Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11440/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:09/25/2014
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:DIREITO DE ASILO – RETOMA DO INTERESSADO
Sumário:1. O Estado Português não deve proceder à decisão do novo pedido de asilo, caso o requerente tenha formulado em data anterior pedido idêntico junto de outro Estado Membro, titular da competência na medida em que o pedido de asilo é decidido por um único Estado Membro – cfr. artºs. 3º nº 1 e 18º nºs. 1 d) e 2 do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, 26.06.

2. Tendo o SEF apresentado um pedido de retoma do interessado junto das autoridades do Estado Membro primeiramente solicitado na formulação do pedido de asilo e aceite tal retoma, o SEF está obrigado a transferir o interessado para aquele Estado Membro – cfr. artº 37º n.ºs. l a 3 da Lei 27/2008, 30.06.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Uthayalingam ………., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. O Recorrente requereu pedido de asilo junto da Recorrida, MAI, o qual lhe foi indeferido por despacho de 19/03/2014, determinando o mesmo que fosse transferido para França, ao abrigo do art. 18.° n.°l ai. d) do Regulamento (CE) n.°604/2013 do Conselho de 26 de Junho, discordando o Recorrente com tal despacho intentou acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra a Recorrida, onde pediu a anulação do despacho proferido pela Recorrida e que lhe seja concedido o direito de asilo ou em alternativa a autorização de residência do Recorrente por razões humanitárias.
2. O Recorrente funda o seu pedido no facto de ter sido vitima de ameaças de morte, de perseguição e tortura pelos militares do seus país de origem (Sri Lanka), em virtude de ter prestado apoio ao grupo de guerrilha LTTE - Liberation Tigers Tamil Ealen, sendo que ainda somente está vivo, devido a ter fugido para a Malásia e, depois de dois a três meses, foi para França, onde requereu pedido de asilo, tendo o mesmo sido ndeferido, perante a situação concreta do Recorrente o Estado Francês somente poderá não ter analisado correctamente o seu pedido, para ser alvo de indeferimento, sendo que este país não percebeu o seu problema e que inexistiu pronúncia sobre questões como a informação sobre o seu país de origem, sobre elementos probatórios, nomeadamente relatórios médicos do Recorrente, que ainda hoje detém marcas no seu corpo, devido à tortura de que foi vitima no seu país de origem.
3. Assim ter-se-á de concluir forçosamente que a transferência de Portugal para França irá ser um sério e grave risco de reenvio directo para o seu país de origem, onde irá ser vitima novamente de perseguições e torturas físicas e psicológicas.
4. IV. Pelo que o pedido de asilo apresentado pelo Recorrente deveria ter sido deferido, nos termos do art.3.° da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos Fundamentais, o principio de "non-refoulement", previsto no art. 33.° da Convenção de Genebra, o n.°2 art. 3.° e l 9.° do regime jurídico aprovado pela Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, o art. 7 PIDPC, o art. 3.° da CEDH, o art. 25.° da CRP, o art. 8.° da Lei n.° 15/98, de 26 de Março.
5. Ora o tribunal de l .a instância decidiu, na douta decisão objecto de recurso, que "as razões invocadas pelo A. de que o seu pedido de asilo apresentado em França não foi devidamente considerado, para além de serem meramente conclusivas, não relevam, uma vez que não se reconduzem a nenhuma das situações do art. 3.° n.°3 do regulamento (EU) n.° 604/201 3 do Parlamento Europeu".
6. Ao invés do declarado na decisão objecto de recurso, na verdade, é notório, que se encontram preenchidos os requisitos que permitem concluir que a fundamentação do pedido de asilo do ora Recorrente, se baseia, em resumo, nos "fundados receios de perseguição e morte.
7. O conselho Português para os refugiados emitiu parecer, no qual se pronunciou por "admissiblilidade do pedido de asilo, propondo a sua consequente instrução, nos termos do art. 28.° da Lei n."27/2008, de 30 de Junho, com vista à concessão ao requerente de protecção subsidiária, nos termos do art. 7.° do mesmo diploma"
8. Pelo que os factos alegados pelo Recorrente dever-se-ão presumir como verdadeiros, devendo-se aceitar o pedido de asilo ou, pelo menos, da protecção subsidiária de concessão de autorização de residência por razões humanitárias - ai. c) do art. 7° da Lei n° 27/08 de 30/06.
9. De acordo com o ponto 204, o Manual de Procedimentos do ACNUR refere que o benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quandotodos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos, o que é o caso.
10. Como se pode ler no Ac. deste TCAS de 24/02/2011, Rec. 07226/11, proferido em caso semelhante ao dos presentes autos, «(...) o princípio do "non - refoulement", nos termos do qual é assegurada a proibição de quaisquer formas de perturbação da segurança do indivíduo, incluindo o retorno forçado ou a negação do estatuto que o possa colocar em risco e insegurança directa ou indirecta. O princípio de "non -refoulement" significa que ninguém será expulso ou reenviado para um país onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas e aplica-se sempre que alguém se encontra no território, ou nas fronteiras de um determinado país, independentemente de ter sido, ou não, formalmente reconhecido o seu estatuto de refugiado.
11. Na alínea t) do n. 7 do artigo 2. ° da Lei n. ° 27/2008, de 30 de Junho estatui-se que deve entender-se por "Proibição de repelir" (princípio de não repulsão ou non -refoulement) o princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33. ° da Convenção de Genebra, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, directa ou indirecta, para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta protecção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave.
12. No caso em apreço o elemento objectivo conduz a que para o requerente de asilo, ora autor, a cidade de (...) seja um lugar pouco seguro (...) Pelo que se vislumbra a razão humanitária fundada para o não regresso. Razão porque se afigura ter sido demonstrada a necessidade de protecção subsidiária, e a concessão de autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão autor no presente processo.
13. Daí que se afigure ter sido demonstrada igualmente a necessidade de protecção subsidiária, e a concessão de autorização de residência por razões humanitárias ao ora Recorrente, devendo ser enquadrado nos critérios de concessão da protecção subsidiária, e mais concretamente os constantes da alínea c) do artigo T da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho.
14. Resulta do supra citado diploma relativo à protecção subsidiária que o acolhimento do pedido de protecção internacional do requerente exigirá a demonstração de uma impossibilidade objectiva de regresso ao seu pais de origem, em consequência de ameaça grave contra a sua vida ou integridade física, resultante da violação generalizada e indiscriminada dos direitos humanos no seu país de origem (destaque nosso).
15. A disposição em questão resulta da transposição, para a ordem jurídica nacional, operada pelo artigo 7° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, do regime contido na directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, a sua interpretação deverá, em consequência, atender ao espírito das normas comunitárias que lhe subjazem, concretamente aos artigos 2° alínea e) e l 5° alínea c) daquele diploma.
16. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) afirma que " (...) a existência de " uma ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física do requerente da protecção subsidiária não está subordinada à condição de este fazer prova de que é visado especificamente em razão de elementos próprios da sua situação pessoal; a existência de tal ameaça pode excepcionalmente ser dada como provada quando o grau de violência indiscriminada que caracteriza o conflito armado em curso, apreciado pelas autoridades nacionais competentes que devam pronunciar-se sobre um pedido de protecção subsidiária ou pelos órgãos jurisdicionais de um Estado Membro chamados a apreciar uma decisão de indeferimento de tal pedido, seja de um nível tão elevado que existem motivos significativos para acreditar que um civil expulso para o país em causa ou, eventualmente, para a região em causa poderia correr, pelo simples facto de se encontrar no território destes, um risco real de sofrer tal ameaça".
17. A não ser concedido o pedido de asilo ou a autorização de residência por razões humanitárias ao Recorrente estar-se-á a violar os art. 33.° da Convenção de Genebra, o n.°2 art. 3.° e 19.° do regime jurídico aprovado pela Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho, o art. 7 PIDPC, o art. 3.° da CEDH, o art. 25.° da CRP, o art. 8.° da Lei n.° 1 5/98, de 26 de Março.

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O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras contra-alegou, concluindo como segue:

1. A douta sentença decidiu em conformidade com os comandos imperativos ínsitos na legislação aplicável - o Regulamento (UE) N.° 504/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e a Lei n° 27/2008, de 30 de Junho, não padecendo de qualquer vício de forma ou de direito.
2. O ora Recorrente apresentou, aos 25/02/2014, pedido de asilo no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF (GAR/SEF), mas apurou-se que, aos 23/03/2010, já tinha apresentado pedido de asilo em França, o que foi determinou que esse País fosse considerado o Estado responsável pela retoma a cargo.
3. Nesta conformidade, o GAR/SEF efectuou, aos 19.03.2014, um pedido de tomada a cargo do Autor às autoridades francesas ao abrigo do artigo 18° n° 1 d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, pedido esse aceite no mesmo dia por aquelas autoridades.
4. Nos termos previstos no citado Regulamento, nomeadamente no art° 18° n° 1 d), o Estado português é responsável pelas medidas de execução de transferência (cf. art° 38a da Lei n° 27/2008).
5. O referido Regulamento rege sobre os critérios e os mecanismos de determinação da responsabilidade da análise dos pedidos de protecção internacional apresentados nos Estados Membros, visando, a par, dá garantia de acesso efectivo aos procedimentos de determinação daquele estatuto, assegurar a certeza e segurança jurídicas na matéria ao nível da EU.
6. Procura, igualmente, impedir a utilização abusiva dos procedimentos de asilo, sob a forma de pedidos múltiplos apresentados pela mesma pessoa em diversos Estados Membros, com o único objectivo de prolongar a sua estadia nos Estados Membros (Asylum Shopping).
7. Foi justamente para evitar a multiplicação de pedidos de asilo por parte do ora recorrente que o ora Recorrido usou do n° 1 do art.° 37° da Lei n° 27/2008, de 30/06 (Lei de Asilo) e solicitou às autoridades congéneres francesas a "Retoma a Cargo" do ora A., pedido por estas aceite nos termos do art.° 18° n° 1 d) do // citado regulamento.
8. Atento o art° 37° n° 1 da Lei n° 27/2008 e os arts° 3° n° 1, 18° n° 1 d) e 20° n° 1 do Regulamento (UE) 604/13, resulta evidente que a decisão do ora Recorrido ( devidamente acolhida pela douta sentença ora recorrida) foi de encontro às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente, no que respeita ao fazer accionar o mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a França está vinculada e que gerou a sua decisão de aceitação.
9. A douta sentença recorrida é igualmente consentânea com a jurisprudência da UE que preceitua que " no caso de um estado-membro ter aceitado a tomada a cargo de um requerente de asilo (...) na qualidade de um Estado-Membro da primeira entrada do requerente de asilo no território da União Europeia, este só pode pôr em causa a escolha desse critério se invocar a existência de deficiências sistémicas no procedimento de asilo nesse Estado-membro que constituam razoes sérias e verosímeis de que o referido requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na acepção do artigo 4° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia" (cf. Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 10/12/2013, publicado em 15/02/2014, no processo C-394/12). No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21/12/2011, processos C-411/10 e C-493/10.
10. Acresce que no presente recurso jurisdicional (tal como na PI da 1a instância), o ora Recorrente se limita a referir, de modo conclusivo que " (...) perante a situação concreta (...) o Estado Francês somente poderá não ter analisado correctamente o seu pedido, para ser alvo de indeferimento (...) este País não percebeu o seu problema (...) inexistiu pronúncia sobre questões como a informação sobre o seu país de origem, sobre elementos probatórios (...)".
11. Explicitando, persiste em alegar de forma genérica, alegadas insuficiências ou falta de rigor imputáveis às autoridades francesas, nada invocando de concreto para alicerçar esses juízos conclusivos, tal como a douta sentença ora recorrida bem julgou, considerando ainda aquela (e bem) que os factos invocados (não comprovados) " não relevam, uma vez que não se reconduzem a nenhuma das situações previstas no art.° 3° n.° 3 do Regulamento (UE) n° 604/2013 (...)".
12. O que se pode concluir da análise dos autos e do PA, tal como a douta sentença bem ajuizou, é que ora Recorrido procedeu de harmonia com as disposições legais vigentes - o citado Regulamento e a mencionada Lei.
13. Perante a verificação da existência de um pedido de asilo anterior formulado noutro Estado-membro, o ora Recorrido deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia a França (cf. art° 18° n° 1 d) do Regulamento UE n° 604/2013 e art° 37° n° 1 da Lei n° 27/2008, de 30/06), que aceitou tal responsabilidade, o que nos termos do art° 37o n° 2 da Lei n° 2772008 determinou a decisão de transferência de responsabilidade do Director-Nacional do SEF.
14. Estamos, portanto, perante um acto estritamente vinculado, (...) a validade dos actos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei (...) pela confrontação da f actualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei" (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. n° 08319/11).
15. No caso concreto, os factos demonstram, como a sentença recorrida bem determinou, que a responsabilidade pela apreciação do pedido do A. pertence a França, que a aceitou," daí impondo a lei como consequência imediata que fosse proferido o acto impugnado"(cf. o citado acórdão).
16. Não se vislumbra como poderia o órgão decidente ter atentado a todas as circunstâncias invocadas (...) quando é a própria Lei n° 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37°, n° 2, lhe impunha a actuação levada a efeito " (idem).
17. Temos por evidente que o ora Recorrido deu pleno cumprimento ao disposto no art° 18° n° 1 d) do Regulamento (EU) n° 604/2013 e no art° 37° n°s 1 e 2 da Lei n° 27/2008, e, bem assim, observou o disposto no art° 3° n° 1 do citado regulamento, como a douta sentença ora recorrida acolheu na sua fundamentação.
18. É, igualmente, insindicável, conforme a douta sentença também julgou, não existem, conforme estipula o art° 3° n° 2 do citado regulamento " motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse estado-membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante ", no caso a França, que levassem Portugal a não proferir a decisão de transferência ora impugnada.
19. Nesta conformidade, não há que apelar ao princípio do benefício da dúvida, nem tão pouco ao princípio da não repulsão, a averiguar em sede própria pelas autoridades responsáveis pela análise do pedido (as autoridades francesas), as quais, como é obvio, se regem por estes princípios, devidamente acautelados em diversas directivas, v.g. Directivas n°s 2004/83/CE, 2005/85/CE, 2011/95/UE e 2013/33/EU, que foram objecto de transposição na legislação francesa.
20. Ademais, quando aquelas tem de cumprir com o disposto no art° 18° n°2, 3° subpáragrafo do supra citado Regulamento que preceitua que " Nos casos previstos no n.° 1, alínea d), se o pedido tiver sido indeferido apenas na primeira instância, o Estado-Membro responsável assegura que a pessoa tenha, ou tenha tido, a oportunidade de se valer do recurso efectivo nos termos do artigo 46° da Directiva 2013/32/UE".
21. Urge concluir que a decisão de transferência do ora Recorrente em nada desrespeita as respectivas garantias enquanto requerente de protecção internacional, pois o procedimento de asilo e as condições de acolhimento em França não implicam qualquer tratamento desumano ou degradante nem risco objectivo (directo ou indirecto) de reenvio para o país de origem, atento os fundamentos de facto e de direito supra, que basearam a sentença ora recorrida.
22. Nesta sede, as autoridades nacionais, in casu, o SEF, não tem de analisar se os factos trazidos ao pedido e aos autos preenchem ou não os requisitos dos art°s 3° ou 7° da Lei n° 27/2008, sendo certo que continua a não perfilhar do entendimento aduzido a propósito da cláusula de inadmissibilidade prevista na alínea c) do n° 2 do art° 19° da Lei n° 27/2208, nomeadamente, da interpretação a contrario daquela.
23. Não se trata de verificar se o ora Recorrente preenche, ou não, claramente as condições para ser considerado refugiado (ou beneficiário de protecção subsidiária), mas de reiterar que não impende sobre Portugal nenhum dever de reapreciação nos termos do quadro legal supra referido, pelo contrário, está adstrito a proferir vinculadamente a decisão de transferência. 24a • Em suma, a validade do acto administrativo praticado pelo SEF é insindicável, tal como bem julgou a sentença ora recorrida.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. A A. diz ser natural do Sri Lanka - doe. de fls. 3 do P.A.
2. Em 23/03/2010, apresentou um pedido de asilo em França em 23/03/2010 - doe. de íls 9 do P.A. e acordo.
3. Em 25/02/2014 apresentou um pedido de asilo em Portugal - doe. de fls. 5 do P.A.
4. Em 11/03/2014, o SEF apresentou, às autoridades francesas, um pedido de tomada a cargo do A., ao abrigo do art.° 18.°, n.° l, ai. d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho - doe. de fls. 9 do P.A.
5. Tal pedido foi aceite pelas autoridades francesas. - doe. de fls. 9 do P.A.;
6. Em 19/03/2014, o Director Nacional Adjunto do SEF, determinou a transferência para a França do A. - doe. de fls. 11 a 13do P.A.;



DO DIREITO


A Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, revogando as Leis nºs 15/98, de 26 de Março, e 20/2006, de 23 de Junho.
De acordo com o disposto no artigo 3º da Lei nº 27/2008 de 30 de Junho, o direito de asilo é garantido aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em
consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa
humana (
n.° 1).
Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual. (n° 2).
A concessão da autorização de residência por razões humanitárias depende da verificação dos pressupostos previstos no artº 7º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.
Este preceito legal, sob a epígrafe "Protecção subsidiária", estabelece:
“1 - É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3° e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.”
O artº 6º, sob a epígrafe "Agentes da perseguição", para o qual remete o n.° 3, do supra transcrito artigo 7.°, estipula:
«1 - São agentes de perseguição:
a) O Estado;
b) Os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respectivo território;
c) Os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b), são incapazes ou não querem proporcionar protecção contra a perseguição, nos termos do número seguinte.
2- Para efeitos da alínea c) do número anterior, considera-se que existe protecção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adoptem medidas adequadas para impedir a prática de actos de perseguição, por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detectar, proceder judicialmente e punir esses actos, desde que o requerente tenha acesso a protecção efectiva”.


Importa ainda ter em conta que, no caso dos autos, resulta dos factos provados que o pedido do autor não chegou a ser objecto de apreciação por se ter constatado que o Autor formulara já um pedido de asilo num outro Estado membro – França.
A situação em causa, prevista no artº 17º do Regulamento (CE) n° 343/2003 de 18.02 e actualmente regulada nos artºs. 3º nº l e 18º nº l d) e nº 2, Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho, tem o seguinte enquadramento: “O Estado-Membro ao qual tenha sido apresentado um pedido de asilo e que considere que a responsabilidade pela análise desse pedido cabe a outro Estado-Membro pode requerer a este último que proceda à tomada a cargo o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da apresentação do pedido de asilo, na acepção do n.° 2 do artigo 4º”
Seguindo o regime do artº.16° nº 1 e) Regulamento (CE) 343/2003, mantido pelo Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho “O Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de asilo por força do presente regulamento é obrigado a: e) Retomar a cargo, nas condições previstas no artigo 20°, o nacional de um país terceiro cujo pedido tenha rejeitado e que se encontre, sem para tal ter recebido autorização, no território de outro Estado-Membro.”
No caso dos autos, foi requerida e aceite a retoma a cargo do ora Recorrente pelo Estado-Membro perante o qual formulara antecedentemente pedido de asilo, o que significa que o acto impugnado se mostra válido e eficaz por se enquadrar no âmbito das disposições legais enunciadas.
Neste sentido se pronuncia expressamente o Tribunal a quo, conforme segmento da sentença proferida que se transcreve.
“(..) no caso, como o A. entrou em França vindo da Malásia e aí apresentou, em 23/03/2010, um pedido de asilo, o Estado Português não deve proceder à decisão do novo pedido de asilo, uma vez que a competência é do Estado Francês e o pedido de asilo é decidido por um único Estado Membro - art.° 3.°, n.° l e art.° 18.°, n.° l, ai. d) e n.° 2, ambos do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
Tendo o SEF apresentado um pedido de retoma do A. junto das autoridades francesas e tendo estas aceite tal retoma, o SEF está obrigado a transferir o A. para França, tal como impõe o art.° 37.°, n.°s l a 3 do regime jurídico aprovado pela Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho.
Acresce que as razões invocadas pelo A. de que o seu pedido de asilo apresentado em França não foi devidamente considerado, para além de serem meramente conclusivas, não relevam, uma vez que não se reconduzem a nenhuma das situações previstas no artº 3º nº 3 do Regulamento (UE) nº 604/2013 do Parlamento Europeu, isto é, não está demonstrada a existência de motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes prestadas pelo Estado Francês, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Assim, o pedido não pode proceder. (..)”
Tendo precedência a anterioridade de pedido de asilo aceite pelo Estado Francês, improcedem todas as questões trazidas a recurso.

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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.

Em matéria de custas, o processo segue o regime da isenção tributária - artº 84º Lei 27/2008, 30.06.

Lisboa, 25.SET.2014

(Cristina dos Santos) ......................................................................................................

(Paulo Gouveia) .............................................................................................................

(Nuno Coutinho) ……………………………………………………………………