmente antagónicas com a data da efectiva transferência de residência para território nacional exigida pela disposição legal que concede o benefício.
Ao que acresce, os factos provados nos pontos 4 a 13 dos factos provados, ou seja ainda que reformado em 2003, o Autor comprova uma forte presença em França até ano de 2008.
No que se refere à declaração de residência emitido pela Junta de Freguesia de ... (...) obtido pelos serviços de fiscalização, o conteúdo da mesma contradiz o declarado posteriormente em 2008 pela mesma junta de Freguesia, bem como o conteúdo da declaração de transferência de residência do Autor, emitida em França.
Pelo que, ainda que tenham surgido dúvidas plausíveis à Alfandega de ... e respectivos serviços de fiscalização que motivaram o acto de revogação, ora em crise, do ponto de vista da justiça material do mesmo não soçobram dúvidas que o objectivo de favorecimento da reintegração económica do cidadão no espaço nacional após um período de emigração intencionado pelo legislador ao estabelecer a isenção de ISV, se encontra presente no caso dos autos».
2.2.4. O dissídio entre as partes incide sobre a questão da verificação, in casu, dos pressupostos de atribuição da isenção de ISV.
Estatui o artigo 45.º/1 do CISV (Pedido de reconhecimento), que: «[a]s isenções previstas no presente capítulo dependem de reconhecimento da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, mediante pedido do interessado em que se faça prova documental da verificação dos respectivos pressupostos».
Por seu turno, o preceito do artigo 58.º/1,do CISC (“transferência de residência”) determina que «[e]stão isentos de imposto os veículos da propriedade de pessoas, maiores de 18 anos, habilitadas a conduzir durante o período mínimo de residência, que transfiram a sua residência de um Estado membro da União Europeia ou de país terceiro para território nacional, desde que estejam reunidas as condições estabelecidas nos artigos 59º e 60º..Dispõe o artigo 59.º/1, do CISV (“Condições relativas à transferência de residência”) que: «[o] reconhecimento da isenção prevista no artigo anterior depende de pedido dirigido à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, acompanhado de: // a) Comprovativo da residência noutro Estado membro da União Europeia ou em país terceiro por período de 12 meses, seguidos ou interpolados se nesse país vigorarem restrições de estada, e a respectiva transferência para Portugal, na situação prevista no nº 1 do artigo anterior.(1).
Estabelece a norma do artigo 60.º/1, do CISV (“Condições relativas ao veículo”), que «[a] isenção de imposto referida no artigo 58º só é concedida quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições relativas ao veículo: // a) Destinar-se a ser introduzido no consumo por ocasião da transferência de residência normal do interessado para território nacional; // b) Não beneficiando de qualquer desagravamento fiscal; // c) Ter sido propriedade do interessado no país de proveniência, durante pelo menos 12 meses antes da transferência de residência, (…)».
Dos dados coligidos no probatório resulta a seguinte materialidade fáctica:
1) Em 30.06.2008, o recorrido apresentou na Alfandega de ... o pedido de reconhecimento de benefício fiscal de isenção de pagamento de Imposto Sobre Veículos (ISV) ao abrigo do artigo 58.º do CISV, relativo à regularização fiscal do veículo automóvel de marca “Mercedes-Benz” modelo C270 CDI, com a matrícula francesa … (2).
2) Em 23/5/2008 foi emitida em França a declaração de alteração do domicílio do Autor localizado em França para Portugal(3).
3) Entre a data da aquisição do veículo (28.05.2003) e a data do pedido de regularização fiscal do mesmo (30.06.2008), o recorrido teve a sua residência em França(4).
A questão que se suscita consiste, pois, em saber se a mudança de residência do recorrido se efectiva de forma contemporânea ao pedido de regularização fiscal do veículo, pois que esta é uma condição de cujo preenchimento depende a atribuição (e a manutenção) do benefício fiscal em causa – artigo 58.º/1, do CISV).
A lei prevê a noção de “residente em território português” (artigo 16.º/1/a) e b), do CIRS). Por seu turno, o domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da “sua residência habitual” (artigo 19.º/1/a), da LGT e artigo 82.º/1, do Código Civil). A residência habitual «é o local onde a pessoa tem a sua existência organizada e que como tal lhe serve de base de vida»(5).
No caso, verifica-se que até à emissão da declaração de transferência de residência para Portugal (23/5/2008), o recorrido tinha o seu centro de vida em França. A partir dessa data, não existem elementos que comprovem a residência em França por parte do recorrido. Também não existem elementos que comprovem que a mudança de residência do recorrido tenha ocorrido na data da sua aposentação (2003); tese defendida pela recorrente, mas sem apego à realidade. Ao invés, dos autos resulta que, a partir de Junho de 2008, o recorrido apresenta residência na freguesia de ..., concelho de ... (6).
Está em causa a subsistência de acto administrativo de anulação (datado de 18.05.2010(7)) do acto de concessão do benefício fiscal de isenção de ISV, datado de 22.07.2008(8), pelo que compete ao autor do acto, a ora recorrente, o ónus de demonstração da verificação dos pressupostos do acto administrativo anulatório, ónus que no caso não cumpriu, pois que não está provado que a introdução da viatura em território nacional não tenha sido contemporânea da mudança de residência do recorrido. Ao invés, verifica-se que mudança de residência habitual do recorrido para o território nacional é contemporânea do pedido de regularização fiscal. Não se comprova nos autos a ocorrência de violação dos ónus de intransmissibilidade do veículo, associados à concessão da isenção em apreço (artigo 47.º do CISV).
Donde se impõe concluir que o acto que determinou a anulação administrativa do acto de concessão de isenção do ISV em causa nos autos não se pode manter na ordem jurídica, por falta de comprovação dos pressupostos nos quais se arrimou.
Ao decidir no sentido apontado, a sentença recorrida não enferma de erro julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(Cristina Flora - 1º. Adjunto)

(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)

(1) Nos termos do n. º 2 do preceito, «[p]ara efeitos do disposto da alínea a) do número anterior e no caso de a legislação do país de proveniência estabelecer restrições de estada, tendo a residência sido fixa por períodos não consecutivos, conta-se o tempo total de permanência no país com base em certificado emitido pela entidade consular competente, não podendo cada período ser inferior a 183 dias por ano civil».
(2)N.º 16 do probatório.

(3) N.º 14 do probatório.

(4) N.ºs 1 a 14 do probatório.

(5) Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria geral do Direito Civil, Tomo I, AAFDL, 1983, p. 360.

(6)N.º 15 do probatório.

(7) N.º 22 do probatório.

(8) N.º 17 do probatório.