Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09624/16
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO. ARTº.100, DA L. G. TRIBUTÁRIA.
TEORIA DA RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL HIPOTÉTICA.
JUROS DE MORA.
ARTº.102, DA L.G.T.
ARTº.43, Nº.5, DA L.G.T., ADITADO PELA LEI 64-B/2011, DE 30/12 (OE 2012).
EXECUÇÃO ESPONTÂNEA DA DECISÃO ANULATÓRIA DEVERÁ EFECTUAR-SE NO PRAZO DE 30 DIAS (ARTº.175, Nº.3, DO C.P.T.A.).
PRAZOS PROCEDIMENTAIS. CÔMPUTO NOS TERMOS DO ARTº.72, Nº.1, DO C.P.A., À DATA EM VIGOR.
NÃO POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DAS DUAS ESPÉCIES DE JUROS, INDEMNIZATÓRIOS E MORATÓRIOS, NO ÂMBITO DO ARTº.43, Nº.5, DA L.G.T.
Sumário:1. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.
2. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).
3. Nos termos da lei os juros de mora são devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória (artº.102, da L.G.T.), prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial cuja execução se pede e não com a data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da A. Fiscal competente para a execução, pelo que deve considerar-se que o artº.146, nº.2, do C.P.P.Tributário, ao prever coisa diferente, assim afrontando o artº.100, da L. G. Tributária e o artº.205, nº.2, da Constituição da República, é material e organicamente inconstitucional.
4. Quanto ao período e à taxa a aplicar aos juros de mora, responde actualmente a estas questões o artº.43, nº.5, da L.G.T., aditado pela Lei 64-B/2011, de 30/12 (OE 2012), no qual prevê o legislador a dívida de juros de mora, computados a partir do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito respectiva, a uma taxa equivalente ao dobro da definida na lei geral para os juros de mora a favor do Estado. Estamos perante regime de natureza excepcional, o qual deve ser concatenado com o mencionado artº.102, nº.2, da L.G.T.
5. O C.P.T.A. prevê na execução de sentenças de anulação de actos administrativos, um prazo de execução espontânea de trinta dias, no caso de pagamento de quantia certa, e de três meses nos restantes casos, nos termos do artº.175, nºs.1 e 3, do citado diploma. A execução dos julgados anulatórios de actos de liquidação, nos casos em que a quantia liquidada foi cobrada e o acto não pode ser renovado, reconduzir-se-á ao pagamento ao contribuinte da quantia indevidamente paga, acrescida, ou não, de juros indemnizatórios. Por isso, relativamente ao imposto indevidamente cobrado, a execução espontânea da decisão anulatória deverá efectuar-se no prazo de 30 dias previsto no artº.175, nº.3, do C.P.T.A.
6. Quanto ao termo final do prazo de execução espontânea, cumpre salientar que os prazos peremptórios previstos no artº.175, nºs.1 e 3, do C.P.T.A., são prazos procedimentais, pelo que são contados de harmonia com o disposto no artº.72, nº.1, do C.P.A., à data em vigor, suspendendo-se nos sábados, domingos e feriados.
7. No caso previsto neste novo artº.43, nº.5, da L.G.T., a atribuição dos juros de mora a favor do contribuinte tem por consequência, em virtude da prevalência do aludido princípio da não cumulabilidade dos juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, o pagamento dos juros indemnizatórios teria que se restringir ao termo final a fixar na data em que findou o prazo para execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado, tudo visando a harmonização interpretativa das normas constantes dos artºs.43, nº.5, da L.G.T., e 61, nºs.4 e 5, do C.P.P.T., mais sendo estas últimas objecto de uma interpretação restritiva.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.50 a 59 do presente processo, através da qual, além do mais, julgou procedente a execução de julgado de decisão judicial já transitada e exarada em processo de impugnação, no que diz respeito ao pagamento de juros de mora por parte da A. Fiscal.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.74 a 87 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso vem interposto contra a sentença de 21/11/2012, proferida em sede de execução de julgado da sentença do TAF Almada, na parte em que a mesma, no ponto II) do seu segmento decisório, determina o seguinte: “Procedente o pedido de pagamento de juros de mora, condenando-se a administração tributária a, no prazo de 30 dias, efectuar o pagamento ao Autor de juros de mora, calculados sobre o montante de € 5.596,68, a partir de 29/01/2013 até a data da emissão da nota de crédito, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”;
2-Na pendência do julgado, a AT efectuou o pagamento de juros indemnizatórios no montante de € 921,84, pelo período contínuo de 12/05/2009 a 22/06/2013;
3-A decisão incorre em erro de direito ao fixar o prazo de execução espontânea em 30 dias;
4-O prazo de execução espontânea da decisão em causa não se enquadra no n.º 3 do artigo 175.º CPTA, mas sim o seu n.º 1 (i.e., três meses), porquanto a execução do julgado não se reconduz ao mero pagamento de uma quantia pecuniária, que desde logo se mostre certa e líquida, mas antes à prática de atos administrativos;
5-O cumprimento do dever de executar uma decisão judicial que anule esse ato administrativo passa pela necessária constituição da administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato em causa não tivesse sido praticado (artigo 173.º CPTA);
6-A AT não se conforma com a sentença na parte sob recurso por considerar que a entidade ora recorrida já está plenamente ressarcida quanto aos juros devidos pelo retardamento na restituição do imposto anulado, quer no período que antecedeu o prazo legal para execução espontânea do julgado, quer no período subsequente que terminou com a emissão da nota de crédito, sendo seu entendimento que relativamente ao mesmo período de tempo, no caso de 29/01/2013 a 24/06/2013, não são devidos juros de mora, ou que o seu cômputo inicial nunca se poderá fixar em 29/01/2013 mas sim em 24/04/2013, sendo que após essa data apenas e só serão devidos juros moratórios e não indemnizatórios;
7-A questão decidenda é uma questão de direito, mais concretamente a de saber qual o termo inicial de cálculo dos juros de mora previstos no art. 43º da LGT quando a AT não cumpre espontaneamente o julgado no prazo expressamente previsto para o efeito, constituindo-se em mora nos termos do nº 2 do art. 102º da LGT;
8-A jurisprudência do STA que tem vindo a pronunciar-se, uniformemente, no sentido de que não há cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora relativamente ao mesmo período temporal por não se poder justificar uma dupla compensação pela mesma privação de disponibilidade da quantia indevidamente paga (por ex. os acórdão de 19/12//2001, recurso nº 26608, de 20/10/2004, recurso nº 338/04, de 02/05/2007, recurso nº 9/7, de 02/03/2011, no processo nº 0880/11);
9-Mais concretamente que “em virtude da liquidação ilegal são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do art. 102º, nº 2”, conforme acórdão de 02/07/2008, no processo nº 0303/08, e acórdão de 17/06/2009, no processo nº 0447/07, nos quais se remete para o autor Lima Guerreiro, na sua Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, páginas 420-421;
10-Ambos os juros partilham a mesma natureza indemnizatória, o que resulta da jurisprudência e da doutrina anteriores à redacção do nº 5 do art. 43º da LGT introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12 (OE 2012), a propósito quer da taxa de juros de mora, ao concluir que seria a taxa prevista para os juros indemnizatórios, quer a propósito da não cumulação de juros de mora e juros indemnizatórios no mesmo período temporal sob pena de duplicação injustificada de reparação do mesmo prejuízo;
11-Sendo pacífico na jurisprudência que a “a taxa dos juros moratórios a favor do contribuinte é a taxa de juros legal de 4% ao ano”, conforme entendimento sufragado pelo STA no acórdão de 31/01/2008, no processo nº 0839/07, e acórdão de 02/07/2008, no processo nº 0303/08, sendo aquela função reparadora concretizada, nas duas espécies de juros, através da mesma taxa de juros legais, fixada ao abrigo do art. 559º do Código Civil;
12-Quanto aos respectivos períodos de retardamento, pronunciou-se o STA, considerando que “em virtude da liquidação ilegal são devidos juros indemnizatórios até que se complete o prazo de execução espontânea da decisão judicial; após este prazo, e até integral pagamento, são devidos juros moratórios nos termos do art. 102º, nº 2”, conforme acórdão de 02/07/2008, no processo nº 0303/08, e acórdão de 17/06/2009, no processo nº 0447/07, nos quais se remete para o autor Lima Guerreiro, na sua Lei Geral Tributária anotada, Editora Rei dos Livros, páginas 420-421;
13-Daquelas teses resulta, em síntese, que existindo incumprimento da execução espontânea do julgado e havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, aos respectivos períodos de retardamento aplica-se a mesma taxa legal de 4% ao ano, inexistindo cumulação de juros indemnizatórios e juros de mora relativamente ao mesmo período temporal;
14-Com o aditamento daquele nº 5 o legislador passou a dispor expressamente sobre qual a taxa dos juros de mora previstos no nº 2 do art. 102º da LGT, mais concretamente que “são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”;
15-Alcançou-se, deste modo, uma igualdade de tratamento entre os juros de mora devidos ao contribuinte e os juros de mora devidos ao Estado, conforme resulta da redacção do nº 3 do art. 44º da LGT introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12;
16-A entender-se de outro modo, o legislador teria acolhido uma solução legislativa manifestamente desproporcional e destituída de qualquer justificação razoável;
17-Juros indemnizatórios e juros moratórios a favor do contribuinte são, portanto, duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função logo não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo;
18-Nos termos do supra exposto, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando a sentença recorrida na parte em que a mesma condena a AT ao pagamento de juros de mora, a partir de 29/01/2013 até a data da emissão da nota de crédito, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dividas ao Estado e outras entidades públicas.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo (cfr.fls.102 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.51 e 52 dos autos - numeração nossa):
1-Por sentença proferida em 21/11/2012, no âmbito do processo de impugnação judicial que correu termos neste Tribunal sob o n.º …/09.9BEALM foi julgada procedente a impugnação e anulada a liquidação adicional de IRS do ano de 2006 e juros compensatórios, mais sendo determinado o pagamento de juros indemnizatórios a favor do impugnante, Rafael … (cfr.sentença constante de fls.81 a 90 do processo de impugnação apenso);
2-A liquidação anulada pela sentença identificada no número anterior foi paga pelo autor/impugnante em 12/05/2009 (cfr.documento junto a fls.19 do processo de impugnação apenso);
3-A sentença referida no nº.1 foi notificada às partes em 22/11/2012 (cfr.documentos juntos a fls.91 e 92 do processo de impugnação apenso);
4-A notificação da sentença ao ora autor, em 22/11/2012, veio devolvida (cfr. documentos juntos a fls.91 e 94 do processo de impugnação apenso);
5-E foi novamente notificada ao autor em 27/11/2012 (cfr.documento junto a fls.95 do processo de impugnação apenso);
6-Em 22/03/2013 o processo de impugnação foi remetido ao Serviço de Finanças de … (cfr.termo de remessa junto a fls.108 do processo de impugnação apenso);
7-A presente petição de execução deu entrada no Tribunal em 14/06/2013 (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.1 dos presentes autos);
8-Em 24/06/2013 foi dada ordem de transferência n.º … no valor de € 5.596,68, a qual foi rejeitada em 01/07/2013 (cfr.documento junto a fls.25 dos presentes autos);
9-Através de cheque n.º …, emitido em 02/07/2013, foi pago ao autor o valor de € 5.596,68 (cfr.documento junto a fls.25 dos presentes autos; articulado junto a fls.20 a 23 dos presentes autos);
10-Em 13/04/2015 foi pago ao autor o valor de € 921,84, a título de juros indemnizatórios, calculado à taxa de 4% sobre o valor de € 5.596,68, pelo período de mil quinhentos e três dias - 1503 - de 12/05/2009 até 22/06/2013 (cfr.documentos juntos a fls. 40 a 43 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a execução de julgado da sentença exarada no processo de impugnação judicial apenso, nos termos seguintes (cfr.fls.59 dos presentes autos):
a) extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, relativamente aos pedidos de restituição do imposto pago indevidamente, no montante de € 5.596,68, tal como em relação ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
b) improcedente quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios computados sobre os juros de mora;
c) procedente no que diz respeito ao pedido de pagamento, por parte da A. Fiscal e no prazo de trinta dias, de juros moratórios calculados com base no montante de € 5.596,68, a partir de 29/01/2013 e até à data de emissão da nota de crédito respectiva, a uma taxa equivalente ao dobro da definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Antes de mais, se dirá que o objecto do recurso implica o não trânsito em julgado da decisão recorrida, tando na vertente do pagamento de juros moratórios, como no prisma do pagamento de juros indemnizatórios.
O recorrente discorda do decidido sustentando, em sinopse, que o prazo de execução espontânea da decisão em causa não se enquadra no artº.175, nº.3, do C.P.T.A., mas sim o seu nº.1 (i.e. três meses), porquanto a execução do julgado não se reconduz ao mero pagamento de uma quantia pecuniária, que desde logo se mostre certa e líquida, mas antes à prática de actos administrativos. Que os juros indemnizatórios e os juros moratórios a favor do contribuinte são duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função, logo não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo. Que de 29/01/2013 a 22/06/2013 não são devidos juros de mora, visto já terem sido pagos juros indemnizatórios. Que deve revogar-se a sentença recorrida na parte em que a mesma condena a A. Fiscal ao pagamento de juros de mora, a partir de 29/01/2013 e até à data da emissão da nota de crédito (cfr. conclusões 1 a 18 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão (cfr.artº.43, da L.G.T.).
Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc.5110/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/9/2013, proc.6718/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2014, proc.7714/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.868 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.526 e seg.).
A A. Fiscal está, assim, obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses protegidos dos administrados. Tal constitui uma simples explicitação do princípio geral de direito que nos diz que devem ser apagados todos os efeitos jurídico-práticos consequentes de um acto ilícito (cfr.artº.562, do C.Civil).
A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1003/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/7/2006, proc. 1258/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/1/2007, proc.205/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2014, proc.7714/14; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc. 8862/15; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.869).
No caso "sub judice", haverá que saber se o recorrente está obrigado ao pagamento de juros moratórios e, em caso afirmativo, qual o período em que se devem computar tais juros, mais se devendo extrair ilações do deliberado, quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, no que diz respeito ao prazo.
Estipula o artº.102, nº.2, da L.G.T., que em caso de a sentença implicar a restituição do tributo já pago, serão devidos juros de mora, a pedido do contribuinte, a partir do termo do prazo da sua execução espontânea. A previsão de juros moratórios a favor do contribuinte é uma inovação da Lei Geral Tributária que até então não existia.
Nos termos da lei os juros moratórios são devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória, prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial cuja execução se pede e não com a data em que o processo tiver sido remetido ao órgão da A. Fiscal competente para a execução, pelo que deve considerar-se que o artº.146, nº.2, do C.P.P.Tributário, ao prever coisa diferente, assim afrontando o artº.100, da L.G.Tributária, e o artº.205, nº.2, da Constituição da República, é material e organicamente inconstitucional (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/3/2009, rec.983/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc.6718/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc.8862/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.528; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.887).
De acordo com a doutrina e jurisprudência, quase unânimes, os juros indemnizatórios e moratórios destinam-se a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente paga (no caso, tardiamente paga pela Fazenda Pública), pelo que não são cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 17/6/2009, rec.447/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/5/2013, rec.1008/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc.8862/15; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.109 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.346).
Quanto ao período e à taxa a aplicar aos juros de mora, responde actualmente a estas questões o artº.43, nº.5, da L.G.T., aditado pela Lei 64-B/2011, de 30/12 (OE 2012), no qual prevê o legislador a dívida de juros de mora, computados a partir do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito respectiva, a uma taxa equivalente ao dobro da definida na lei geral para os juros de mora a favor do Estado. Estamos perante regime de natureza excepcional, o qual deve ser concatenado com o mencionado artº.102, nº.2, da L.G.T. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/10/2013, rec.955/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8379/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc.8862/15; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.344 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.376 e seg.).
"In casu", o recorrente começa por questionar o prazo de execução espontânea da decisão, o qual não se enquadra no artº.175, nº.3, do C.P.T.A., mas sim o seu nº.1 (i.e. três meses).
O termo inicial do prazo para execução espontânea da decisão judicial ocorreu com o trânsito em julgado da sentença exarada no processo de impugnação nº.835/09.9BEALM, portanto em 14/12/2012, tudo conforme decidiu o Tribunal "a quo".
Fixado o termo inicial, importa agora fixar o termo final e a sua forma de contagem.
O C.P.T.A. prevê na execução de sentenças de anulação de actos administrativos, um prazo de execução espontânea de trinta dias, no caso de pagamento de quantia certa, e de três meses nos restantes casos, nos termos do artº.175, nºs.1 e 3.
No caso dos autos, a sentença determinou a anulação da liquidação de I.R.S. relativa ao ano de 2006 e condenou a A. Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios. E embora a sentença não tenha condenado o recorrente na restituição do imposto indevidamente pago deve vincar-se que a execução dos julgados anulatórios de actos de liquidação, nos casos em que a quantia liquidada foi cobrada e o acto não pode ser renovado, reconduzir-se-á ao pagamento ao contribuinte da quantia indevidamente paga, acrescida, ou não, de juros indemnizatórios. Por isso, relativamente ao imposto indevidamente cobrado, a execução espontânea da decisão anulatória deverá efectuar-se no prazo de 30 dias (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.531 e seg.).
Quanto ao termo final do prazo de execução espontânea, cumpre salientar que os prazos peremptórios previstos no artº.175, nºs.1 e 3, do C.P.T.A., são prazos procedimentais, pelo que são contados de harmonia com o disposto no artº.72, nº.1, do C.P.A., à data em vigor, suspendendo-se nos sábados, domingos e feriados, pois apenas em prazos legalmente fixados em mais de seis meses esses dias se incluem, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.531 e seg.; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.1125).
Com estes pressupostos, o referido prazo de 30 dias, computado nos termos do artº. 72, nº.1, do C.P.A., suspende-se nos sábados, domingos e feriados o que, aplicado ao caso em apreço, significa que o prazo para execução espontânea iniciado em 14/12/2012, contado nos termos acima referidos (30 dias úteis) terminou no dia 28/01/2013.
Concluindo, o prazo de execução espontânea da decisão findou em 28/01/2013, na vertente do pagamento do imposto indevidamente cobrado, ou seja, em 29/01/2013 iniciou-se o prazo de contagem dos juros de mora, tudo conforme decidiu o Tribunal "a quo" (cfr.artº.279, al.b), do C.Civil).
Passemos ao exame da questão do pagamento dos juros de mora.
Nesta matéria, tem vindo a ser entendimento quase unânime da doutrina e jurisprudência que os juros indemnizatórios e moratórios não são cumuláveis relativamente ao mesmo período de tempo, uma vez que se destinam a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tributária indevidamente paga, tudo conforme já aludido supra (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc.8862/15; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.344 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.376 e seg.).
No caso em apreço os juros indemnizatórios foram pagos relativamente ao período compreendido entre a data do imposto pago indevidamente - 12/05/2009 - e a data da emissão da nota de crédito, em 22/06/2013 (cfr.nº.10 do probatório). Assim, a haver lugar ao pagamento de juros de mora, os mesmos serão devidos pelo período compreendido entre 29/01/2013 (1.º dia seguinte ao termo do prazo para execução espontânea) e 22/06/2013. O que significa que juros de mora e juros indemnizatórios coincidem naquele período temporal (29/01/2013 e 22/06/2013).
Ora de acordo com a citada jurisprudência sobre a impossibilidade de acumulação de juros indemnizatórios com juros de mora, o autor/recorrido não teria direito ao pagamento de juros de mora ou, por outro lado, o pagamento dos juros indemnizatórios teria que se restringir ao termo final a fixar na data em que findou o prazo para execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado (28/1/2013), tendo em vista a harmonização interpretativa das normas constantes dos artºs.43, nº.5, da L.G.T., e 61, nºs.4 e 5, do C.P.P.T., mais sendo estas últimas objecto de uma interpretação restritiva.
E recorde-se que o citado artº.43, nº.5, da L.G.T., aditado pela Lei 64-B/2011, de 30/12 (com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2012) passou a prever que são devidos juros de mora pelo período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito respectiva, a uma taxa equivalente ao dobro da definida na lei geral para os juros de mora a favor do Estado. Tratando-se de um regime de natureza excepcional e sancionatória, entendemos, apesar disso, que os mesmos não serão cumuláveis com os juros indemnizatórios, no mesmo período de tempo, tudo conforme a jurisprudência uniforme a que se alude supra (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/4/2016, proc.8784/15).
Atento o referido, concordamos com o Tribunal "a quo", no sentido de o autor/recorrido ter direito a juros de mora, nos termos das disposições conjugadas dos artºs.43, nº.5, e 102, nº.2, da L.G.T., pelo período compreendido entre 29/01/2013 e 22/06/2013, mais sendo a taxa aplicável, atento o disposto no citado artº.43, nº.5, da L.G.T., a equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, taxa essa que, para o ano de 2013, se fixou em 6,112% (cfr. Aviso n.º 17289/2012, de 14 de Dezembro, publicado no DR 2.ª série, n.º 251, de 28 de Dezembro de 2012).
Apesar disso, em virtude da prevalência do aludido princípio da não cumulabilidade dos juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, deve revogar-se a decisão recorrida na vertente em que sancionou o pagamento de juros indemnizatórios em relação ao dito período temporal que medeia entre 29/01/2013 e 22/06/2013, o qual, no caso concreto, é abarcado pela previsão da norma constante do examinado artº.43, nº.5, da L.G.T., pagamento este em relação ao qual a A. Fiscal deverá operar a devida compensação, no âmbito do pagamento dos juros de mora em que também vai condenada.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, este Tribunal revogará a decisão recorrida na parcela em que sancionou o pagamento de juros indemnizatórios em relação ao dito período temporal que medeia entre 29/01/2013 e 22/06/2013, mais a mantendo no restante, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, na parcela em que sancionou o pagamento de juros indemnizatórios em relação ao período temporal que medeia entre 29/01/2013 e 22/06/2013;
2-NO MAIS, MANTER A DECISÃO do Tribunal “a quo”.
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Condenam-se as partes em custas, na proporção do respectivo decaimento.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 13 de Julho de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)