Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:343/11.8BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:FACTURAS FALSAS
ERRO APRECIAÇÃO MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. Quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.
II. Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada, uma vez que o artigo 100.º do CPPT não é aplicável neste caso, por in dubio contra Fisco apenas existe quando seja a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é à contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto.
III. O erro de julgamento por errada valoração da prova ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados como provados e não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A impugnante, S..., Lda., e a Fazenda Pública vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pela primeira, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa que apresentou contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas ao exercício de 2006, no montante global de € 211.398,74.

2. A Recorrente S..., Lda apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«a) As faturas contabilizadas pelo contribuinte para efeitos de dedução do IVA nelas liquidado presumem-se verdadeiras e de boa-fé, por força do disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, cessando tal presunção apenas se revelarem indícios fundados (o sublinhado é nosso) de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cfr. artigo 75.º, n.º 2, do mesmo normativo).

b) O douto Acórdão do TCA Sul de 29.04.2004, proferido no proc. 6449/02 e citado pela Sentença recorrida, refere a este respeito: «À Administração Tributária compete a demonstração de que tais elementos não correspondem à realidade tributária, devendo fazê-lo quando da sua actividade instrutória resulte com segurança que os factos em que se sustenta a declaração não são verdadeiros, como decorre também do princípio da legalidade que preside ao Direito Fiscal e do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte (novamente, os sublinhados são nossos).»

c) Assim, os elementos indiciários que traduzam uma probabilidade elevada de que as faturas não titulam operações reais devem ser sérios, concretos e objetivos ao ponto de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respetivos documentos de suporte.

d) Veja-se designadamente a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo 06115/12 em 27-10-2016: «(...) As afirmações segundo as quais "o prestador de serviços (...) emitente de facturas, é não declarante, não possui contabilidade de modo a reflectir na mesma os proveitos correspondentes, nem possui um quadro de pessoal que permita prestar serviços por si facturados aos seus clientes" ou, também, que a empresa/ emitente não se mostra inscrita no Instituto da Construção e do Imobiliário, não podem considerar-se indícios suficientes que traduzam uma probabilidade elevada de as facturas em causa não titularem operações reais.»

e) A Sentença recorrida entendeu que em algumas situações o contribuinte logrou provar que as operações constantes da escrita e dos respetivos documentos de suporte se realizaram, e não teria logrado tal prova noutras situações - sendo que tal entendimento "misto" representa uma contradição em termos, pois que em todas as situações em apreço (subempreitadas de construção civil) a atuação do contribuinte foi idêntica.

f) A ação inspetiva decorreu em 2010/2011 (entre quatro e cinco anos após a realização das subempreitadas a que respeitam as facturas em apreço), e a inquirição das testemunhas ouvidas nos presentes autos em 2012, pelo que mesmo que se entenda que o ónus da prova cabe ao contribuinte, é profundamente injusto impor-lhe que apresente prova testemunhal tanto tempo decorrido sobretudo num setor como o da construção civil, fortemente abalado com a crise económica de 2008 e no qual inúmeras empresas, empreiteiros e subempreiteiros (particularmente de origem africana, como é o caso daqueles a que respeitam as facturas em apreço nos autos) mudaram de actividade ou regressaram aos seus países de origem.

g) A evidência de que foram realizadas pelo menos algumas das operações em causa (aquelas relativamente às quais o contribuinte conseguiu localizar as testemunhas, tantos anos volvidos...) abala de forma significativa a convicção da AT.

h) Como refere (e bem) a Sentença recorrida, nos serviços que o contribuinte prestava aos seus clientes, as obras eram iniciadas apenas com os seus trabalhadores, recorrendo-se, depois, invariavelmente, no desenvolvimento de todas as obras, e com o intuito de cumprir prazos, a trabalhadores fornecidos por outras entidades, para executar trabalhos de cofragem em diferentes áreas da obra.

i) A Sentença recorrida entende que tal prova apenas deverá ser considerada para algumas das obras, mas à luz das regras de experiência nenhum sentido faria que o procedimento fosse distinto em outras obras quando estão em causa os mesmos subempreiteiros.

j) E aqui deverá entender-se, com o douto suprimento de V. Exas., que a prova de tais factos é idónea para afastar a "probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas em causa nos autos serem simuladas".

k) A Sentença recorrida violou assim, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 75.º da LGT, e 19.º, n.º 3, do CIVA.

l) Deveria ter interpretado e aplicado corretamente tais preceitos, anulando todas as liquidações adicionais em causa nos autos e não apenas parte delas.

m) Devendo pois concluir-se, nestes termos e nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, pela total procedência da impugnação apresentada, com anulação das liquidações adicionais na parte não abrangida pela Sentença recorrida, com os legais efeitos.

Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!»

3. Não foi apresentada contra-alegação.

4. A também recorrente, Fazenda Pública, apresentou as suas alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«I. Em causa nos presentes autos está a impugnação judicial da liquidação de IVA e juros compensatórios referentes ao ano de 2006 no valor de € 211.398,74 resultante da desconsideração do IVA deduzido pela impugnante em facturas que a Administração fiscal reputou de falsas.

80. Para julgar a impugnação parcialmente procedente, considerou a douta sentença, que " quanto às obras C... - Vila Moura, T... Hotel - Setúbal, Q... - Lisboa, Entrecampos - Lisboa, Bairro da Boa Esperança - Beja, B... Parque- Sintra, Centro Comercial - São João da Madeira, considerar as faturas e o imposto dedutível, porque relativamente a cada uma delas foram emitidas facturas apenas por um prestador de serviço, não obstante da prova testemunhal produzida não ter resultado provado qual concretamente, deverá dar-se por provada a efectiva prestação de serviços por parte dos respectivos emitentes."

II. E é relativamente a este ponto que não pode a Autoridade Tributária conformar-se com esta decisão de procedência parcial da presente Impugnação entendendo que a, aliás Douta Sentença, fez uma errada análise da factualidade que fixou, bem como consequente incorreta aplicação do direito;

III. Em nosso entendimento a sentença recorrida: errou nos juízos fáctico-conclusivos resultantes do probatório, pois considerou que a Administração demonstrou a existência de indícios suficientes de que as operações referidas nas facturas foram simuladas e que a impugnante não fez prova de que adquiriu os serviços e que os mesmos lhe foram prestados pelo emitente das facturas, retirando daí a legalidade da atuação da Administração Tributária.

IV. Do que se retira da motivação da decisão de facto a decisão sobre esta matéria baseou-se na prova documental junta aos autos, em especial, o Relatório de Inspecção Tributária e sobretudo nos depoimentos das testemunhas inquiridas que não lograram convencer o tribunal no sentido da prova positiva da factualidade alegada pela Impugnante.

V. Em suma, errou o tribunal nas conclusões que retirou da matéria de facto, em concreto a efetiva prestação de serviços por parte dos respetivos emitentes, que, segundo parece, não se sabe quais são.

VI. Nos presentes autos, movemo-nos no âmbito de correcções ao IVA deduzido, nos termos do artigo 19.°, n.° 3 do Código do IVA, por desconsideração de facturas reputadas pela Administração de falsas (e, consequentemente, do IVA nelas contido e deduzido), nos termos do qual não pode deduzir-se imposto que resulte de operaçõo simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.

VII. Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.° da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.

VIII. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção, não importando apenas para que a escrita do sujeito passivo possa presumir-se verdadeira nos termos do artigo 75.° da LGT que a mesma se encontre organizada segundo a lei comercial e fiscal.

IX. Nesta matéria, tal como bem se referiu na douta sentença no enquadramento jurídico efectuado, deve ter-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação.

X. Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.° da LGT.

XI. Ora é consabido que para abalar a presunção de veracidade da escrita consagrada no artigo 75.° da LGT não é necessário que a Administração Fiscal prove os pressupostos da simulação previstos no artigo 204.° do Código Civil bastando-lhe tão somente a prova de elementos indiciários que por objetivos e sérios levem a concluir nesse sentido.

XII. E foi por esta linha de raciocínio que a douta sentença recorrida se orientou: considerou que os factos índice apresentados pela Administração fiscal se traduzem numa efetiva e elevada probabilidade das operações referidas nas faturas emitidas pelas sociedades indicadas à Impugnante serem simuladas, fundamentando, desta forma a atuação da AT e provando a sua convicção quanto à simulação das operações subjacentes as faturas aqui em causa.

XIII. Estava por isso legitimado o uso das correções técnicas dado que perante uma situação como a dos autos a escrita e contabilidade da Impugnante deixa de gozar da presunção de veracidade.

XIV. Pelo que, cabia à então Impugnante provar a veracidade da realização das transações tituladas por aquelas faturas que se dizem falsas, não tendo, neste caso, sido a Impugnante capaz fazer tal prova.

XV. Face aos elementos de prova decorrentes do relatório da inspeção tributária a contra prova da Impugnante que não logrou demonstrar esclarecendo de forma inequívoca e cabal o conteúdo das faturas.

XVI. A incerteza probatória a existir quanto à veracidade dessa faturas não pode ser imputada aos factos indiciários relatados ou que serviram de base à presunção natural da simulação das operações tributáveis tituladas por essas faturas na medida em que os factos base não estão eivados de subjetivismo ou inconsequência tais que afastem uma relação de normalidade entre esses factos e os factos provados justificadora de uma livre convicção.

XVII. A inércia probatória do contribuinte contribuiu para inviabilizar o esclarecimento dos factos tributários a que aludem as faturas pelo que a dúvida subsistente no que concerne à sua existência não pode reverter sem mais contra a AF.

XVIII. Ora, posto isto, considerou o tribunal quo, que a Impugnante não logrou fazer prova de que utilizou mão-de-obra subcontratada a outras sociedades, não identificadas, para efetuar serviços de cofragem nas seguintes obras: C... - Vila Moura, Escola 1.° ciclo - Charneca da Caparica, S... - Quinta da G... - Cascais, T... Hotel - Setúbal, Q... - Lisboa, Entrecampso - Lisboa, Bairro Boa Esperança - Beja, B... Parque, Sintra, Centro Comercial - São João da Madeira.

XIX. Para in fine concluir, paradoxalmente que "quanto às obras C... - Vila Mora, T... Hotel - Setúbal , Q... - Lisboa, Entrecampos- Lisboa, Bairro da Boa Esperança - Beja, B... Parque - Sintra e Centro Comercial - São João da Madeira, considerar as faturas e o imposto dedutível, porque relativamente a cada uma delas foram emitidas faturas apenas por um prestador de serviço, não obstante da prova testemunhal produzida não ter resultado provado qual concretamente, deverá dar-se por provada a efetiva prestação de serviços por parte dos respetivos emitentes."

XX. Ao decidir no sentido em que o fez, violou a sentença os artigos 74. ° e 75.° da LGT e 19.° n.°s 1, 2 e 3 do Código do IVA.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.»

5. Não foi apresentada contra-alegação.

6. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, nos termos constantes de fls. 280 a 283 (da numeração dos autos de suporte físico), no sentido da improcedência do recurso apresentado pela impugnante e pela procedência do recurso apresentado pela Fazenda Pública.

7. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, as questões suscitadas pelas Recorrentes e que importa apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por errada apreciação e valoração da matéria de facto dada como assente e de direito ao julgar parcialmente improcedente a impugnação deduzida, por violação das normas que regem o ónus da prova e o direito à dedução do IVA (artigos 74.º e 75.º da LGT e 19.º, n.º 3 do CIVA).


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«a) A impugnante, S..., Lda., desenvolve a actividade de montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia (cfr. fls. 20 do processo administrativo apenso);

b) A impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização em sede de IVA e IRC relativa ao exercício de 2006, na sequência da qual os Serviços de Inspecção Tributária concluíram pela falta de aderência à realidade de diversas facturas contabilizadas pela impugnante e emitidas por cinco fornecedores de serviços - as sociedades L... - Construções & Projectos, Lda.; F... - Construção Civil e Obras Públicas, Lda.; U... Confragem - Construção Civil Unipessoal, Lda.; M... - Sociedade de Construção, Lda. e S... - Sociedade Construção Civil Unipessoal, Lda. -, propondo correcções em sede de IRC, no montante de € 32.747,05 e em sede de IVA, no montante de € 181.149,44, conclusões essas que foram sancionadas pelo despacho do director de finanças adjunto, datado de 28.09.2010 (cfr. relatório de inspecção de fls. 25 a 80 do processo administrativo apenso);

c) Na sequência de tais correcções foram emitidas liquidações adicionais de IVA com os n°s e respectivos períodos de imposto seguintes: 10307483 (0601); 10307485 (0602); 10307487 (0603); 10307489 (0604), 10307491 (0605); 10307493 (0606); 10307495 (0607); 10307497 (0608); 10307499 (0609); 10307501 (0610); 10307503(0611), e respectivas liquidações de juros compensatórios, com os n°s. 10307484; 10307486; 10307488; 10307490; 10307492; 10307494; 10307496; 10307498; 10307500; 10307502, e 10307504, no montante total de € 211.398,74 (cfr. fls. 225, 257 a 279 do PA apenso);

d) As referidas liquidações tiveram por base correcções meramente aritméticas, não tendo sido aceite a dedução de IVA liquidado em determinadas facturas consideradas como não titulando operações reais, atento o disposto no n° 3 do artigo 19° do CIVA (cfr. fls. relatório de inspecção de fls. 25 a 80 do PA apenso);

e) As facturas consideradas como não titulando operações reais são relativas a fornecimentos e serviços externos/subcontratos, referindo-se a tal propósito, no ponto II.3.4.3.1 do relatório final de inspecção tributária o seguinte: “ Tendo em conta que o saldo de € 867.613,70, na conta 62.1.1 SUBCONTRATOS C/IVA DEDUTÍVEL, corresponde a 46% do total dos custos do exercício, bem como o facto de a grande maioria dos respectivos documentos de suporte, terem sido emitidos por sujeitos passivos em situação de incumprimento fiscal e que, um dos quais, S... SOCIEDADE CONSTRUÇÃO CIVIL UNIPESSOAL, LDA., NIPC: 5..., cuja facturação emitida ao sujeito passivo, corresponde a 43% dos custos por ele contabilizados nesta rubrica, está indiciado pela emissão de facturas falsas e é arguido em processo criminal fiscal, que se encontra a decorrer, durante a acção inspectiva deu-se especial atenção à análise das empresas subcontratadas, e que estão relacionadas no quadro abaixo, no sentido de confirmar a veracidade das transacções registadas na contabilidade:


«Imagem no original»

(…)” (cfr. relatório de inspecção cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido,junto a fls. 14 a 69 do PA apenso);

f) Em 27.012011, a aqui impugnante apresentou reclamação graciosa com vista à anulação das liquidações referidas na alínea c) supra, a qual foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão, da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, datado de 03.03.2011, que acolheu os fundamentos e propostas da Informação dos Serviços de 23.02.2011 (cfr. fls. 278 do PA de RG apenso);

g) Na referida Informação de 23.02.2011 consta, designadamente o seguinte:

“(…) 43. Importa, contudo, e antes de mais, expor em traços gerais os critérios em que assentou, e bem a decisão, dos serviços de inspecção Tributária.

44. Atendendo a que a utilização de facturas falsas é um meio cada vez mais utilizado no sentido de deturpar a contabilidade, com vista à dedução indevida de IVA e aumento de custos, por parte dos Sujeitos Passivos que navegam na denominada “economia subterrânea”, e em que cada vez mais os meios utilizados obstam à correta determinação da veracidade das operações, existem, porém, um conjunto de indícios que devem ser sindicados e que assumem grande relevância nesta matéria a saber.

1 - A contabilidade padece de falta de transparência no que tange a custos debitados não sendo possível encontrar os respectivos meios de pagamento.

2 - Informação insuficiente constante das guias de transporte e facturas.

3 - O facto de o emitente das facturas não entregar declarações de IVA nem IR.

4 - Pagamentos em numerário ou em cheque não revelados em contas bancárias.

5 - Faturas de elevado valor emitidas no final do ano ou no final de cada trimestre.

6 - Falta de estrutura empresarial por parte do emitente da factura, insuficiente para fazer face ao significativo volume de facturação que emite (poucos ou nenhuns trabalhadores, equipamento inexistente ou insuficiente para o exercido da actividade, meios de transporte.

7 - Inexistência de contractos.

8 - Emissão de facturas com números /duplicados ou falta de sequência numérica.

9 - O emitente revelar um comportamento incumpridor e evasivo.

10 - Relações especiais.

11 - Documentos de suporte das facturas (Ex: A maioria das faturas não contêm os elementos necessários para servirem como documentos de transporte ou referem-se a quantidades insusceptiveis de serem transportadas de uma só vez e inexistem as pertinentes guias de transporte ou remessa.

12 - As especificações do sector em causa.

45. Sendo certo que, no caso concreto, as sociedades emitentes das facturas enquadram-se em todas as alíneas referidas.

(...) no sentido de aferir da realidade das operações activas e passivas foram solicitados aos respetivos clientes os extractos contabilisticos de conta corrente, autos de medição, contractos celebrados, orçamentos, comprovativos bancários de pagamentos e identificação de trabalhadores. (...)

48. Da informação recepcionada concluíram os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Setúbal que os serviços foram efectivamente prestados pela ora Reclamante.

49. Sendo de referir que os principais clientes da ora reclamante foram as sociedades: (...).

No que se refere aos prestadores de serviços e dos cruzamentos efectuados verificou-se que os principais subempreiteiros são os descritos no quadro seguinte:


«Imagem no original»

51. Ora, como bem vem descrito no relatório de acção inspectiva, e no sentido de apurar a verdadeira situação tributária do Sujeito Passivo, foram “efectuadas as diligências internas e externas, com o objetivo de verificar se as facturas emitidas por esses fornecedores, e registadas na contabilidade do sujeito passivo, correspondem efectivamente a transacções verdadeiras e como tal a encargos reais suportados para a obtenção dos seus proveitos”.

52. Sendo certo que, do trabalho extensivo realizado no âmbito do procedimento de inspecção bem como das informações obtidas junto dos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, foram detectadas as seguintes irregularidades:

53. L... - Construções & Projectos, Lda.

I. Facturas impressas em duas gráficas diferentes.

II. Os cheques emitidos a esta sociedade foram todos levantados ao balcão pelos sócios gerentes da sociedade L....

III. As assinaturas e rubricas que constam nos contratos de subempreitadas, nas facturas emitidas e nos cheques são diferentes.

IV Os supostos pagamentos foram efectuados muito depois das datas que constam nas facturas.

V. A sociedade L... não é declarante.

VI. O alvará da sociedade L... encontra-se cancelado desde 31.01.2006, não estando habilitadas para o exercido de qualquer atividade de construção civil. VII Não possui trabalhadores.

54. F... CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS

I. Facturas emitidas de forma não sequencial.

II. Facturas impressas em gráficas diferentes com numeração coincidentes. III. Os cheques emitidos a esta sociedade foram todos levantados ao balcão pelos sócios gerentes da sociedade F....

IV. As assinaturas e rubricas que constam nos contractos de subempreita, nas facturas emitidas e nos cheques são diferentes.

V. Os supostos pagamentos foram efectuados muito depois das datas que constam nas facturas.

VI. A sociedade F... encontra-se permanentemente em incumprimento fiscal.

55. U... COFRAGEM CONSTRUÇÃO CIVIL, UNIPESSOAL, LDA.

I. Os cheques emitidos a esta sociedade foram todos levantados ao balcão pelos sócios gerentes da sociedade U..., Lda..

II. As assinaturas e rubricas que constam nos contratos de subempreitadas, nas facturas emitidas e nos cheques são diferentes.

III. Os supostos pagamentos foram efectuados muito depois das datas que constam nas facturas.

IV. A sociedade U... é não declarante.

V. De acordo com as declarações da Técnica de Contas da sociedade U..., já não presta serviços para a referida sociedade desde 2002, pelo facto de o contribuinte se ter ausentado para o estrangeiro.

VI. Falta de estrutura empresarial.

VII. Não possui Alvará.

56. M... SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO, LDA.

I. As facturas emitidas não se encontram assinadas nem rubricadas.

II. As facturas impressas em gráficas diferentes com numeração coincidentes.

III. Os cheques emitidos a esta sociedade foram todos levantados ao balcão pelos sócios gerentes da sociedade M....

IV. Os supostos pagamentos forma efectuados muito depois das datas eu constam nas facturas.

V. A sociedade M... encontra-se permanentemente em incumprimento fiscal.

VI. Não possui alvará de construção e nunca esteve habilitada para o exercido de actividade de construção civil.

VII. Não possui trabalhadores.

S... SOCIEDADE CONSTRUÇÃO CIVIL UNIPESSOAL, LDA.

I. Algumas das faturas emitidas apresentaram irregularidades.

II. Facturas impressas em cinco tipografias diferentes com numeração coincidentes.

III. As facturas emitidas não obedecem a qualquer ordem cronológica.

IV. Os cheques emitidos a esta sociedade foram todos levantados ao balcão pelo sócio gerente da sociedade S....

V. Os supostos pagamentos foram efectuados muito depois das datas que constam nas facturas.

VI. A sociedade encontra-se permanentemente em incumprimento fiscal, sendo não declarante.

VII. Não possui estrutura empresarial para a prestação de serviços.

VIII. O próprio gerente da sociedade S... refere que as facturas não foram por si emitiditas e que não correspondem a verdadeiras transacções comerciais.

58. Ora face a tal factualidade, não nos restam quaisquer dúvidas que a ora Reclamante utilizou facturas que não correspondem a verdadeiras operações comerciais, no sentido de justificar custo e de assim obter vantagens patrimoniais ilegítimas em sede de IVA e IRC.

(...) 61. Nesse sentido, e não conferindo o direito à dedução as facturas emitidas, por se tratarem de operações simuladas, nos termos do referido n° 2 e 3 do Art° 19 do CIVA, o alegado pela reclamante no que respeita à formalidade e requisitos exigíveis nos termos do Art 35 do CIVA (artigo em vigor à data dos factos. Actual Art° 36 do CIVA), fica prejudicado.

62. Dito de outro modo, sendo as operações simuladas, pouco importa ou nada saber se as facturas obedecem ou não aos requisitos legalmente exigíveis.

63. Mas ainda assim, sempre se dirá que também nesta sede a reclamante não tem razão.

64. Como infere o n° 4 Art° 35 do CIVA, e que passa a citar “As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente (...) (destacado nosso).

65. Ora da análise das facturas emitidas pela sociedade F..., verificamos que a factura n° 165 é datada de 26/11/2006, e factura nº 185, tem aposta a data de 31/07/2006. Sendo também verdade que a factura n° 219 contém a data de 28/09/2006.

66. Ou seja as facturas em nada obedecem a qualquer regra sequencial.

67. Mas, certamente, nem seria por tal factualidadíe que as referidas facturas não seriam aceitas, acaso se tratassem de verdadeiras operações comerciais.

68. Em bom rigor, não podemos escamotear que a lei estabeleceu determinadas exigências relativas à emissão de facturas com o objetivo claro de evitar a fuga e evasão fiscais e daí ter estabelecido requisitos vários e pormenorizados quanto ao preenchimento das facturas que devem ser cumpridos pelos operadores económicos sob pena de não ser possível a dedução de IVA liquidado em tais documentos. Desta forma se acautela o interesse da Fazenda Pública e se previne a fraude fiscal.

69. Pelo que não faria qualquer sentido, aceitar as facturas só porque obedecem aos requisitos do atual Art° 36° do CIVA, quando é certo e sabido que as mesmas não espalham verdadeiras operações comerciais. (…)” (cfr. fls.256-268 do PA da RG apenso aos autos);

h) A aqui impugnante utilizou mão-de-obra subcontratada a outras sociedades, não identificadas, para efectuar serviços de cofragem nas seguintes obras mencionadas no relatório de inspecção referido em e) supra:

- C... - Vilamoura;

- Escola do 1° ciclo - Charneca da Caparica;

- S... - Quinta da G... - Cascais;

- T...Hotel - Setúbal;

- Q... - Lisboa;

- Entrecampos - Lisboa;

- Bairro Boa Esperança - Beja;

- B... Parque - Sintra;

- Centro Comercial - São João Madeira (cfr. depoimento testemunhal).

FACTOS NÃO PROVADOS:

A) A S... recorreu a subempreiteiros nas seguintes obras mencionadas no relatório de inspecção tributária referido em e) supra:

- R.T.P. - Lisboa (facturação emitida pela “F...”);

- V... Venteira - Amadora (idem);

- Gare do Oriente, Expo - Lisboa (facturação emitida pela “M...”);

- Hospital L... - Lisboa (idem);

- Arroja - Odivelas (idem);

- R. Eng° Vieira Silva - Saldanha (idem);

- Alto do Moinhos - Lisboa (facturação emitida pela “S...”);

- Armazém do Prior Velho - Lisboa (idem);

- Coimbra (idem).


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A convicção do Tribunal fundou-se no teor dos documentos juntos ao processo, e indicados em cada um dos pontos supra e, quanto à alínea h), na prova testemunhal produzida nos presentes autos e melhor identificada na acta junta a fls. 65-67 dos autos. Efectivamente, as testemunhas ouvidas - P..., L... e C..., que trabalhavam como carpinteiros da S... no ano de 2006, tendo efectuado trabalhos de cofragem, por períodos mais ou menos longos, nas obras referidas em h) - , afirmaram com segurança que nos serviços que prestavam aos seus clientes as obras eram iniciadas apenas com os trabalhadores desta sociedade, recorrendo-se depois, invariavelmente, no desenvolvimento de todas as obras, e com o intuito de cumprir prazos, a trabalhadores fornecidos por outras entidades, para executar trabalhos de cofragem em diferentes áreas da obra. Nenhuma das testemunhas, no entanto, conseguiu precisar que pessoas ou sociedades em concreto garantiam à Impugnante esse reforço de mão-de-obra.

*

No que se refere ao facto referido em A), a Impugnante sobre a qual recaia o ónus da prova do mesmo, não logrou fazer qualquer prova, tendo as testemunhas ouvidas referido sem hesitação que não prestaram serviços nem acompanharam as obras em causa.»

*

2. DO MÉRITO DOS RECURSOS

2.1. Recurso da Impugnante

2.1.1. Erro de julgamento por errada valoração da prova

O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Almada que, julgou a impugnação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e anulou as liquidações adicionais impugnadas na parte em que não consideram o direito à dedução do IVA constante das facturas relativas às obras com facturação emitida apenas por um prestador de serviços: C... - Vilamoura; T...Hotel - Setúbal; -Q... - Lisboa;- Entrecampos - Lisboa; - Bairro Boa Esperança - Beja; -B... Parque - Sintra; - Centro Comercial - São João Madeira.

Nas conclusões e), h) e i) da alegação de recurso a Recorrente, embora não o diga expressamente, questiona a sentença recorrida quanto à valoração da prova, sendo que tal erro de julgamento foi o primeiro aduzido de cuja decisão está depende o que este Tribunal de recurso venha a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, pelo que se impõe que a sua apreciação venha a ser dada primazia.

Resulta do recurso que a Recorrente discorda do juízo de facto retirado pela sentença recorrida relativamente ao entendimento que a Impugnante logrou provar a efectividade da prestação de serviços por parte de alguns emitentes e que não teria logrado tal prova noutras situações, porque em todas as situações em apreço (subempreitadas de construção civil) a actuação do contribuinte foi idêntica, isto é, as obras eram iniciadas apenas com os seus trabalhadores, recorrendo-se, depois, invariavelmente, no desenvolvimento de todas as obras, com o intuito de cumprir prazos, a trabalhadores fornecidos por outras entidades, para executar trabalhos de cofragem em diferentes áreas da obra, e que à luz das regras de experiência nenhum sentido faria que o procedimento fosse distinto em outras obras quando estão em causa os mesmos subempreiteiros.

Com esta argumentação pretende a Recorrente indiciar que a sentença errou na ilação que retirou da prova produzida, por a seu ver não se justificar um “entendimento misto”, que representa uma contradição, por em todas as situações em apreço a actuação do contribuinte foi idêntica.

Vejamos.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr. artº. 607.º, n.º 5, do CPC).

A este Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artigos 662.º do CPC, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Não obstante a amplitude conferida a um segundo grau de jurisdição, na caracterização da amplitude dos poderes de cognição do Tribunal ad quem sobre a matéria de facto, não se está perante um segundo ou novo julgamento de facto, porquanto, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o Recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640.º, n.ºs. 1 e 2 do CPC.

O Tribunal ad quem aprecia apenas os aspectos sob controvérsia e não vai à procura duma nova convicção, pois o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo Tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta dos elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos (neste sentido vide Acórdão do TCAS, processo nº 2327/08.4BEBLS, disponível em www.dgsi.pt.).

Nos sistemas da livre apreciação da prova, como é o nosso, detendo o julgador a liberdade de formar a sua convicção, não se pode associar o arbítrio no julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal a quo, pois o Tribunal não está isento de indicar os fundamentos onde aquela assentou, de modo a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, possa ser controlada a razoabilidade do processo de formação da convicção do tribunal sobre a prova e não prova dos factos apurados dos autos, deste modo se sindicando o processo racional da decisão (artigo 607.º, n.º 4 do CPC).

A exigência legal de enunciação ou explicitação da convicção sobre a prova constitui uma garantia da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador.

Se, à luz desta caracterização a decisão, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, então ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Sobre o erro na apreciação das provas, escreveu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11, proferido no processo 334/07.3 TBASL.E1: O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este. (disponível em www.dgsi.pt/).

Diga-se, ainda, que a Recorrente não impugnou a matéria de facto (artigo 640.º do CPC) e não ocorrendo as situações previstas no artigo 662.º do CPC, não pode ser modificada oficiosamente, pelo que considera-se a mesma assente.

Analisada a decisão recorrida constatamos que o Tribunal a quo, sustentado no princípio da livre apreciação da prova produzida nos autos, fixou os factos que resultaram da prova documental existente no processo e nos depoimentos das testemunhas ouvidas e que considerou necessários para a solução dada ao caso (artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

Assim, deu como não provado (alínea A) dos factos não provados) que a Impugnante, S..., Lda., tenha recorrido a subempreiteiros nas seguintes obras mencionadas no relatório de inspecção tributária referido em e) do probatório:

- R.T.P. - Lisboa (facturação emitida pela “F...”);

- V... Venteira - Amadora (idem);

- Gare do Oriente, Expo - Lisboa (facturação emitida pela “M...”);

- Hospital L... - Lisboa (idem);

- Arroja - Odivelas (idem);

- R. Eng° Vieira Silva - Saldanha (idem);

- Alto do Moinhos - Lisboa (facturação emitida pela “S...”);

- Armazém do Prior Velho - Lisboa (idem);

- Coimbra (idem).

Para dar como não provado este facto, considerou o Tribunal a quo na motivação em que a sua convicção assentou: a Impugnante sobre a qual recaia o ónus da prova do mesmo, não logrou fazer qualquer prova, tendo as testemunhas ouvidas referido sem hesitação que não prestaram serviços nem acompanharam as obras em causa.

De salientar ainda que na motivação da factualidade dada como provada e por referência à alínea h) do probatório, se escreveu que as testemunhas afirmaram com segurança que nos serviços que prestavam aos seus clientes as obras eram iniciadas apenas com os trabalhadores desta sociedade, recorrendo-se depois, invariavelmente, no desenvolvimento de todas as obras, e com o intuito de cumprir prazos, a trabalhadores fornecidos por outras entidades, para executar trabalhos de cofragem em diferentes áreas da obra. Nenhuma das testemunhas, no entanto, conseguiu precisar que pessoas ou sociedades em concreto garantiam à Impugnante esse reforço de mão-de-obra.

E na discussão fáctico jurídica, sobre o segmento da decisão em recurso, escreveu-se: Quanto às obras realizadas pela Impugnante na Escola do 1º ciclo - Charneca da Caparica foram emitidas facturas por dois prestadores de serviço (a “L...” e a “F...”). O mesmo sucedeu quanto às obras da S... - Quinta da G... - Cascais (com facturação emitida pela “U...” e pela “S...”). Não tendo, no entanto, a Impugnante logrado provar que todos estes prestadores de serviço ou algum deles, em concreto, tenha prestado serviços como subempreiteiro nessas obras, não poderá considerar-se que nestes dois casos tenha sido feito prova da realidade das operações subjacentes às facturas relativas a tais obras.

(…)

No que respeita às facturas emitidas pelas sociedades “F...”, “M...” e “S...” referentes às seguintes obras: - R.T.P. - Lisboa (facturação emitida pela “F..."); - V... Venteira - Amadora (idem); - Gare do Oriente, Expo - Lisboa (facturação emitida pela “M..."); - Hospital L... - Lisboa (idem); - Arroja - Odivelas (idem); - R. Eng° Vieira Silva - Saldanha (idem); - Alto do Moinhos - Lisboa (facturação emitida pela “S..."); - Armazém do Prior Velho - Lisboa (idem); - Coimbra (idem), a Impugnante, sobre a qual recaía o ónus da prova, como resulta de A) do probatório, não logrou provar que tais facturas titulam efectivamente os fornecimentos ou serviços delas constantes.

Aqui chegados, não vislumbrámos nós que o juízo em que assentou a fixação da factualidade dada como não provada, no aspecto em apreciação, tenha sido erradamente valorada, atente-se para o efeito à motivação quanto à convicção do Tribunal a quo que a sustenta.

Efectivamente, essa factualidade foi precisamente a que o tribunal a quo deu como não provada (alínea A dos factos não provados), com fundamento na ausência de prova que a sustente, por as testemunhas ouvidas terem referido sem hesitação que não prestaram serviços nem acompanharam as obras em causa. E este julgamento de facto não foi impugnado pelas partes, não fazendo, por isso, parte do objecto do recurso.

Não obstante, a Mma. Juiz a quo ter entendido julgar procedente a impugnação quanto às obras C... - Vilamoura; T...Hotel - Setúbal; - Q... - Lisboa;- Entrecampos - Lisboa; - Bairro Boa Esperança - Beja; - B... Parque - Sintra; - Centro Comercial - São João Madeira, alicerçada no entendimento que relativamente a cada uma delas foram emitidas facturas apenas por um prestador de serviço, apesar da prova testemunhal produzida não ter resultando provado concretamente qual foi o prestador de serviço, e, por isso, dar por provada a efectiva prestação de serviços por parte dos respectivos emitentes ( cujo juízo fáctico-conclusivo nos abstemos por ora de apreciar), não significa que este entendimento deva ser estendido às restantes facturas em causa e respectivas prestações de serviço, pois, a isso se opõe a prova produzida (alínea A) dos factos não provados).

Com efeito, da prova produzida nos autos pela Impugnante (depoimento das testemunhas) retira-se que não conseguiram precisar que pessoas ou sociedades que garantiam à Impugnante o reforço de mão-de-obra (cfr. motivação da matéria de facto dada como provada).

Assim, tendo resultado não provado que relativamente às identificadas obras a Recorrente tenha recorrido a subempreiteiros, por contraponto relativamente às restantes, sem que, todavia, quanto a estas tenha identificado as sociedades subcontratadas, não pode na sua decisão o Tribunal a quo considerar o contrário, pelo que não se verifica diversa valoração da prova.

Termos em que, improcede o apontado erro de julgamento por errada valoração da prova.

2.1.2. De Direito

Atentemos, agora, se ocorre o invocado erro de julgamento da matéria de direito.

Relembremos que está em causa o IVA do ano de 2006, acrescido de juros compensatórios, no montante global de € 211.398,74, apurado na sequência de acção inspectiva onde foram realizadas correcções meramente aritméticas, por não ter sido aceite a dedução de IVA liquidado em facturas emitidas por cinco fornecedores de serviços, por não titularem operações reais.

Insurge-se a Recorrente contra a decisão recorrida, no segmento em que julgou improcedente a impugnação, por entender que a mesma padece de erro de julgamento por violação, no seu entender, do disposto nos artigos 75.º da LGT e 19.º, n.º 3 do CIVA (conclusão k) da alegação de recurso).

Concretiza tal erro alegando que mesmo que se entenda que o ónus da prova cabe ao contribuinte (alínea f) da alegação de recurso) a evidência de que foram realizadas pelo menos algumas das operações em causa (aquelas relativamente às quais o contribuinte conseguiu localizar as testemunhas, tantos anos volvidos...) abala de forma significativa a convicção da AT (conclusão g) da alegação de recurso) e que deverá entender-se, com o douto suprimento de V. Exas., que a prova de tais factos é idónea para afastar a "probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas em causa nos autos serem simuladas" (conclusão j) da alegação de recurso).

Considerando o acima expendido, a questão que então se coloca é a se saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter concluído que a administração tributária demonstrou os pressupostos de facto e de direito que legitimaram as correcções aritméticas de não aceitação de IVA liquidado em facturas, por essas facturas não titularem verdadeiras transacções, e no circunstancialismo que resulta da matéria de facto fixada se a Impugnante cumpriu o ónus que sobre si recaia.

Neste domínio, a sentença recorrida, após fazer o enquadramento legal em sede de ónus da prova e da dedução do IVA, discorre da seguinte forma:

Vejamos, pois, no caso em apreço, se as correcções que deram origem aos actos tributários impugnados padecem de falta de fundamentação, como defende a Impugnante.

Dito de outro modo, tudo está em saber, por um lado, que indícios foram recolhidos pela AT para alicerçar o seu juízo, de forma a concluir ou não pela sua adequação, e, por outro lado, se a Impugnante logrou desfazer tais indícios, apresentando prova da qual resulte que as facturas titulam efectivamente os fornecimentos ou serviços delas constantes, assim comprovando a existência de factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução de imposto, nos termos do art° 19° do Código do IVA.

Como resultou provado nos autos, tendo em conta o relatório dos serviços de inspecção, a desconsideração das facturas emitidas pelas sociedades L... - Construções & Projectos, Lda.; F... - Construção Civil e Obras Públicas, Lda.; U... Confragem - Construção Civil Unipessoal, Lda.; M... - Sociedade de Construção, Lda. e S... - Sociedade Construção Civil Unipessoal, Lda., assentou, designadamente, na recolha dos seguintes indícios:

- a emissão de facturas com números duplicados, porque impressas em gráficas diferentes, com a mesma numeração (a que acresce o facto de uma dessas gráficas, a “G...”, estar identificada, em outros procedimentos inspectivos, como tendo impresso facturas que foram utilizadas de forma fraudulenta), no caso da “L...” (porque impressas em duas gráficas diferente, da “F...” e da “S...”(porque impressas em cinco gráficas diferentes); bem como a emissão de facturas com falta de sequência numérica, no caso da “F...” ou não obedecendo a qualquer ordem cronológica, no caso da “S...” ;

- Em todas as referidas sociedades emissoras de facturas, terem sido verificados pagamentos em cheque não revelados em contas bancárias, pois cheques foram todos levantados ao balcão pelos sócios gerentes da sociedade emissora das facturas;

- Em todas as referidas sociedades emissoras de facturas, ter sido verificado que constam assinaturas e rubricas diferentes, em nome das mesmas, nos contractos de subempreitadas, nas facturas emitidas e nos cheques levantados;

- Em todas as referidas sociedades emissoras de facturas, ter sido verificado que os pagamentos de serviços - que consistiriam no fornecimento de pessoal para execução de trabalhos de cofragem em obras de construção - eram efectuados muito depois das datas que constam nas facturas, ao contrário das práticas habituais do sector, em que esse pagamento é efectuado, por regra e no máximo, mensalmente;

- O facto das emitentes das facturas não entregarem as suas declarações de IVA e IRC;

- No caso das sociedades “U...”, “M...”, a falta de alvará de construção ou de habilitação para o exercício de actividade de construção civil;

- No caso da “M...” o facto de não ter trabalhadores; e no caso da “S...” o facto de não possuir estrutura empresarial para a prestação de serviços com elevado volume de facturação;

- Ainda, relativamente à “S...”, por o responsável da empresa ter declarado, na acção de inspecção realizada pela Direcção de Finanças de Lisboa (cfr. ponto 5) C.2.2. do relatório de inspecção) que algumas das facturas emitidas por esta sociedade correspondem a serviços prestados e outras não correspondem.

Os factos acabados de referir, apreciados no seu conjunto à luz das regras da experiência, traduzem efectivamente uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas emitidas por aquelas sociedades à Impugnante serem simuladas, pelo que fundamentam materialmente a actuação da AT que, baseando-se neles, logrou provar o bem fundado da formação da sua convicção quanto à simulação das operações subjacentes às mencionadas facturas, passando, assim, a competir à Impugnante a demonstração que esses serviços foram de facto efectuados, de forma a justificar o direito à dedução do IVA.

Ora, a esse respeito a Impugnante logrou fazer prova de que utilizou mão-de- obra subcontratada a outras sociedades, não identificadas, para efectuar serviços de cofragem nas seguintes obras mencionadas no relatório de inspecção:

- C... - Vilamoura;

- Escola do 1° ciclo - Charneca da Caparica;

- S... - Quinta da G... - Cascais;

- T...Hotel - Setúbal;

- Q... - Lisboa;

- Entrecampos - Lisboa;

- Bairro Boa Esperança - Beja;

- B... Parque - Sintra;

- Centro Comercial - São João Madeira

Quanto às obras realizadas pela Impugnante na Escola do 1º ciclo - Charneca da Caparica foram emitidas facturas por dois prestadores de serviço (a “L...” e a “F...”). O mesmo sucedeu quanto às obras da S... - Quinta da G... - Cascais (com facturação emitida pela “U...” e pela “S...”). Não tendo, no entanto, a Impugnante logrado provar que todos estes prestadores de serviço ou algum deles, em concreto, tenha prestado serviços como subempreiteiro nessas obras, não poderá considerar-se que nestes dois casos tenha sido feito prova da realidade das operações subjacentes às facturas relativas a tais obras.

Já quanto às obras C... - Vilamoura; T...Hotel - Setúbal; - Q... - Lisboa;- Entrecampos - Lisboa; - Bairro Boa Esperança - Beja; - B... Parque - Sintra; - Centro Comercial - São João Madeira, porque relativamente a cada uma delas foram emitidas facturas apenas por um prestador de serviço, não obstante da prova testemunhal produzida não ter resultando provado qual concretamente, deverá dar-se por provada a efectiva prestação de serviços por parte dos respectivos emitentes.

No que respeita às facturas emitidas pelas sociedades “F...”, “M...” e “S...” referentes às seguintes obras: - R.T.P. - Lisboa (facturação emitida pela “F..."); - V... Venteira - Amadora (idem); - Gare do Oriente, Expo - Lisboa (facturação emitida pela “M..."); - Hospital L... - Lisboa (idem); - Arroja - Odivelas (idem); - R. Eng° Vieira Silva - Saldanha (idem); - Alto do Moinhos - Lisboa (facturação emitida pela “S..."); - Armazém do Prior Velho - Lisboa (idem); - Coimbra (idem), a Impugnante, sobre a qual recaía o ónus da prova, como resulta de A) do probatório, não logrou provar que tais facturas titulam efectivamente os fornecimentos ou serviços delas constantes.

Vejamos antes do mais o que dizem os preceitos legais invocados pela Recorrente.

Dispunha o artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, com a redação à data da prática dos factos o seguinte: Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que esteja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.

Por sua vez, o artigo 74.º da LGT dispõe sobre o ónus da prova e refere que:

1 – O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

2 – Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correta identificação junto da administração tributária.

3 – Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.

Em conformidade, aliás, com o princípio consagrado no artigo 342.º do Código Civil (CC), que preceitua que aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

Por outro lado, de acordo com o artigo 75.º, n.º 1, da LGT presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei bem como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade.

Tal presunção cessa designadamente se as declarações do contribuinte, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, bem como, salvo nos casos em que for legítima a recusa de prestação de informações, se o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º, n.º 2, alíneas a) e b), da LGT).

Configura entendimento jurisprudencial reiterado e sólido, em situações como a dos autos, quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.

Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando­­­­ o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada, uma vez que o artigo 100.º do CPPT não é aplicável neste caso, por in dubio contra Fisco apenas existe quando seja a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é à contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto (vide neste sentido acs. do TCA Sul de 22/01/2002, processo nº 5884/01, do STA de 27/10/2004, proc. n.º 810/04, do TCA Norte de 24/01/2008, proc. n.º 02887/04-Viseu, e acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 07/03/2003, proc. n.º 01026/02, de 16/11/2016, proc. n.º 0600/15 e de 27/02/2019, proc. n.º 01424/05, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt).

Considerando o acima descrito, cumpre então averiguar se a administração tributária fez a prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e objetivos, suscetíveis de permitir a conclusão de que as facturas contabilizadas pela ora Recorrente não correspondem a reais operações para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, e se ao fazê-lo a impugnante, ora Recorrente, por sua vez demonstrou que a AT laborava em erro.

Resulta da factualidade apurada que a Recorrente foi alvo de uma acção inspectiva e que nessa sede, fruto da circularização entre os seus clientes e da análise das respostas por estes dadas à AT, bem como das irregularidades apuradas quanto aos prestadores de serviços, tudo como melhor descrito no relatório de inspecção tributária, e evidenciado na sentença recorrida, a administração tributária considerou que a simulação decorre da circunstância de os emitentes que figuram nas facturas como prestadores de serviços não corresponderem a quem, efetivamente, efectuou serviços de cofragem nas obras mencionadas no relatório de inspecção tributária (cfr. alínea e) do probatório).

A recolha, a consistência e a conjugação de todos os elementos descritos no relatório de inspecção tributária (alínea e) do probatório) foram de molde a que a AT e por sua vez o Tribunal a quo na sentença recorrida considerassem que a contabilidade da Recorrente não era credível, abalando desta forma a presunção de veracidade das operações constantes na escrita da Recorrente, pois que criaram fundados indícios de que a contabilidade não reflectia a matéria tributável efectiva.

In casu, julgamos, tal como decidido na primeira instância, que foram recolhidos indícios concretos e objectivos de que as facturas emitidas por­­­ L... - Construções & Projectos, Lda., F... - Construção Civil e Obras Públicas, Lda., U... Confragem - Construção Civil Unipessoal, Lda., M... - Sociedade de Construção, Lda. e S... - Sociedade Construção Civil Unipessoal, Lda., não titulavam transacções reais, isto é, não tiveram na base a prestação de serviços por parte das sociedades emitentes das mesmas à Impugnante.

Em face de tais constatações impunha-se que a impugnante, ora Recorrente, contraria-se o apurado pela AT em sede inspectiva.

Como resulta da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida a Impugnante não logrou provar que recorreu a subempreiteiros nas seguintes obras mencionadas no relatório de inspecção tributária (cfr. alínea A) dos factos não provados):

- R.T.P. - Lisboa (facturação emitida pela “F...”);

- V... Venteira - Amadora (idem);

- Gare do Oriente, Expo - Lisboa (facturação emitida pela “M...”);

- Hospital L... - Lisboa (idem);

- Arroja - Odivelas (idem);

- R. Eng° Vieira Silva - Saldanha (idem);

- Alto do Moinhos - Lisboa (facturação emitida pela “S...”);

- Armazém do Prior Velho - Lisboa (idem);

- Coimbra (idem).

Bem como não provou a identificação das sociedades que subcontratou para efectuar serviços de cofragem nas restantes obras, identificas na alínea h) do probatório.

A sentença recorrida julgou parcialmente improcedente a Impugnação relativamente as facturas emitida pelos prestadores de serviços referidos na alínea A) dos factos não provados e ainda relativamente às facturas emitidas por mais de que prestador de serviço para a mesma obra (Escola do 1.º ciclo, Charneca da Caparica – “L...” e “F...”; e obras da S... - Quinta Quinta da G..., Cascais – “U...” e “S...”), por ter considerado que nestes casos a Impugnante não fez prova da realidade das operações subjacentes às facturas relativas a tais obras.

Ora, não se diga, como o faz a Recorrente que a evidência de que foram realizadas pelo menos algumas das operações em causa (aquelas relativamente às quais o contribuinte conseguiu localizar as testemunhas…) abala de forma significativa a convicção da AT (conclusão g) da alegação de recurso), pois para tanto basta ver o teor da alínea h) do probatório, para se alcançar que a Recorrente não fez prova da identificação dos fornecedores que efectuaram os serviços de cofragem nas obras aí mencionadas, sendo certo que a AT não põe em causa que as obras foram realizadas, mas antes que foram realizadas com a prestação de serviços por banda dos emitentes das facturas dos autos.

E, assim, a resposta a esta questão tem que ser negativa face à repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução (vide Acórdão do Pleno do STA de 27/02/2019, processo n.º 01424/05.2BEVIS, disponível em www.dgsi.pt).

Como já se deixou expresso supra, ao contribuinte não basta gerar a mera dúvida sobre a falsidade das facturas para conseguir ganho de causa, pois, está onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra o beneficiário.

Pelo que fica dito, sem mais considerandos, deve ter-se por não observado o ónus da prova da realidade subjacente às facturas que recaía sobre a Recorrente.

Por último, uma breve referência, ao alegado na concussão f) da alegação de recurso, quanto ao momento em que decorreu a prova testemunhal.

Entende a Recorrente que é injusto impor-lhe que apresente prova testemunhal tanto tempo decorrido sobre a realização das subempreitas, num sector como a construção civil.

Ora, o Tribunal não desconhece a problemática da produção de prova testemunhal, mas a Recorrente também devia saber, sendo que a ignorância da lei não lhe aproveita (cfr. artigo 6.º do CC), que podia ser alvo de uma acção inspectiva, precavendo-se para essa eventualidade, e que o normal e usual é as acções inspectivas não serem contemporâneas dos factos com relevância tributária (cfr. artigo 36.º do RCPIT).

Concluindo, a AT logrou demonstrar que se verificavam os pressupostos fáctico-jurídicos fundamentadores da sua actuação e, por outra banda, a Recorrente não logrou demonstrar a tese que defende.

Deste modo, a sentença recorrida que assim entendeu não merece censura e deve ser confirmada nesta parte.

Improcedem, pois as conclusões do recurso relativas ao erro de julgamento por violação do disposto nos artigos 75.º da LGT e 19.º, n.º 2 do CIVA (conclusões f), g), j) k) e l) da alegação de recurso).


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2.2. Recurso da Fazenda Pública

Este recurso tem por objecto a parte da decisão da primeira instância que anulou as liquidações de IVA relativas ao ano de 2006, efectuadas com base nas conclusões extraídas do ponto III.3.4.3.1 do relatório de inspecção tributária, intitulado “Custos do exercício/IVA Dedutível”, no montante de € 181.149,44 e dos juros compensatórios respectivos.

Alega a Fazenda Pública, no essencial, que o tribunal recorrido fez uma errada análise da factualidade que fixou, bem como consequente incorrecta aplicação do direito (ponto II da alegação de recurso), porque considerou que a Administração Tributária demonstrou a existência de indícios suficientes de que as operações referidas nas facturas foram simuladas e que a impugnante não fez prova de que adquiriu os serviços e que os mesmos lhe foram prestados pelo emitente das facturas, retirando daí a legalidade da actuação da Administração (conclusão III da alegação de recurso). E que, como se retira da motivação da decisão de facto a decisão sobre esta matéria baseou-se na prova documental junta aos autos, em especial o Relatório de Inspecção Tributária e sobretudo nos depoimentos das testemunhas inquiridas que não lograram convencer o tribunal no sentido da prova positiva da factualidade alegada pela Impugnante (conclusão IV da alegação de recurso).

Assim, em suma, alega a Recorrente, que o Tribunal errou nas conclusões que retirou da matéria de facto, em concreto a efectiva prestação de serviços por parte dos respectivos emitentes, que não se saber quais são. E ao decidir como decidiu violou a sentença os artigos 74.º e 75.º da LGT e 19.º, n.ºs 1 e 2 do CIVA (conclusão V a XX da alegação de recurso).

A questão suscitada é, por isso, a de saber, se da decisão da matéria de facto é possível concluir como concluiu a Mma. Juiz a quo que relativamente às obras C... – Vilamoura, Escola do 1° ciclo - Charneca da Caparica, S... - Quinta da G... – Cascais, T...Hotel – Setúbal, Q... – Lisboa, Entrecampos – Lisboa, Bairro Boa Esperança – Beja, B... Parque – Sintra e Centro Comercial - São João Madeira, a Impugnante provou a efectiva prestação de serviço por parte dos respectivos emitentes, por relativamente a elas terem sido emitidas facturas apenas por um prestador de serviço, apesar da prova testemunhal produzida não ter resultado provado a identificação das sociedades subcontratadas.

Vejamos.

Já supra nos debruçamos sobre o enquadramento do erro de julgamento da matéria de facto por errada valoração da prova, que aqui se dá por reproduzido.

De salientar, ainda, que o erro de julgamento por errada valoração da prova ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados como provados e não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.

O Tribunal recorrido considerou provado, com base na prova testemunhal, que a Impugnante utilizou mão-de-obra subcontratada a outras sociedade, não identificadas, para efectuar serviços de cofragem nas seguintes obras mencionadas no relatório de inspecção tributária: C... – Vilamoura, Escola do 1° ciclo - Charneca da Caparica, S... - Quinta da G... – Cascais, T...Hotel – Setúbal, Q... – Lisboa, Entrecampos – Lisboa, Bairro Boa Esperança – Beja, B... Parque – Sintra e Centro Comercial - São João Madeira (alínea h) do probatório).

E considerou não provado que a Impugnante tenha recorrido a subempreiteiros nas seguintes obras mencionadas no relatório de inspecção tributária: R.T.P. - Lisboa (facturação emitida pela “F...”), V... Venteira - Amadora (idem), Gare do Oriente, Expo - Lisboa (facturação emitida pela “M...”), Hospital L... - Lisboa (idem), Arroja - Odivelas (idem), R. Eng° Vieira Silva - Saldanha (idem), Alto do Moinhos - Lisboa (facturação emitida pela “S...”), Armazém do Prior Velho - Lisboa (idem) e Coimbra (idem) – (cfr. alínea A) dos factos não provados).

Por fim, considerou a sentença recorrida na motivação da decisão de facto:

A convicção do Tribunal fundou-se no teor dos documentos juntos ao processo, e indicados em cada um dos pontos supra e, quanto à alínea h), na prova testemunhal produzida nos presentes autos e melhor identificada na acta junta a fls. 65-67 dos autos. Efectivamente, as testemunhas ouvidas - P..., L... e C..., que trabalhavam como carpinteiros da S... no ano de 2006, tendo efectuado trabalhos de cofragem, por períodos mais ou menos longos, nas obras referidas em h) - , afirmaram com segurança que nos serviços que prestavam aos seus clientes as obras eram iniciadas apenas com os trabalhadores desta sociedade, recorrendo-se depois, invariavelmente, no desenvolvimento de todas as obras, e com o intuito de cumprir prazos, a trabalhadores fornecidos por outras entidades, para executar trabalhos de cofragem em diferentes áreas da obra. Nenhuma das testemunhas, no entanto, conseguiu precisar que pessoas ou sociedades em concreto garantiam à Impugnante esse reforço de mão-de-obra.

No que se refere ao facto referido em A), a Impugnante sobre a qual recaia o ónus da prova do mesmo, não logrou fazer qualquer prova, tendo as testemunhas ouvidas referido sem hesitação que não prestaram serviços nem acompanharam as obras em causa.

Na discussão fáctico-jurídica da causa, tendo em conta o facto dado como provado (alínea h do probatório) e o facto não provado (alínea A), escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

Ora, a esse respeito a Impugnante logrou fazer prova de que utilizou mão-de- obra subcontratada a outras sociedades, não identificadas, para efectuar serviços de cofragem nas seguintes obras mencionadas no relatório de inspecção:

- C... - Vilamoura;

- Escola do 1° ciclo - Charneca da Caparica;

- S... - Quinta da G... - Cascais;

- T...Hotel - Setúbal;

- Q... - Lisboa;

- Entrecampos - Lisboa;

- Bairro Boa Esperança - Beja;

- B... Parque - Sintra;

- Centro Comercial - São João Madeira

Quanto às obras realizadas pela Impugnante na Escola do 1º ciclo - Charneca da Caparica foram emitidas facturas por dois prestadores de serviço (a “L...” e a “F...”). O mesmo sucedeu quanto às obras da S... - Quinta da G... - Cascais (com facturação emitida pela “U...” e pela “S...”). Não tendo, no entanto, a Impugnante logrado provar que todos estes prestadores de serviço ou algum deles, em concreto, tenha prestado serviços como subempreiteiro nessas obras, não poderá considerar-se que nestes dois casos tenha sido feito prova da realidade das operações subjacentes às facturas relativas a tais obras.

Já quanto às obras C... - Vilamoura; T...Hotel - Setúbal; - Q... - Lisboa;- Entrecampos - Lisboa; - Bairro Boa Esperança - Beja; - B... Parque - Sintra; - Centro Comercial - São João Madeira, porque relativamente a cada uma delas foram emitidas facturas apenas por um prestador de serviço, não obstante da prova testemunhal produzida não ter resultando provado qual concretamente, deverá dar-se por provada a efectiva prestação de serviços por parte dos respectivos emitentes.

No que respeita às facturas emitidas pelas sociedades “F...”, “M...” e “S...” referentes às seguintes obras: - R.T.P. - Lisboa (facturação emitida pela “F..."); - V... Venteira - Amadora (idem); - Gare do Oriente, Expo - Lisboa (facturação emitida pela “M..."); - Hospital L... - Lisboa (idem); - Arroja - Odivelas (idem); - R. Eng° Vieira Silva - Saldanha (idem); - Alto do Moinhos - Lisboa (facturação emitida pela “S..."); - Armazém do Prior Velho - Lisboa (idem); - Coimbra (idem), a Impugnante, sobre a qual recaía o ónus da prova, como resulta de A) do probatório, não logrou provar que tais facturas titulam efectivamente os fornecimentos ou serviços delas constantes.

Diga-se, desde já, que a Recorrente tem inteira razão quanto ao invocado erro nos juízos fáctico-conclusivos.

Com efeito, o que nos parece absolutamente contrário à prova produzida e às regras de experiência e senso comum, é concluir como se concluiu na sentença recorrida, isto é, concluir que, embora a Impugnante não tenha logrado provar que todos os prestadores de serviço ou algum deles, em concreto, tenha prestado serviços como subempreiteiro nas obras, nas obras em que foram emitidas facturas por um único prestador, deverá dar-se por provada a efectiva prestação de serviços por parte dos respectivos emitentes.

Com efeito, a prova de que a Impugnante utilizou mão-de-obra subcontratada a outras sociedades nas obras referidas na alínea h) do probatório, não permite concluir que relativamente àquelas em que houve um único prestador de serviço que foi esse e não outro que prestou os serviços, uma vez que a Impugnante não logrou provar a identificação das sociedades prestadoras de serviços.

Dito de outro modo, a matéria de facto provada não permite concluir sobre a identificação de cada um dos prestadores de serviços nas diversas obras, haja ou não facturas emitidas por um só prestador de serviço ou por vários.

Em suma, o cerne da questão não é que as obras foram feitas, mas por quem.

Não pode, pois, aceitar-se o juízo fáctico conclusivo a que a Mma. Juiz a quo chegou, sem que tenha, todavia, explicado a eleição de tal critério e contra a prova produzida, de que nas obras em que existem facturas emitidas por um único prestador de serviços se deve dar como provada a efectividade da prestação de serviço por ele.

Assim, procede o apontado erro de julgamento por errada valoração da prova

Na apreciação do recurso da impugnante resultou claro e inequívoco que a AT reuniu indícios com força suficiente no sentido que as operações tituladas pelas facturas emitidos pelos prestadores de serviço podem ser simuladas, pelo que essa questão já se mostra decidida.

Nos presentes autos, competia a prova da verificação dos pressupostos do direito à dedução à Recorrida, que não logrou alcançar, visto que não conseguiu produzir prova, documental ou testemunhal, que de alguma forma permita comprovar que utilizou mão-de-obra subcontratada aos emitentes das facturas relativamente às obras C... – Vilamoura, Escola do 1° ciclo - Charneca da Caparica, S... - Quinta da G... – Cascais, T...Hotel – Setúbal, Q... – Lisboa, Entrecampos – Lisboa, Bairro Boa Esperança – Beja, B... Parque – Sintra e Centro Comercial - São João Madeira, como resulta da decisão da matéria de facto da primeira instância.

Conclui-se do agora exposto, tendo presente o quadro jurídico traçado, que a sentença recorrida ao anular as liquidações adicionais constantes das facturas relativas às obras com facturação emitida por um prestador de serviços (C... – Vilamoura, Escola do 1° ciclo - Charneca da Caparica, S... - Quinta da G... – Cascais, T...Hotel – Setúbal, Q... – Lisboa, Entrecampos – Lisboa, Bairro Boa Esperança – Beja, B... Parque – Sintra e Centro Comercial - São João Madeira), procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, por violação do disposto nos artigos 74.º e 75.º da LGT e 19.º, n.ºs 1 e 2 do CIVA, pelo que incorreu em erro de julgamento.

Termos em que na procedência das conclusões de recurso da Fazenda Pública relativas à anulação das liquidações adicionais constantes das facturas emitidas para as obras C... – Vilamoura, Escola do 1° ciclo - Charneca da Caparica, S... - Quinta da G... – Cascais, T...Hotel – Setúbal, Q... – Lisboa, Entrecampos – Lisboa, Bairro Boa Esperança – Beja, B... Parque – Sintra e Centro Comercial - São João Madeira, impõe-se revogar a decisão da primeira instância, na parte recorrida.


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Conclusões/Sumário:

I. Quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.

II. Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando­­­­ o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada, uma vez que o artigo 100.º do CPPT não é aplicável neste caso, por in dubio contra Fisco apenas existe quando seja a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é à contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto.

III. O erro de julgamento por errada valoração da prova ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados como provados e não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em:

a) Negar provimento ao recurso interposto pela Impugnante.

b) Conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, em consequência, revogar, nesta parte, a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial totalmente improcedente.

Custas em primeira instância pela Impugnante.

As custas em ambos os recursos ficam a cargo da Impugnante, salvo quanto ao pagamento da taxa de justiça relativamente ao recurso da Fazenda Pública, por não ter apresentado contra-alegações.

Notifique.


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Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão ao Departamento de Investigação e Acção Penal – 2.ª Secção de Setúbal – proc. n.º 272/10.2IDSTB (ofício fls. 662 do suporte físico).

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Lisboa, 28 de Janeiro de 2021.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)