Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2347/16.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DISPENSA DE GARANTIA
ALEGAÇÃO E PROVA DOS PRESSUPOSTOS
Sumário:O benefício da isenção de garantia está dependente de dois pressupostos alternativos: ou a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida.
Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

L..., melhor identificada nos autos, apresentou reclamação, nos termos do artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do despacho do Chefe de Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ..., proferido em 9 de Maio de 2016 (e não em 21 de Março de 2015 como, por lapso, consta do relatório da sentença recorrida), no âmbito do processo de execução n.º ..., que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.

Inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação, a Reclamante, e ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, formulando a final as seguintes conclusões: …

“UM: Como refere o artigo 94°, nº 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “Na exposição dos fundamentos, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes."

DOIS: Ora, o douto Tribunal a quo apenas se reporta à "descrição que a Reclamante faz desses invocados documentos", o que demonstra que não os terá visto.

TRÊS: E não tendo visto os documentos referidos pela aqui Apelante, não poderia nunca aferir da relevância sobre a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida em execução ou que a prestação da garantia lhe causa prejuízo irreparável.

QUATRO: O Tribunal a quo deveria ter analisado os documentos que a aqui Apelante juntou com a Oposição à Execução, tendo todavia se pronunciado sobre estes, sem os analisar, em incumprimento do artigo 94°, nº 3 do CPTA.

CINCO: nos documentos nºs 1, 2 e 3 juntos pode-se verificar que o vencimento da Executada está penhorado em 1/3 devido à penhora relativa ao Proc. Nº .../10.1YYLSB, 1/6, devido à Ordem de Penhora Nº ..., sendo que após a conclusão destes processos se irá proceder a uma nova penhora de 1/6 do seu vencimento.

SEIS: Sendo que o seu vencimento, insuficiente para ser novamente penhorado, aguarda o levantamento das penhoras que incidem sobre este, para posteriormente se proceder a nova penhora de 1/6 do seu vencimento.

SETE: Dado que o vencimento é um bem parcialmente impenhorável, à luz do artigo 738° do Código de Processo Civil, qualquer penhora iria incidir, em primeiro lugar, em bens que pudessem ser totalmente penhorados.

OITO: Todavia, afirma o douto Tribunal a quo em que a aqui Apelante possui bens, pelo menos, o imóvel a que se reportam os autos.

NOVE: Tendo o douto Tribunal a quo afirmado que os documentos juntos pela aqui Apelante e que comprovam o estado do imóvel não são relevantes, não poderia a aqui Apelante dispor de outras provas, que não as já juntas e que não foram analisadas.

DEZ: O imóvel da aqui Apelante está parcialmente destruído, tem as fachadas desfeitas e o que sobrou está coberto de entulho.

ONZE: Ou seja, o valor económico que este poderia ter tornou-se irrisório, pois ninguém irá adquirir um imóvel parcialmente destruído e que só iria acarretar enormes despesas.

DOZE: Por outro lado, esta exigência demonstra apenas uma espoliação por parte da Câmara Municipal de ..., que decide proceder a obras coercivas, destrói parcialmente o imóvel da aqui Apelante, e, tendo o próprio contrato de empreitada sido incumprido, intenta um processo de execução fiscal, para forçar a aqui Apelante a pagar algo que não teve qualquer utilidade e que não foi devidamente executado.

TREZE : Como refere o artigo 62°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa: "A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição."

CATORZE: Refere ainda o nº 2 do mesmo artigo: "A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização."

QUINZE: A Câmara Municipal está a retirar o imóvel à sua legítima proprietária, sem uma indemnização de qualquer tipo, o que é claramente inconstitucional.

DEZASSEIS: Como diz o artigo 17º, nº 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, “Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade. "

DEZASSETE: Ora, esta actuação por parte da Câmara Municipal de ... leva, claramente, a uma privação arbitrária do imóvel da aqui Apelante, na medida em que esta se viu forçada a suportar obras coercivas, que só pioraram a situação e, consequentemente, a pagar obras que destruíram parcialmente o imóvel, sendo obrigada a dar o mesmo imóvel como garantia.

DEZOITO: Por outro lado, como refere o artigo 1° do Protocolo 1 da "Convenção Europeia dos Direitos do Homem", a qual vincula o Estado Português na ordem jurídica interna (vide artigo 8°, nº 2,da CRP): "qualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional. As condições precedentes entendem-se sem prejuízo do direito que os estados possuem de por em vigor leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multas."

DEZANOVE: Não estamos perante qualquer tipo de imposto ou multa, a aqui Apelante não cometeu qualquer infracção, mas de uma situação de expropriação arbitrária, através do regime de obras coercivas, que não existe, de todo, para esse efeito.

VINTE: Como refere o artigo 52°, nº 4 da Lei Geral Tributária, "A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá­lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado."

VINTE E UM: A base da argumentação da Câmara Municipal e do douto Tribunal a quo é a de que não existe prejuízo irreparável, sendo que a única maneira de justificar essa tese seria afirmar que a Apelante já está em tal situação financeira, que arruiná-la só mais um pouco não fará mal, o que é totalmente inaceitável.

VINTE E DOIS: A aqui Apelante está numa situação de manifesta falta de bens económicos, tendo sérias dificuldades de subsistência.

VINTE E TRÊS: Com a dificuldade inerente à necessidade de provar a inexistência de algo, o que consagra um facto negativo, a aqui Apelante comprovou que tem o salário repetidamente penhorado, que não poderia ter mais bens, senão não teria o salário penhorado, e que a única coisa que lhe resta é um imóvel parcialmente destruído, o que será impossível de vender e que não lhe pode trazer qualquer rendimento.

VINTE E QUATRO: Estando o imóvel parcialmente destruído e necessitando de obras, que terão preços exorbitantes, é natural que este não tenha condições de servir como garantia idónea.

VINTE E CINCO: Sendo que o douto Tribunal a quo não procedeu a qualquer avaliação do imóvel, nem este foi reavaliado pela Câmara Municipal de ..., não podendo afirmar, sem qualquer fundamento, que "não é crível" que este não tenha condições de servir como garantia idónea.

VINTE E SEIS: Não se podendo o Tribunal pronunciar sobre a inexistência de culpa da aqui Apelante, por a Câmara Municipal não se ter pronunciado previamente sobre este requisito, vem a aqui Apelante referir, à cautela, que é claro que a responsabilidade desta situação é, por um lado, da Câmara Municipal de ..., e por outro, da ... ... e da ..., que celebraram o contrato de empreitada e decidiram não retirar o entulho, em total incumprimento do mesmo contrato, deixando a aqui Apelante, que já tem imensas dificuldades económicas, com um prédio parcialmente destruído.

Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, considerando procedente a reclamação do indeferimento do pedido de isenção de garantia, com o qual se fará Justiça.”


*

A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo expendido a final o seguinte quadro conclusivo:

I. A douta Decisão sob recurso julgou totalmente improcedente a Reclamação incidente sobre o acto praticado pelo Senhor Chefe de Divisão de Execuções Fiscais da ..., em 21 de Março de 2016 que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia peticionado pela Recorrente, executada no PEF n.º ..., com vista à sua suspensão. A improcedência da Reclamação fundou-se na falta de prova dos pressupostos de que depende o deferimento da pretendida dispensa de prestação de garantia, nos precisos termos em que a mesma foi delimitada pela então Reclamante, ora Recorrente, a quem incumbia o ónus de alegar e provar os pressupostos de que depende a dispensa, nos termos conjugados dos arts. 52.º, n.º 4 da LGT e 170.º, n.º 3 do CPPT.

II. A douta Sentença Recorrida selecionou as questões a resolver na presente acção, bem como os factos que, no seu entender, se encontravam documentalmente provados e assumiam relevo, quanto à apreciação da questão controvertida, isto é, a legalidade do despacho reclamado.

III. Não só a matéria apurada é a que, nos autos, importa para a decisão dos mesmos, como a seleção da matéria de facto e a necessária delimitação da mesma às questões que interessa solucionar, na acção, constitui verdadeiro imperativo legal (cfr. art. 123.º do CPPT), pois impende sobre o juiz o dever de selecionar, de entre os factos levados a juízo pelas partes e por referência à prova produzida no processo, os que considera provados e que importam para a apreciação das questões a decidir.

IV. A Sentença a quo, no âmbito da livre apreciação da prova, deu como provados os factos constantes do probatório, elencou os fundamentos do pedido da então Reclamante em que o mesmo se sustenta, com vista à obtenção da dispensa de prestação de garantia, procedeu à caracterização da disciplina jurídica do pedido e à análise crítica da prova produzida por aquela, por referência àqueles pedido e fundamentos. E do confronto da mesma com o regime legal que havia considerado e descrito concluiu que o pedido e a prova que acompanhou o mesmo não cumprem as exigências legais, de fundamentação e prova. A douta Sentença Recorrida, selecionou, e bem, os factos em que entendeu assentar o seu probatório, no âmbito da livre apreciação da prova, de forma a resolver a questão que a Reclamante, ora Recorrente, sujeitou à apreciação do Tribunal, o despacho do Sr. Chefe de Divisão de Execuções Fiscais da ....

V. Conforme se retira do exame da Decisão Recorrida e das referências exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, naquela, ao contrário do que afirma a Recorrente, o Juiz a quo demonstra que viu os documentos Documentos 1, 2 e 3, assim como os analisou criticamente. Com efeito, fixa provados os factos revelados por tais documentos, cfr. se afere das alíneas G) e H) da matéria de facto provada e evidência, esclarecendo, quais foram os elementos probatórios que levaram o Tribunal a decidir como decidiu, e não de outra forma, fundamentando, ademais, a decisão da matéria de facto. Mais, exprime e manifesta os motivos por que considerou que tais documentos não demonstram da inexistência de prejuízo irreparável e da falta de meios económicos, mas somente revelam objetivamente a existência de penhoras sobre o vencimento da Recorrente e que, após a cessação das mesmas irá, sobre aquele, iniciar-se uma nova penhora.

VI. Não ocorre omissão de pronúncia da Sentença Recorrida por aquela não se ter pronunciado sobre os Documentos n.ºs 4 a 11 juntos na Oposição ao PEF, a correr termos na 1.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Tributário de Lisboa - Processo n.º .../16.0BELRS. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida (cfr. art. 607.º n.º 5 do CPC).

VII. Nesta conformidade, a Decisão a quo apenas faz referência aos documentos n.ºs 4 a 11 juntos pela Recorrente na Oposição ao PEF, "pela descrição que a reclamante faz desses invocados documentos", considerando, e bem, que "os mesmos não são relevantes em termos de aferir sobre o preenchimento dos pressupostos que aqui relevam, ou seja, a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida em execução ou que a prestação da garantia lhe causa prejuízo irreparável. Antes poderiam relevar para aferir da culpa da reclamante pela sua insuficiência patrimonial, alegação que aqui importa aferir ( ...)". Com efeito, tais documentos não foram juntos à Reclamação do acto do órgão de execução fiscal, como assume nos autos a ora Recorrente. Assim não se antevê como poderia o Tribunal a quo, mesmo ao abrigo do princípio do inquisitório, valorar documentos que a Reclamante não juntou com o seu pedido de isenção de prestação de garantia. A Reclamação do acto e a Oposição à execução configuram formas processuais absolutamente distintas, com diferentes causas de pedir e pedidos, realidade que inviabiliza por natureza a pretensão da ora Recorrente de apreciação de documentos que, oportunamente, não juntou à Reclamação. Não merece, pois qualquer reparo a douta Sentença a quo.

VIII. Mais, o conhecimento das questões submetidas a apreciação, não significa que o Tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes, sobretudo quando esses não são considerados relevantes, como é o caso, para o conhecimento da questão decidenda, pelo que a Sentença Recorrida, ao contrário do pugnado pelo Recorrente, decidiu e bem não ter interesse para a questão dos autos a apreciação de diversas considerações tendentes à demonstração de que a atuação da ... configura uma expropriação arbitrária do imóvel e que a Decisão a quo não se pronunciou sobre a inexistência de culpa da Recorrente, por a ... não se ter pronunciado previamente sobre este requisito, invocando à cautela que "a responsabilidade desta situação é, por um lado, da ... e, por outro, da ... ... e da ..., que celebraram o contrato de empreitada e decidiram não retirar o entulho, em total incumprimento do mesmo contrato, deixando a aqui apelante, que já tem imensas dificuldades económicas, com um prédio parcialmente destruído". Ora, etas não só não têm qualquer interesse na apreciação das questões aqui colocadas em juízo, além de que parte de tais considerações (relativas à expropriação) não foram sequer alegadas na Reclamação, logo não foram objeto de análise da Sentença Recorrida que, reitera-se, se limitou a selecionar, da matéria de facto levada aos autos pelas partes, aquela que importava para a apreciação da causa, ou seja, da (i )legalidade do despacho reclamado. Doutra feita, os factos que a Recorrente alega são meramente conclusivos e valorativos, constituindo uma mera interpretação e discordância do valor probatório dos documentos apresentados na execução fiscal e, como se referiu, na Oposição à mesma.

IX. Em suma, a Sentença em causa não merece censura, porquanto não só seleciona a matéria de facto provada com relevância para decisão da causa, como expõe a sua fundamentação sobre cada facto e indica os meios de prova valorados para cada um deles, revelando o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.

X. A pretendida suspensão do processo de execução só ocorre quando é prestada garantia, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 169.° e 199.°, ambos do CPPT. Nessa medida, para obter a referida suspensão deverá o executado prestar garantia idónea ou apresentar pedido de dispense da prestação de garantia, devidamente instruído, nos termos do art. 170.° do CPPT, conjugado com o art. 52.° da LGT.

XI. A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado (cfr. art. 52.°, n.° 4 da LGT). Daqui resulta que o deferimento da dispensa de prestação de garantia implica a verificação de três requisitos, cumulativamente, embora dois deles comportem alternativas: 1 - Que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e acrescido; 2 -Que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado; 3 - Que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos.

XII. O art. 170.° do CPPT vem regulamentar o procedimento de isenção de prestação de garantia, prevendo que o pedido de dispensa de prestação da garantia deve conter os fundamentos de facto e de direito e deve ser instruído com a prova documental necessária e o art. 342.° do CC estabelece as regras básicas sobre repartição do ónus da prova dispondo que "àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado" (n.° 1), "a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete aquele contra quem a invocação é feita" (n.° 2) e "em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito" (n.° 3). O n.° 1 do art. 74.° da LGT vem adotar no âmbito do procedimento tributário a mesma regra básica do ónus da prova: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque."

XIII. A questão em apreço configura, pois, atuação vinculada da Administração, por força dos normativos constantes dos arts. 52.º da LGT - identifica os requisitos exigíveis para o pedido de dispensa de prestação de garantia - e 170.º do CPPT - imputa ao requerente o ónus de provar o cumprimento dos mesmos. Outra alternativa não restava ao Tribunal a quo, perante o texto da lei, os termos em que o pedido foi formulado e a prova carreada pela então Reclamante, ora Recorrente, se não a improcedência da Reclamação.

XIV. Considerando que decorre da lei a exigência, não só da observância de requisitos (52.º n.º 4 da LGT), mas igualmente de prova dos mesmos, por parte da Recorrente (art. 170.º, n.º 3 do CPPT), considerou a Decisão a quo o acerto da posição da Recorrida, de indeferimento do pedido de dispensa de garantia. A Decisão de improcedência da Reclamação assentou, conforme se deixou expresso, no incumprimento dos requisitos legais e na falta de prova da respetiva verificação, tendo referido e analisado expressa e pormenorizadamente, a argumentação apresentada e a prova produzida; a final concluiu - decidindo - do confronto de ambos.

XV. Foi solicitada à então Reclamante, perante a inexistente prova produzida, oficiosamente e por referência ao disposto no n.° 3, do art. 170.° do CPPT que instruísse devidamente o pedido com a prova documental necessária [facto constante da alínea D) da matéria de facto provada], o que a Reclamante fez nos termos do requerimento de 12.04.2016, juntando os documentos comprovativos do salário auferido e das penhoras existentes sobre o mesmo [factos provados - alíneas E) e G)], porém, concluindo, e bem, que o seu teor não permite, por si só, concluir pela inexistência ou insuficiência de bens suscetíveis de garantir a dívida em execução e acrescido cfr. art. 52.°, n.° 4 da LGT.

XVI. Cabia à Reclamante, a definição dos termos do pedido, no âmbito dos pressupostos legalmente admitidos e, bem assim, a escolha e junção dos meios de prova, para esse efeito. Logo, se vem invocada a manifesta falta de meios económicos para fazer face à prestação de garantia ou prejuízo irreparável com a sua prestação, estas, de acordo com a lei, têm de ser demonstradas pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis, que não seja da sua responsabilidade. É, pois, à executada que incumbe provar que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores. No caso dos autos, a Reclamante não demonstrou a inexistência de meios económicos para prestar a garantia, nem a inexistência de culpa na insuficiência ou inexistência de bens. Mais, não logrou comprovar prejuízo irreparável ou, sequer, a manifesta falta de meios económicos, demonstrada na forma exigida por lei, que apenas resultam afirmados, no pedido de dispensa e, identicamente, nos autos de Reclamação.

XVII. Com efeito, a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respetivo, sendo sobre o executado que pretenda a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o respetivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

XVIII. Em suma, a Sentença a quo, em sintonia com a posição assumida pelo autor do acto reclamado, entendeu, acertadamente, que ora Recorrente não junta prova, nem com pedido de isenção nem com a petição de Reclamação, suscetível de preencher a verificação da totalidade dos requisitos exigidos por lei para o pedido que dirigiu à Recorrida, sendo que tal ónus - de invocação e prova dos requisitos legais do pedido de dispensa de garantia - recaía sobre si.

XIX. A Reclamante remete a sua pretensão, seus fundamentos e meios de prova para factos e documentos articulados e juntos na oposição deduzida contra o PEF, limitando, no p.p., a sua argumentação à impugnação da realização da obra coerciva cuja cobrança é objeto daquele processo executivo, que, consequentemente, é causa da sua insuficiência de meios económicos e de prejuízo irreparável decorrente da obrigatoriedade da prestação de garantia.
Face ao disposto no art. 342.° do CC e no art. 74.°, n.° 1 da LGT, é de concluir que é sobre a
executada, que pretende a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o
respetivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa
depende, pois configuram factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido,
contrariamente ao que defende a Reclamante/Recorrente. De resto, o texto do art. 170.°, n.° 3,
do CPPT, aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a
prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa a todos os factos que
têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia seja
apresentada pelo executado, instruindo o seu pedido, pois a prova de todos esses elementos é
necessária para o deferimento da sua pretensão.

XX. Perante os argumentos expendidos e a prova produzida, a Decisão objeto destes autos só pode ser considerada legal, acertada, adequada e devidamente fundamentada, face à insuficiência da prova produzida e dos fundamentos apresentados que não cumprem as exigências legais, de fundamentação e prova que sobre a Recorrente recaía.

XXI. Considerando as disposições conjugadas dos arts. 52.°, n.°s 1 e 2 da LGT, 183.°, n.° 1 e 199.°, n.°s 1 e 2 do CPPT, a execução fiscal podia suspender-se mediante a prestação da dita garantia idónea por parte da executada que pode consistir na garantia bancária, na caução, no seguro-caução, no penhor ou na hipoteca voluntária, ou qualquer meio, desde que susceptível de assegurar os créditos do Exequente, e não só, como parece ser o entendimento da Recorrente, através do prédio em causa ou do seu vencimento, ou melhor, através da penhora do mesmo.

XXII. Relativamente ao pedido formulado pela Recorrente no Recurso, de procedência da Reclamação do indeferimento do pedido de isenção de garantia, ainda que se reconhecesse a ilegalidade do acto do Senhor Chefe de Divisão de Execuções Fiscais, o que não se concede, o Tribunal ad quem não poderia, salvo o devido respeito, praticar tal acto que é da competência da Administração Tributária. A Reclamação de acto do órgão de execução fiscal tem por objeto a obtenção de sentença anulatória de acto, praticado por aquele órgão, ferido de invalidade, pelo que não pode este douto Tribunal, porque extravasa o seu âmbito de conhecimento, determinar, em substituição da Administração Tributária, a dispensa de garantia.

XXIII. Nestes termos, face aos elementos probatórios dos presentes autos, improcedem as alegações da Recorrente no sentido da concessão de isenção de prestação de garantia pela não verificação da manifesta falta de bens económicos para prestar garantia idónea e do prejuízo irreparável decorrente da mera tentativa dessa prestação, tendo a Decisão Recorrida, por referência ao pedido e fundamentos nos precisos termos em que foram delimitados pela então Reclamante, efetuado correta interpretação dos arts. 52.°, n.° 4 da LGT e 170.°, n.° 3 do CPPT. Em consequência, não ocorreu qualquer erro de julgamento de facto e de direito da Sentença a quo.

XXIV. Nesta medida, a Sentença da 1.ª instancia considerou a legalidade do despacho reclamado não apreciando, e bem, as questões que a Recorrente pretendia ver apreciadas na douta Decisão, uma vez que a argumentação que pretendia ver discutida quanto à ilegalidade em nada poderia alterar o despacho objeto dos autos. Pelo exposto, deverá, nesta sede, ser negado provimento ao Recurso, mantendo-se a Sentença Recorrida.

Nestes termos e os demais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá considerar-se improcedente o presente Recurso apresentado pela Recorrente, por inexistência de erro de julgamento de facto e de direito da Sentença Recorrida, confirmando-a, que julgou a Reclamação do Acto do Órgão totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu Parecer onde concluiu no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

Com interesse para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

A - Em 26.03.2015, foi instaurado pela Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ..., contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal n.º ..., para cobrança de dívida relativa a obras coercivas, no valor de € 19.073,97 (cfr. documentos de fls. 2 e 3 da certidão do processo de execução apensa);

B - Foi remetido ao mandatário da Reclamante, pela Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ..., ofício datado de 02.03.2016, no qual se comunicava para, no prazo de 15 dias, prestar garantia idónea, no montante de € 25.952,68, ou apresentar pedido de dispensa da prestação de garantia, sob pena de o processo de execução fiscal prosseguir os seus termos (cfr. documento de fls. 81 da certidão do processo de execução apensa);

C - No seguimento do ofício mencionado em B), a Reclamante apresentou, em 18.03.2016, na Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ..., requerimento no qual, sem juntar ou requerer elementos de prova, solicita a suspensão da execução fiscal identificada em A), com dispensa da prestação da garantia (cfr. documento de fls. 87 a 90 da certidão do processo de execução apensa);

D - Pela Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ..., foi remetido ao mandatário da Reclamante ofício datado de 22.03.2016, e recepcionado em 28.03.2016, no qual se comunicava à Reclamante que deveria “fazer prova das condições de que depende dispensa da prestação de garantia requerida e juntar aos autos a prova documental necessária, no prazo de 15 dias, nos termos do disposto no artigo 170º do CPPT e do artigo 52º da LGT.” (cfr. documentos de fls. 92 a 94 da certidão do processo de execução apensa);

E - Em 12.04.2016, em resposta ao pedido de elementos mencionado na alínea D), a Reclamante apresentou requerimento em que procedeu à junção de 3 (três) documentos (cfr. documentos de fls. 95 a 100 da certidão do processo de execução apensa);

F - A Reclamante é proprietária do prédio urbano sito na Rua de ..., n.ºs 31 a 31-D, em ... (facto não controvertido e que resulta do teor da certidão de registo predial junta a fls. 114-115 da certidão do processo de execução apensa);

G - À data da apresentação do pedido de isenção de prestação de garantia, sobre o vencimento da Reclamante incidiam as seguintes penhoras:

- penhora de 1/3, até perfazer o valor de € 90.689,50, no âmbito do processo n.º .../10.1YYLSB, do Tribunal da Comarca de Lisboa – Secção-Geral das Execuções – 2º Juízo Cível;

- penhora de 1/6, até perfazer o valor de € 4.996,97, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ..., a correr termos no Serviço de Finanças de ....

(cfr. documentos de fls. 104 e 106 da certidão do processo de execução apensa);

H - No seguimento de penhora de vencimento ordenada pelo Tribunal da Comarca de Lisboa – Instância Local – Secção Cível – J6, foi remetido à Reclamante, pelo Serviço de Gestão de Pessoal e Recursos Humanos do Centro Hospitalar ..., sua entidade empregadora, ofício datado de 10.03.2016, do qual consta que, após a “conclusão” dos processos mencionados em G) que antecede, aquele serviço irá proceder ao desconto mensal de 1/6 do seu vencimento liquido, até perfazer a importância de € 380,00, em consequência da mencionada penhora (cfr. documentos de fls. 104 e 105 da certidão do processo de execução apensa);

I - Em 21.04.2016, no âmbito da execução fiscal identificada em A) supra, foi elaborada informação pela Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ..., na qual, pronunciando-se sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia mencionado em C), consta, designadamente, o seguinte:

“ (…)





(…)






(…)”

(cfr. documento de fls. 107 a 109 verso da certidão do processo de execução apensa);

J - Sobre a informação reproduzida na alínea que antecede, foi proferido, em 09.05.2016, pelo Chefe da Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ..., o despacho ora reclamado, com o seguinte teor:

“Atento à informação supra referida e que antecede, a qual se dá por integralmente reproduzida no presente despacho, indefere-se o pedido de isenção de prestação de garantia idónea, nos termos das disposições legais mencionadas na referida informação. (…)”.

(cfr. documento de fls. 110 da certidão do processo de execução apensa).

Factos não provados

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

Motivação

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e da certidão do processo de execução apensa, não impugnados, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.

2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, surpreende-se, nas conclusões Um a Quatro, que a Recorrente se insurge contra a falta de apreciação crítica da prova por parte do Tribunal a quo.

Em concreto, entende a Recorrente que o Tribunal se pronunciou sobre alguns documentos que foram juntos à petição de oposição à execução fiscal deduzida pela Reclamante, com vista a aferir da sua “relevância sobre a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida em execução ou que a prestação da garantia lhe causa prejuízo irreparável”, sem, contudo, os ter visto e analisado.

Vejamos.

Na sentença recorrida, como vimos, foram fixados os factos provados e indicados os meios de prova com base nos quais entendeu essa factualidade demonstrada; referiu-se expressamente a matéria de facto não provada, esclarecendo que inexistem factos não provados com relevância para a decisão; por fim, foi explicitada a motivação da matéria de facto.

Como se sabe, a falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, designadamente a falta de exame crítico da prova, a verificar-se, corresponde à nulidade da sentença prevista no artigo 125º, nº1 do CPPT.

Como aponta Jorge Lopes de Sousa, “esta falta não poderá deixar de reportar-se à fundamentação de facto exigida por este Código (leia-se, CPPT) e nele, ao contrário do que sucede no CPC (art.º 659º, nº3), exige-se não só a indicação dos factos provados, mas também dos não provados. Trata-se de uma exigência suplementar de fundamento de facto, não prevista no processo civil, que é a discriminação da matéria de facto não provada, cumulativamente com a provada. Na previsão desta norma, a indicação da matéria de facto não provada deve ser feita indissociavelmente da indicação da matéria de facto provada, como se depreende da expressão “o juiz discriminará também a matéria de facto provada da não provada”, o que pressupõe que essa discriminação seja feita concomitantemente. Sendo assim, a falta de discriminação da matéria de facto não provada, no domínio do contencioso tributário, será equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no art.º 125º, nº1 do CPPT” - Vide, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 358

Como é evidente, a exigência de tal discriminação dos factos provados e dos não provados só se justifica relativamente aos factos que se mostrem relevantes segundo as várias soluções plausíveis de direito [artigo 508º-A, nº1, al. e), 511º e 659º do CPC]. Daí que, como refere o autor citado “só existirá nulidade de sentença por falta de indicação dos factos não provados relativamente a factos alegados que não tenham sido dados como provados e que possam relevar para a decisão da causa” - Vide, obra e volume citados, pág. 358..

Note-se que esta nulidade - falta de especificação dos fundamentos de facto da sentença – corresponde, a montante, à exigência de fundamentação da sentença, no que respeita à fixação da matéria de facto, tal como prevê o artº 123º, nº2 do CPPT -“O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.

Tal fundamentação consiste, como se percebe, na indicação dos meios de prova que foram considerados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, por forma a serem exteriorizadas as razões pelas quais se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer.

A exigência de fundamentação da sentença tem naturalmente várias valências, pois que, num primeiro momento, serve para impor ao juiz da causa que pondere e reflicta criticamente sobre a decisão, mas também para permitir que as partes, ao recorrerem da sentença, estejam na posse de todos os elementos que determinaram o sentido da decisão e, por último, torna possível ao Tribunal de recurso apreciar o acerto ou desacerto da sentença recorrida.

Assim sendo, “a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.

Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental), a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos (…).

Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária”. Vide, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 321 e 322.

Como ensina M. Teixeira de Sousa “… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …Vide, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lx 1997, pág. 348.

Fazendo, agora, o enfoque no caso concreto.

A Recorrente insurge-se contra o facto de o Mmo. Juiz ter feito menção na sentença a documentos juntos com uma petição de oposição à execução fiscal, os quais, afinal, não foram vistos e analisados – diz o Recorrente, O Tribunal a quo deveria ter analisado os documentos que a aqui Apelante juntou com a Oposição à Execução, tendo todavia se pronunciado sobre estes, sem os analisar, em incumprimento do artigo 94°, nº 3 do CPTA”.

A este propósito, lê-se na sentença o seguinte:

“(…)

Ora, tendo a Reclamante apresentado o seu pedido de dispensa de prestação de garantia desacompanhado de qualquer elemento de prova do alegado, e após notificada tendo em vista a demonstração de estarem preenchidos os apontados pressupostos do referido pedido, a Reclamante limitou-se a apresentar documentos demonstrativos de que o seu salário encontra-se penhorado, com uma penhora de 1/3 e uma outra de 1/6 desse salário, e que uma outra penhora de 1/6 do seu vencimento líquido irá ser concretizada, após se encontrar integralmente paga a dívida a que se reportam aquelas outras mencionadas penhoras (cfr. alíneas G) e H) do probatório).

Sublinha-se que os demais documentos que a Reclamante afirma ter apresentado (com os n.ºs 4 a 11), a própria Reclamante reconhece, no artigo 2º da petição inicial, que os mesmos foram apresentados com a oposição deduzida contra a execução. Por outro lado, pela descrição que a Reclamante faz desses invocados documentos, os mesmos não são relevantes em termos de aferir sobre o preenchimento dos pressupostos que aqui relevam, ou seja, a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida em execução ou que a prestação da garantia lhe causa prejuízo irreparável. Antes poderiam relevar para aferir da culpa da Reclamante pela sua insuficiência patrimonial, alegação que aqui não importa aferir, como supra já se esclareceu (já que o órgão de execução não se pronunciou sobre o preenchimento do requisito da ausência de culpa pela insuficiência ou inexistência de bens).

Ora, o teor dos referidos documentos juntos pela Reclamante não permitem, por si só, concluir pela inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. Na verdade, os documentos juntos pela Reclamante somente revelam que o seu vencimento se encontra penhorado. Contudo, tal facto nada revela quanto à eventual inexistência ou insuficiência de bens susceptíveis de garantir a dívida em execução. Desde logo, não é afastada a existência de bens de outra natureza, designadamente bens imóveis ou bens móveis de diversa índole, títulos e participações financeiras, créditos ou quaisquer outros bens”. (sublinhado nosso).

E, na verdade, assim é.

Os referidos documentos 4 e 7 a 11, a que a Recorrente se refere, são documentos que não se mostram juntos aos autos e para os quais a Reclamante se limitou a remeter (sem juntar), mesmo depois de notificada para instruir o seu requerimento de dispensa de garantia. Trata-se de documentos que alegadamente se mostram juntos a outro processo judicial (oposição à execução fiscal)e, como tal, repete-se, não instruem os presentes autos.

Ainda assim, e porque a Recorrente cuidou de explicitar o conteúdo de tais documentos, o Mmo. Juiz a quo não deixou de se referir a eles, no sentido de esclarecer que os mesmos em nada contribuiriam para demonstrar a verificação dos pressupostos alternativos do pedido de isenção de garantia. Mais: o Tribunal a quo não deixou de esclarecer que a eventual relevância dos apontados documentos podia ser considerada caso estivesse em causa analisar o pressuposto cumulativo da dispensa, correspondente à não responsabilidade do executado que pretende a isenção na insuficiência ou inexistência dos bens, o que, porém, não está em causa nos presentes autos.

E este juízo adoptado pelo Tribunal não é censurável.

Vejamos.

Aquando da remissão para os aludidos documentos 4 e 7 a 11 (ainda na fase administrativa do processo), o ora Recorrente esclareceu sobre o seu teor o seguinte:

“(…)

A) Os Documentos 4 e 7 a 11, juntos com a oposição provam o seguinte:

1. O documento nº 4 é o contrato de empreitada celebrado entre a ... ... e a ... – Sociedade de Construções, Unipessoal, Lda.

2. Sendo que a Clausula 37º deste contrato refere expressamente o seguinte:

“1. A remoção dos materiais e elementos de construção ou demolição deverá respeitar o Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição que integra este contrato.

4. Em caso de falta de cumprimento pelo Empreiteiro das obrigações estabelecidas nos números anteriores poderá a Fiscalização fazer transportar os materiais ou os elementos de construção em causa para onde mais convenha, pagando o que necessário for, tudo à custa do Empreiteiro, mas dando-lhe prévio conhecimento da decisão.

5. O Empreiteiro, no final da obra terá de remover do local dos trabalhos os restos dos materiais ou elementos de construção, entulhos equipamentos, andaimes e tudo mais que tenha servido para a sua execução no prazo mínimo de 5 dias contados a partir da data de conclusão da Empreitada.

7. Dentro dos prazos que a Fiscalização marcar, o Empreiteiro terá de remover do local dos trabalhos e da via pública todos os produtos resultantes de escavações, demolições, arranque de vegetação e limpeza geral.”

3. Pelo que o Documento nº 4 comprova a obrigação, por parte da empresa ... – Sociedade de Construções Lda, de retirar o entulho.

4. Os Documentos 7 a 11 são cartas trocadas entre a executada e a ... ... e respectivos registos dos CTT.

5. Através dos Documentos nºs 7 e 8 podemos verificar que a Executada informou a ... ... de que as obras não tinham sido concluídas e de que o entulho se mantinha no local.

6. Para além de que não fora notificada de qualquer alteração dos trabalhos referenciados no caderno de encargos, quando estes resultam em implicações financeiras para a mesma.

7. Através do Documento nº 9, verificamos que a ... ... confessa que alterou os meios para a demolição das fachadas e que decidiu manter o entulho no local.

8. Sendo que os Documentos 10 e 11, assinados pela Executada, reiteram a falta de notificação à mesma da alteração dos trabalhos previstos no caderno de encargos, por parte da ... ..., o que tem repercussões financeiras e a necessidade de remover entulho deixado no local, para se poder proceder à reconstrução do imóvel.”

Em face daquilo que fica transcrito, está bom de ver que a análise levada a cabo pelo TT de Lisboa é correcta, sendo certo, aliás, que a Recorrente também não indica especificadamente em que medida dos documentos em causa pode resultar demonstrada factualidade por si alegada relativa quer à existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia, quer à falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, se julga improcedente a questão ora analisada, a que se referem as apontadas conclusões Um a Quatro.


*

Vista esta primeira questão, passemos às conclusões restantes.

E, aqui, como resulta do teor das ditas conclusões, o que está em causa é saber se a sentença errou quando julgou improcedente a reclamação, concluindo pela legalidade do despacho de indeferimento reclamado, por entender que a requerente, ora Reclamante, não provou, como lhe competia, os pressupostos de que depende a dispensa de garantia.

Vejamos, então.

Comecemos por deixar claro o quadro legal em que nos movemos na decisão do presente recurso jurisdicional.

Assim:

Nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a Administração Tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.

Quer isto dizer que o benefício da isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida.

Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.

Como é sabido, o executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária [artigo 170º, n.ºs 1 e 3 do CPPT]. Com efeito, do regime geral de repartição do ónus da prova [artigo 342º do CC e artigo 74º, nº 1 da LGT] e, bem assim, do referido artigo 170º, nº 3 do CPPT, resulta que a prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido.

Em suma, quer a dispensa da prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, incluindo a prova de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.

No caso que nos ocupa, é por demais evidente que a Reclamante, ora Recorrente, não deu cumprimento ao legalmente exigido, em termos de alegação e prova dos pressupostos que a si, enquanto Requerente, inegavelmente competia.

Vejamos as razões para assim concluirmos.

Quando se dirigiu à execução fiscal, através de requerimento destinado a obter a dispensa de garantia, a Requerente invocou a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida e, bem assim, o prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia.

A tal requerimento, a executada, ora Recorrente, não fez juntar qualquer documento, nem requereu a produção de qualquer meio de prova.

Contudo, e antes de ser proferida decisão sobre o pedido de dispensa de garantia, a AT notificou a requerente para juntar ao seu requerimento os elementos demonstrativos dos pressupostos que alegava.

Na sequência de tal convite, a Requerente, aqui Recorrente, fez juntar ao seu pedido três documentos – todos relativos a penhoras incidentes sobre o seu vencimento - remetendo, ainda, para o teor dos documentos 4 e 7 a 11 juntos à petição de oposição que deduziu relativamente à execução fiscal, cujo conteúdo sumariamente descreveu.

Ora, no que à (não) verificação do pressuposto correspondente a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida respeita, a conclusão do Tribunal a quo apoiou-se no seguinte discurso argumentativo:

“(…)

Ora, o teor dos referidos documentos juntos pela Reclamante não permitem, por si só, concluir pela inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Na verdade, os documentos juntos pela Reclamante somente revelam que o seu vencimento se encontra penhorado. Contudo, tal facto nada revela quanto à eventual inexistência ou insuficiência de bens susceptíveis de garantir a dívida em execução. Desde logo, não é afastada a existência de bens de outra natureza, designadamente bens imóveis ou bens móveis de diversa índole, títulos e participações financeiras, créditos ou quaisquer outros bens.
Com efeito, sobre a eventual (in)existência deste tipo de bens a Reclamante nada provou (nem alegou de concreto), tanto em sede do pedido de dispensa como na petição inicial de reclamação. Salientando-se, mais uma vez, que, recaindo sobre o executado o ónus da prova dos requisitos previstos no artigo 52.º, n.º 4, da LGT para a dispensa da prestação de garantia, deve, para o efeito, alegar e provar factos concretos.
Sendo certo que, como foi referido supra, a alegação e prova do preenchimento dos pressupostos da dispensa de garantia deve ser efectuada logo em momento anterior à prolação da decisão que recaia sobre o pedido dessa dispensa (vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.10.2014, processo n.º 918/14).
Acresce que, como decorre dos autos (cfr. alínea F) do probatório) e a própria Reclamante reconhece, esta é proprietária de um imóvel sito em ....
Ora, ainda que a Reclamante tenha alegado que tal imóvel encontra-se parcialmente destruído, a mesma não demonstrou o grau de destruição do imóvel e em que medida tal alegada destruição afecta o seu valor, não demonstrando, nomeadamente, que o seu valor passou a ser inferior ao valor da garantia a prestar.
Aliás, a Reclamante alega na sua petição inicial (cfr. artigo 21º) desconhecer o valor do imóvel. Sendo assim, não pode, sem mais, afastar a possibilidade de o mesmo servir de garantia idónea.
Dir-se-á antes que, sendo o valor da garantia a apresentar de € 25.952,68 , e situando-se o imóvel em causa em plena cidade de ..., não é crível que o seu valor seja inferior ao valor da garantia a prestar.
De resto, uma das razões apontadas no acto reclamado para o indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia traduziu-se na constatação de que o Reclamante possui o referido imóvel, admitindo, assim, que o mesmo poderia servir de garantia idónea, motivo pelo qual, tendo em consideração que o património do devedor constitui garantia geral dos créditos, teria que concluir não estar reunido o pressuposto da dispensa da prestação de garantia em análise, da inexistência ou insuficiência de bens susceptíveis de garantir a dívida em execução.
E, ainda que se comprove que o referido imóvel se encontra parcialmente destruído, a verdade é que é o órgão de execução fiscal a entidade com competência para fixar o valor da garantia e aferir da sua idoneidade (artigo 199.º, n.º 9, do CPPT).
Dito isto, não pode relevar o argumento da Reclamante de que não possui qualquer bem capaz de servir de garantia no processo de execução fiscal.
Refira-se ainda que a Reclamante também não demonstrou não lhe ser possível a apresentação de garantia bancária.
Face a todo o exposto, terá que se concluir, sem necessidade de mais considerações, que não ficou provada “a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”.

Contra o assim decidido, insiste a Recorrente no seguinte: “o vencimento da Executada está penhorado em 1/3 devido à penhora relativa ao Proc. Nº .../10.1YYLSB, 1/6, devido à Ordem de Penhora Nº ..., sendo que após a conclusão destes processos se irá proceder a uma nova penhora de 1/6 do seu vencimento”; “o seu vencimento, insuficiente para ser novamente penhorado, aguarda o levantamento das penhoras que incidem sobre este, para posteriormente se proceder a nova penhora de 1/6 do seu vencimento”.

Ora, desde já se diz que a análise feita pelo Mm. Juiz a quo é a correcta, correspondendo a uma acertada interpretação e aplicação da lei e, como tal, não nos merece censura.

Como é patente pelo excerto da sentença que transcrevemos, o Tribunal a quo não deixou de ter em conta as penhoras que incidem sobre o vencimento da Recorrente, referindo-se expressamente às mesmas e aos respectivos montantes.

O que se verifica é que, não obstante tais penhoras sobre o vencimento da Recorrente, isso não determina, por si só, a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, pois, independentemente de o vencimento da Requerente poder não comportar a incidência de mais encargos, é patente que os autos demonstram que a Reclamante possui, pelo menos, outro bem penhorável, ou seja, o bem imóvel a que se reporta a alínea F dos factos provados, sendo certo que não se demonstra que o valor desse imóvel seja insuficiente para garantir a dívida exequenda.

Aliás, à existência de tal imóvel logo se referiu a decisão reclamada (aí se diz que “…a verdade é que não fica provado que a executada não tem sequer bens ou que os bens de que dispõe não são suficientes para efectuar o pagamento. Aliás, detém pelo menos um bem imóvel, aquele que foi objecto de intervenção coerciva”), não tendo a Reclamante jamais alegado e demonstrado que tal bem detinha valor insuficiente para os fins visados.

Com efeito, na reclamação que dirige ao Tribunal, a Reclamante – sobre o imóvel em causa – refere que “o seu valor é claramente inferior actualmente ao que seria, caso esta situação não tivesse ocorrido”, que o “imóvel está parcialmente destruído”, que desconhece “o valor do imóvel, agora parcialmente destruído”, para daí concluir que “a executada não tem bens que possam servir como garantia idónea neste processo de execução fiscal”.

Por conseguinte, o assim alegado e a ausência de prova atinente ao pressuposto em análise, levam-nos a concluir, com o Tribunal a quo, que a decisão reclamada andou bem ao considerar que, quanto ao pressuposto agora em análise, a Requerente não demonstrou a verificação do mesmo, demonstração esta que inegavelmente lhe cabia.

Ainda sobre o assim concluído, discorda a Recorrente por entender que o Tribunal a quo tratou com irrelevância os documentos juntos sobre o estado do imóvel, os quais, além do mais, são os únicos de que dispõe. Segundo a Recorrente, da análise de tais documentos resultaria a constatação de que o imóvel está “parcialmente destruído, tem as fachadas desfeitas e que o que sobrou está coberto de entulho”, mais dizendo que “o valor económico que este poderia ter tornou-se irrisório, pois ninguém irá adquirir um imóvel parcialmente destruído e que só iria acarretar enormes despesas”.

Vejamos, o que se nos oferece dizer sobre o assim invocado.

Importa deixar claro, antes do mais, a que documentos a Recorrente se refere.

Ora, os documentos 4 e 7 a 11 juntos com a oposição deduzida são elementos que não constam dos presentes autos, que não foram juntos ao requerimento de dispensa de garantia, nem tão-pouco à reclamação apresentada contra o indeferimento da dispensa de garantia. Trata-se de documentos (juntos a outro processo judicial) para os quais a Requerente fez remissão - sem nunca os juntar – em resposta ao pedido da AT no sentido de vir completar, juntando prova, o requerimento destinado à obtenção de dispensa de garantia.

Portanto, repete-se: os documentos em causa jamais foram juntos aos autos pela Requerente, Reclamante e ora Recorrente, não obstante o convite à junção de elementos de prova dos requisitos do pedido de dispensa de garantia e tendo presente, como a Reclamante certamente não desconhece, que o executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária [artigo 170º, n.ºs 1 e 3 do CPPT].

Ainda assim, a Requerente, apesar de não juntar os documentos que instruíram a oposição, quando se referiu aos mesmos – em sede de requerimento de dispensa da garantia - teve oportunidade de esclarecer o seu conteúdo, expondo que:

“O documento nº 4 é o contrato de empreitada celebrado entre a ... ... e a ... – Sociedade de Construções, Unipessoal Lda.

(…)

Os documentos nºs 7 a 11 são cartas trocadas entre a executada e a ... ... e respectivos registos dos CTT”

Ora, como está bom de ver pelo conteúdo dos documentos em causa (tal como a Requerente os descreve), jamais esses documentos serviriam para demonstrar o que quer que seja com respeito ao pressuposto atinente à falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, podendo, quando muito, ser relevantes para aferir da culpa da Executada na insuficiência patrimonial, já que, alegadamente, serão respeitantes ao contrato de empreitada celebrado entre a ... ... e a sociedade ... e à correspondência trocada entre a executada e a ... ..., destinada a informar do não cumprimento das obras e da manutenção do entulho no imóvel em causa, da alteração dos meios de demolição e das repercussões financeiras daí resultantes.

Ainda sobre este pressuposto, deve dizer-se que a Reclamante não alegou, nem demonstrou que, na situação financeira em que se encontra, não lhe era possível obter garantia por outra forma, designadamente através de garantia bancária ou seguro-caução.

Por último, tendo em consideração o teor do alegado nas conclusões Doze a Dezanove, deve dizer-se que este Tribunal não alcança sequer o sentido das referências à “garantia do direito à propriedade privada”, à “requisição ou expropriação”, à “privação arbitrária do imóvel”, à “expropriação arbitrária”, ao artigo 17º, nº2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem ou ao artigo 1º do Protocolo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

É que, como está bem de ver, o que aqui se discute é tão somente a situação de (in)suficiência económica da requerente para efeitos de ver se estão, ou não, reunidos os pressupostos para a dispensar de garantia. Neste contexto, a consideração do imóvel em causa - para os efeitos aqui visados - prende-se apenas com a questão de o mesmo poder servir de garantia com vista à suspensão da execução fiscal.

Por conseguinte, não é concebível que se confunda a questão da garantia da dívida através da penhora de um imóvel com qualquer figura reveladora da violação do direito à propriedade privada.

Assim sendo, temos por certo que este primeiro pressuposto que vínhamos analisando não foi, como bem entendeu o Tribunal a quo, demonstrado.

Passemos à questão seguinte.

Aqui, importará perceber se o Tribunal Tributário errou ao concluir que a Reclamante não demonstrou, como lhe competia, o pressuposto alternativo a que fizemos já referência: o prejuízo irreparável causado pela prestação da garantia.

Antes de avançarmos, importa que deixemos devida nota do discurso alinhado pelo Mmo. Juiz a quo a este propósito.

Assim:

“(…)

Alegando a Reclamante que o prejuízo irreparável decorrerá da simples tentativa de prestar garantia, não lhe sendo tal possível sem ficar totalmente arruinada, contrapõe o Município de ... que a Reclamante não concretizou em que medida a prestação de garantia acarretará para si o alegado prejuízo irreparável.
E, efectivamente, assiste razão ao Município de ....
No caso concreto em apreciação, a Reclamante limita-se a invocar que, perante a sua situação financeira e as suas futuras despesas com o pagamento da dívida em execução e a reconstrução do seu imóvel, a prestação de garantia iria causar-lhe um manifesto prejuízo irreparável, deixando-a “arruinada”.
Ora, não obstante a alegação feita, o Tribunal não pode considerar que o Reclamante tenha cumprido o ónus da prova de tal alegado, não demonstrando que a prestação de garantia lhe irá causar um prejuízo irreparável.
Com efeito, nem no requerimento de dispensa de prestação de garantia, nem em sede da presente reclamação, o Reclamante, embora invocando a ocorrência de prejuízo irreparável com a prestação de garantia, comprovou razões plausíveis que levam a crer pela existência de uma séria probabilidade de ele vir a ocorrer.
É certo que, conforme alegado e ficou assente nos autos (cfr. alíneas G) e H) do probatório), sobre o salário da Reclamante incidem duas penhoras.
Mas, não obstante tal argumentação, julgamos não ter a Reclamante cumprido o já mencionado ónus da prova da conclusão a que faz conduzir os factos por si articulados.
Até porque, desde logo, a Reclamante não demonstrou que não possui bens imóveis ou móveis que possam servir de garantia a prestar.
Relembra-se que, como supra foi referido, resulta dos autos que a Reclamante é titular do direito de propriedade de um imóvel penhorável, pelo que através deste imóvel a Reclamante pode garantir (ainda que, admita-se, parcialmente) a dívida exequenda e o acrescido sem que esta garantia possa causar prejuízo irreparável.
E não se pode olvidar que, como se afirma no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29.11.2011 (processo n.º 5169/11), “[d]ano irreparável não é o mesmo que dano de difícil reparação (cfr.artº.120, nº.1, alªs.b) e c), do C.P.T.A.), e muito menos o mesmo que prejuízo considerável (cfr.artº.692, nº.4, do C.P.Civil). Não basta, pois, que o reclamante alegue e prove o risco de lesão considerável, ou até de lesão de difícil reparação (em resultado da actuação da A. Fiscal no âmbito do processo de execução fiscal). Antes é necessário que o dano invocado e objecto de prova tenha a característica de irreparável, que não seja susceptível de reparação”. O que não se demonstrou no caso concreto”.

Vejamos, então, importando agora ter presentes as conclusões Vinte e Um e ss, não perdendo de vista o requerimento inicial apresentado junto da AT.

Ora, é manifesto, como o Tribunal a quo concluiu, que a reclamante, ora Recorrente, jamais demonstrou (sendo, aliás, a própria alegação muito incipiente) que a prestação da garantia lhe causa um prejuízo irreparável.

A este propósito, na petição que está na origem da sentença recorrida, a Reclamante pouco mais diz, que:

“A executada não tem bens que possam servir como garantia idónea neste processo de execução fiscal;

Como já se verificou, esta situação é responsabilidade da ... ... e da ..., que não cumpriram o contrato acordado e ainda da Câmara Municipal de ..., que continua a exigir um valor que não tem direito, sem as obras conclusas;

Claramente se pose verificar o prejuízo irreparável que decorrerá apenas da tentativa de prestar garantia, não sendo tal possível à Executada sem ficar totalmente arruinada”.

Ora, salvo o devido respeito, a afirmação do prejuízo irreparável, a alusão à circunstância de a executada “ficar totalmente arruinada” é, no caso, meramente conclusiva, não vindo alegado, nem demonstrado, um quadro factual, circunstanciado, que permita ao Tribunal concluir nos termos em que a Recorrente o faz.

Pergunta-se, a penhora do imóvel traduziria uma situação de prejuízo irreparável? A obtenção de outro tipo de garantia traduziria uma situação de prejuízo irreparável?

É certo que o Tribunal não desconsidera as penhoras que incidem sobre o vencimento da requerente. No entanto, e uma vez mais, deve lembrar-se que a própria exequente faz notar a existência de um imóvel penhorável, deixando antever a sua susceptibilidade para os fins em causa.

Ora, o que é verdade é que o ónus de alegação e prova, no que a este requisito respeita, não foi minimamente cumprido também, sendo, aliás de realçar, que como se refere no acórdão do TCA Sul de 28/11/13 (processo nº 7060/13) o seguinte:

“(…)

É que dano irreparável não é o mesmo que dano de difícil reparação (cfr.artº.120, nº.1, alªs.b) e c), do C.P.T.A.), e muito menos o mesmo que prejuízo considerável (cfr.artº.647, nº.4, do C.P.Civil; na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Não basta, pois, que o reclamante alegue e prove o risco de lesão considerável, ou até de lesão de difícil reparação (em resultado da actuação da A. Fiscal no âmbito do processo de execução fiscal). Antes é necessário que o dano invocado e objecto de prova tenha a característica de irreparável, que não seja susceptível de reparação. Prejuízo esse a analisar de acordo com as regras da experiência comum e segundo um juízo de probabilidade (teoria da causalidade adequada), mais sendo o carácter irreparável do mesmo derivado, desde logo, de uma conjuntura de impossível reparação ou reconstituição da situação existente.

No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa (cfr.ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/11/2011, proc.5169/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. edição, II volume, 2011, pág.595 e seg.).

Ora, nada disso se passa no caso “sub judice”, não vislumbrando o Tribunal “ad quem” que a executada/reclamante tenha prejuízos não susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa em virtude da prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal que corre termos no 4º. Serviço de Finanças de …, sob o nº………………….

Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida tenha efectuado uma incorrecta interpretação do artº.52, nº.4, da L.G.T., e do artº.170, do C.P.P.T”.

Não vindo equacionada qualquer outra questão, há que concluir, sem necessidade de mais amplas considerações, pela improcedência do presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.


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3 - DECISÃO

Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 15/12/16


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)